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Delito de Opinião

Feliz dia para todas as mães

Maria Dulce Fernandes, 02.05.21

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Mãezinha

A terra de meu pai era pequena
e os transportes difíceis.
Não havia comboios, nem automóveis, nem aviões, nem mísseis.
Corria branda a noite e a vida era serena.

Segundo informação, concreta e exacta,
dos boletins oficiais,
viviam lá na terra, a essa data,
3023 mulheres, das quais
43 por cento eram de tenra idade,
chamando tenra idade
à que vai desde o berço até à puberdade.
28 por cento das restantes
eram senhoras, daquelas senhoras que só havia dantes.
Umas, viúvas, que nunca mais (Oh nunca mais!) tinham sequer sorrido
desde o dia da morte do extremoso marido;
outras, senhoras casadas, mães de filhos...
(De resto, as senhoras casadas,
pelas suas próprias condições,
não têm que ser consideradas
nestas considerações.)

Das outras, 10 por cento,
eram meninas casadoiras, seriíssimas, discretas,
mas que, por temperamento,
ou por outras razões mais ou menos secretas,
não se inclinavam para o casamento.

Além destas meninas
havia, salvo erro, 32,
que à meiga luz das horas vespertinas
se punham a bordar por detrás das cortinas
espreitando, de revés, quem passava nas ruas.

Dessas havia 9 que moravam
em prédios baixos como então havia,
um aqui, outro além, mas que todos ficavam
no troço habitual que meu pai percorria,
tranquilamente, no maior sossego,
às horas em que entrava e saía do emprego.

Dessas 9 excelentes raparigas
Uma fugiu com o criado da lavoura;
5 morreram novas, de bexigas;
outra, que veio a ser grande senhora,
teve as suas fraquezas mas casou-se
e foi condessa por real mercê;
outra suicidou-se
não se sabe porquê.

A que sobeja
Chamava-se Rosinha.
Foi essa a que meu pai levou à igreja.
Foi a minha mãezinha.
 
António Gedeão
 
PS. Apesar de , para mim, no primeiro domingo de Maio não se comemorar o Dia da Mãe, nunca será demais celebrar a Mãe, ventre da vida. Bom domingo.

A idade dos meus pais

Teresa Ribeiro, 06.05.19

Quando penso nos meus pais, imagino-os quase sempre nos quarentas. Ainda vigorosos, na pujança da sua vida adulta. Nessa idade consigo situá-los convenientemente longe da juventude - nenhum filho vê os pais como jovens - mas também da velhice.

Quis saber se com outras pessoas, que já perderam os pais, acontece o mesmo e após breve sondagem percebi que não sou um caso raro. Mesmo se os pais chegam a idade avançada, existe alguma tendência para os recordar mais novos, sempre a rondar aquela faixa etária que os situa longe dos verdes anos, mas também dos primeiros sinais de decadência física. 

Sei bem porque os fixo nesse intervalo temporal. É sobretudo para elidir o que testemunhei quando as marcas do seu envelhecimento começaram a cobrir o futuro de sombras. Mas também para reconduzi-los ao lugar de onde nunca deveriam ter saído - o de guardiães da minha infância. Sem eles - ou sem a memória deles a exercer em pleno o seu papel - é como se a chave dos meus anos fundadores se perdesse e tivesse que passar a viver do lado de fora de mim.

 

Pôr fim à discriminação

Pedro Correia, 28.03.19

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Agora que tanto se fala - e muito bem - contra as discriminações, venho apontar uma. A do Dia do Pai, relativamente ao Dia da Mãe.

Esta última festividade calha sempre a um domingo, o que facilita imenso o convívio entre as mães e os filhos de qualquer idade. 

Pelo contrário, o Dia do Pai ocorre inevitavelmente a 19 de Março, o que na maioria dos anos - como na semana passada aconteceu - coincide com uma jornada de trabalho e de actividade escolar. Dificultando precisamente esse convívio que se desejaria incentivar.

Talvez não fosse má ideia transferir o Dia do Pai também para um domingo - neste caso o domingo imediatamente posterior a 19 de Março, por exemplo. Não seria medida original, na medida em que o Dia da Mãe se celebrou durante décadas a 8 de Dezembro antes da alteração que o deslocou para o primeiro domingo do mês de Maio.

Em alguns países europeus e americanos, o Dia do Pai festeja-se no primeiro ou no terceiro domingo de Junho. Provavelmente faz mais sentido. E põe fim à discriminação actual, em que o calendário propicia muito mais encontros dos filhos com as mães do que com os pais nos dias estipulados para o efeito.

O dia da Mãe

Patrícia Reis, 08.12.16

Para a minha mãe, para a minha avó e para mim, este é o dia da mãe. Não nos corre bem desde há uns anos, porque essa coisa em Maio veio tramar a malta e os filhos, de cada uma, tendem a esquecer-se do dia 8 de Dezembro, para mais quase em cima do Natal. Assim, temos um acordo que nos une, celebramos nós, telefonamos e festejamos. Para quem estiver connosco, pois tenham um feliz dia da Mãe.

No dia da mãe

Helena Sacadura Cabral, 03.05.15

Já disse lá no meu Fio de prumo que sou pouco dada à institucionalização de certas datas. E foi um borburinho de comentários tal, que até se permitiram fazer considerações sobre o meu carácter. 

Pois bem, junto mais esta comemoração àquelas que também dispenso. Sou e fui mãe todos os dias. Não preciso de um especial para comemorar. E fui filha os anos suficientes para ter a noção do que representou ter tido, todos os dias, uma mãe admirável.

Para todas as mulheres que não escolheram ou não puderam viver a maternidade, aqui fica uma das minhas canções preferidas enquanto mãe e mulher!

A cruzada

Rui Rocha, 03.05.15

Escrevia Savater, a propósito da tragédia do Charlie Hebdo, que as crenças religiosas são como feras: muitas vezes esteticamente atraentes, mas terríveis devoradoras de homens. Em consequência, como feras que são, só podemos permitir que se passeiem nas ruas da civilização depois de domesticadas. E, continuava, se quase conseguimos domesticar o cristianismo, o islamismo continua em estado perigosamente selvagem. Desde que li o artigo, um poderoso elogio do laicismo como pedra basilar da democracia, há uma questão que me acompanha: a nossa civilização, chamemos-lhe ocidental à falta de melhor, é o resultado da domesticação do cristianismo ou foi o cristianismo que contribuiu de forma decisiva para sermos o que somos? Percebo que existe um argumentário viável para cada uma das opções. E que, à boa maneira das ciências sociais, existe sempre espaço especulativo para a tese, para a antítese e para a síntese. Mas há coisas que me fazem pender para um dos lados. Quando uma criança de 12 anos é violentada pelo seu padrasto e engravida, devíamos ser capazes de tomar tempo, de pensar, de reconhecer que há questões sem solução evidente, de admitir que ficamos divididos no nosso íntimo, que há encruzilhadas tão fodidas na vida que é impossível não hesitar, não duvidar, não andar em círculos, em que não há texto a publicar, ou que não se pode publicar texto sem esgotar os pontos de interrogação. E devíamos saber que qualquer decisão será sempre uma má decisão, porque nestes casos não há decisões boas. É por isso extraordinário que um padreca se aproveite do drama de uma criança, dessa criança, para fazer demagogia, comparando o incomparável, instrumentalizando a informação à luz dos seus interesses, chafurdando na desgraça, para dar cumprimento à sua cruzada político-religiosa. Sou assim levado de regresso às conclusões de Savater. Os ratos de sacristia são feras quase domesticadas. Por isso, é na sacristia que devem continuar.

Mais que o amor

Teresa Ribeiro, 04.05.14

Acho que é a omnisciência das mães que mais nos comove. Não tanto o amor, mas a sua memória de nós, mais antiga e completa, o conhecimento que não temos e nos explica dos dedos dos pés até ao fundo da alma. A seguir a coisa mais notável que a maioria delas faz é provar-nos todos os dias que apesar dos nossos defeitos somos amáveis. Isso é melhor que bolacha maria para enganar a fome, vinte vezes mais calmante que adormecer no colo depois de uma birra de sono, trezentas vezes mais importante, falando agora de coisas sérias, que uma promoção no emprego ou um aumento de salário. Sobretudo porque é uma condição que não muda. Porque o amor das mães resiste a todas as decepções e não envelhece. É por isso que mesmo quando já não as temos obstinamo-nos em continuar a relação. E nunca, mas nunca abdicamos do papel de filhos. Nunca. 

A minha

Teresa Ribeiro, 05.05.13

Nunca lhe chamei mamã ou mãezinha. Dizia "mãe", o nome essencial, a designação científica da árvore.  Tive-a toda ela pão com manteiga e rissóis, lençóis lavados e banhos à força. Pertenço à última geração que teve mães em casa, por isso naquele tempo ser mãe assim era tão banal como uma pedra.

Um dia descobri que quando tinha cólicas se dissesse "mãe", aliviava. De modo que para me fazer entender explicava-lhe, se me sentia aflita, "é o dóidói que diz mãe" e então ela ficava a saber que as dores eram sérias e punha-me logo a mão na testa e dava-me massagens na barriga. O alívio se não imediato, estava garantido porque ela era a porta por onde saíam as coisas más.

Muitos anos depois censurei-a "foi um disparate teres deixado de trabalhar!" Mas isso foi quando a Beauvoir finalmente entrou na minha nomenclatura. Quando a lembro tem sempre aquela idade, que é a idade das mães e eu aquele tamanho, que é o tamanho das filhas e se a descrevo é de mim que falo. De me mim migo. Do meu umbigo.

Frases e conselhos de mãe

Rui Rocha, 06.05.12

As mães são especialistas em amor, abraços e carinho. E também em conselhos e frases impregnadinhas de bom senso maternal. Sobre tudo, sobre nada. E também sobre sobretudos. Lembro-me de alguns e de algumas. Que a minha mãe me deu. E que a mãe dos meus filhos lhes vai dando:

  • desce as escadas sempre com a mão no corrimão;
  • leva um lenço para a escola;
  • não te debruces nas janelas;
  • não fales com estranhos;
  • anda sempre em grupo com os outros meninos;
  • não fales com estranhos;
  • são precisas três horas para fazer a digestão;
  • põe o cinto de segurança;
  • vai lavar os dentes;
  • não fales com estranhos;
  • atravessa sempre na passadeira;
  • enxuga bem entre os dedos dos pés;
  • põe-te direito na cadeira;
  • já te disse para nunca falares com estranhos?
  • mastiga bem;
  • aperta bem os cordões;
  • vai lavar as mãozinhas;
  • não abras isso com os dentes;
  • vai perguntar ao teu pai.

Reconhece estas frases e conselhos? Lembra-se de outros? Qual foi o melhor conselho que a sua mãe lhe deu?