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Delito de Opinião

Diário de uma mãe

Joana Nave, 09.02.25

Tenho-me focado muito nas questões menos boas da maternidade e talvez tenha passado a ideia que sou uma pessoa negativa e estou sempre a queixar-me. O meu propósito tem sido, acima de tudo, mostrar que a realidade pode ser bem mais cinzenta do que os cenários cor de rosa que mostram famílias felizes e sorridentes em viagens de sonho, rotinas perfeitas, roupas bonitas, e tudo o que se publica nas redes sociais. No entanto, as mãos sujas, os narizes ranhosos, o cabelo desgrenhado, os rasgões nas calças na zona dos joelhos, as nódoas que se acumulam nas t-shirts desbotadas, são as marcas das crianças realmente felizes, aquelas que têm liberdade e conforto para crescer num ambiente saudável, que se sujam, que esfolam os joelhos, que comem com as mãos, e que varrem o chão com a roupa e os cabelos, porque ser criança é experimentar as sensações do mundo que as rodeia. O cenário idílico é uma fotografia sem vida, que perpetua uma imagem, mas a experiência é muito mais que isso, é sentir com todas as células do corpo, e com essa aprendizagem crescer.

Eu sei que as pessoas são todas diferentes e um reflexo daquilo que lhes transmitiram, e sei também que podia estar menos atenta, ou não me importar tanto com os resultados, mas quero mesmo dar ferramentas aos meus filhos para que eles possam alcançar tudo o que desejarem. Se eles estiverem bem, sentirei o reconforto de missão cumprida, e não acho que tenhamos de ser todos assim, ou que o que eu faço é melhor. Eu não abdico de trabalhar e de perseguir uma carreira, e de ser cumpridora e rigorosa, porque quero ensinar-lhes pelo exemplo, e também quero que se orgulhem de mim. Por outro lado, também não abdico de acordar mais cedo aos fins de semana para os levar a actividades extra-curriculares, porque sei que estas os vão ajudar a conhecer, a partilhar e a crescer ainda mais. Quando os instigamos para praticarem actividades ao ar livre, estamos uma vez mais a dar-lhes ferramentas para que testem habilidades e se tornem menos sedentários. E há também que transmitir cultura, com passeios, filmes, livros. E há ainda que cultivar amizades, pois somos seres sociais e a nossa rede de contactos será sempre um suporte precioso para o resto da nossa vida.

Diário de uma mãe

Joana Nave, 01.02.25

Depois de sermos mães há duas certezas que passam a fazer parte da nossa vida, nunca mais estamos sozinhas e nunca mais temos descanso. São eventualmente duas questões abordadas de forma fundamentalista, mas é preciso contrariar a tendência para que não sejam a nossa forma de vida. Os filhos só são dependentes de nós até certo ponto e há mesmo um horizonte temporal mais ou menos definido para que tomem as rédeas das suas próprias vidas. Por outro lado, a questão do descanso também está muito relacionada com a rede de apoio que temos.

Para mim, há ainda a questão da responsabilidade, eu sou responsável por eles, tenho o dever de estar presente quando necessitam e tenho o dever de mascarar o meu cansaço, para que as exigências fundamentais das vidas deles possam ser cumpridas, no que respeita principalmente à fase da dependência. Quando crescerem será outra conversa, mas lá chegaremos.

Sendo realista, sinto saudades dos dias em que chegava a casa com um desgaste físico e emocional decorrente dos dias de trabalho e podia simplesmente deitar-me no sofá a vegetar, até recuperar forças para ir fazer algo útil, como dormir e acordar para um dia melhor. Os dias extenuantes ainda existem, e são ainda mais penosos com o cansaço acumulado da vida familiar, mas não há pausas, é chegar a casa e garantir que todas as rotinas são cumpridas, os banhos, os trabalhos de casa, o jantar, e a preparação do dia seguinte. Sou muito apologista de delegar, dar ferramentas e promover a autonomia, e por isso vou ensinando e desafiando a colaboração entre todos, mas claro está que não é tarefa fácil, e quando finalmente dou o meu dia por terminado, penso muitas vezes no que poderia ter feito de forma diferente para que as últimas horas do dia não tivessem parecido um campo de batalha.

Um dos meus trunfos é claramente a organização, ainda que tenha espaço para melhorar, mas há sempre que definir o equilíbrio entre a obsessão pelo zelo e a descontracção da não perfeição, e aqui reside o drama dos meus dias, como manter uma vida calma e organizada sem extremismos, sem me sentir culpada porque a casa onde vou entrar ao final do dia não está limpa e arrumada. Exigimos demasiado de nós próprios e dos outros, porque a sociedade também é exigente, somos inundados diariamente com ideais de perfeição, vidas imaculadas e auspiciosas, carreiras bem sucedidas, filhos geniais e, neste cenário o comum, o normal, parece não se encaixar nesta corrente e deixa-nos ainda mais frustrados e ansiosos.

Eu só queria não sentir esta exigência da perfeição, aceitar os percalços como desafios a ultrapassar, mas sem peso, apenas como evolução permanente e melhoria constante numa vida serena e de aceitação.

Pode parecer que a vida de uma mãe é afinal um novelo em desalinho, que não pode ser usado para tecer porque está cheio de nós, e é muito isso que se revela na maior parte dos dias, e não há que escondê-lo porque já há demasiadas pessoas a testemunhar as alegrias da maternidade, sem permitir que a verdade seja do conhecimento geral. As mães são uma espécie de super-heroínas, dotadas de energia infinita e reservas inesgotáveis, mas sofrem a dor dessa entrega incondicional e devem estar cientes do papel que vão assumir para o resto das suas vidas.

Diário de uma mãe

Joana Nave, 25.01.25

Não sei se é uma preocupação de todos os  pais que os filhos tenham acesso a uma boa educação, para que o futuro seja risonho e possam ter as melhores opções de vida. Há quarenta anos atrás ainda era comum os pais não serem licenciados, mas havia já uma consciência mais ou menos generalizada que se os filhos avançassem até ao ensino superior teriam melhores oportunidades no mercado de trabalho. A sociedade também avançou nesse sentido, com os sucessivos avanços tecnológicos, com o aumento da escolaridade obrigatória e com uma maior oferta e competitividade.

Hoje em dia, há uma oferta muito maior de bens, serviços e também de oportunidades. Não precisamos sair de casa para quase nada, a interconectividade e a globalidade permitem-nos obter tudo o que precisamos.

Esta inércia de movimento leva claramente a um estado de apatia perante os grandes desafios da vida, porque não há esforço, nem compromisso, nem entrega, é tudo demasiado fácil e dado como adquirido.

Penso que é normal projectarmos nos nossos filhos os nossos desejos reprimidos, as nossas ambições ocultas, e com isso querermos que eles conquistem em parte o que não conquistámos. A ideia da superação é positiva, porque também nos devemos superar a nós próprios a todo o instante. No entanto, muitas vezes, mais do que as que seria desejável, projectamos nos nossos filhos os nossos medos, as nossas angústias e as nossas fraquezas, porque não queremos que tenham as dificuldades que nós tivemos ou ainda temos. É por isso que nos dia de hoje temos esta ideia de que têm de aprender muitas línguas e começar cedo, porque não podem ficar para trás. Preenchemos o tempo de brincadeira e o verdadeiro lazer com mil e uma actividades que são fundamentais, a nosso ver, para moldar a personalidade deles, para lhes dar competências que lhes vão fazer falta no futuro. Ouço muitos pais dizerem-me que os filhos vão praticar futebol, porque é um desporto colectivo e é muito importante trabalhar essa competência, e eu questiono duas coisas, por um lado, onde fica a liberdade das crianças se organizarem em grupos de interesses comuns e trabalharem também a competência da iniciativa, da autonomia e da criatividade, por outro lado, porque é que deixámos de ouvir o que as crianças têm para nos dizer e lhes impomos as nossas vontades, que só estão certas na nossa geração, quando eles estiverem no nosso papel o mundo mudou uma e outra vez e o que realmente importa não terá muito que ver com o que nos preocupa actualmente.

Somos pais zelosos, interessados e participativos, pois mesmo quando não temos tempo para ir andar de bicicleta, para fazer uma caminhada, para ler histórias, levamo-los às actividades, oferecemos presentes e esforçamo-nos para que aos 10 anos de idade já sejam conhecedores de uma boa parte do mundo. Esquecemo-nos muitas vezes do que realmente os faz feliz.

Diário de uma mãe

Joana Nave, 18.01.25

Estamos no mês de Janeiro e ainda se definem planos e objectivos para este novo ano. É assim no trabalho, mas também em família, começamos a planear as férias, a marcar no calendário as datas importantes, e a fazer listas intermináveis de tudo o que gostávamos de ter e fazer. Não sendo excepção à regra, também tenho estado empenhada neste tipo de tarefas, identifiquei duas actividades físicas às quais me quero dedicar, recomecei o journaling, estabeleci os meus objectivos de leitura, e tomei a iniciativa de retomar a escrita neste blog. Para já, vou dedicar-me a um tema, seguir um fio condutor, que é simultaneamente o motivo do regresso e também o da ausência: os filhos.

Fui mãe pela primeira vez vai fazer oito anos e, apesar de não sentir que deixei de ser eu própria, tive de redefinir as minhas prioridades. Ser mãe é exigente, e desculpem mas não é para todos, se calhar nem é para mim, porque há dias em que é de facto um sacrifício. Não posso contudo deixar de explicar que sacrifício, embora seja conotado como algo negativo, é uma forma de demonstrarmos a nossa entrega a alguma coisa, uma entrega de compromisso e valor, que nos obriga a abdicar de outras formas de ser e estar para benefício de um bem maior.

A minha história não tem nada de especial, é comum e banal, mas é minha e por isso define-me e mostra quem sou. Fui mãe pela primeira vez há quase oito anos e passados quinze meses fui mãe outra vez. Ainda hoje as opiniões dividem-se, há quem me chama louca, e quem elogie a coragem. Em minha defesa, ou simples descrição dos factos, queria ter dois filhos, porque queria que o primeiro tivesse um irmão, que não fosse filho único como eu. Queria ter um menino e uma menina e quis o destino que assim fosse, então tudo correu pelo melhor. Há vantagens e desvantagens em ter filhos tão próximos, eu tento focar-me nas vantagens e atribuir a culpa dos dias menos bons às desvantagens.

A vida tem-me ensinado que o melhor é não fazer grandes planos, mas dar sempre o nosso melhor a cada instante. Na realidade nunca sabemos quando tudo começa ou acaba, é mais um viver o dia a dia com a certeza que é este momento presente que nos abraça e impele a continuar em frente. Há quase oito anos que não tenho um sono descansado, e não é porque eles durmam mal, são verdadeiros anjos, umas poucas doenças não muito preocupantes, uns pesadelos nocturnos, e pouco mais. O problema sou eu e um sono leve que veio para ficar, uma preocupação constante que faz, como muitos dizem, ter o coração a bater fora de nós, um estar sempre alerta, um matutar no passado, presente e futuro que possa dar-lhes tudo o que merecem.

Continua...