1 de Janeiro, terça-feira
Há um ano, a hora era dos semeadores de catástrofes em forma de profecia que rasgavam as vestes em dobre a finados pela União Europeia. Que a Grécia entraria em colapso e seria expulsa da zona euro, vaticinavam. Que o projecto europeu implodiria, proclamavam. Que a moeda única chegaria ao fim, uivavam. Um imbecil chegou a antever que seria Portugal a "destruir o euro". Curioso: estas previsões nunca são confrontadas com a realidade no ano seguinte. Como se nunca tivessem existido.
2 de Janeiro, quarta-feira
Morreu Marques Júnior, que conheci bem no Parlamento. Era o que antigamente se chamava, sem sombra de ironia, um homem bom. Foi o mais jovem capitão de Abril - tenente ainda - no movimento militar que pôs fim à ditadura. No Verão quente de 1975, combateu a esquerda alucinada que queria transformar Portugal na Cuba da Europa. Desaparece sem ter sido alvo da homenagem nacional que merecia. Ficámos a dever-lhe essa homenagem. Estamos ainda a tempo de reparar tal falta em relação a outros capitães de Abril que foram também capitães de Novembro. No lado certo da História.
3 de Janeiro, quinta-feira
Alguns jornalistas concederam estatuto de especialista em macro-economia mundial a um burlão relapso e contumaz, conferindo-lhe uma respeitabilidade que o indivíduo nunca teve. Sempre prontos a invocar a ética da responsabilidade nos seus ralhetes aos políticos, estes jornalistas são incapazes de aplicar a receita a si próprios. Houve até quem achasse graça ao impostor. Sabe-se agora que o sujeito chegou a cumprir pena de prisão por homicídio: atropelou duas senhoras, em ocasiões diferentes, e pôs-se em fuga - o que diz tudo sobre a figura em causa. Lamento, mas não acho a menor graça.
4 de Janeiro, sexta-feira
Espreito o mapa da Economist com as previsões da economia mundial para 2013: apesar de tudo, o planeta move-se. Por todo o lado? Por todo o lado menos num pequeno continente chamado Europa. O Oriente vai bem, obrigado. A África subsariana regista índices de crescimento impensáveis há meia década. Américas e Austrália recomendam-se. Só o Velho Continente - na solitária companhia do Japão - vive sob o espectro da estagnação económica. O fim dos mercados coloniais, das matérias-primas a baixos preços, dos combustíveis que pareciam inesgotáveis e da expansão demográfica ocorrida nas três décadas posteriores a 1945 ditou o crepúsculo do milagre económico europeu. Haveremos de recuperar. Mas, para o bem e para o mal, deixámos de estar no centro do mundo.
5 de Janeiro, sábado
Manoel de Oliveira, com sabedoria eterna, num admirável diálogo com Pedro Mexia publicado na edição de hoje do quarentão Expresso: "A vida é uma derrota. A gente vive da derrota. Nasce contra vontade e não é senhor do seu destino." Provérbio russo, no livro que ando a ler (Os Ditadores, de Richard Overy): "Até o mais pequeno dos peixes agita as profundezas do oceano."
6 de Janeiro, domingo
Andam por aí uns democratas ilustres, de candeia acesa, à procura de um homem. Mas não de um qualquer: buscam um Monti. O Mario Monti português. Querem que ascenda ao poder para "endireitar o País". Apontam-me a ilustre personalidade que estará disponível a assumir tão espinhosa missão: a imitação tem curiosas semelhanças físicas com o original italiano. Falta apenas submeter-se ao sufrágio popular. Para espanto meu, os montistas lusitanos dizem que não: há que evitar essa maçada. Nunca vi democratas com tanta alergia ao voto, prontos a abraçar o primeiro Sidónio que lhes surja ao caminho. Sem sequer precisar de farda nem de trotar num cavalo branco.
7 de Janeiro, segunda-feira
Há dez anos Portugal parecia um país de abusadores sexuais: não havia manchete de jornal ou noticiário televisivo sem a notícia da praxe: agarra que é pedófilo. De então para cá ganhámos juízo: hoje parecemos um país de constitucionalistas: debatemos a lei fundamental com o sapiente fervor de um Miranda, com a respeitável autoridade doutoral de um Canotilho. Antes assim.
8 de Janeiro, terça-feira
Arménio Carlos no Telejornal. Apela aos juízes do Tribunal Constitucional para "não se deixarem pressionar" na apreciação do Orçamento do Estado a pedido do Presidente da República, do PS, do PCP, do Bloco de Esquerda, dos Verdes, do Provedor de Justiça e do Governo Regional dos Açores. E se o documento for considerado constitucional? Seria uma "ilegalidade monstruosa" pois o OE representa uma "violação grosseira" da Constituição. Diz isto sem a menor intenção de pressionar, como é evidente.