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Delito de Opinião

Do histerismo

Cristina Torrão, 03.08.24

Bastaram três horas para que Rita Matias, deputada do Chega, partilhasse, ontem durante a tarde, na sua conta na rede social X quatro teorias falsas e desinformadas sobre uma atleta olímpica.

As mulheres também produzem testosterona naturalmente, já que esta não é uma hormona exclusiva dos homens. Uma mulher pode ter, inclusive, níveis altos de testosterona, uma condição conhecida como hiperandrogenismo que pode ser provocada pela síndrome do ovário policístico, sem que isso afecte o seu sistema reprodutor, algo que Rita Matias considera essencial para definir alguém como mulher. E com que Khelif nasceu.

Grace Huckins, doutoranda em neurociências na Universidade de Stanford, argumenta: “Porque é que a baixa produção de ácido láctico de Michael Phelps (que ajuda a evitar a fadiga muscular) ou a altura incomum do falecido jogador da NBA Manute Bol devem ser recompensadas, enquanto que o nível um pouco mais alto de testosterona numa mulher basta para a desqualificar?”

Esta gente nunca viu minhotas de bigode, com filhos a tiracolo? Hoje em dia, as mulheres depilam-se e esmeram-se nos seus cuidados de beleza, caso contrário, continuaríamos a ver muitas de bigode, barba, sobrancelhas unidas e pernas peludas (muitas delas, superando as dos homens). Em criança, tive uma vizinha, em Vila Nova de Gaia, com um bigode mais farto do que o do meu pai. Era casada e nunca ninguém a impediu de exercer a sua profissão de "mulher a dias" (como se dizia antigamente). Muita gente até lhe confiava a sua roupa para passar a ferro, imaginem! Se fosse hoje, a pobre da mulher bem ficava sem o seu pé-de-meia.

E depois as feministas é que são histéricas...

A propósito de justiça e sorte

Pedro Correia, 01.12.22

Há dois conceitos que evito associar às minhas reflexões ocasionais sobre o fenómeno desportivo - e o futebol em particular.

O primeiro é o conceito de justiça. Escuto e leio muitas análises aos jogos ancoradas neste conceito - «se houvesse justiça, a equipa X teria ganho»; «a vitória da equipa Y foi justa».

Ora, salvo no que se refere a procedimentos disciplinares, a justiça não é para aqui chamada. Um desafio de futebol não é uma audiência de tribunal. Aqui o importante é vencer - por uma margem muito dilatada, de preferência, mas se for pela diferença mínima também serve. Que se vença até por «meio golo», como na velha boutade das conversas de café.

 

 

Ao pretendermos explicar tudo em futebol recorrendo ao conceito de justiça, acabamos por não explicar nada. Porque aquilo a que por comodidade chamamos injustiça é uma espécie de lei não escrita imanente a todo o jogo. Uma das mais brilhantes proezas técnicas da carreira em campo de Cristiano Ronaldo foi aquilo a que se chama um golo limpo, "injustamente" anulado pelo árbitro por alegada deslocação de Nani numa vitória da selecção portuguesa contra a Espanha.

Eu estava lá - e vi. Nunca hei-de esquecer aquele golo, reproduzido aqui mais acima.

 

É inútil insistir no contrário: não existe uma justiça poética nos estádios que resgata os verdadeiros campeões, projectando-os da relva dos estádios para esse simulacro de Campos Elíseos a que se convencionou chamar verdade desportiva. Penso nisto todas as vezes que me lembro de um dos jogadores mais celebrados da história do futebol. Diego Maradona, ele mesmo. Um dos seus golos mais famosos - e decisivos - foi marcado com a mão, à margem das leis do jogo. Passou à eternidade não como infractor, mas como lenda viva.

Onde mora a justiça em tudo isto?

 

 

O segundo conceito é o de sorte.

Diz-se que Fulano é um sujeito com sorte ou que Beltrano, figura estimável, padece no entanto do facto confirmado por todas as evidências de não ser acompanhado por essa cobiçada deusa a que chamamos Sorte. E ninguém quer figuras tocadas pelo estigma do azar na sua equipa do coração.

A sorte conquista-se, constrói-se. Dá muito trabalho. Prefiro sempre usar a palavra mérito em vez da palavra sorte. E volto a Cristiano Ronaldo: desde cedo, ainda na escola desportiva de Alvalade, onde se formou para o futebol e para a vida, o campeão madeirense prolongava as sessões de treino, continuando a exercitar-se mesmo após a partida dos colegas. Aperfeiçoou e desenvolveu da melhor maneira as suas aptidões naturais. Ultrapassou a fronteira que separa os jeitosos (que é quanto basta quase sempre em Portugal) daqueles que têm verdadeiro talento.

A sorte ajuda? Pois ajuda. Mas não explica nada. Quando Cristiano, com um remate bem colocado, cheio de força, faz tremer o poste da baliza adversária, os analistas que adoram cultivar o lugar-comum dirão: «Teve azar.» Ele será o primeiro, no entanto, a reconhecer que esteve quase mas terá de esforçar-se ainda um pouco mais para a bola entrar na próxima vez. Que poderá ser já no minuto seguinte.

 

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Foto de Robert Capa no Dia D (Normandia, 6 de Junho de 1944)

 

Experimentem usar mérito ou competência no lugar da palavra sorte.

Não é uma simples questão semântica: há toda uma filosofia de vida subjacente às palavras que escolhemos.

Cristiano Ronaldo está para o futebol como Robert Capa estava para as reportagens de guerra. Merecidamente distinguido em vida com o título de melhor repórter fotográfico da sua geração, Capa costumava dizer: «Se a foto não estava suficientemente boa é porque não estavas suficientemente perto.»

A sorte é isto. E constrói-se a todo o tempo por aqueles que beneficiam dela.

A liberdade melhora a performance desportiva das nações

Sérgio de Almeida Correia, 21.02.22

(créditos: Helsinki Times)

Marcados pelas medidas extremas relacionadas com a pandemia, pela falta de neve natural, um boicote político por parte de alguns países, a ausência de público, as más condições oferecidas a alguns, uma comida que ficou a desejar, a subserviência do COI aos interesses económicos, o impedimento e a criação de obstáculos ao livre acesso dos participantes à informação e à Internet, e uma intensa máquina de propaganda, os Jogos Olímpicos de Inverno chegaram ao fim.

Tal como em edições anteriores, não faltaram momentos de alegria e de drama, os recorrentes casos de doping, muitas lágrimas e sorrisos. E também choveram medalhas.

Se no tempo da Guerra Fria era por via dessa contabilidade medalhística que os blocos de então se procuravam afirmar para justificarem a superioridade dos modelos políticos e sociais que representavam, não menos verdade será que nos dias de hoje e com o reavivar de tensões à escala global se volte de novo a esse padrão.

É por isso inevitável, perante as bandeiras que foram agitadas e as acusações mútuas de politização dos Jogos, agora que as competições chegaram ao fim, que se volte a olhar para os quadros. Muitos balanços e análises poderão ser feitas, embora seja previsível que se termine sempre a olhar para as medalhas.

E quanto a estas há sempre duas maneiras de olhar para elas. Há quem privilegie o número total. Há quem prefira colocar a tónica apenas nas medalhas de ouro.

Olhando apenas para o total verifica-se que a Noruega sai a ganhar com 37, logo seguida da Rússia, com 32 – dizer que a Rússia não pode participar e que quem participa é o Comité Olímpico Russo é uma falácia do COI para enganar os tolos –, da Alemanha com 27, do Canadá com 26, dos EUA com 25, da Suécia e da Áustria ex aequo com 18, e dos Países Baixos e da Itália, ambos com 9. 

Pela contabilidade dos ouros, a Noruega volta a vencer com 16 medalhas, seguida da Alemanha com 12, da China com 9, dos EUA, Suécia e Países Baixos todos com 8, da Áustria e da Suíça com 7, da Rússia com 6 e da França com 5.

Não deixa de ser curioso que países com uma população reduzida, e alguns também de pequenas dimensões, consigam estar à frente de outros muito maiores e mais poderosos que sentem uma necessidade quase permanente de vincarem o seu nacionalismo e patriotismo. A Noruega tem apenas 5,379 milhões de nacionais, a Suécia, a Suíça e a Áustria têm menos de 10 milhões, os Países Baixos menos de 18 milhões, enquanto a China tem 1,4 mil milhões, a Rússia 144 milhões, os EUA 329 milhões. 

E se estabelecermos o paralelo com os Jogos Olímpico de Verão, em Tóquio, verificamos que aqui os EUA ficaram à frente tanto em medalhas de ouro (39) como no total (113), com a China em segundo lugar (38 ouro, 88 no total), surgindo logo a seguir o Japão (27 de ouro, 58 no total), a Grã-Bretanha (22 de ouro, 65 no total), a Rússia (20 de ouro, 71 no total), a Austrália (17 de ouro, 46 no total), os Países Baixos (10 de ouro, 36 no total) e a França (10 de ouro e 33 no total). 

Há, todavia, uma contabilidade que nestes tempos conturbados que atravessamos também não pode deixar de ser feita. Porque se a Guerra Fria ficou lá atrás, se não faz muito sentido ver estes números em termos de blocos e alianças, há, todavia, uma comparação que se torna inevitável, posto que é essa que já no presente define as nossas escolhas e estará cada vez mais presente no futuro.

Trata-se da contabilidade entre os resultados obtidos por países democráticos e não-democráticos ou autocráticos. Por mais que nos tentem atirar areia para os olhos, ditaduras e totalitarismos não são conceitos diferentes de democracia. Não é possível falar de liberdade onde os nossos passos são permanentemente vigiados, seguidos e controlados, o acesso à informação é limitado, a liberdade de imprensa não existe, onde não é permitido o livre exercício de direitos básicos fundamentais consagrados internacionalmente, o número de filhos é controlado pelo Estado, onde é impossível afastar os incompetentes que exercem o mando e criticar o partido no poder ou o seu líder é um crime contra a segurança nacional e dá direito a prisão.

E quanto à contabilidade medalhística entre as democracias e autocracias, a verdade é que as primeiras dão uma cabazada às segundas. Até para proporcionarem condições de treino. O que só prova que também no desporto é necessária a liberdade para se garantir a prevalência de bons resultados. Por mais bandeirinhas que se agitem, por mais esmagadora que seja a propaganda, ou por todos os dólares que selem a "amizade" com os responsáveis do COI.

Juízos positivos VS juízos negativos

Maria Dulce Fernandes, 16.01.22

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No desporto a regra é simples. Todos conhecem a regra. As infracções têm um preço.

Ou não terão?

“O Santos enfrentaria a seleção olímpica da Colômbia em jogo amistoso no dia 18 de Junho de 1968 em Bogotá.

Um estádio lotado ficou atônito quando o árbitro Guillermo Velasquez disse a Pelé para deixar o campo (os cartões vermelhos só seriam introduzidos em 1970) depois que o brasileiro cometeu uma falta em sobre um e, segundo Velázquez, o insultou.

Então, armou-se uma grande confusão : os jogadores do Santos cercaram furiosamente o árbitro e as fotos do jogo mostram Velázquez com um olho roxo.

A multidão também protestou contra a decisão.

Em uma entrevista de 2010, o árbitro disse que foi então instruído a deixar o jogo e ceder o apito a um dos fiscais de linha.

Pelé foi readmitido rapidamente no jogo.”

Grandes estrelas estarão acima da regra?

Perguntemos a Guillermo Velasquez! Aposto que ficou vacinado contra “ decisões precipitadas”.

 

Imagem do Google

Uma enorme contradição

Pedro Correia, 24.08.21

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Parece-me haver aqui uma enorme contradição. Mais uma. O Governo mantém fortíssimas restrições à presença de público nas bancadas dos estádios - onde só um terço dos lugares podem ser preenchidos - enquanto decretou a partir de ontem o fim dos limites da lotação dos transportes públicos, que voltam a andar à pinha após ano e meio de drástica contenção. 

Tenho dificuldade em descortinar um fio de lógica entre duas medidas tão díspares. Será mais provável alguém - mesmo exibindo certificado digital à entrada - ser contagiado com Covid-19 num espectáculo desportivo do que se for entalado entre dezenas de pessoas num transporte público onde ninguém pergunta a ninguém se já tomou vacinas?

Enfim, a meu ver isto apenas confirma o preconceito do Executivo relativamente ao desporto. Nada a que não estejamos habituados.

A "Cancel Culture" Contra o Xadrez

jpt, 15.08.21

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Recebo várias mensagens com uma denúncia do Xadrez, devido ao seu conteúdo racista, machista, antropocentrista e capitalista. São dislates de quem nem o joga nem lhe compreende os sentidos implícitos. Pois o Xadrez é o jogo mais consentâneo com os bons valores actuais: é a apologia do matriarcado, sendo também memória dessa era histórica, pois nele domina a Mulher-rainha, que tudo e todos come, protegendo o frágil Homem-rei, eunuco passivo, encastrado num quase imobilismo. É, e muito, a expressão da verdade decolonial, pois todos os jogos demonstram a agressão dos brancos face a bem ordenadas e pacíficas sociedades dos negros, condenados à resiliência em estratégias defensivas consagradas. É também expressão do sentir ecológico, na afirmação da irredutível riqueza da Natureza, demonstrada na criatividade única dos rebeldes movimentos do Animal-cavalo. E, finalmente, afixa os direitos de género, não só ao consagrar a elegância arguta do cruising gay, nesses "Bispos" em lestas diagonais debicando meros peões, marujos e magalas das forças adversas. Mas mais ainda na sua proposta filosófica até radical, anunciando o transgenderismo como óptimo existencial, pois tudo estrategizando para promover a cinzenta peonagem em exultantes e ariscas Rainhas.
 
Parai pois com essas afrontas ao iluminado Xadrez. Jogai-o. Apreendei-o.

Um salto que chegou de Lisboa a Tóquio

Patrícia Mamona

Pedro Correia, 11.08.21

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Não lhe basta ser medalhada na pista: também merece medalha pelo exemplo cívico que nos deu após ter subido ao pódio em Tóquio. Patrícia Mbengani Bravo Mamona, nascida há 32 anos no bairro lisboeta de Arroios, filha de pais angolanos, remou contra a maré com palavras simples e genuínas. Falando sem o menor complexo sobre a alegria que sente em ser portuguesa. Afirmando-se crente no trabalho metódico, na disciplina física e mental, no saudável espírito de competição capaz de ultrapassar obstáculos e derrotar inibições.

Tudo isto no rescaldo imediato do magnífico salto que a fez transpor a marca dos 15 metros no triplo salto. Só 24 outras mulheres alcançaram tal proeza no desporto mundial. Ela lutou durante anos para atingir este patamar. Já era a melhor de Portugal desde 2009, quando saltou 13,83m. Faltava-lhe a consagração olímpica, agora alcançada em Tóquio.

«É um orgulho para mim representar esta nação. Quero deixar o meu agradecimento a Portugal. Somos pequenos, mas somos grandes», afirmou a atleta do Sporting. Tinha motivos para isso: acabara de saltar 15,01m, sagrando-se vice-campeã olímpica e superando duas vezes o recorde nacional.

No seu português vibrante e límpido, com palavras que todos entendemos, disse o que por estes dias não escutamos a nenhum político – muito menos ao ministro da Educação, avesso a provas, exames, patamares competitivos. Politicamente incorrecta, Patrícia enalteceu o esforço, destacou a importância de fixar metas, garantiu que sem tenacidade nada se consegue. Exibindo brio patriótico, promovendo a cultura do mérito, dizendo que devemos ver-nos não como país pequeno mas como povo grande.

 

Não podia ser maior o contraste entre a refrescante mensagem de Patrícia e a rancorosa oratória daqueles que, como Joacine Katar Moreira e Mamadou Ba, jamais falam para o cidadão comum mas para claques tribais, num estendal de vitimização e ressentimento. Incapazes de abraçar a bandeira que tem a esfera armilar no centro, ao contrário do que fez a recordista nacional do triplo salto.

Foi um momento de redobrada alegria para quantos a vimos à distância nas primeiras Olimpíadas sem público da história, com bancadas vazias a pretexto do coronavírus, símbolo de uma civilização que troca o real pelo virtual e vive cercada de interdições. Num certame desportivo que se proclama de 2020 quando ocorre em 2021, como se o planeta tivesse ficado congelado no ano em que começou a pandemia.

O salto largo de Patrícia teve o condão de nos devolver um fragmento do mundo real. E a mensagem que nos transmitiu após ter concretizado o sonho foi mais inspiradora do que qualquer cartilha contaminada de ranço ideológico ou da nova tendência em curso que presta tributo à desistência. «Só queria dizer que todos são capazes. Pode demorar um bocadinho, mas pode acontecer», disse-nos ela.

Tão simples como isto.

 

Texto publicado no semanário Novo

Portugueses, cidadãos de segunda

Pedro Correia, 05.06.21

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Sim, o Governo trata os portugueses como cidadãos de segunda: sentimo-nos como gente estranha na nossa própria terra.

Isto tornou-se evidente quando as autoridades sanitárias viabilizaram a presença de público no jogo Chelsea-Manchester City, enquanto interditavam o acesso, mesmo muito limitado e circunscrito a pessoas devidamente testadas, de espectadores à partida final do campeonato nacional de râguebi, realizada no Jamor. A federação da modalidade fez um pedido formal, prontamente recusado pela DGS. Alegando razões de saúde pública inexistentes no desafio do Porto, também ocorrido a 29 de Maio.

 

Mesma data, mesma entidade pública, duas deliberações de carácter oposto: 500 portugueses proibidos de aceder às bancadas do Estádio Nacional, 16.500 ingleses autorizados a ver a final da Liga dos Campeões no Estádio do Dragão.

Uma discriminação totalmente intolerável.

 

Mas a duplicidade não termina aqui. Na véspera do jogo que opôs as duas equipas inglesas no Porto, a Assembleia da República aprovou a Lei n.º 33-A/2021, isentando do pagamento de IRS e de IRC todas as entidades estrangeiras envolvidas na organização daquela final. Incluindo «representantes e funcionários, clubes de futebol, respectivos desportistas e equipas técnicas, nomeadamente treinadores, equipas médicas e de segurança privada e outro pessoal de apoio».

Reza o diploma, espantosamente, que «esta isenção é apenas aplicável às entidades que não sejam consideradas residentes em território português». Um regime fiscal de excepção. Com Governo e Parlamento de cócoras perante os interesses futebolísticos da UEFA, organização internacional privada.

 

Fazem-nos sentir estrangeiros neste país a que chamamos nosso. Estranha sensação, inaceitável condição.

Alguns deles são capazes de cantar o hino de mão no peito, à americana. E de entoar loas patrioteiras no Dia de Portugal prestes a chegar. Já nada me espanta.

Malandrice, empatia e fair-play

João Campos, 11.05.21

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Em Agosto de 2019 tive a oportunidade de passar duas semanas a trabalhar na Malásia na companhia de colegas com os quais até aí só falara por telefone ou chat. Quis a sorte que os astros se alinhassem e que cá em casa pudéssemos tirar partido disto: a minha companheira conseguiu tirar férias, conseguimos comprar-lhe um bilhete, e lá fomos até ao Sudeste Asiático (em vôos separados, o que foi uma chatice, mas valeu a pena). Enquanto eu passei os dias a trabalhar, ela entreteve-se a passear por Kuala Lumpur - algo bastante conveniente também para mim, pois provavelmente não teria ido a metade dos sítios que visitei naqueles finais de tarde se não estivesse acompanhado (não sou grande turista, admito, enquanto a Ana planeou tudo, tratou de comprar bilhetes para os monumentos a visitar, etc).

No início da primeira semana calhou a visita à Torre de Kuala Lumpur. Saí do trabalho, meti-me num Grab (a versão local da Uber), e fui ter com a Ana à entrada da torre. Vista magnífica do topo, a dar a dimensão real da capital malaia. Naquele tempo ainda se viajava, pelo que não faltavam por ali turistas de inúmeras nacionalidades - percebíamos pelas palavras que íamos ouvindo, de idiomas europeus como o francês ou o italiano a idiomas asiáticos para nós incompreensíveis. E, como não podia deixar de ser, não éramos os únicos portugueses nas imediações - identificámos o casal como sendo português assim que saíram do elevandor, mesmo antes mesmo de os ouvirmos falar, pois o rapaz vestia uma camisola do Sporting.

Aqui talvez valha a pena explicar que dois dias antes (um dia e meio se considerarmos o fuso horário?) o Benfica tinha derrotado o Sporting por 5-0 na Supertaça.

Inevitavelmente, o primeiro pensamento que me ocorreu foi aproximar-se do meu compatriota, levantar a mão e dizer-lhe na língua de Camões "dá cá mais cinco". Ainda nos rimos a imaginar a cena, eu e a Ana, que como eu é também benfiquista. Já o segundo pensamento - não sou muito impulsivo - foi um pouco mais empático: a dezasseis mil quilómetros de casa, com ar de quem tinha discutido com a namorada no elevador, e ainda a ressacar pela derrota distante contra o eterno rival, decerto que a última coisa que aquele rapaz quereria encontrar no topo daquela torre naquele magnífico fim de tarde seria um sacana de um benfiquista a gozar o prato. Seria cruel, convenhamos. Com isso em mente (e com algum instinto de auto-preservação, confesso - não sou especialmente bem constituído, estava para aí a trezentos metros de altitude, e a ciência ainda não me deu um jetpack), optei por não dizer nada. E continuámos, eu e a Ana, a deliciar-nos com aquela vista espantosa de Kuala Lumpur, que com o cair da noite se assemelhava mais e mais às vastas metrópoles da ficção científica cyberpunk de que ambos somos fãs (a fotografia lá no topo não é grande coisa pois nem a câmara nem o fotógrafo eram grande coisa, mas fica o registo).

Recupero esta memória, que hoje parece tão distante, no dia em que o Sporting se sagra campeão nacional de futebol. A esta altura do campeonato já não tinha nenhum cavalo nesta corrida - do pouco que vi do Benfica em campo não me pareceu que merecessem ganhar o que quer que seja, e fora do campo a coisa dá asco - pelo que o resultado do jogo de hoje me era mais ou menos indiferente. Por norma, se tiver de escolher entre o Porto e o Sporting até prefiro ver os leões a vencer, se bem que nunca saia a perder dos confrontos - afinal, as derrotas leoninas são sempre um bom pretexto para provocações malandras aos meus amigos sportingistas.

Mas a verdade é que são justamente esses amigos quem importa hoje. Os anos têm-me tornado mais introvertido, mas tenho a sorte de manter muito bons amigos - e, entre eles, vários sportinguistas. Alguns já ouviram (leram) as inevitáveis provocações em privado, claro, e ainda terei mais algumas para os próximos dias. As piadas, admita-se, até se escrevem sozinhas (da última vez que isto tinha acontecido ainda andava eu na escola secundária, agora só em 2040, etc). Mas hoje esses amigos estão felizes, tão felizes como eu estava naquele entardecer há dois Verões, numa cidade espantosa que até então nunca tinha pensado visitar; e eu, pela parte que me toca, fico feliz pelos meus amigos. Por isso, e porque o desporto vale nada sem fair play, dedico esta memória, estas provocações bem intencionadas e este texto mal amanhado (começa a faltar-me prática, a Teresa Ribeiro bem me avisou há uns anos num jantar do Delito) aos meus amigos lagartos de tantos e tantos anos - ao João e ao Jorge, ao Miguel e ao Fernando, à Susana e ao Ricardo. E ao nosso Pedro Correia, claro, e aos leões e às leoas do Delito. Hoje a festa é vossa - aproveitem!

Portugueses que nos honram

Sérgio de Almeida Correia, 21.09.20

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"Double portugais au Mans. Filipe Albuquerque premier et António Félix da Costa deuxième en LMP2"", titulava a notícia desta manhã. E não é caso para menos. O resultado fala por si num ano que está a ter tanto de estranho quanto de fantástico para o automobilismo e o motociclismo nacionais. A classe dos pilotos portugueses continua a brilhar mundo fora. Enquanto Miguel Oliveira ganhava lugares na Riviera de Rimini, depois de duas quedas nos treinos, partindo de 15.º para alcançar um notável quinto lugar e ser actualmente o primeiro dos pilotos da KTM no MotoGP, outros dois portugueses mostravam toda a sua classe nas 24 Horas de Le Mans na super competitiva classe de LMP2.

Para quem ainda tivesse dúvidas, caíram todas pouco depois da vigésima quarta hora no circuito de La Sarthe com a vitória de Filipe Albuquerque nas 24 Horas de Le Mans, no seguimento da pole position que fez para a corrida.

Com o António Félix da Costa, já campeão do mundo de Fórmula E, em segundo lugar na prova francesa deste fim-de-semana, Portugal passará a ter dentro de alguns dias dois campeões do mundo. Ao Filipe bastar-lhe-á alinhar à partida da última prova, no Barém (Bahrein), para inscrever o título de campeão do mundo de resistência no seu palmarés.

Para todos todos eles, mais do que um abraço de parabéns, segue daqui o meu obrigado pela classe que vão exibindo dentro e fora das pistas, e pela forma como, com o seu profissionalismo, honram o nome de Portugal.

Quem nos dera que fôssemos todos como estes.

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(créditos: Arhur Chopin, ACO)

De improviso em improviso

Pedro Correia, 11.09.20

image.jpgFoto: Tiago Petinga / Lusa

 

Para não variar, a directora-geral da Saúde voltou a fazer uma declaração inaceitável. Em que, uma vez mais, menospreza e subalterniza o desporto. Como se uma sociedade em que a prática desportiva organizada, promovida por agremiações clubísticas, não fosse parte iniludível da saúde, tanto na componente individual como colectiva.

 

A mesma responsável que autorizou viagens aéreas em voos lotados, o regresso dos concertos, das sessões de cinema, dos espectáculos teatrais, dos circos e das touradas, a mesma alta funcionária governamental que deu luz verde às manifestações e concentrações de rua promovidas por forças partidárias, movimentos cívicos ou grupos espontâneos de cidadãos, a mesma senhora que permitiu eventos tão diversos como a Festa do Avante no Seixal ou a realização do Grande Prémio de Fórmula 1 em Portimão continua a vetar o regresso do público aos recintos desportivos.

Com argumentos sem pés nem cabeça, confundindo aquilo que não deve ser confundido e até fazendo alusões demagógicas ao início do ano escolar, como se isso tivesse alguma coisa a ver com as modalidades colectivas em geral e o futebol em particular.

 

«Público nos estádios e reabertura das discotecas não será certamente nos próximos tempos. Temos de ver esta grande experiência que é o retorno às aulas e qual será o seu impacto nos números», afirmou anteontem Graça Freitas. Equiparando assim as bancadas de um estádio - onde os lugares estão marcados, é muito fácil estabelecer limite máximo de entradas e o espectáculo decorre ao ar livre - ao interior de uma discoteca, onde o espaço é fechado, as pessoas estão sempre em trânsito e não há possibilidade de assegurar distanciamento físico.

Pior: ao englobar na mesma frase bancadas de estádios e discotecas nocturnas, Graça Freitas confirma ter absurdos preconceitos contra o futebol e não fazer a menor ideia sobre a importância do desporto no "desconfinamento" cada vez mais urgente da sociedade.

Como aqui assinalei, futebol sem público é futebol moribundo a curto prazo. Porque os clubes vivem de receitas - e as receitas de lugares nas bancadas ou camarotes, associadas à compra de adereços desportivos em complemento aos espectáculos, é fundamental para a sobrevivência de agremiações desportivas que põem centenas de milhares de portugueses a fazer exercício físico. Porque uma sociedade onde não se pratica desporto é uma sociedade doente.

Não compreender isto é nada compreender de essencial.

 

Noutras circunstâncias, eu recomendaria que Graça Freitas se aconselhasse com o secretário de Estado do Desporto. Mas não o faço porque João Paulo Rebelo já demonstrou ser tão insensível e tão ignorante na matéria como ela. Só isso explica que, numa recente entrevista, este governante tenha desvalorizado o facto de largos milhares de jovens continuarem impedidos de treinar ou competir sem restrições, dando-se até ao luxo de fazer uma graçola com a brutal quebra de receitas das agremiações desportivas: «Não temos conhecimento de nenhum clube que tenha fechado portas.»

Seria simplesmente ridículo se não fosse grave.

 

Uma directora-geral que mete estádios e discotecas no mesmo saco, um secretário de Estado totalmente alheado do dramático quotidiano do sector confiado à sua tutela: assim vamos, seis meses após a declaração da pandemia.

De improviso em improviso, de disparate em disparate.

Estatísticas e evolução do basquetebol

João André, 24.06.19

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Apesar de já algumas vezes ter escrito sobre desporto aqui, habitualmente debruço-me sobre futebol. O curioso é que nunca o joguei de forma oficial, apenas com amigos. O desporto que pratiquei um total de cerca de 10 anos (entre adolescência e depois a partir dos 28) foi o basquetebol. Comecei a jogar basquetebol quando a RTP começou a mostrar aos domingos alguns resumos da NBA, com o seu clipe ao som de Joe Cocker a cantar You are so beautiful e que capturava o fascínio que o desporto e a liga ofereciam. Não comecei a jogar basquetebol por causa disso. Tinha apenas, a convite de um amigo, ir experimentar um treino e fiquei agarrado.

 

 

Santuários

Alexandre Guerra, 01.08.18

marcelo-gutierrez-a-curvar.jpg Marcelo Gutierrez, um dos riders de downhill de topo a nivel mundial, veio em 2016 experimentar um dos trilhos na Serra de Sintra com os riders locais/Fotos: Red Bull

 

Um santuário pode ser um local de culto, de oração, mas pode ser também um refúgio, um sítio onde se encontra tranquilidade e distanciamento daquilo que é o tradicional quotidiano, com as suas rotinas e gentes. Cada pessoa terá o seu próprio conceito de santuário, o local que serve de escape àquilo que é a sua vivência diária, um espaço de índole quase sagrado, onde cada um vai explorar outros limites, viver diferentes experiências com outras pessoas, outras "tribos".

 

“Apanhar” uma onda, escalar uma montanha, descer um trilho, mergulhar nas profundezas do mar ou fazer base jumping, são daqueles momentos pelos quais se anseia durante toda a semana e que assumem uma obrigação quase religiosa que, durante algumas horas, se sobrepõem à realidade diária, ao trabalho, à família, ao círculo dos amigos de sempre… É todo um outro mundo. São tempos de "retiro" físico e também espiritual, onde os cânones da normalidade não se aplicam e o que conta é explorar ao máximo os nossos limites. São aqueles momentos de libertação dos constrangimentos diários e das convenções sociais, dos problemas e das pressões, para dar lugar à adrenalina, a um estado de satisfação quase transcendente.

 

Nesses santuários encontramos outras gentes, normalmente ausentes do nosso circuito do dia-a-dia, mas que naquele contexto quase tribal são companheiros de aventura. Provavelmente, a maioria das pessoas não terá essa necessidade ou o ímpeto intrínseco para procurar outras realidades mais “extreme” que, de certa forma, sejam disruptivas mental e fisicamente com o quotidiano. Nunca perceberão a vontade suprema de uma pessoa, sem qualquer ambição de ser pró seja no que for, se “fazer" a uma onda, ou de pegar no seu skate para sacar umas manobras num qualquer cenário urbano e decadente da cidade, ou ainda de se meter em cima da “bike” e fazer umas descidas serra abaixo. 

 

Globe_Portugal_photo14_750px_2x.jpgRyan Dicenzo, um dos skaters profissionais da equipa da Globe que esteve há uns meses em Lisboa, a sacar um ollie abusado sobre dois lanços de escadas algures num bairro nada turístico da cidade de Lisboa/Foto: Thrasher Magazine/Globe.

 

De certa maneira, tal como um crente procura conforto e uma certa paz interior numa missa de Domingo de manhã, junto de pessoas que naquela circunstância e momento partilham uma ideal comum, também um surfista, um skater ou um rider espera encontrar no seu santuário a serenidade necessária para se transcender para um outro estádio físico e mental. Quando encontramos esse tal santuário, normalmente é uma relação para a vida, porque dificilmente abdicaremos daquilo que nos proporciona sensações únicas. Infelizmente, os santuários não são locais herméticos e podem acabar por ser desvirtuados pelas dinâmicas das próprias sociedades, sendo que, muitas vezes, não há sequer essa consciência da parte de quem “invade” massivamente (com todo o direito, note-se) determinados espaços, que foram locais de conforto para tribos antigas.

 

Um dos exemplos desta realidade tem a ver com o recente fenómeno “trendy” dos “trail runners”, cuja massificação se faz sentir de forma particularmente intrusiva naquele que sempre foi o meu santuário na Serra de Sintra, tido há muitos anos como um dos melhores spots em Portugal e na Europa para a prática de BTT nas vertentes Enduro e Downhill. Desde sempre, houve uma relação harmoniosa entre a tribo local e o ambiente, com a aventura a iniciar-se no mesmo ponto de encontro, aos primeiros raios de sol dos sábados e domingos, juntando alguns riders, num clima sereno, mas devoto à aventura. Foi assim durante anos. Custa agora ver ali uma mudança praticamente imparável.

 

download.jpgO brasileiro Gabriel Medina na final do Meo Rip Curl Pro Portugal de 2017, em Peniche 

 

Aquele que foi um ponto de encontro sagrado dos riders nativos, é agora alvo de uma invasão massiva de carros que despejam dezenas de “trail runners”, muitos deles em grandes grupos, por vezes, ruidosos e demonstrando um entusiasmo histriónico na descoberta de um mundo novo, acabando por desrespeitar, de forma inconsciente, é certo, as tribos ali instaladas há muitos anos. É um pouco como no turismo de massas em Lisboa, no qual se reconhece o seu direito e algumas virtudes, mas é impossível negar o custo que isso implica na vivência das comunidades autóctones e na descaracterização dos locais. Os tais santuários que sempre foram local de culto ficam comprometidos.

 

Esta questão, no entanto, merece um olhar mais sociológico. Ao contrário daquilo que são as actividades mais “extreme” de carácter tribal que, por natureza, são disruptivas com o quotidiano e irreverentes com as normas sociais instaladas, o fenómeno do “trail running” resulta precisamente da aceitação das normas, numa lógica urbana e cosmopolita, associada a um estilo de vida regulado e organizado, dotado de um certo “status”. Não é por isso de estranhar que o “trail running” tenha surgido de rompante como uma tendência de massas, como tantas outras que surgem nestes tempos onde impera a ditadura do politicamente correcto e dos hábitos “saudáveis”, ao contrário de modalidades como o surf, o skate ou o BTT, que nos seus primórdios apareceram como elementos de contra-corrente ou contra-cultura.

 

Compreende-se, por isso, que o “trail running” esteja muito instalado em quadros de empresas e organizações, como elemento agregador e modernizador. Também no seio dos amigos e famílias, é uma actividade socializante e potenciadora de práticas “saudáveis”. No fundo, e é aqui que reside a grande diferença com as actividades de matriz “subversiva” ou "irreverente", o “trail running” acaba por ser uma extensão social das vivências diárias, de uma lógica “mainstream”, fruto das novas tendências urbanas e cosmopolitas. Não é que isso tenha algum mal, até porque a prática do desporto é sempre louvável, mas para quem sempre ansiou pelo fim-de-semana, de modo a pegar na bike e ir ao santuário para se reunir com a tribo, é uma desolação espiritual começar a manhã rodeado de carros e pessoas, pondo em causa o equilíbrio de um ambiente que devia ser sagrado e imune à “contaminação” pelos hábitos e comportamentos das vivências diárias da urbe e das cenas “trendy” da sociedade cosmopolita.

Vencer com paixão

Alexandre Guerra, 09.09.17

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No desporto há dois tipos de vencedores: aqueles que, de acordo com as suas competências e capacidades, vão gerindo a sua carreira de forma metódica e cuidada, com muito trabalho e empenho, apoiando-se e confiando numa equipa para alcançar os seus êxitos; e há aqueles que, para lá disso tudo e do talento que é sempre preciso ter, emanam uma forte paixão, uma estética intangível, uma irreverência e um espírito combativo destemido, muitas vezes em desafios quase condenados ao fracasso. São aqueles atletas que arriscam sempre, que vão contra tudo e contra todos. São aqueles atletas que emocionam, que fazem sonhar, que levam crianças e adultos a chorar pelos seus feitos ou desaires. Alberto Contador é um desses atletas. O que se viu este Sábado na penúltima e decisiva etapa da Vuelta na subida ao mítico Alto do Angliru foi grandioso e memorável, daqueles momentos que ficam na memória de todos os que gostam de desporto, em geral, e de ciclismo, em particular. Era o último desafio de Contador antes de terminar a sua carreira, com o fim da Vuelta este Domingo. Ele sabia que tinha de chegar em primeiro ao topo do "inferno" do Angliru. Todos nós esperávamos isso, como se tratasse de um final épico cinematográfico. Contador atacou logo ao início da subida e foi passando por todos os ciclistas à sua frente. Paixão, sacrifício, talento, arte... deixou tudo na estrada, ao mesmo tempo que era retribuído pela euforia de milhares de pessoas em delírio. No fim, ganhou. O desporto assim, é simplesmente belo.

Expectativas olímpicas, resultados (apenas) muito bons

João André, 19.08.16

E o tempo de Jogos Olímpicos e já tenho andado a ver nas redes sociais e nos jornais os comentários habituais às prestações de atletas portugueses. Em resumo, que é uma vergonha, que andamos a pagar para eles fazerem isto (seja lá o que "isto" for), que não trazem medalhas, que se é para baterem recordes nacionais também o podem fazer em casa (li em tempos um comentário do género salvo erro a Eduardo Pitta), etc e tal. Alguns dos comentários mais recentes debruçaram-se sobre o quinto lugar de João Pereira que não chegou a ser uma medalha, nos resultados dos canoístas que não chegaram lá e nos nossos triplistas em que pelo menos Nélson Évora é desculpado porque no passado já foi ouro.

 

Uma das respostas padrão passa por perguntar quem mais pode dizer que é dos oito melhores do mundo ou sequer o melhor português naquilo que faz. Outra passa por dizer que quem questiona não sabe do que fala (que será verdade na maioria das situações). Eu prefiro uma outra opção: respeite-se antes de mais o esforço de quem chegou àquele nível (passando por muitos sacrifícios pessoais ou não) e de quem estava a cumprir a sua função. É o mesmo respeito que é devido a um empregado de balcão, a um médico, a um varredor de ruas, a um padre, a um operário, a um ministro ou a um polícia. É o respeito devido a quem faz o seu trabalho.

 

Há no entanto a necessidade de dissecarmos as prestações por duas perspectivas: a) em comparação com as expectativas e, b) como resultado de um investimento no atleta. Farei isso abaixo.

 

 

Portugal arrecada 33 Medalhas nos Primeiros Jogos da Trissomia

Francisca Prieto, 25.07.16

Li esta notícia ontem. Anuncia que Portugal terminou os Primeiros Jogos da Trissomia, em Itália, com 33 medalhas, seis delas de ouro, numa espécie de Olimpíadas que juntaram cerca de 750 competidores de 36 países.

Confesso que a princípio achei que estava no meio de um skech dos Gato Fedorento, tipo ah e tal, agora até os trissómicos portugueses são melhores do que os outros, querem lá ver. Mas depois pareceu-me óbvio o motivo que está por detrás deste sucesso.

Portugal é um dos países mais avançados em termos de integração. Neste momento, virtualmente todas as crianças com trissomia 21 frequentam sistema regular de ensino. E, a par com isso, praticam actividades em ambiente não exclusivo. Lá vão para a natação, para o judo, para os escuteiros, para o pingue-pongue, para a ginástica, ou seja lá para onde for, treinar em conjunto com crianças perfeitamente normais.

Isto torna a fasquia alta. Faz com que cada um deles, não obstante as suas dificuldades, se paute pela normalidade.

E este ambiente, que só é possível porque quer os pais, quer os treinadores, acreditam que eles são capazes, faz com que consigam realmente superar qualquer expectativa. É este ambiente que faz deles campeões.

Na maior parte dos países, mesmo nos mais avançados, estas crianças são colocadas em ambientes exclusivos. É perfeitamente defensável dizer que há vantagens nessa opção: trabalham com professores mais preparados, fazem desporto adaptado às suas dificuldades e convivem na maior parte do seu tempo com os seus pares. Mas, do meu ponto de vista, são menos desafiados. É como se criássemos escolas para crianças tímidas para não correrem o risco de sofrerem bullying. Seria certamente mais confortável, mas muito menos enriquecedor na preparação para a vida.

Como tenho um projecto de vida para a minha filha, que passa por muito mais do que assumir a sua deficiência e cruzar os braços, defendo ferozmente a integração.

Quero para ela o que quero para os outro filhos: que seja autónoma e feliz. Sei que, no caso dela, a rota é diferente e que vai tendo de ser adaptada. Mas tenho a certeza de que se não a puser a olhar para cima, ela não vai saber onde tem de chegar.

 

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Pedro Correia, 18.07.16