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Delito de Opinião

Obesidade mórbida

Paulo Sousa, 26.02.20

Olhando para o site da Direcção Geral do Orçamento e comparando a relação de grandeza entre o total da despesa pública e o PIB no ano de 2019, podemos afirmar que a riqueza produzida no país deixou de ser consumida pelo estado apenas no dia 23 de agosto pelas 12 horas e 14 minutos.

Neste rectângulo à beira mar plantado nunca o contribuinte luso foi chamado a contribuir com tanto para os cofres do estado. Podemos por isso afirmar com toda a propriedade que vivemos tempos históricos.

Esta data é simbólica mas serve para provar o excessivo peso do estado na vida dos seus cidadãos. Infelizmente não inclui todo o esforço que temos de despender para cumprir com todas as burocracias que nos são impostas.

A título de exemplo basta imaginar quantas horas terão sido gastas nestes últimos dias a conferir e validar facturas no portal das finanças? Cada contribuinte ou agregado terá consumido no mÍnimo duas ou três horas a fazê-lo, e a partir daí basta fazer as contas.

Fosse o estado um daqueles clérigos glutões tão bem descritos por Eça e estaria à beira de uma apoplexia.

Monos

Sérgio de Almeida Correia, 19.05.14

Paulo Rangel, cabeça-de-lista da coligação PSD/CDS-PP às eleições europeias, sendo um homem bem formado, sério, culto e inteligente, na hora das pré-campanhas e campanhas eleitorais perde facilmente o estribo. Quando abre a boca em campanha revela a sua face desconhecida e tudo serve para ganhar votos. Numa das suas tiradas de antologia, em Almada, há pouco mais de um mês, em 10 de Abril pp., disse impante que a lista de candidatos do PS era formada pelos "rostos do despesismo" de Guterres e Sócrates. Acrescentou que as políticas dos antecessores do excelso e impoluto Passos Coelho tinham conduzido o País à bancarrota, mas injustamente não incluiu nesse número aquela espécie de executivo, inspiradora de séries do tipo "morangos com açucar", da dupla maravilha Barroso/Santana Lopes. Rangel lamentou-se que tivesse recaído sobre o seu partido e o parceiro de coligação o ónus de rectificarem esse despesismo. Eu também lamento. O problema é que Rangel e os seus pares quando dizem estas coisas riem muito, em especial os meninos das jotas. Riem e batem palmas com o ar mais ignorante e glutão que se adeqúe ao momento.

Pois bem, esta manhã, ao ler o Público deparo com uma desenvolvida notícia, de página inteira (a 18), pela qual eu e os portugueses ficámos agora a saber que o comboio entre o Porto e Vigo transporta 26 passageiros por dia, e que em nove meses acumula prejuízos de 1,2 milhões de euros. Em Agosto de 2013, mês de maior procura, teve uma média de 57 passageiros. A taxa de ocupação de cada automotora é de 12%, sim, leram bem, doze por cento, e o serviço - de acumulação de prejuízos, creio - foi criado por decisão conjunta dos governos do Sr. Coelho e do Sr. Rajoy. Gente séria, portanto, que procedeu à sua inauguração em Julho de 2013. Um marco da retoma em pleno consulado da troika

O presidente da CP, numa manifestação extrema de solidariedade para com quem deu tudo o que tinha, e o que não tinha, ao governo do Sr. Coelho, diz que a criação do serviço se deveu a um "impulso" do ex-ministro da Economia do Governo PSD/CDS-PP.

Enfim, para quem, como aquele rapazola que queria responsabilizar criminalmente os responsáveis dos anteriores governos, esta será uma boa oportunidade para começar a pedir já responsabilidades. A começar pelo Sr. Coelho dos discursos em Quarteira, no "calçadão".

Em primeiro lugar, no lugar dele, eu começaria por pedir os estudos económicos e de mercado que suportaram a decisão. Sim de mercado, porque nestas coisas, tal como na Saúde e na Educação, o mercado é que deve mandar. Depois, aproveitaria a embalagem para lhe perguntar como é que numa altura de tantos cortes em serviços essenciais, depois de aumentar impostos, diminuir funcionários públicos, alargar horários de trabalho e de acusar os antecessores de despesismo e irrealismo, o Sr. Coelho se dá ao luxo de derreter tantos milhões num serviço ferroviário que transporta 26 passageiros por dia! Melhor só me lembro mesmo daquela coisa que o bom do Isaltino fez em Oeiras e que chega a circular sem nenhum passageiro. Ou dos resultados de empresas por onde alguns andaram aos 40 anos a fazer o estágio para "estadistas".

Não sei a quem é que Paulo Rangel e os meninos da JSD irão imputar os custos deste serviço da linha Porto-Vigo, que pelos vistos agora ninguém tem coragem (ou melhor, tomates, num vernáculo que os leitores me perdoarão mas todos entendem) de encerrar já.

O descalabro que a linha Porto-Vigo evidencia é que, uma vez mais, o problema não é só político. É um problema de gestão, é certo, mas mais de decência. Ou de falta dela, por parte de quem, desde os tempos do cavaquismo, inaugurou este ciclo que teima em persistir. A qualidade de quem decide, de quem acusa e de quem gere, vem ao de cima nestes momentos. Qualquer que seja o partido em questão.

Não sei se Rangel será agora capaz, como uma pessoa decente faria, de criticar com a mesma veemência esta situação e de acusar o seu primeiro-ministro de despesismo e de irresponsabilidade. Ou se Nuno Melo proporá uma comissão parlamentar de inquérito, daquelas que a actual maioria estimula sob o impulso da JSD para deslustrarem a actividade parlamentar e desqualificarem os seus próprios deputados. 

Os custos deste descalabro da linha Porto-Vigo são ainda mais graves porque desencadeados numa altura de imposição de profundos sacrifícios e de cortes em áreas sensíveis. Conjugados com um aumento brutal de impostos e uma política de cortes destinada a alimentar lobbies e camarilhas produzidas pelas desregulação dos mercados, devem ser imputados, e já, a quem ainda está na cadeira do poder e já se conhecem os resultados.

A responsabilização, tal como a justiça, deve ser rigorosa e feita em tempo útil. Imputar os louros por mais este feito aos mesmos de sempre parecer-me-ia excessivo. Está na hora de começar a medalhar quem em tão pouco tempo e perante condições tão adversas já produz rebentos desta dimensão. Bastaram nove meses para se ver a excelência da gestão, da preparação e, já agora, do "impulso". Agora imaginem o que seria se não estivéssemos sob a tutela da troika. Falar não custa, pois não, Dr. Rangel?

E se criássemos mais uma comissão?

Luís Menezes Leitão, 30.04.13

 

Este Governo começa a parecer-se cada vez mais com o grupo de conselheiros de Júlio César no Obélix et Compagnie. Temos um problema para resolver? Cria-se mais uma comissão para analisar esse problema, a qual depois se dividirá em sub-comissões específicas ou então combina-se um almoço para discutir o assunto. Sabe-se que para além de ter que alterar o orçamento de Estado em virtude do chumbo do Tribunal Constitucional, o Governo deveria explicar onde é que vai cortar 4.000 milhões de euros na despesa do Estado. Mas depois inúmeros conselhos de ministros, a discutir não se sabe o quê, em que inúmeros ministros decidiram pelejar uns com os outros, chega-se à conclusão que é melhor deixar o assunto para depois do 1º de Maio.

 

Mas, como não podia deixar de ser, Vítor Gaspar não perde a oportunidade de nomear mais comissões. Já tinha criado o Conselho de Finanças Públicas, que foi um excelente estímulo ao emprego no sector. Em seguida criou a ESAME-Estrutura de Acompanhamento dos Memorandos, com nada menos que 30 elementos, com emprego assegurado até 30 de Junho de 2014, sem prejuízo de prorrogação se o país vier a necessitar de novos resgates. Agora, como se isto não bastasse, surge mais uma Comissão de Normalização Contabilística e uma Unidade Técnica de Acompanhamento de Parcerias Público-Privadas, que acabam de tomar posse.

 

Alguém acredita que assim é possível reduzir a despesa pública? Eu não. Talvez por isso o que este Governo vai anunciar será seguramente a criação da CCDE - Comissão para Cortar na Despesa do Estado, com um orçamento de milhões e centenas de funcionários. E depois os Ministros lá poderão reunir com toda a tranquilidade.

A Base, a Basezinha

Rui Rocha, 23.11.12

É o Natal, ou não, uma festa com origem pagã? Pois. É um tema entusiasmante mas não é disso que este post trata.  O que sei é que é uma festa que todos pagamos. E não nos fica nada barata. Se tiver dúvidas, consulte a Base dos Contratos Públicos. Escolha "ajustes directos" na barra latera e pesquise por "natal". Espere pelo resultado. Seleccione a "pesquisa avançada" e carregue no botão exportar. Depois, some as parcelas do Excel. São mais de 35 milhões de euros entre Maio de 2008 e Novembro de 2012. Em iluminações, árvores, presépios com o Gaspar, as vacas, os boys e os burros, luzinhas e jantares e almoços de Natal. Saídos directamente dos bolsos dos contribuintes. O Natal deve ser quando os homens quiserem? Se calhar, é melhor não. Acha tudo isto um espectáculo? Bem, podemos falar disso. Porque no mesmo período, a dita Base regista um investimento de cerca de 90 milhões de euros em espectáculos, espetáculos (convém fazer a pesquisa em acordês e língua portuguesa), concertos, festivais, performances e outras manifestações destinadas a animar, ao longo do ano, os serões e matinées deste povo bom e cordato. E não me venham com futebóis. Até porque o futebol levou, no mesmo período, 25 milhões de euros. Para relvados, bancadas, transporte da criançada, balizas e balneários. Estes números espantam-no? Parece-lhe que retratam um país a afundar? Isso é porque ainda não viu os das piscinas. Sim, foram cerca de 60 milhões de euros desde 2008. Isto é, entre Natal, espectáculos, futebolices e mergulhos, 200 milhões de euros em menos de 4 anos. Números que se referem, naturalmente, apenas a prestações de serviços e não integram custos de outra natureza, como encargos com pessoal das estruturas e intalações a que dizem respeito. São só exemplos. Mas começo a acreditar que qualquer reforma séria do Estado terá mais hipóteses de sucesso se a análise começar pela Base. Pela Basezinha.

Corte na despesa (ou talvez não)

Pedro Correia, 27.09.12

Das 38 fundações sobre as quais há uma proposta de extinção, o Governo só tem poder, na prática, para decidir o destino de quatro: Cidade de Guimarães, Museu do Douro, Côa Parque e a das Salinas do Samouco. Ao nível da administração central, o número previsto é de 17, mas em 13 a última palavra caberá às instituições do ensino superior que as criaram. Ao nível das autarquias, o Governo propôs a extinção de 21 mas também aqui a decisão final caberá aos órgãos municipais e os responsáveis de algumas câmaras já avisaram que não vão acatar a proposta governamental.

Público

 

Em relação às regiões autónomas, Carlos César já decidiu que não irá mexer nas três fundações do arquipélago.

Público

 

Alberto João Jardim garantiu que não vai extinguir a [Fundação] Madeira Classic.

Público

 

«Decisão de extinguir a Fundação Madeira Classic é um acto nulo e tudo continua na mesma.»

Alberto João Jardim, Lusa

 

Vítor Ramalho, presidente do INATEL, protesta contra o corte de 30% do financiamento público na fundação que dirige.

i

 

«O corte só pode estar sustentado num grande equívoco ou mal-entendido. Não me passa sequer pela cabeça, não quero acreditar e muito menos aceitar, que pudesse acontecer.»

Fernando Nobre, fundação AMI, i

 

«Tenho pena se tivermos de acabar com essas acções de solidariedade social que são a razão de existência da nossa fundação, mas tenho fé que ainda possam reflectir sobre este problema e o possam emendar, procurando não prejudicar as fundações.»

Maria Barroso, presidente da Fundação Pro Dignitate, Lusa

 

Mais de um terço das câmaras não acata a proposta de extinguir fundações.

Público

 

O presidente da Fundação Frei Pedro (Guarda) considerou hoje que o cancelamento do estatuto de utilidade pública da instituição é uma «injustiça».

Virgílio Mendes Ardérius, Lusa

 

Artus Santos Silva, presidente da Fundação Gulbenkian e do Centro Português de Fundações, diz que a resolução do Governo é «infeliz» e afecta a reputação das fundações na sociedade portuguesa.

Público

 

«Governo está a fazer uma crucificação às fundações, nunca antes feita, e que é completamemente errada.»

Carlos Monjardino, presidente da Fundação Oriente, Diário Económico

 

«Decisão de extinguir Fundação Paula Rego [em Cascais] é um lapso monumental.»

António Capucho, ex-presidente da câmara de Cascais, Público

 

Corte de 30% na Fundação Eça de Queiroz, com sede em Baião, pode levar a despedimentos. «Se esse corte for concretizado, ficaremos numa situação muito difícil», alertou a directora executiva, Anabela Campos.

Lusa

 

«A sensação com que ficamos perante este anúncio é de profunda injustiça. Esta decisão não premeia quem faz melhor.»

Luís Braga da Cruz, presidente da Fundação Serralves, JN

 

«Esta fundação [Serrão Martins] faz muita falta.»

Jorge Colaço, presidente da câmara de Mértola, Lusa

 

O director-delegado da Fundação Abel e João de Lacerda, do Caramulo, lamentou que o Governo queira «penalizar bons alunos» com o fim dos apoios financeiros públicos, que poderá colocar em risco projectos desenvolvidos nos últimos anos.

Lusa

 

A presidente do município de Portalegre quer manter a Fundação Robinson e a câmara de Vila Nova de Cerveira não só não aceita a proposta de fechar a Fundação Bienal de Cerveira como deixa aberta a porta a um eventual recurso aos tribunais.

Público

 

O presidente da Câmara de Loulé, Seruca Emídio, disse que vai contestar a decisão de extinção da Fundação António Aleixo.

Lusa

 

O presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, estranhou a proposta do Governo de extinção da Fundação Marquês de Pombal, detida em 89% por mecenas privados.

Lusa

 

«Com a extinção da Fundação Odemira estão em causa cerca de cem postos de trabalho e 200 alunos.»

Presidente da câmara de Odemira, José Alberto Guerreiro, Lusa

 

«Não se podem meter as fundações todas no mesmo saco. O Salazar não primava por ser de esquerda e acarinhava o Inatel.»

Vítor Ramalho, i

 

«Mais do que uma ingerência do Estado, é uma anormalidade.»

António Capucho, Diário Económico

 

Graça Nunes, vice-presidente da câmara de Grândola, classifica a decisão de "absurda" e manifesta oposição à intenção do Governo de reduzir para 30% os apoios públicos à Fundação Frédéric Velge.

Público

 

«Temos um projecto de hortas solidárias, onde damos apoio a 60 hortelões, alguns deles que pertencem a famílias carenciadas. Temos também a única marinha a produzir sal no estuário, algo que aconteceu este ano pela primeira vez, apoio aos burros mirandeses, uma bióloga em formação e organizamos várias visitas ao local. Se não houver uma entidade que faça o mesmo trabalho que a fundação, perde-se um importante habitat e vai caminhar-se para uma degradação das salinas.»

Firmino Sá, presidente da Fundação para a Protecção e Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, Lusa 

 

Caricaturas a Metro

Rui Rocha, 17.07.12

 

Pode parecer muito, mas nem é o caso. As 53 caricaturas encomendadas ao cartoonista António para embelezar a extensão da linha de Metro até ao aeroporto de Lisboa custaram 200.000€. Todavia, o preço já inclui os materiais e a instalação, esclareceu Cardoso dos Reis, Presidente do Metropolitano de Lisboa. O artista  por seu lado, declara-se mal pago. É bem capaz de ter razão, se tivermos em conta a qualidade da obra. A caricatura de António Costa, por exemplo, está muito fiel ao original.

Serviço público

Pedro Correia, 16.07.12

 

Má Despesa Pública: agora o livro, depois do blogue. Com lançamento hoje, em Lisboa.

 

Alguns exemplos de má despesa pública anotados pelos autores, Bárbara Rosa e Rui Oliveira Marques:

- os cinco mil euros que a Fundação Inatel pagou por uma entrevista ao próprio presidente;

- os mais de seis mil euros em catering para as reuniões de dirigentes municipais, pagos pela Câmara de Almada;

- uma festa dada pelo Governo Regional dos Açores no final da Bolsa de Turismo de Lisboa, "com bar aberto para 700 convidados";

- arranjos em jardins inexistentes, como é o caso do antigo Governo Civil de Lisboa;

- parques de estacionamento construídos há anos ainda por abrir no Cartaxo.

 

Outros factos aqui destacados:

- não há nenhuma obra pública sem derrapagem, seja de preço ou de tempo;

- na Expo 98 e no Euro 2004 existiram "derrapagens gritantes";

- a Presidência da República, "estranhamente", não disponibiliza o seu orçamento;

- no orçamento da Madeira constam 300 milhões de euros para despesas diversas não especificadas;

- os gestores públicos visados nos relatórios do Tribunal de Contas não pagam as coimas que lhes são aplicadas;

- há uma lei de acesso aos documentos administrativos e há uma entidade, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), para zelar pelo cumprimento dessa lei, mas a própria CADA não publica o seu orçamento desde 2010.

À dúzia é mais barato.

Luís Menezes Leitão, 23.06.12

 

Quem ganha esta semana o prémio Despesismo é Luís Filipe Menezes ao propor, não uma nova ponte, mas antes três novas pontes e um túnel a unir Gaia ao Porto. A proposta corresponde apenas a uns modestos 115 milhões de euros. Nas palavras do próprio: "Não é muito dinheiro. Só o que entregamos ao BPN daria para 500 pontes. Se parassem as obras de reabilitação em Mouzinho da Silveira (Porto) ou na Circular do Centro Histórico (Gaia) daria para pagar uma ponte. O investimento no Teleférico ou na Douro Marina ou no Centro de Alto Rendimento Olímpico daria para pagar outra ponte". Já estamos então a perceber para onde é que vai o dinheiro dos nossos impostos. Anda a ser gasto pelos autarcas do país à fartazana, sendo que a unidade de conta dos gastos já não é o euro, tendo passado a ser a ponte.

 

Não sei por que é Luís Filipe Menezes não triplica a sua proposta, passando antes a ser nove pontes e três túneis. Era capaz de se conseguir que à dúzia fosse mais barato e que o valor da unidade de conta ponte acabasse por descer. Na verdade, 12 pontes são uma ninharia comparada com as 500 que custa o BPN. Conforme sabemos todos, o país está muito rico, há ouro no Alentejo e petróleo no Algarve, e não há por isso motivo nenhum para que os autarcas do país não construam todas as pontes que lhes apetecer construir.

 

Há quem aplauda entusiasticamente esta proposta, parafraseando até a canção de Pedro Abrunhosa: "que nunca caiam as pontes entre nós". A mim apetece-me mais traulitar antes outra canção, a Ribeira dos Já Fumega: "A ponte é uma passagem... para a outra margem. Desafio, pairando sobre o rio. A ponte é uma miragem".

Algumas questões, umas pertinentes e outras não

Rui Rocha, 13.10.11

Perante a gravidade da situação do país e das medidas anunciadas por Pedro Passos Coelho há um conjunto de reacções e ilusões que são completamente despropositadas. Aqui vão algumas:

 

1 - Discussão entre austeridade e estímulo económico: num país em que o Estado está sem dinheiro para pagar salários, absolutamente dependente do financiamento estrangeiro, pretende-se investir exactamente o quê? E, já agora, não foi um certo tipo de investimento que, em boa parte, nos trouxe até aqui? O certo é que o dinheiro que temos não é nosso, é emprestado, e fazemos com ele o que nos mandam. Assim, o único investimento que pode chegar à nossa economia é o investimento directo estrangeiro. De empresas que se queiram instalar no nosso país. Se o conseguirmos tornar atractivo. Impedidos de responder no imediato com alterações estruturais (justiça, qualificação), resta-nos intervir nos custos do factor trabalho (diminuição dos feriados ou aumento do horário de trabalho são exemplos, porventura de eficácia reduzida). No mais, falar de investimento do Estado nas actuais circunstâncias é completamente irrealista.

2 - Ilusão de que os funcionários públicos são os grandes sacrificados: sim, é verdade que vão perder poder de compra. Mas, vão, até ver, manter o emprego. No privado, a crise pagar-se-á com falências e desemprego maciço. Alguém no sector público estará interessado em trocar?

3 - A ideia de que os sacrifícios têm de valer a pena: na medida em que está implícita a possibilidade de, algum dia, num futuro mais ou menos próximo, podermos regressar aos níveis de consumo dos últimos anos. Nada mais falso. Depois do túnel, se houver alguma coisa, será frugalidade e contenção. E já não será nada mau.

 

Posto isto, há algumas interrogações que são, essas sim, pertinentes. E todas têm dimensão ética. A primeira diz respeito à avaliação das promessas e compromissos eleitorais de Passos Coelho. Está a violar aquilo a que se vinculou e, em casos afirmativo, tem para isso justificação? A resposta é fundamental para percebermos da viabilidade do vínculo de confiança que deve existir entre eleitores e governantes. A segunda coloca-se ao nível da repartição dos sacrifícios. Está a classe média a ser a única sacrificada ou aqueles a quem chamamos ricos estão também a ser chamados a participar no esforço nacional? Existe um esforço sério para combater a corrupção e a utilização abusiva de dinheiros públicos? Está a ser percorrido caminho no sentido de assegurar a frugalidade e equilíbrio nas remunerações dos titulares de cargos públicos? E responder a isto é fundamental para percebermos da viabilidade da manutenção da paz social.

Portanto é assim.

Luís M. Jorge, 22.09.11

De um dia para o outro toda a gente que andou por aí a defender a despesa pública é inimputável, excepto Alberto João Jardim. Neste assunto tenho a consciência tranquila porque sou de esquerda mas sempre temperei o meu escasso keynesianismo com sensatez. Os arquivos deste e do outro blog estão cá para o provar. Faz parte das peculiaridades do país que quem se calou perante as PPP, o novo aeroporto de Lisboa ou de Beja, a corrupção desbragada, a terceira auto-estrada do norte e o TGV agora berre e vocifere contra as dívidas da Madeira. Mas só há um homem em cargos públicos com autoridade para dizer isto:

 

Tive uma grande tarefa que foi tapar o buraco financeiro que tenho. Sobre buracos financeiros não tenho mais a acrescentar do que tenho vindo a dizer ao longo de dez anos, aliás com muitas críticas. Chamaram-me muitas vezes contabilista, disseram que tinha pouca ambição e pouco rasgo... agora a Câmara do Porto tem as finanças equilibradas e o rasgo dos outros foi tanto que rasgaram o futuro do país.

 

E acabou a conversa (via).

Popupoupismo e popudespesismo

Rui Rocha, 23.06.11

Um dos assuntos que nos vai entretendo neste país à beira da reestruturação da dívida plantado é o das viagens em classe económica do primeiro-ministro. Símbolo, clamam alguns. Populismo, contrapõem outros tantos. Parto do princípio que a medida, considerada isoladamente, não terá efeitos por aí além. Positivos ou negativos. E, a benefício da análise, estou até disposto a aceitar que se trata de uma decisão populista. Nesse caso, será tão populista como a construção de auto-estradas inúteis. Mas, mesmo que seja assim, temos que distinguir  uma situação da outra. O eventual populismo concretizado em viagens em classe económica não endivida o Estado de forma absurda e insustentável. As obras sumptuárias e inúteis comprometem (comprometeram) o nosso futuro. No primeiro caso, estaremos, no pior cenário, perante popupoupismo. No segundo, trata-se de popudespesismo. Em qualquer circunstância, prefiro o primeiro.

Nem à esquerda nem à direita: é mais ao fundo

Teresa Ribeiro, 19.03.11

Há problemas responsáveis pelo nosso atraso que transcendem a política. Não vale a pena procurá-los à esquerda e à direita, porque não são consequência directa de programas políticos como a propaganda dos diversos partidos nos quer fazer crer. O Estado engordou desmesuradamente em Portugal não por causa dos keynesianos, mas sobretudo para dar emprego a sucessivas hordas de boys, familiares e amigos. A despesa pública disparou para financiar PPP só em teoria vantajosas para o Estado, para pagar gestores públicos incompetentes, subsidiar fundações de fachada e sustentar institutos inúteis, entre muitas outras aberrações sobejamente identificadas.

Qualquer análise, desde que honesta, não poderá imputar responsabilidades exclusivas por este manual de maus costumes a nenhum dos partidos que conhecemos. Se assim não fosse, a alternância democrática teria funcionado, evitando que esta desastrosa gestão acabasse por minar e tolher a coisa pública a ponto de comprometer a viabilidade de um país.

A corrupção, que é o ponto de convergência de toda esta trapalhada, se fosse controlada poderia, quem sabe, fazer de nós um país tão próspero  como a Finlândia. Daí que mais do que político, o nosso maior problema seja de ordem moral. Quando vejo os políticos a discutir encarniçadamente modelos económicos com mais Estado ou menos Estado e modelos sociais com mais protecção ou menos protecção, pergunto-me quando é que o ímpeto reformista os levará a mudar realmente. E a fazer o que é preciso para que esses modelos que defendem à esquerda ou à direita possam funcionar. 

Há sinais que revelam até que ponto os partidos são conservadores em relação ao sistema e que valem mais que mil panfletos partidários.