O segredo das coisas simples
O texto é relativamente curto, com pouco mais de cem páginas, deixando-se ler tranquilamente, sem altos nem baixos. Como é típico dos livros de memórias, remete-nos para um passado próximo, com os corpos ainda quentes da memória, de recordações de infância, de deliciosos momentos do quotidiano, todos acabando por conviver com a chegada da nostalgia da lembrança, espécie de nevoeiro que vai tomando conta da luz das horas e dos dias mais soalheiros à medida que se recuperam lembranças.
Rodrigo, irmão de Gonzalo, não é Gabo, mas sendo filho recupera alguns dos melhores momentos de seus pais numa altura em que as despedidas se aproximam e a consciência da aproximação à partida torna tudo ao mesmo tempo mais subtil e mais denso.
Cada dia que vivemos, bem ou mal, alegre ou triste, aproxima-nos mais da morte e esta, como ele escreveu, "não é um acontecimento a que uma pessoa se possa habituar".
A habituação jamais ocorrerá quando se fala de quem nos quis e que foi querido, e que por essas mesmas razões tende a fixar-se no essencial que nos marcou e que com gosto depois se recorda.
Uma despedida entre entes queridos tem tudo para não ser um momento feliz; o que todavia não impediu o autor de nos trazer um pouco mais de luz sobre os últimos anos de Gabriel García Márquez e sua mulher Mercedes.
Fê-lo num estilo simples, sem arabescos e sem a prosápia de outros filhos, mantendo as distâncias e os protagonistas no local que merecem e que a vida lhes proporcionou, assegurando-lhes a dignidade no momento em que as primeiras folhas de Outono caem para nos prepararem para a invernosa solidão do fim.
Um conjunto de fotografias torna-nos cúmplices dos relatos, aqui e ali pontuados com notas de humor que reflectem a genialidade do homem – no me las puedo tirar todas é um desses momentos mágicos – e o ambiente que o rodeou os seus últimos tempos, prova inequívoca de que mesmo quando se está "sempre embriagado com a vida e as vicissitudes da existência" é em casa que "a maior parte das coisas que vale a pena aprender continua a aprender-se".
Verdade que nos dias de hoje não será igual para todos, e para muitos é mentira, mas que no caso de Rodrigo se confirma plenamente, pese embora os engulhos que o malfadado Acordo Ortográfico de 1990 continua a provocar em quem traduz e em quem lê. Uma pena a que Rodrigo, Gabo e Mercedes são totalmente alheios e a que só não escapa o leitor português.