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Delito de Opinião

Afinal quantos séculos tem o atraso económico de Portugal?

Paulo Sousa, 28.10.20

Já por mais que uma vez que estive para aqui escrever sobre o 45 graus, o podcast de José Maria Pimentel. Ele é economista de formação, define-se como curioso por natureza e convida para uma conversa descomprometida especialistas e pensadores de várias áreas. Neste podcast, conversa-se sobre ciência e tecnologia, mas também economia e gestão, e mesmo ciências sociais, como sociologia, ciência política ou psicologia. E não só: discute-se também história e política internacional; filosofia e religião; sociedade e educação.
Parte do parágrafo anterior foi copiado da respectiva apresentação.
No episódio mais recente, o 96º (!!), o convidado foi Nuno Palma, que é professor de economia na Universidade de Manchester e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Nuno Palma tem-se dedicado sobretudo à área da História Económica.
O que se pode concluir se compararmos a evolução económica desde o século XIV de vários países da Europa ocidental, como Portugal, Espanha e Inglaterra? As conclusões são surpreendentes especialmente pelo enfoque que é dado à qualidade das instituições.
 
"Mas porquê medir a qualidade das instituições? Porque cada vez mais percebemos que o que determina o desenvolvimento económico dos países — ainda hoje –, mais do que políticas económicas no papel, e para lá dos recursos naturais, é a qualidade das suas instituições. Instituições aqui significa, por exemplo, as limitações impostas ao poder executivo ou o cumprimento dos contratos. Em termos simples, desenvolvem-se os países cujas instituições permitem e encorajam as pessoas a dedicarem-se a atividades produtivas; não se desenvolvem aqueles onde o poder está concentrado nas mãos de uma elite, que vive à custa do resto da sociedade. Soa-vos familiar?"
 
Recomendo vivamente a audição desta conversa, assim como a que se siga este projecto.

Colonialismo por meio ambiente

João André, 25.06.18

Trabalho actualmente numa empresa global que vende produtos directamente ao consumidor. A empresa opera em todos os continentes em volumes elevados (é a empresa líder mundial no seu sector) e devido a esses volumes tem também que tratar dos seus desperdícios, inclusive a água residual - é aqui que eu entro.

 

Recentemente, em dois países africanos, as regras de descarga de águas residuais - após tratamento - foram apertadas. Nada de novo ou de pouco esperado, são zonas de difícil acesso à água e com poluição suficiente da pouca água que possuem. O problema é que os limites de descarga foram apertados de tal forma que essencialmente espelham as melhores normas de países desenvolvidos.

 

Até aqui tudo bem. Nas fábricas em países desenvolvidos os nossos sistemas de tratamento de águas residuais está preparados para atingir estes limites onde eles estão em vigor (varia de país para país, estado para estado e até de munucipalidade para municipalidade). O problema é que, como se poderia esperar, quanto mais apertados forem estes limites, mais dinheiro custa o tratamento, o que aumenta os custos operacionais da fábrica.

 

E eis a dificuldade em África ou outros países em desenvolvimento: como pagar este aumento de custos? Nos países desenvolvidos o custo acrescido em termos de €/kg de produto é mais ou menso semelhante aos de África, isto porque as soluções são tecnológicas e os provedores da mesma não conseguem reduzir muito estes custos só à custa de mão de obra mais barata. Como o custo do produto em África é muito mais baixo (em alguns casos estamos a falar de valores 50 vezes mais baixos), será muito mais complicado pagar o aumento de custos. Em alguns casos poderá levar as empresas a simplesmente fechar as fábricas porque economicamente não faz sentido fazer a actualização destes sistemas. Não é o caso da minha empresa, mas conseguiria perceber a racionalidade.

 

Isto leva-me a pensar na forma como os países desenvolvidos acabam por manter os países em desenvolvimento com atrasos estruturais. Os países desenvolvidos foram tendo séculos para ir melhorando sistemas (dos quais o de tratamento de águas residuais é apenas um caso) à medida que as suas economias melhoravam, a tecnologia se desenvolvia e os limites iam apertando pouco a pouco. Muitas vezes estes limites são apertados de valores muito altos (quando os limites existem de todo) para normas essencialmente de primeiro mundo e isto torna-se uma condição para certas ajudas estruturais aos países em causa. Quando isto sucede, não será de espantar que as empresas fujam destes mercados de margens tão curtas.

 

Por um lado desejo o máximo de protecção ambiental (e outras) em países em desenvolvimento, que as suas populações sofrem já o suficiente para terem de lidar com poluição do ar e poluição e falta de água. Por outro lado, colocar tais exigências acaba por garantir que o desenvolvimento económico seja ainda mais lento e aumente o fosso para os países ricos. Conscientemente ou não, torna-se uma nova forma de colonialismo: colonialismo por meio ambiente.

 

Como na esmagadora maioria dos casos, não sei a solução. Eu apenas posso propor soluções e ajudar as fábricas a manter custos baixos. Mas se os países ricos ajudassem a resolver os problemas que criam, isso seria uma excelnte ideia.

O Professor

jpt, 18.03.13

 

Nosso professor no mestrado, no ISCTE. Nós chegados de outras áreas, desconfiados do discurso economês, aquela arrogância ideológica que se grita ciência, aquela outra vinda da costela dos gestores disfarçados. E a sermos recebidos por um economista assim, economia compreensiva, outros a dizerem-na "economia social". Debruçado na questão do desenvolvimento, mudar "isto" - e acho que ainda não se lhe chamava "sustentável", era "enraízado" o apelido inglês que se lhe dava. E quão complexo era pensar o desenvolvimento naquele princípio dos anos 1990s, esbroado o mito comunista, explodindo os "tigres", alterando-se a situação política em África sob "Bretton Woods", contratualizando-se o GATT. E, já então, notoriamente descentrando-se o mundo da Europa. Podemo-nos sentar, eu, em casa, em família, o FF [meu co-bloguista no ma-schamba] e não só, e não só, e constatar que para tanto do que se anda hoje a discutir [a nossa vida, o nosso futuro, e o da(s) nossa(s) comunidade(s)] fomos nós convocados naquela altura. Alguns responderam à chamada, outros nem tanto. Pois a cada um o seu caminho, intelectual e profissional.

Assim um Professor. Um cavalheiro, também, dotado de uma enorme doçura, cruzada com a ironia bem-humorada. Com especial carinho por nós, gente da antropologia. Não só pelo seu humanismo. E não só por causa da sua paixão por Cabo Verde ... Passados anos, uma década, integrou um processo de formação pós-graduada em Maputo. Por várias vezes aqui esteve. Foi visita cá em casa, nós cerimoniosos, em reverência não só pela sua idade. Nessas vezes chegou, pelo acaso, até a coincidir com o antropólogo da sua família, o Jorge, nosso companheiro de há muito. E era sempre um prazer a conversa com ele. Até pelo seu interesse no que aqui fazíamos e no aqui se passava, até nisso denotando um raro descentramento. De si próprio, do seu e nosso país. E do pequeno  mundo académico.

Um economista nada acidental. Ficam os livros ali na estante. E também a sua página informática. Para quem o leu e conheceu. E para quem não o leu. Está aqui: Mário Murteira.