Não
Hoje aprendi que consigo dizer que não. Foi um acontecimento tardio mas muito desejado. Parece que a minha vida mudou. À conta de uma palavra tão pequena. Há esperança.
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Hoje aprendi que consigo dizer que não. Foi um acontecimento tardio mas muito desejado. Parece que a minha vida mudou. À conta de uma palavra tão pequena. Há esperança.
Não tenho muito jeito, nunca tive, para ficar calada. É um defeito e uma virtude. Por vezes gostaria de voltar a engolir as palavras. Outras, seria magnífico deixar que o chorrilho de disparates na minha cabeça encontrasse eco no exterior. É que, apesar da fama, ainda vou engolindo uns sapos. E sobre isto e mais estive eu à conversa ontem à noite com duas adolescentes. O que as magoa, o que lhes faz confusão - elas com 15 anos - é muito parecido com aquilo que me magoa e me faz confusão, no entanto concluí que ser crescido tem inúmeras vantagens e uma delas é aceitar que é preciso fazer rupturas, chamar os bois pelos nomes. Durante a nossa conversa, ouvindo o mais atentamente possível, voltei a sentir o mesmo que sentia na minha adolescência: incompreensão. Caramba, ser jovem não é um posto, nunca foi, mas é muito difícil. Será sempre muito difícil. E, talvez por isso, acabei por mandar para a outra parte um adulto que teve a infelicidade de dizer: ah, o que eu dava para ter a vossa idade. As minha interlocutoras olharam para o senhor com incompreensão. Eu também.
O estado do mundo. É este: medo + ignorância é igual a ódio. Não vou reproduzir o video da operadora de televisão húngara que tenta passar não uma, mas duas rasteiras, até conseguir o momento penoso de ver um refugiado cair. Não reproduzo por não me apetecer ficar mais triste do que estou. Entre o medo e a ignorância temos a manipulação, o desejo extremo de sangue, suor e lágrimas, o mau jornalismo que deixa o bom nome do jornalismo com qualidade por águas turvas, a total falta de humanismo, de solidariedade, a recusa da cidadania responsável e com princípios válidos. Bons princípios. Eduquei dois filhos para serem boas pessoas. Para saberem a diferença entre o bem e o mal. Tive muitas ajudas, felizmente. Até o Tolkien me ajudou! Sempre lhes disse que uma vida cheia de medo não é vida. Que a maior riqueza que temos é a educação e cultura geral. Que os ódios e equívocos, dogmas e fundamentalismos não colhem, não podem colher. Fazem o seu caminho, farão as suas escolhas, são do mundo, não são meus. Mas posso dizer que tentei, fiz um esforço, não me demiti da educação, da passagem de valores em que acredito e, caso hoje possamos discordar, pois concordamos que discordamos civilizadamente. Não discordamos dos princípios básicos. Ficaram lá. A mãe da operadora de televisão deve ter morrido de desgosto com as imagens divulgadas, com as atitudes da filha. Eu morreria.
Ainda hoje digo que sou jornalista, é quem eu sou na essência e orgulho-me do bom jornalismo que se pratica em Portugal e no mundo. O que acontece com os refugiados e este video em particular - não me consola que a senhora tenha sido despedida, devo dizer! - é que me leva a perguntas como esta: quando é que a procura da verdade, o princípio básico e fundamental do bom jornalismo, faz com que as pessoas envolvidas tenham de perder a dignidade? Até onde podemos expor quem é protagonista do horror? E, por fim, a pergunta de sempre: onde estão as boas notícias? Existem? Existem, tenho a certeza, por acreditar piamente que não fui a única a tentar educar os filhos para serem boas pessoas; existem histórias de solidariedade, de companheirismo, de descoberta, de inovação que são extraordinárias, pena seja que o mundo queira ver o pior, pena seja que os profissionais de comunicação social vivam sobre a pressão das vendas e outras coisas e façam coisas como rasteiras desumanas. E não, não refiro a necessidade do outro lado da moeda para não ver o que pior há no mundo. Nada disso. Acredito que é essencial mostrar um pouco de bondade. Para que possamos restaurar a nossa fé nos outros.
Uma das minhas amigas foi operada ao coração de repente. Outra está com uma depressão. Outra anda com a mãe para médicos e luta com dramas da tiróide. Há ainda uma amiga que está em baixo de forma e não entende porquê e uma que esconde a doença que tem, por saber que não há remédio. Tenho uma amiga cuja filha dá água pela barba e outra que controla os sms dos filhos. Concluo que tenho várias amigas e todas em situação de stress. Uma disse-me, hoje, pela manhã
- Estamos numa fase em que os vemos morrer, descobrimos que não somos invencíveis e não vemos ninguém nascer.
p.s.: obrigada, desconhecido!
Há uns anos, um dos meus filhos disse-me que não o tinha educado para ser, passo a citar, "salsicha nobre".
Por causa disso, na sua opinião, era difícil integrar-se. Pedi desculpa e acrescentei que aos vinte anos talvez me agradecesse. Ficámos assim.
Passou algum tempo, o rapaz, quase homem, entra na faculdade e, três semanas depois do início do curso, anuncia que está infeliz, que quer sair, que quer escrever, que quer ir à procura de um outro curso, não sabe qual nem onde.
Voltei a imaginar a dita da lata das salsichas e senti-me bastante culpada. Isto durou um minuto e meio, metaforicamente (é como quem diz uns dias e umas noites).
Não sou apologista da ida generalizada para a faculdade, nunca fui. Todos os anos, saídos das universidades, 60 mil pessoas enfrentam o mercado de trabalho com desalento. Ao mesmo tempo, não tendo uma bola de cristal, sempre pensei que não devemos ter um excell para a vida dos filhos e, em consequência, sendo solidária, dizendo umas coisas aqui e ali, deixei que a escolha fosse individual. Isto implica responsabilidade, alguma capacidade de ouvir os outros e até uma certa pesquisa, para saber onde se vai meter.
Três semanas volvidas, a faculdade tornou-se um tormento. Ora, a vidinha também é um tormento. Digo eu. E reforço que o melhor será não olhar para o copo como meio cheio ou meio vazio, dar graças por ter um copo. A criatura responde que o dele se partiu. Se é o caso, há pelo menos 90% da população universitária que ficou sem trem de cozinha, pensei eu com alguma ironia.
É evidente que pode sair, mudar de curso. Até de país, embora não o queira fazer. Convém é saber que a vidinha, na generalidade, traz dissabores e ter duas cadeiras menos interessantes não é caso para mandar um curso às urtigas. Digo eu, outra vez.
Eventualmente, ele mandará o curso às urtigas e tudo bem. Pelo menos para mim. Para ele, o caso é diferente. Quer mesmo fazer uma licenciatura e depois um mestrado e um doutoramento, já que pode dar aulas a seguir. É o plano. Dele. Mas o copo partiu-se e ele não cabe na lata.
O que faz uma mãe? Não faço a mais pequena ideia.
Hoje, ouvindo José Carlos Vasconcelos, director do JL, jornalista, cronista, escritor, o homem que, lado a lado com Assis Pacheco (ai as saudades), teve o primeiro programa dito literário na televisão pública, em 1974, um programa chamado: Escrever é Lutar, pensei: Hoje escrever é lutar, é arriscar, é reflectir, é espelhar o que se vê e o que se imagina. Depois cheguei a casa e vi que as eleições autárquicas foram marcadas para 29 de Setembro. Votar também é uma forma de luta. O Instituto Nacional de Estatística diz-nos que a maior abstenção está na faixa etária que vai dos 18 aos 40 - aos 40! -, portanto mesmo que esteja um dia de sol, pensem nisto: votar é um direito e um dever, é uma possibilidade, é ainda uma esperança, mesmo que a democracia possa atravessar momentos duvidosos. Ao escrever isto, aqui onde alguém se encarregará de me dar na cabeça (por favor, não hesitem), sei que escrever é lutar e eu luto, como tantos antes de mim e tantos outros depois de mim, por ter uma opinião, por querer reflectir e não viver alheada e empacotada na realidade que me vendem. Dou graças por homens como o José Carlos, como o Assis Pacheco, como o Rui Zink que há 30 anos que publica e continua a sua intervenção cívica sem papas na língua, louvando ainda tantas mulheres, tantas, como Maria Manuel Viana, Maria Teresa Horta, Inês Pedrosa, Lídia Jorge, entre outros e outras, que pela intervenção cívica e pela palavra não desistem de lutar. Pena que a televisão pública não tenha um programa cultural digno desse nome? Pois.
Já agora, este ano é o ano internacional do cidadão, talvez seja altura de reflectir sobre esse direito à cidadania. Digo eu.
eu perco, tu perdes, nós perdemos?
Gostei de ler esta reflexão de José Manuel Fernandes, que subscrevo no essencial. A manifestação foi um grande desabafo colectivo. Um desabafo heterogéneo, o que explica ao mesmo tempo a sua força e a sua fraqueza. Mas depois desta catarse colectiva, não existe outro modo -- construtivo, evidentemente -- de dar expressão prática à saturação dos portugueses se ela não for canalizada para a agenda dos partidos políticos. Ora, os problemas começam aqui. Tal como a Ana Sofia Couto, o que me interessa são as soluções. Desse ponto de vista, do desabafo de ontem não emergiu -- nem emergirá, em circunstâncias normais -- qualquer contributo concreto. Esse é o lado negativo do protesto de ontem, i.e. a sua natureza (no essencial) contra tudo e a favor de nada.
P.S. -- Regresso ainda ao texto da Ana: estou de acordo que o maior desafio consiste em criar emprego e, consequentemente, atrair investimento. Nós sabemos a(s) resposta(s): na expressão, salvo erro de Miguel Cadilhe, temos de reduzir os custos de contexto. O problema está na sua implementação. Somos todos reformistas, excepto quando o alvo das reformas somos nós. Infelizmente, nos últimos 15 anos, sucessivos governos foram protelando sempre que possível as reformas. José Sócrates é o exemplo mais óbvio e mais gritante dessa incapacidade.