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Delito de Opinião

A insuportável birra do derrotado

«Até breve» não, Pedro Nuno Santos: até nunca

Pedro Correia, 29.05.25

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Conduziu o PS à maior derrota de sempre, vendo o seu partido ultrapassado pelo Chega. Movido pelo ódio a Luís Montenegro, apostou tudo em derrubar o primeiro-ministro invocando o chamado "caso Spinumviva", que os portugueses olimpicamente ignoraram. Fez orelhas moucas aos avisados conselhos que os membros do seu próprio núcleo duro lhe deram para não precipitar o país em eleições antecipadas que ninguém desejava e que auguravam o pior para os socialistas.

Depois de perder 900 mil votos, 20 pontos percentuais e mais de metade dos deputados em duas eleições para a Assembleia  da República em anos sucessivos (o PS tinha 120 deputados em 2022, baixou para 78 em 2024 e só tem 58 agora), depois de ver a AD liderada por Montenegro ultrapassar em assentos no hemiciclo todos os partidos da esquerda, confirma-se desde ontem, com o apuramento dos votos da emigração: os socialistas foram ultrapassados pelo Chega, sendo relegados para um inédito terceiro posto na hierarquia parlamentar.

Nunca antes tinha acontecido - nem com Mário Soares, nem com Vítor Constâncio, nem com Jorge Sampaio, nem com António Guterres, nem com Ferro Rodrigues, nem com José Sócrates, nem com António José Seguro, nem com António Costa.

 

E no entanto como reagiu Pedro Nuno Santos na noite eleitoral, confrontado com esta hecatombe? Como insuportável menino birrento e mimado. Sem um mea culpa, sem o reconhecimento de um erro, sem admitir que falhou em toda a linha, conduzindo o partido para uma espécie de beco sem saída.

Enredou-se em patéticos auto-elogios. Incapaz sequer de pronunciar a palavra derrota.

 

Parecia vogar num universo paralelo, escutando apenas hossanas de vassalos e os solos de violino dos aduladores (incluindo vários jornalistas) que o elegeram como campeão dos debates eleitorais nas legislativas em que fracassou. Esta análise detalhada do Pedro Santos Guerreiro não deixa lugar a dúvidas: há uma discrepância cada vez maior, em Portugal, entre quem vota e quem comenta nas televisões

Vale a pena lembrar aqui, para memória futura, as palavras de Pedro Nuno Santos. Estava tão fora da realidade, na noite de 18 de Maio, que quase parecia ter sido ele a sair vitorioso destas eleições.

Recordo-as nos parágrafos que se seguem.

 

«Honrei a história do partido.»

«Tenho muito orgulho no trabalho que fizemos.»

«Foi uma campanha alegre, entusiasmada, com a participação dum partido que estava unido, a apoiar-me.»

«Nós não provocámos estas eleições. Fizemos tudo quanto estava ao nosso alcance.»

«Luís Montenegro não tem a idoneidade necessária para o cargo de primeiro-ministro e as eleições não alteraram esta realidade.»

«[Montenegro] lidera um governo que falhou a vários níveis no último ano.»

«Eu nunca poderia ser suporte deste Governo. Acho que o PS também não deveria apoiar alguém que não soube separar a política dos seus negócios.»

«Como disse Mário Soares, só é vencido quem desiste de lutar - e eu não desisti de lutar. Até breve e obrigado a todos.»

 

Em suma, levou com um piano de cauda em cima da cabeça e mesmo assim parece não ter aprendido nada. Merece, portanto, o que lhe aconteceu. Espero ao menos que no PS tenham aprendido com este fracasso.

Se assim for, terão de começar logo por isto: até breve, não. Até nunca.

O "fascínio" das derrotas

Pedro Correia, 13.07.16

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Mesmo com a Taça da Europa já conquistada e exibida em Portugal, e com largos milhares de pessoas apoiando a selecção nas ruas das mais diversas cidades mundiais, de Paris a Díli, não passa um dia sem que as carpideiras de turno surjam nas pantalhas a bramir contra o "futebol feio" praticado pela equipa das quinas no Euro 2016.

Curiosamente, nenhuma dessas carpideiras nos indica qual terá sido o "futebol lindo" observado nos estádios franceses que sirva de modelo a Portugal.

Era bom que elucidassem gente como eu, incapaz de ver tão bem.

 

Na primeira linha dos disparos, o que não é inédito, figura um técnico de futebol: Manuel José.

Há pouco mais de 24 horas, na RTP 3, o português que chegou a brilhar no campeonato egípcio ultrapassou tudo quanto já dissera antes, proferindo esta declaração: "Dizem que jogámos futebol [no Euro 2016], não jogámos à bola. Então eu prefiro que se jogue à bola. Porque no fundo o que o povo quer é isso: ganharmos com qualidade. Se temos qualidade não podemos jogar um futebol medíocre. Quanto melhor jogarmos, aumentam as possibilidades de podermos ganhar. De vez em quando não ganhamos, mas isso é o fascínio que o futebol tem."

 

Admiro a ousadia destes comentadores que falam em nome do "povo", como Manuel José agora fez. Ignoro quem o mandatou como porta-voz dos portugueses, mas declaro desde já que não lhe passei procuração para falar por mim.

Eu, ao contrário dele, não sinto o menor "fascínio" em perder. Foi isso que sucedeu nos campeonatos da Europa durante mais de meio século: fomos perdendo sempre. Ou porque não atingíamos a qualificação para a fase final ou porque sucumbíamos à beira do fim, quase a atingir o objectivo.

Ao contrário do que sucedeu agora. Fascinante, para mim, é ganhar.

 

Quanto ao "futebol medíocre" a que alude Manuel José, lamento desiludi-lo, mas a UEFA não partilha da opinião dele.

Se partilhasse, não teria incluído dois golos portugueses nos cinco que seleccionou com vista à votação em linha que decorre para eleger o melhor do torneio: o de Cristiano Ronaldo contra o País de Gales e o de Éder contra a França.

Presumo que nenhum deles merecerá o voto de Manuel José. Mas garanto-lhe que é retribuído: eu também não votaria nele para seleccionador nacional.

O fracasso disfarçado de sucesso

Pedro Correia, 09.07.16

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Outras culturas cultivam o sucesso: nós preferimos cultivar o fracasso. Invejamos os bem-sucedidos, enaltecemos os fracassados. Adoramos tecer loas aos derrotados enquanto dedicamos aos vencedores o nosso mais criativo sarcasmo.

 

Nada como o futebol para tornar isto mais evidente. Cristiano Ronaldo e José Mourinho, dois portugueses cheios de vitórias nos currículos e reconhecidos como triunfadores em todo o mundo, encontram permanentes detractores por cá. Gente que nada conquistou na vida transforma-os em vitalícios sacos de pancada. Ou porque singraram nas carreiras que escolheram ou porque não se deixam abater pelas adversidades ou porque sonham somar novos triunfos às suas galerias de troféus. Ou simplesmente porque não debitam um discurso miserabilista nem andam por aí armados em coitadinhos – gente com sucesso fingindo-se fracassada, outro género que cai muito bem por cá.

Enfim, motivos que noutro contexto social e noutro enquadramento cultural os tornariam figuras de referência entre nós servem muitas vezes só para acirrar animosidades contra eles.

 

E eis que um terceiro português já com sucesso no futebol começa a ficar também no centro de todas as polémicas. Chama-se Fernando Santos e leva pela primeira vez a selecção nacional à final de uma grande competição de futebol sénior disputada fora das nossas fronteiras.

Vai ocorrer amanhã em Paris: é uma proeza inédita para Portugal na modalidade desportiva mais apaixonante do planeta.

Sem o dom da palavra de Mourinho, num estilo bastante mais comedido, Santos disse no entanto algumas frases que deixaram muitos compatriotas a ferver. Não de entusiasmo, como seria compreensível, mas de indignação. "Vamos ao Europeu para vencer", declarou a 17 de Maio. "Só volto no dia 11 [a seguir à final] a Portugal e vou ser recebido em festa", disse a 19 de Junho. “Queremos escrever História”, reiterou sem complexos a 5 de Julho.

 

Foi gozado, ridicularizado, acusado de megalomania. Depois a agulha das críticas virou e passaram a chamar-lhe medroso. Os compatriotas, sempre alérgicos aos vencedores, vaticinaram contínuos desaires à equipa nacional que foram sendo contrariados pelos factos. Quando nada mais havia a apontar, disseram que os jogadores portugueses tinham um jogo “feio” e só superavam obstáculos graças à “sorte”.

O comentador de futebol que ocupa mais tempo de antena no País – e que se distinguiu nas críticas à selecção  desde o primeiro dia – chegou ao ponto de justificar a rota de vitórias portuguesas pela sucessão de “fracos adversários” que tivemos pela frente até às meias-finais (Islândia, Áustria, Hungria, Croácia e Polónia) enquanto enaltecia os franceses, nossos antagonistas na final de amanhã. Esquecendo de anotar as “poderosíssimas” selecções que a turma gaulesa tinha deixado pelo caminho: Roménia, Albânia, Irlanda, Suíça, Islândia.

 

Esta pequena amostra já indicia: se vencer amanhã a final de Paris e trouxer para Portugal um troféu que nunca conquistámos, Santos terá contra si a partir desse momento uma poderosa e sonora legião de inimigos prontos a disparar toda a espécie de artilharia verbal contra ele. Se perder, pelo contrário, contará com a suave benevolência dessa legião.

Às vezes parece mesmo que andamos de passo trocado: quem ganha perde, quem é derrotado acaba proclamado vencedor neste país que durante seis décadas celebrou um terceiro lugar como a maior proeza de sempre e que inventou o extraordinário conceito de “vitória moral”. O fracasso disfarçado de sucesso.

 

Eu troco todo o nosso fantástico acervo de vitórias morais, seja lá o que isso for, pela vitória real de amanhã.

Em França, contra os franceses.