Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Fazer filhos por dever é triste

Teresa Ribeiro, 22.01.15

C:\Documents and Settings\Admin\Ambiente de trabal

 

Não fosse o ditame "crescei e multiplicai-vos" e a sexualidade jamais seria tolerada pela moral cristã. Mas como para povoar a Terra é absolutamente necessário ceder aos prazeres da carne, não há outro remédio senão abençoar o acto, mediante certas condições, como se sabe. Uma é o casamento, outra é a cópula espiritualmente assistida, ou seja, estritamente orientada para a procriação.

Tudo o mais é luxúria, egoísmo, concubinato. Felizmente vivemos numa sociedade livre, em que até os católicos podem aligeirar estes preceitos e constituir família com muitos, poucos, ou filhos alguns. Não se livram, os casais menos férteis, é de levar com o epíteto de egoístas, só porquepreferem juntar dinheiro para comprar um jeep ou para ir de férias, do que para aumentar a prole.

Mas se vamos a falar de egoísmos também podemos considerar o dos casais que têm filhos por capricho, ou por uma questão de afirmação social, ou para preencher vazios existenciais. Esses egoísmos geram muitas famílias disfuncionais, por isso quando não se tem condições para assumir uma paternidade responsável por razões profissionais, psicológicas ou outras igualmente respeitáveis, mais vale comprar um jeep do que trazer ao mundo crianças infelizes.

Nos tempos que correm, parece-me muito mais adequado pregar o amor e disponibilidade que se deve aos filhos que se planeiam e não o dever de os ter, até porque ter filhos por dever é triste.

A paternidade responsável passa pela gestão controlada do número de crianças. Pode ter consequências graves para a demografia, só que esse não é um problema das populações, mas de quem as governa. Por isso a pressão deve ser feita sobre as políticas sociais e não sobre as pessoas. Ninguém faz filhos por causa da demografia. 

 

(foto de Dorothea Lange (Migrant Mother, de 1936)

7.000 milhões de oportunidades

Rui Rocha, 31.10.11

 

O número, redondo e esmagador, aí está. A ONU declarou o dia 31 de Outubro de 2011 como data oficial em que a humanidade passa a contar com 7.000 milhões de seres vivos. Trata-se, como é óbvio, de uma proclamação simbólica. Em rigor, não é possível saber o momento exacto em que a barreira é ultrapassada. O certo é que fizemos um longo caminho. No tempo em que Jesus Cristo viveu seríamos 300 milhões. Em 1927, 2.000 milhões. No ano 2000 éramos mais de 5.000 milhões. A ONU encara a situação como uma oportunidade. A mensagem fundamental é a de que o mundo ainda não é demasiado estreito se os caminhos que forem escolhidos não conduzirem ao abismo. Todavia, este é também o momento em que importa ter presente alguns dados inquietantes. A criança 7.000 milhões tem uma elevadíssima probabilidade de ser pobre. Na verdade, cerca de 3.500 milhões de pessoas vivem com o equivalente a 1,76€ por dia (um maço de tabaco custa o dobro num quiosque perto de si). De acordo com a Unicef, a fome é a principal causa de morte infantilMorrem de fome 22.000 crianças por dia. No próximo minuto, morrerão 15. Uma morrerá a cada 4 segundos. Estima-se que 1.000 milhões de seres humanos nunca aprenderão a ler e a escrever. Tudo isto são dados estatísticos. A realidade diz que, nos dias que correm, nascer no Corno de África é praticamente uma sentença de morte. Nascer-se mulher em muitas partes do mundo implica ainda uma probabilidade bem maior de condenação à iliteracia. Nos países desenvolvidos nascer negro ainda não é o mesmo que nascer branco. Falta, porventura, um movimento OWS (Occupy the World Streets) que pressione, como aqui explica Gonzalo Fanjul,  um novo equilíbrio na afectação de recursos naturais,  a iniciativa política e a imaginação que permitam responder às seguintes questões:

- investimento maciço em saúde e educação básicas (o orçamento para educação de todas as crianças do mundo representava, no ano 2000, 1% do investimento total em armamento);

- concretização do direito universal à agua potável;

- investimento na micro-agricultura em África;

- estratégia global para responder à dependência das energias fósseis;

- definição de políticas de migração mais flexíveis.

Tudo isto pressupõe que a lógica puramente nacionalista ceda um pouco perante uma indispensável abordagem humanista. O futuro é ainda uma folha em branco. As opções políticas globais condicionarão as cores com que se pintará o mapa-mundi da sustentabilidade.

 

* na foto, Danica, a menina 7.000 milhões, nascida nas Filipinas. Vai receber uma bolsa de estudo e os pais terão apoio para abrir uma loja.