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Delito de Opinião

E vão catorze

Pedro Correia, 07.07.23

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Mais um, a sair pela porta dos fundos. Desta vez um Capitão - só no nome. A auferir mordomias do Governo, foi general: embolsou 61 mil euros em apenas cinco dias úteis numa assessoria que recebeu de mão beijada. Em contrato com a Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, selado a 25 de Março de 2019 para «acompanhamento da equipa» que negociava contratos de manutenção dos helicópteros utilizados em operações de busca e salvamento e evacuações médicas. Tinha um prazo de dois meses para o efeito, mas no dia 29 o assunto já estava despachado. 

Quem celebrou contrato com ele foi o ex-director-geral Alberto Coelho, entretanto detido por suspeitas de corrupção em ajustes directos a empresas que não terão cumprido as regras da contratação pública na empreitada do antigo hospital militar de Belém - em que os custos triplicaram. Sempre no Ministério da Defesa.

Por espantosa coincidência, apenas um mês após ter concluído a "turbo-asessoria" de 12.500 euros diários principescamente paga pelos cofres da República, Marco Capitão Ferreira tornou-se presidente da comissão liquidatária da empresa Empordefholding do Estado para as indústrias de Defesa, ficando abrangido pelo estatuto do gestor público. Que impede acumulação da prestação de serviços com o exercício de funções em empresas públicas. 

Como se tantas trapalhadas não bastassem, soube-se agora que contratou um assessor-fantasma quando liderou a idD Portugal Defence, holding das indústrias de Defesa. O referido assessor, ex-administrador do Arsenal do Alfeite, não terá participado num estudo sobre Economia da Defesa que traz o seu nome.

Mesmo assim, em Março de 2022, este homem que parece atrair as mais desvairadas polémicas foi nomeado secretário de Estado da Defesa pela ministra Helena Carreiras. Mandava a elementar prudência que tal nomeação nunca tivesse acontecido. Mas os tiques de maioria absoluta tornam este governo cego e surdo a toda a precaução e a todas as advertências.

Eis o resultado: Marco Capitão Ferreira foi hoje obrigado a cessar funções. E vão catorze. Tudo começou (quem diria?) com umas bengaladas metafóricas prometidas a dois comentadores pelo antigo ministro da Cultura João Soares. «Nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo», avisou na altura António Costa. Onde é que isto já vai...

 

ADENDA: Ministério Público e Judiciária fazem buscas no Ministério da Defesa.

ADENDA 2: Marco Capitão Ferreira constituído arguido.

Obviamente, demitia-o!

João Sousa, 10.04.23

"Hoje de manhã, antes de partir para a Coreia do Sul, o primeiro-ministro repudiou a atuação do ex-secretário de Estado do seu governo, Hugo Mendes. “Não conhecia esse email”, disse Costa, “e se o tivesse conhecido teria pedido ao ministro Pedro Nuno Santos para o demitir na hora”, afirmou na nota enviada à Lusa antes de embarcar." - Sapo24.

 

Ver esta bravata de Costa é ainda mais divertido por já nem nos conseguirmos recordar de todos os ministros, secretários de Estado, adjuntos e assessores que Costa manteve até os seus cadáveres políticos exalarem um fedor capaz de enojar um dragão de Komodo.

As trapalhadas do governo Costa

Executivo é o maior factor de instabilidade nacional

Pedro Correia, 29.12.22

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Dez ministros e secretários de Estado em fuga do governo desde que tomou posse, há nove meses. Uma autêntica debandada, que teve como mais recentes protagonistas, na noite de ontem, o secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, logo seguido do ministro dos Transportes, Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos.

À luz da doutrina constitucional estabelecida em 2004 por um dos antecessores de Marcelo Rebelo de Sousa, as trapalhadas do governo Costa pós-geringonça põem em causa o regular funcionamento das instituições.

Se o inquilino do Palácio de Belém, neste momento, se chamasse Sampaio em vez de Sousa, a legislatura estaria em vias de ser dissolvida pelo facto, raro mas não inédito, de o governo ser o principal factor de instabilidade nacional.

 

Um governo, paradoxalmente, em fim de ciclo quando as eleições legislativas foram apenas há onze meses. É aliás já num subtexto de fim de ciclo que decorre toda a infeliz entrevista concedida há dias pelo primeiro-ministro à revista Visão - posando para a capa como "Marquês de Pimbal", na mordaz definição de Ana Gomes.

A ex-eurodeputada inclui-se entre os socialistas (como Alexandra Leitão, Álvaro Beleza e Sérgio Sousa Pinto) que não escondem o desagrado nem silenciam críticas perante estes nove meses de errático desgoverno, incapaz de encontrar um rumo. Como se estivesse órfão dos dois partidos - PCP e BE - que durante os seis anos anteriores lhe serviram de muleta.

«Alguma coisa dá uma sensação de desconforto a quem lê», comentou o ex-ministro de Estado Pedro Siza Vieira, personalidade até há pouco muito próxima de Costa, reagindo também com evidente desconforto àquela entrevista em que o primeiro-ministro esbanjou insultos e falsidades.

 

Convém recordar que ao dissolver a Assembleia da República, em Dezembro de 2004, Jorge Sampaio pôs fim a um governo apoiado pela maioria dos deputados, empossado escassos quatro meses antes. As "trapalhadas" de Santana Lopes, como na altura foram designadas, são episódios menores comparados com a sucessão de escândalos do costismo pós-geringonça.

Entre estes escândalos, inclui-se a revogação em Junho, por decisão urgente do primeiro-ministro, de um despacho, oriundo 24 horas antes do gabinete ministerial de Pedro Nuno Santos, sobre a localização do futuro aeroporto de Lisboa - numa descoordenação sem precedentes em quase meio século de governos constitucionais.

Em Novembro, ocorreu a demissão forçada do próprio secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, acusado pelo Ministério Público do crime de prevaricação quando exercia funções de presidente da Câmara Municipal de Caminha. Esta exoneração ocorreu apenas 55 dias após a chegada do ex-autarca ao governo.

 

Ontem, o ministro das Finanças decidiu exonerar a secretária de Estado do Tesouro após ter sido divulgada a notícia de que Alexandra Reis embolsara uma indemnização de meio milhão de euros como administradora da TAP, no início de 2022, quando ainda lhe faltavam cumprir dois anos nestas funções, tendo transitado de imediato para a presidência da empresa pública Navegação de Portugal. Empossada como secretária de Estado a 2 de Dezembro, passou pelo governo só durante 26 dias.

Tem agora a palavra o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Que, como comentador político, há 18 anos foi um dos mais ferozes críticos do primeiro-ministro Santana Lopes.

 

ADENDA: Com a saída de Marina Gonçalves, secretária de Estado da Habitação, sobe para onze o número de governantes que abandonaram o Executivo nestes nove meses.

Parece uma nave de loucos

Pedro Correia, 30.08.22

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Do céu ao inferno, na política, vai um curto passo. Marta Temido que o diga. Foi vedeta no congresso socialista de 2021, enaltecida pelas pitonisas ligadas ao Largo do Rato como possível futura candidata a secretária-geral do PS, mas tornou-se ministra descartável, cada vez mais ignorada por António Costa e abandonada pela mesma engrenagem mediática que lhe entoava hossanas.

Acaba de anunciar a demissão do cargo. Deixando o Ministério da Saúde muito pior do que estava quando assumiu funções, há quase quatro anos. 

 

Confirma-se: este governo socialista absoluto - o segundo, desde o de José Sócrates - transmite sinais de iniludível esgotamento.

Alguns dos seus membros parecem competir num concurso de dislates - desde a ministra da Agricultura, que se atreveu a dar um ralhete à CAP por não ter recomendado o voto no PS, ao ministro das Infraestruturas, flagelado pelo primeiro-ministro na caótica gestão do sempre adiado aeroporto de Lisboa. Passando, claro, pelo inefável titular das Finanças, envolvido na trapalhada com o amigo que lhe havia dado palco durante anos na TVI, numa escandalosa teia de favorecimentos que nenhum código de boa conduta governamental devia permitir. Ou pela secretária de Estado da Protecção Civil, que vendo Portugal devastado por incêndios, com prejuízos patrimoniais incalculáveis, congratulou-se por «apenas» ter ardido 70% do que estava previsto num suposto algoritmo que lhe serve de guião.

Parece uma nave de loucos.

 

Exausta, a ministra que abria telediários sem já nada ter para dizer acaba de bater com a porta. Não tão exaurida, apesar de tudo, como o SNS que tutelou até agora.

Como aqui escrevi há dois meses, «o Serviço Nacional de Saúde, peça central da narrativa propagandística do Governo, está a precisar de cuidados intensivos. Não é de agora, mas a situação agrava-se a ritmo acelerado. E o rosto desta crise, com picos caóticos que levaram ao encerramento de diversas urgências hospitalares nos últimos dias, é o da ministra da tutela. Que por vezes fala como se fosse recém-chegada ao cargo».

Primeira deserção no Executivo absoluto volvidos apenas cinco meses desde a posse. Costa, como de costume, reagirá com indiferença olímpica. Caiu uma simples peça do dominó político que deixou de lhe ser útil. A prioridade do primeiro-ministo é Bruxelas, não Portugal.

Está bem, mas então e antes?

João Sousa, 30.08.22

Numa das primeiras empresas onde trabalhei, contava-se esta "anedota interna": certo dia, ao fim do expediente, alguns elementos da empresa decidiram fazer uma noitada pelos bares de Lisboa. Voltaram todos para casa em vários estágios de torpor alcoólico. Depois de dormir a bebedeira, o técnico de informática acordou e viu que já passava do meio-dia. Telefonou atrapalhado para o escritório e disse a quem o atendeu que pedia imensa desculpa mas tinha bebido para lá de demasiado e deixara-se dormir. A outra pessoa respondeu-lhe que sim senhor, não havia problema, mas "isso é hoje; então e ontem, porque é que faltaste?" (Nota: ele próprio não me negou a veracidade da narrativa).

Lembrei-me desta história ao ler que Marta Temido se demitiu por sentir que "deixou de ter condições para exercer o cargo". Está bem, mas isso é hoje; então e na semana passada, ou há um mês, ou há três meses, porque é que ela sentia ainda ter condições para o exercer?

Estará Temido a pôr-se já ao fresco para que seja outro qualquer a apanhar a (ainda maior) confusão que há-de vir com a época alta de doenças respiratórias (gripes, covids, etc)?

Monumento ao cinismo político

Pedro Correia, 09.06.20

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António Costa falou ao país à hora dos telediários do almoço, tendo à sua direita o cessante ministro das Finanças, pouco depois de este ter consumado sem mais delongas a séria ameaça feita há escassos 29 dias.

Fê-lo obedecendo novamente a uma estratégia de contenção de danos: procurou transmitir a ideia de que mudar o titular da pasta das Finanças no próprio dia em que é apresentado ao País um orçamento suplementar - algo inédito em Portugal e muito difícil de justificar em tempo de pandemia -  constitui o acto de gestão corrente mais natural do mundo. 

 

Fiel cultor da política florentina, que teve Maquiavel como expoente máximo, António Costa não resistiu, no entanto, a espetar uma farpa em directo ao ministro demissionário: «Infelizmente, o Covid não me permite dar agora o abraço que me apetecia dar ao Mário Centeno.»

Minutos depois, revelando ter aprendido muito com ele ao longo destes quase cinco anos de estreita convivência, Centeno deu-lhe o troco em tom idêntico e com o mesmo sorriso glacial: «O abraço fica para uma altura sanitariamente conveniente.» 

O vírus, aqui, só serve de desculpa: ficou evidente que os dois agora se detestam.

 

Esta nada edificante troca de galhardetes, com o País a assistir, é um monumento ao cinismo político. E um mau prenúncio dos tempos que vão seguir-se.

Apesar de tudo, do mal o menos: o novo ministro das Finanças chama-se João Leão. Com este apelido, só pode contar com o meu aplauso e o meu apoio.

 

Leitura complementar: Le parti c'est moi.

Com 15 meses de atraso

Pedro Correia, 12.10.18

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Azeredo Lopes viu-se enfim forçado a cessar funções como ministro da Defesa. Marcha com imenso atraso depois de se ter coberto de ridículo em todas as intervenções públicas a propósito do inenarrável folhetim de Tancos, que pôs em causa a autoridade do Estado e manchou a instituição militar. Incapaz de retirar as consequências políticas que se impunham no momento exacto, o inapresentável ministro foi-se arrastando no posto sem perceber que já ninguém o levava a sério. Sai empurrado pela pressão dos editorialistas de turno e obviamente por intervenção do Palácio de Belém, que já tinha sido decisivo para fazer eclipsar de cena outra figura inapresentável, a ex-ministra da Administração Interna.

 

Permitam-me a autocitação, que surge a propósito. A 11 de Julho de 2017, escrevi estas linhas no DELITO: «Constança de Sousa e Azeredo Lopes, detentores de pastas ministeriais ligadas à soberania e representação do Estado, estão a mais no Executivo. Ela desde o dia 18 de Junho, ele desde o dia 30. O facto de se manterem em funções constitui uma prova viva da existência de um inaceitável padrão de duplicidade ética neste Executivo.»

Ela agarrou-se ainda mais três meses ao umbral da porta, ele manteve-se à deriva durante 15 meses, incapaz de reconhecer que não reunia condições mínimas para permanecer em cena, dada a sua manifesta fragilidade institucional. Como se não tivesse havido incúria do Estado nos dramáticos incêndios florestais de Junho, como se a honra e a dignidade das Forças Armadas fossem questões menores.

 

Cada vez aprecio mais João Soares, o único ministro deste Governo que saiu pelo seu pé, sem ser empurrado. Pelo simples motivo de ter prometido duas bofetadas a um par de comentadores no Facebook.

Podem acusá-lo de muita coisa, mas jamais de duplicidade ética. Disse o que disse, arrumou as gavetas do seu gabinete e foi-se.

Primavera chuvosa

Pedro Correia, 10.05.18

Duplicidade ética

Pedro Correia, 11.07.17

Eis um governo com uma insólita noção dos graus de responsabilidade política: demite-se um ministro por prometer duas metafóricas bengaladas no Facebook ao mais verrinoso colunista da imprensa, demitem-se três secretários de Estado por terem aceitado um convite de um grupo empresarial privado para assistir a um jogo de futebol.

Pode estar tudo muito certo, mas semelhante critério não devia estender-se, por larga maioria de razão, à ministra que tutela vários organismos que falharam na prevenção e no combate ao mais mortífero incêndio florestal alguma vez ocorrido no País e ao ministro que tutela as estruturas militares publicamente humilhadas no maior roubo de material bélico de que há memória entre nós?

Não sei o que os leitores do DELITO pensam sobre o tema. A minha opinião é clara: Constança de Sousa e Azeredo Lopes, detentores de pastas ministeriais ligadas à soberania e representação do Estado, estão a mais no Executivo. Ela desde o dia 18 de Junho, ele desde o dia 30. O facto de se manterem em funções constitui uma prova viva da existência de um inaceitável padrão de duplicidade ética neste Executivo. E nada como isto o fragiliza tanto.