O grande problema dos partidos políticos portugueses é a falta de controlo político sobre a sua liderança. Como existe muito pouco espírito crítico a nível interno, é possível permitir-se a um líder ir somando erros sobre erros, que levam o partido, e se estiver no governo também o País, ao desastre. E as poucas vozes críticas que surgem são normalmente silenciadas pelo coro da côrte de fiés, que habitualmente circula à volta do líder.
Foi assim que Santana Lopes fez embarcar o PSD num governo sem qualquer legitimidade política, que foi acumulando erros sobre erros, acabando o Governo ceifado por Sampaio, com o PSD a tentar evitar o evidente desastre eleitoral subsequente cantando em hino louvores ao "menino guerreiro". Sócrates, pouco tempo antes de atirar o país para a bancarrota, era reeleito pelo PS em Congresso com 91% dos votos, não tendo o seu partido naturalmente escapado ao desastre eleitoral subsequente.
O governo de Passos Coelho enfrenta neste momento a mesma crise de legitimidade do governo de Santana Lopes. Foi eleito com um programa completamente contrário ao que está agora a realizar e tem-se revelado de um enorme desprezo pelo sofrimento das pessoas, o que é chocante para a matriz humanista do PSD. Passos Coelho transformou-se num novo "menino guerreiro", querendo combater a todo o custo pela execução do programa de ajustamento, efectuando assim a maior engenharia social a que o país alguma vez foi sujeito. E os que circulam à sua volta minimizam os custos enormes disto para o país. Só a maior inépcia política pode levar Passos Coelho a anunciar estas medidas a seco, sem qualquer palavra para os sacrificados, a que se segue este patético post no facebook, terminando com o ir assistir a um concerto logo a seguir. E que dizer desta inenarrável declaração de Aguiar-Branco, segundo o qual os funcionários públicos só estão a ser "um bocadinho prejudicados nas remunerações".
E, como já se sabia, estas medidas brutais não são suficientes, porque para quem tem esta insensibilidade social nada é suficiente.
Neste momento o PSD está confrontado com uma questão muito simples. Ou vai atrás deste segundo "menino guerreiro", deixa-o afundar o país, e afunda-se com ele, ou põe imediatamente termo a este Governo. Com a capacidade de sobrevivência que o PSD sempre teve, espero que tome a decisão que se impõe e que é a de parar imediatamente com isto. O governo de Santana Lopes pode ter cometidos muitos erros políticos, mas pelo menos não era cruel. Pelo contrário, este governo é de uma crueldade sem limites, com um profundo desprezo pela desgraça dos sacrificados e pelos limites constitucionais à sua actuação. E a crueldade deliberada, como diz a personagem de Blanche Dubois no Um Eléctrico chamado Desejo, é a única coisa que é insusceptível de ser perdoada. Os eleitores portugueses nunca perdoarão ao PSD o que este Governo lhes está a fazer.
Pessoalmente espero que Passos Coelho se tenha divertido imenso a assistir ao concerto de Paulo de Carvalho. E espero também que o cantor não se tenha esquecido de lhe dedicar esta música.