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Delito de Opinião

Delitos poéticos

Patrícia Reis, 30.09.14

Vem à Quinta-feira.

É quase fim-de-semana e podemos, talvez, beber uma cerveja
ao cair da tarde, enquanto planeamos a viagem a Paris. E se Paris
for muito caro - sei que isto não está fácil - podemos ir a Guimarães
assistir a um concerto, que ouvir é a maneira mais pura de calar.
Vem à Quinta-feira.
A seguir, temos ainda a Sexta e talvez me esperes à porta do emprego,
e talvez fiques para Sábado e Domingo, e talvez o mundo pare
de acabar tão depressa.
Vem à Quinta-feira.
Mas não venhas nesta, vem na próxima.
Nesta, tenho um compromisso que não posso adiar, é um compromisso
profissional - sabes que isto não está fácil - e talvez nos dê hipótese de irmos
a Paris ou a Guimarães. Vem na próxima, que eu preciso de tempo
para arranjar o cabelo, para arranjar o coração,
para elaborar a lista do que me falta fazer contigo.
Vem à Quinta-feira e não te demores.
Enquanto te escrevo, já fui elaborando a lista
(sabes como gosto de pensar em tudo
ao mesmo tempo)
e afinal o que me falta fazer contigo 
não é caro:
- viajar de auto-caravana,
- dançar pela Estrada Nacional,
- ver-te chorar.
Choras tão pouco. Ainda bem que estás contente.
Vem à Quinta-feira.
Se não pudermos ir a Paris ou a Guimarães, não te preocupes.
Vem na mesma, que eu vou apanhando as canas-da-índia, as fiteiras,
eu vou recolhendo a palha e reunindo cordas e lona.
Já estive a aprender no Youtube como se faz uma cabana.
Vem na mesma, que eu vou procurando um lugar seguro.
Vem na mesma porque a cabana, como a casa, só funciona com amor
- ou, pelo menos, é o que diz o Youtube.
Temos ainda tanto para fazer.
Por isso, se algum dia voltares, meu amor, volta numa Quinta.
Filipa Leal, in "21 Cartas de Amor"

Delitos poéticos (balanço 2)

Pedro Correia, 04.08.14

No início de Julho lançámos aqui no DELITO mais uma série colectiva sob o título genérico Delitos poéticos. Uma série destinada a divulgar, todos os dias, um poema escolhido por cada um dos autores do nosso blogue acompanhado por um quadro, uma gravura ou uma fotografia a ele associado de alguma forma.

A primeira ronda desta série ficou assinalada aqui. Ontem fechámos a segunda ronda, com estes poemas:

 

«Engordei 43kg», de Adília Lopes. Escolha da Francisca Prieto.

«Há uma gramática aberta», de Nuno Júdice. Escolha da Patrícia Reis.

Casa branca, de Sophia de Mello Breyner Andresen. Escolha da Teresa Ribeiro.

Ao fim, de Amalia Bautista, tradução de Joaquim Manuel Magalhães. Escolha do José Navarro de Andrade.

Nas ervas, de Eugénio de Andrade. Escolha da Helena Sacadura Cabral.

Poema para Galileu, de António Gedeão. Escolha minha.

Impossível regresso, de Jorge de Sena. Escolha da Ana Vidal.

«De sob o cômoro quadrangular», de Camilo Pessanha. Escolha do Sérgio de Almeida Correia.

O ofício da poesia, de José Alberto Marques. Escolha do Rui Herbon. 

From whom the bell tolls, de John Donne. Escolha do Luís Menezes Leitão.

Delitos Poéticos (34).

Luís Menezes Leitão, 03.08.14
FOR WHOM THE BELL TOLLS

No man is an island, Entire of itself. Each is a piece of the continent, A part of the main. If a clod be washed away by the sea, Europe is the less. As well as if a promontory were. As well as if a manner of thine own Or of thine friend’s were. Each man’s death diminishes me, For I am involved in mankind. Therefore, send not to know For whom the bell tolls, It tolls for thee.

John Donne
Guernica, de Pablo Picasso

Delitos poéticos (32)

Sérgio de Almeida Correia, 01.08.14

Delitos poéticos (31)

Ana Vidal, 31.07.14

 

(Instalação de Rebeca Horn)

 

IMPOSSÍVEL REGRESSO

 

Quando no fim
aquele tema torna, não é para encerrar
num círculo fechado uma odisseia em teclas,
mas para colocar-nos perante a lucidez
de que não há regresso após tanta invenção.

Jorge de Sena, "Bach:Variações Goldberg", ARTE DE MÙSICA

 

 

(Glenn Gould - Goldberg Variations var.26-30 & Aria Da Capo)

Delitos poéticos (30)

Pedro Correia, 30.07.14

 

Retrato de Galileu Galilei (Justus Sustermans, 1636) 

 

POEMA PARA GALILEU

António Gedeão

 

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileu! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… Eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileu Galilei!

 

Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

 

Eu queria agradecer-te, Galileu,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar - que disparate, Galileu!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação -
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

 

Pois não é evidente, Galileu?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?

 

Esta era a inteligência que Deus nos deu.

 

Estava agora a lembrar-me, Galileu,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

 

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.


Ai, Galileu!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.


Tu é que sabias, Galileu Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.


Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.

Delitos poéticos (29)

Helena Sacadura Cabral, 29.07.14
("Apolo e Ciparisso", Claude-Marie Dubuffe)
 
Nas ervas

Escalar-te lábio a lábio,
percorrer-te: eis a cintura
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso
descer aos flancos, enterrar

os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro
ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta

aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão.

porque é terrivel
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve.

abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho -
a glande leve.

Poema de Eugénio de Andrade

Delitos Poéticos (28)

José Navarro de Andrade, 28.07.14

AO FIM

  

Ao fim são muito poucas as palavras

Que nos doem a sério e muito poucas

As que conseguem alegrar a alma.

São também muito poucas as pessoas

Que tocam nosso coração e menos

Ainda as que o tocam muito tempo.

E ao fim são pouquíssimas as coisas

Que em nossa vida a sério nos importam:

Poder amar alguém, sermos amados

E não morrer depois dos nossos filhos.

 

Amalia Bautista (tradução de Joaquim Manuel Magalhães)

 

Alberto Burri, “Rossa plastica”, 1964

Delitos poéticos (27)

Teresa Ribeiro, 27.07.14

 

 Rooms by the sea (Edward Hopper)

 

CASA BRANCA

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

Casa branca em frente ao mar enorme,

Com o teu jardim de areia e flocos marinhas

E o teu silêncio intacto em que dorme

O milagre das coisas que eram minhas.

 

A ti eu voltarei após o incerto

Calor de tantos gestos recebidos

Passados os tumultos e o deserto

Beijados os fantasmas, percorridos

Os murmúrios da terra indefinida.

 

Em ti renascerei num mundo meu

E a redenção virá nas tuas linhas

Onde nenhuma coisa se perdeu

Do milagre das coisas que eram minhas.

delitos poéticos (26)

Patrícia Reis, 26.07.14

Há uma gramática aberta
no teu corpo, e soletro cada palavra
que o teu olhar me oferece.

Limpo as sílabas que te
escorrem pelo rosto com um lenço de

vidro, descobrindo a tua transparência.

E sais de dentro de um pó de
advérbios, para que eu te dê um nome,
e a vida volte a correr por ti.

 

Poema Nuno Júdice, fotografia minha

Delitos poéticos (balanço)

Pedro Correia, 24.07.14

No início deste mês, lançámos aqui no DELITO mais uma série colectiva sob o título genérico Delitos poéticos. Uma série destinada a divulgar, todos os dias, um poema escolhido por cada um dos autores do nosso blogue acompanhado por um quadro, uma gravura ou uma fotografia a ele associado de alguma forma.

Fechamos hoje a ronda da primeira série, em que quase todos participaram, e iniciamos já amanhã a segunda ronda. Fica o balanço dos poemas publicados, com a promessa aos leitores: esta série veio para ficar.

 

Ninguém se mexa! Mãos ao ar, de Alexandre O'Neill. Escolha do José Navarro de Andrade.

Queixa das almas jovens censuradas, de Natália Correia. Escolha da Helena Sacadura Cabral.

Ilegais, de João Luís Barreto Guimarães. Escolha da Ana Vidal.

Um adeus português, de Alexandre O'Neill. Escolha da Teresa Ribeiro.

Com licença poética, de Adélia Prado. Escolha da Francisca Prieto.

You are welcome to Elsinore, de Mário Cesariny. Escolha do Rui Herbon.

Omeleta, de Nuno Júdice. Escolha do Adolfo Mesquita Nunes.

Canção da errância, de Manuel Alegre. Escolha do Luís Menezes Leitão.

Pedro, lembrando Inês, de Nuno Júdice. Escolha do André Couto.

Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya, de Jorge de Sena. Escolha minha.

«Caí ao lado dele, o seu corpo virou-se», de Miklos Radnoti. Escolha do Luís Naves.

Los nadies, de Eduardo Galeano. Escolha do Rui Rocha.

«Morde-me a carne e em segredo», de Luísa Jardim. Escolha da Patrícia Reis.

Posteridade, de Rui Knopfli. Escolha do Sérgio de Almeida Correia.

"Eleonora di Toledo, Granduchessa di Toscana", de Bronzino, de Jorge de Sena. Escolha da Ivone Mendes da Silva.

O Portugal futuro, de Ruy Belo. Escolha da Ana Cláudia Vicente.

O sorriso, de Eugénio de Andrade. Escolha do João André.

«O que eu desejei, às vezes», de António Botto. Escolha da Marta Spínola.

«Habito na Possibilidade», de Emily Dickinson. Escolha do Fernando Sousa.

The Second Coming, de Yeats. Escolha da Ana Margarida Craveiro.

Cuidados intensivos III, de Manuel António Pina. Escolha do Bandeira.

«Muere lentamente», de Pablo Neruda. Escolha da Joana Nave.

«Some men never think of it», de Wendy Cope. Escolha da Leonor Barros

Lady Lazarus, de Sylvia Plath. Escolha do João Campos.

Delitos poéticos (24)

João Campos, 24.07.14

Pintura de Katsushika Hokusai no tecto do templo de Ganshoin em Obuse, no Japão

 

 

I have done it again.
One year in every ten
I manage it—

 

A sort of walking miracle, my skin
Bright as a Nazi lampshade,
My right foot

 

A paperweight,
My face a featureless, fine
Jew linen.

 

Peel off the napkin
O my enemy.
Do I terrify?—

 

The nose, the eye pits, the full set of teeth?
The sour breath
Will vanish in a day.

 

Soon, soon the flesh
The grave cave ate will be
At home on me

 

And I a smiling woman.
I am only thirty.
And like the cat I have nine times to die.

 

This is Number Three.
What a trash
To annihilate each decade.

 

What a million filaments.
The peanut-crunching crowd
Shoves in to see

 

Them unwrap me hand and foot—

The big strip tease.
Gentlemen, ladies

 

These are my hands
My knees.
I may be skin and bone,

 

Nevertheless, I am the same, identical woman.
The first time it happened I was ten.
It was an accident.

 

The second time I meant
To last it out and not come back at all.
I rocked shut

 

As a seashell.
They had to call and call
And pick the worms off me like sticky pearls.

 

Dying
Is an art, like everything else.
I do it exceptionally well.

 

I do it so it feels like hell.
I do it so it feels real.
I guess you could say I’ve a call.

 

It’s easy enough to do it in a cell.
It’s easy enough to do it and stay put.
It’s the theatrical

 

Comeback in broad day
To the same place, the same face, the same brute
Amused shout:

 

‘A miracle!’
That knocks me out.
There is a charge

 

For the eyeing of my scars, there is a charge
For the hearing of my heart—
It really goes.

 

And there is a charge, a very large charge
For a word or a touch
Or a bit of blood

 

Or a piece of my hair or my clothes.
So, so, Herr Doktor.
So, Herr Enemy.

 

I am your opus,
I am your valuable,
The pure gold baby

 

That melts to a shriek.
I turn and burn.
Do not think I underestimate your great concern.

 

Ash, ash—
You poke and stir.
Flesh, bone, there is nothing there—

 

A cake of soap,
A wedding ring,
A gold filling.

 

Herr God, Herr Lucifer
Beware
Beware.

 

Out of the ash
I rise with my red hair
And I eat men like air.

 

Lady Lazarus, de Sylvia Plath 

Delitos poéticos (23)

Leonor Barros, 23.07.14

 

 

Some men never think of it.

You did.

You’d come along

And say you’d nearly brought me flowers

But something had gone wrong.

 

The shop was closed. Or you had doubts -

The sort that minds like ours

Dream up incessantly. You thought

I might not want your flowers.

 

It made me smile and hug you then.

Now I can only smile.

But, look, the flowers you nearly brought

Have lasted all this while.

 

Wendy Cope

 

 

 

Imagem: Diego Rivera, "Nude with calla lilies"

Delitos poéticos (22)

Joana Nave, 22.07.14

 Campo de Papoilas em Argenteuil - Jean Monet

 

Muere lentamente
quien se transforma
en esclavo del hábito,
repitiendo
todos los días
los mismos trayectos.

Quien no cambia de marca,
no arriesga vestir
un color nuevo
y no le habla
a quien no conoce

Muere lentamente
quien hace
de la televisión su gurú.

Muere lentamente
quien evita una pasión,
quien prefiere
el negro sobre blanco
y los puntos sobre las “íes”
a un remolino de emociones,
justamente las que rescatan
el brillo de los ojos,
sonrisas de los bostezos,
corazones a los tropiezos
y sentimientos.

Muere lentamente
quien no voltea la mesa
cuando está infeliz
en el trabajo,
quien no arriesga
lo cierto por lo incierto
para ir detrás de un sueño,
quien no se permite
por lo menos una vez en la vida,
huir de los consejos sensatos.

Muere lentamente
quién deja escapar un posible amor,
con tal de no hacer el esfuerzo
de hacer que éste crezca.
Muere lentamente
quien no viaja,
quien no lee,
quien no oye música,
quien no encuentra
gracia en si mismo.

Muere lentamente
quien destruye su amor propio,
quien no se deja ayudar.

Muere lentamente,
quien pasa los días quejándose
de su mala suerte
o de la lluvia incesante.

Muere lentamente,
quien abandonando
un proyecto
antes de empezarlo,
el que no pregunta
acerca de un asunto
que desconoce
o no responde
cuando le indagan
sobre algo que sabe.

Evitemos la muerte
en suaves cuotas,
recordando siempre
que estar vivo
exige un esfuerzo
mucho mayor
que el simple hecho
de respirar.

Solamente
la ardiente paciencia
hará que conquistemos
una espléndida felicidad.

 

Pablo Neruda

Delitos Poéticos (21)

Bandeira, 21.07.14

CUIDADOS INTENSIVOS III

 

Vê se há mensagens
no gravador de chamadas; 
rega as roseiras; 
as chaves estão 
na mesa do telefone; 
traz o meu 
caderno de apontamentos 
(o de folhas 
sem linhas, as linhas distraem-me). 
Não digas nada 
a ninguém, 
o tempo, agora, 
é de poucas palavras, 
e de ainda menos sentido. 
Embora eu, pelos vistos, 
não tenha razão de queixa. 
Senhor, permite que algo permaneça, 
alguma palavra ou alguma lembrança, 
que alguma coisa possa ter sido 
de outra maneira, 
não digo a morte, nem a vida, 
mas alguma coisa mais insubstancial. 
Se não para que me deste os substantivos e os verbos, 
o medo e a esperança, 
a urze e o salgueiro, 
os meus heróis e os meus livros? 
Agora o meu coração 
está cheio de passos 
e de vozes falando baixo, 
de nomes passados 
lembrando-me onde 
as minhas palavras não chegam 
nem a minha vida 
Nem provavelmente o Adalat ou o Nitromint.

 

(Manuel António Pina)

 

William Eggleston

 

William Eggleston 

Delitos poéticos (20)

Ana Margarida Craveiro, 20.07.14

Christ of Saint John of the Cross.jpg

 

The Second Coming

 

Turning and turning in the widening gyre
The falcon cannot hear the falconer;
Things fall apart; the centre cannot hold;
Mere anarchy is loosed upon the world,
The blood-dimmed tide is loosed, and everywhere
The ceremony of innocence is drowned;
The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity.

Surely some revelation is at hand;
Surely the Second Coming is at hand.
The Second Coming! Hardly are those words out
When a vast image out of Spiritus Mundi
Troubles my sight: somewhere in sands of the desert
A shape with lion body and the head of a man,
A gaze blank and pitiless as the sun,
Is moving its slow thighs, while all about it
Reel shadows of the indignant desert birds.
The darkness drops again; but now I know
That twenty centuries of stony sleep
Were vexed to nightmare by a rocking cradle,
And what rough beast, its hour come round at last,
Slouches towards Bethlehem to be born?

 

Em dias de incerteza, Yeats.

Delitos poéticos (19)

Fernando Sousa, 19.07.14

 

Habito na Possibilidade –

Uma Casa mais bela do que a Prosa –

Em Janelas mais numerosa –

Em Portas – superior –

 

De Quartos como Cedros –

Impregnáveis ao Olhar –

E por Telhado Duradouro

Os Telhados do Céu –

 

De Visitantes – a mais bela –

Isto – para a Ocupar –

O abrir largo as minhas Mãos estreitas –

Para colher o Paraíso –

 

Emily Dickinson