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Delito de Opinião

Olh'ó Robot!

Carlos Barbosa de Oliveira, 09.03.10

O caso da criança de Mirandela tem enchido páginas na imprensa  e ocupado  longos minutos de telejornais. Os portugueses aprenderam a palavra “bullying” e comprazem-se a dizer mal dela.
A verdade é que  o “bullying” existe desde que existem escolas. A diferença é que até há dias os portugueses lhe chamavam  violência e não lhe davam tanta importância.
Fenómeno similar aconteceu com  a expressão “car jacking”. Roubos de automóveis, precedidos de ameaças e/ou violência exercida sobre o condutor, não são um fenómeno novo, apenas  adquiriu novas cores com a mediatização da  expressão inglesa.
Também o assédio sexual  é uma “doença social”  de longa data que  hoje em dia veste novas roupagens, mas poderá ganhar mais relevância mediática no dia em que alguém decidir passar a utilizar a expressão inglesa  (Sexual bullying, ou harassment). O mesmo se diga do assédio moral no trabalho, um tipo de violência que, apesar de  já ser alvo de legislação específica, parece não preocupar muito a opinião pública. Talvez no dia em que alguém lhe chame Mobbing, ou se comece a ouvir falar do Síndrome de Burnout, esta questão seja alvo da discussão pública que evidentemente merece.
Comportamo-nos como robots programados para reagir apenas às expressões inglesas que caracterizam  situações com que convivemos há muito, mas a que não damos grande importância. Quando recebemos o input dos media, parece que despertamos de um sono profundo e começamos todos a ditar sentenças sobre o assunto.
Ora, como é sabido, a maioria das pessoas não está programada para começar a raciocinar direito quando acorda estremunhada. Dai que se leiam e oiçam os maiores dislates, quando a comunicação social nos desperta para assuntos sobre os quais já devíamos estar a reflectir há muito tempo, mas que estranhamente permanecem adormecidos num recôndito lugar dos nossos cérebros, tão ocupados com os problemas comezinhos de um  quotidiano grávido de futilidades.
O relevo dado pela comunicação social ao  caso de Mirandela teve o condão de despertar a opinião pública para a questão da violência (física e psicológica) nas escolas portuguesas.
Estremunhados, os portugueses reagiram como se viu. Resta agora esperar que, mais despertos, reflictam sobre as suas  causas e encontrem soluções .
Não podemos é continuar a pensar que os problemas da escola seresolvem com medidas destas.

Memórias de um Capitão de Abril

Carlos Barbosa de Oliveira, 07.03.10

 

Morreu ontem, num acidente de aviação, Costa Martins. Tenho por hábito ser grato a quem me devolveu a liberdade, pelo que não poderia deixar de assinalar aqui o desaparecimento de mais um dos capitães de Abril, tão desvalorizados por gente sem memória que continua a acreditar que a liberdade foi um presente dos americanos, num dia de Primavera.

Eles não receiam o regresso da Censura

Carlos Barbosa de Oliveira, 15.02.10

Afinal, parece que há por aí muito boa gente, incluindo grandes jornalistas e cronistas críticos de Sócrates, que não está nada preocupada com o eventual regresso da Censura. Este fim de semana, a imprensa revelou alguns:


Oito passos em direcção ao fim

“… a liberdade de imprensa não está em perigo em Portugal. Obviamente. Quem o diz, quem organiza petições on line  e manifs, nunca antes, quando o perigo real existiu, se fez ouvir. Não há um único grande jornalista português que ande por aí aos gritos em defesa da liberdade pretensamente ameaçada. Não conheço ninguém que não diga e não escreva o que quer e que não tenha uma tribuna para ser escutado.(…)
Convém, pois, não confundir liberdade  com irresponsabilidade,não confundir vaidades individuais , desejos de protagonismo e aproveitamentos políticos com a situação real, como um todo”
(Miguel Sousa Tavares, Expresso)

 

Sobre a liberdade de imprensa e algumas coisas mais

“Quem diz que não há liberdade de Imprensa em Portugal ou é mentalmente indigente ou está a ser o serventuário de uma estratégia política repugnante. Os nossos problemas são outros e muitíssimo mais graves…”

(Baptista Bastos, Jornal de Negócios)

 

Sócrates no bunker

“…Escutar o telefone do próximo, por muito necessário que seja, é uma ideia que me repugna. E publicar a seguir o que se ouviu, ou foi ouvido, não me parece admirável, mesmo para defesa da democracia ou da limpeza pública”
( Vasco Pulido Valente, Público)

 

A caixa de Pandora da República

“…Uma coisa são pressões, manobras, lutas de influência, disputas localizadas, outra construir uma imponente teoria de um "crime contra o Estado de Direito", com vista ao controlo da Comunicação Social na sua globalidade. Esta ideia é paradoxal. As mesmas forças que desencadeiam a poderosa campanha de opinião em curso consideram que já não existe liberdade de expressão. Num sistema mediático em que predominam a direita e o centro-direita, as forças dominantes dizem-se "asfixiadas". A suposta "asfixia" exprime-se em uníssono num coro (quase) sem dissonâncias(…)"
( Mário Mesquita, JN)

 

Brancura virtuosa
“…É sempre bonito ver alguém vestir-se de branco (pois, em atestado de pureza de intenções, elas irão vestidas de branco e eles vestidos de almirante como no poema de Cesariny) para gritar "pelo direito fundamental à liberdade de expressão".
E pode ser um começo e que, um dia, vejamos a mesma gente manifestar-se também por outros direitos fundamentais, como o direito ao trabalho, à segurança no emprego e a uma retribuição condigna ou o direito de todos (a Constituição diz todos) de constituir família e contrair casamento e não ser privado desse direito em razão da sua orientação sexual.(…)”
( Manuel António Pina, JN)


A “bufaria”

“Hoje não se pode estar à vontade num restaurante, porque ao lado pode estar um "bufo" a ouvir a conversa para a ir relatar ao seu tablóide preferido. Até a factura da refeição pode ser útil para o mesmo fim. A privacidade deixou de ter qualquer respeito ou protecção.”
( Marinho Pinto JN)

 

O sol, o polvo e a conversa de chacha

“…Ontem, comprei o Sol. Li as quatro páginas sobre as escutas que me prometiam relatar o polvo governamental sobre jornais e televisão. Mas não estava lá nada sobre o assunto. Não quero dizer que Sócrates não quis dominar a Imprensa. Não digo que o Governo não coma microfones ao pequeno-almoço. Digo é isto: naquela edição do Sol não estava lá nada sobre o assunto. Então, do que falamos?”
(Ferreira Fernandes, DN)

 

O jornalismo não é para meninas
“Dizer que a liberdade de expressão está em causa  em Portugal, é um insulto para milhares de pessoas que, durante quarenta anos, pagaram com a falta de liberdade as suas opiniões. E é uma contradição: é por não haver falta de liberdade de expressão que se conhecem todas as conspirações, possíveis e imaginárias que o actual poder concebeu(…)”
( Nicolau Santos, Expresso)

 

Portugal Amordaçado

“A nossa história recente está cheia de exemplos de tentativas de controlo de órgãos de comunicação social. Existirão sempre enquanto a diferença entre a sobrevivência económica de uma estação de televisão, de rádio ou dum jornal estiver na mão de quem detém conjunturalmente o poder executivo, seja directamente, seja através de empresas públicas (ou aparentadas, por exemplo, as em que o Estado tem golden shares, como no caso da PT) ou de empresas privadas que dependem do Estado para a sua actividade (a grande maioria das empresas portuguesas). Enquanto assim for, independentemente de quem esteja no Governo, andaremos sempre a falar da mesma coisa. Estaremos sempre dependentes da capacidade de um líder conviver melhor ou pior com a inevitável diferença de opiniões e da sua capacidade de controlar os comissários políticos que, tão certo como o destino, ocuparão a máquina estatal e as empresas que efectivamente o Estado controla.”

( Pedro Marques Lopes, DN)

 

Poderia acrescentar mais, mas creio que estas ilustram bem como é manifestamente exagerado o medo do regresso da Censura. Porque a isenção não me tolda o raciocínio, também sou crítico de outras manifs de sinal contrário, igualmente com resquícios de Estado Novo.

Tempos difíceis...

Carlos Barbosa de Oliveira, 15.12.09

Desde que entrámos  na Europa, a primeira preocupação de qualquer primeiro-ministro português tem sido mostrar aos seus congéneres que Portugal é um país bem comportado, sempre disposto a acatar, de forma obediente, as ordens vindas de Bruxelas. O importante é  os dinheiritos continuarem a cair, como recompensa pela nossa obediência e bom comportamento. Poderia enunciar uma longa lista de situações, remontando ao tempo de Cavaco, mas limito-me a recordar a prioridade no combate ao défice, iniciada por Durão Barroso e Ferreira Leite e continuada por Sócrates e Teixeira dos Santos.
Todos estamos lembrados dos sacrifícios que nos foram pedidos pelo anterior governo, obcecado em reduzir o défice em quatro anos, de 6,5 para 2 por cento. Foi um apertar de cinto violentíssimo, especialmente para quem trabalha por conta de outrem, que é sempre o bombo da festa.
Vejo por isso, com grande preocupação, a forma disciplinada (e displicente) como Teixeira dos Santos aceitou, sem pestanejar,  reduzir o défice – possivelmente superior a 8 por cento - para 3 por cento até 2013. Adivinho dias difíceis nos próximos anos. Não para os empresários, nem para os banqueiros, ou  quem trabalha em gabinetes ministeriais, mas sim para os trabalhadores deste país. 
A crise não está ultrapassada e, como ainda ontem lembrou Obama, corremos sério risco de uma recaída, cujos efeitos serão ainda piores do que os que estamos a viver. Temo que o povo, cansado de suportar tantos sacrifícios, de ser sempre obrigado a pagar os erros dos outros,  não aguente  e um dia  a corda, de tanto esticar, rebente. Com estrondo e consequências imprevisíveis.

Francesinhas: 40 anos de resistência

Carlos Barbosa de Oliveira, 15.11.09

 

 

Hoje em dia não precisamos de ir à Argentina para comer um “bife de chorizo”, a Espanha para comer uma boa “paella” , a Marrocos para comer “couscous” nem ao Japão para comer “sushi”. A globalização – para além dessa péssima criação que é a “cozinha de fusão” - permitiu que a gastronomia típica de cada país se internacionalizasse e se tornasse acessível em todo o mundo ocidental.
É verdade que a cozinha portuguesa, talvez fruto das suas características, não tem sido dada a muitas experiências internacionais. De qualquer modo, já é possível encontrar, em vários países, deficientes imitações  do “bife à portuguesa”, do “bacalhau à Lisbonense” ou dos pastéis de nata.
Há, no entanto, um prato que resiste a qualquer internacionalização: a “francesinha”.
Criada nos anos 60 por um cozinheiro que tinha sido emigrante em França, esta iguaria permaneceu, durante quatro décadas, confinada à cidade do Porto - onde teve origem.
Nos últimos anos a sua popularidade propagou-se a outras zonas do país mas, garante-vos um apreciador deste delicioso manjar, que não existe em nenhum outro local uma única réplica que mereça os louvores dessa criação do restaurante “A Regaleira”, na Rua do Bonjardim.
Fiz várias tentativas, em vários restaurantes do país, mas  quase todas se revelaram decepcionantes. Não só ao nível dos ingredientes, mas também no que concerne ao ponto de cozedura do pão e à textura do molho, nenhuma se compara às que se podem comer em alguns locais do Porto (mas aviso desde já que também no Porto se vende muita “francesinha” que não respeita os cânones idealizados pelo seu criador). 
Registo com apreço a resistência à globalização desta iguaria ímpar nascida à beira do Douro, mas  hoje apetecia-me uma “francesinha” para me aliviar a tristeza deste dia plúmbeo que me aviva a memória de um país de cinzentões. Vã é a minha esperança. Em Lisboa, só encontro “francesinhas” de contrafacção.

No longínquo ano de 1989

Carlos Barbosa de Oliveira, 10.11.09

 

 

 

1989 foi um ano rico em acontecimentos que provocaram grandes mudanças no mundo. Os ventos de Leste sopraram forte e, logo em Janeiro, morre o imperador japonês Hirohito. Será porém, em Junho, que do Oriente surgem sinais preocupantes. Muitos tiveram oportunidade de assistir, em directo, ao esmagamento de um tímido movimento democrático chinês. O ocidente conheceu uma nova Praça: chama-se Tian an Men, fica em Pequim, para ali convergiu a atenção do mundo inteiro e serve de porta de entrada para a Cidade Proibida. As imagens de um tanque a avançar em direcção a um jovem perduram ainda hoje na memória de muitos.
Já se andava a prever há alguns anos, mas só acontece em Novembro: o Muro de Berlim cai e atrás dele caem os regimes comunistas. O bloco de leste desmorona-se com estrondo mas sem surpresa, deixando um lastro de esperança no futuro. Os comunistas não souberam pactuar com a sociedade de consumo, acabaram devorados por ela!
A informação volta-se toda para leste e a televisão assenta arraiais do lado de lá da "Cortina de Ferro". Inconsciente, pérfida e gulosa apresenta ao mundo o primeiro "reality show" ao transmitir em directo a morte do ditador romeno Ceausescu. O mundo mostra-se chocado, mas no fundo não esconde a sua tendência "voyeurista", por isso, não resiste a rever a cena em diferido. A televisão inicia uma nova era. Para contrabalançar, na Checoslováquia um poeta - Vaclav Havel - é eleito Presidente.

A queda do Muro ocorreu em Novembro mas, em Maio, abrira-se a primeira brecha, com a Hungria a abrir as suas fronteiras com a Áustria, proporcionando assim a fuga de milhares de pessoas para a Europa Ocidental.
As convulsões chegam também à América Latina. Os ditadores sul-americanos começam a ser derrubados. No Paraguai , Stroessner é destituído por um golpe de estado e foge para o Brasil, onde a eleição do presidente Collor de Melo abria sinais de esperança. O bárbaro Pinochet, que durante 16 anos inundou de sangue o Chile, é finalmente arredado do poder pelo democrata-cristão Patrício Aylwin. Não se podia ainda falar de democracia no Chile, mas a ditadura de Pinochet terminara e o povo chileno respirava de alívio. Também na Argentina, Carlos Menem - presidente que apesar de tudo não deixaria saudades na pátria azul-celeste - coloca fim às sucessivas tentativas golpistas da direita.
Em Inglaterra, “ Os 4 de Guilford” tornam-se protagonistas do maior escândalo judicial na terra de Sua Majestade. Condenados a prisão perpétua, em 1975, quatro irlandeses são finalmente libertados, depois de conseguirem provar a sua inocência. O caso foi rocambolesco, com a justiça inglesa a recusar, durante 12 anos, aceitar o seu erro, apesar de os verdadeiros autores dos atentados terem confessado a autoria. Dava-se início a uma série de casos de erros judiciais que colocam em causa a isenção da justiça nos regimes democráticos.

 

Os jovens do mundo ocidental vivem empolgados o desenrolar dos acontecimentos de 89. (Alguém, reparou que lido ao contrário é 68?) Mas os ídolos e os ícones são diferentes. Cohn Bendit é preterido em favor de Karl Popper, em vez de flores na cabeça usam cartões de crédito nos bolsos, e trocam a leitura da Rolling Stone pelo Financial Times. Ao interesse pela evolução dos tops musicais sucede-se uma crescente atenção às cotações da bolsa. É que os jovens do final dos anos oitenta já não são hippies. São yuppies e em vez dos jeans coçados envergam gravatas de padrões psicadélicos, fatos de marca e circulam em carros topo de gama, de telemóvel em riste.
Khomeiny apela à condenação à morte Salmon Rushdie, autor de "Versículos Satânicos", mas quem morre é o ayatollah.
Mais um desastre ecológico de grandes proporções é protagonizado pelo petroleiro Exon Valdez, ao derramar 42 mil toneladas de petróleo no Alasca. Em Espanha regista-se, em Outubro, um grave acidente na central nuclear de Tarragona. Quem já não assiste ao incidente é Salvador Dali que meses antes (em Janeiro) morrera em Figueres, a escassas centenas de quilómetros da central nuclear. Entretanto começa a falar-se que em Inglaterra e na Holanda as vacas estão a ficar loucas. Para muitos trata-se de mera ficção, mas em breve vão perceber que estavam enganados.
A costa alentejana é atingida por uma maré negra, enquanto o País dança nas discotecas ao ritmo da Lambada. O telemóvel chega a Portugal e os portugueses lêem a "Crónica do Rei Pasmado". O novo aparelho é muito caro, apenas ao alcance de bolsas mais abonadas, mas não tardará que se transforme numa praga e um restaurante lisboeta afixe à porta: "Proibida a entrada a cães e a telemóveis".
É ainda neste ano que, com três letras apenas, se passa a escrever a palavra imposto (IRS).

 

 (nota: este texto foi recuperado da série "Rochedo das Memórias - A História do século XX"

O segundo fôlego do sabão azul e branco

Carlos Barbosa de Oliveira, 23.09.09

 

Condenado à morte quando rebentou a guerra dos detergentes, protagonizada pelo Tide e pelo Omo, passaram-lhe a certidão de óbito com a descoberta  dos "glutões" do Presto.

Resistiu nos lavadouros, enquanto existiram lavadeiras,  mas desapareceu dos cenários domésticos com a entrada em cena da máquina de lavar que destronou os velhos  tanques  de pedra.
O outrora famoso sabão azul e branco  ganhou agora  um novo fôlego, graças à gripe A e à ministra da saúde, Ana Jorge, que o aconselhou para lavagem das mãos, como alternativa aos desinfectantes. Voltou a ser notícia nos jornais.  Fico a saber que continua a ser vendido em Portugal mas que no Norte se vende em versão rosa. Vá lá saber-se porquê…
A  maior fatia da produção (seis mil toneladas) destina-se ao mercado africano,  garantindo 26 postos de trabalho em Portugal.  

Depois do conselho da ministra, a empresa espera aumentar significativamente o volume de vendas em Portugal. É curioso constatar,  no mercado das novas tecnologias, a ressurreição de  “velharias”  com novas potencialidades.

Do you want to know a secret?

Carlos Barbosa de Oliveira, 09.09.09

 

 

Nunca fui “beatlómano”.  Em termos musicais, há várias bandas e vozes a solo dos anos 60 que marcaram mais a minha juventude. O álbum que mais gosto dos “Beatles” – “The Magical Mistery Tour” -  raras vezes é citado na discografia dos “Fab Four”, mas que diabo… os “Beatles “ são uma marca incontornável da minha geração. Mais pela irreverência e pela postura que ajudou a quebrar vários tabus, do que pela música que produziram.
A reedição da sua obra completa remasterizada, que hoje foi lançada em todo o mundo, é mais a demonstração da força de uma marca poderosa, do que a confirmação de uma genialidade musical que apenas  existiu a espaços.  “The Beatles” entraram, definitivamente, para a lenda dos anos 60. Parece-me por isso justo evocá-los aqui, mas não correrei a comprar esta colectânea. As canções de  que mais gosto guardo-as ainda em vinil. É nesse registo  que os quero recordar.  As capas originais - algumas com dedicatórias de amigos em oferta de aniversário - os discos pretos com um buraquinho no meio, aquele característico  ruído de fundo dos discos já muitas vezes ouvidos, fazem parte da minha memória. Reeditar os “Beatles” em CD pode ser um grande sucesso comercial, mas trai a memória de uma época. Os “Beatles” não são deste tempo. Não há nostalgia que possa alterar essa realidade.
 

(Também aqui, com música...)

Woodstock 40 anos depois

Carlos Barbosa de Oliveira, 17.08.09

 

 

 

Faz hoje 40 anos que terminou o festival de Woodstock. Independentemente da  avaliação que se faça, hoje, do evento da “Paz e Música”, menosprezar  o que por lá se passou é desvalorizar um episódio que marcou a história contemporânea.
Durante  três dias, 500 mil pessoas assistiram, com o maior civismo, à exibição das melhores bandas e artistas da época. Faltaram os “Doors”, é certo (Jim Morisson já se deve ter arrependido mil vezes…), mas por lá passaram nomes  como Joan Baez , Jimi Hendrix, Janis Joplin, Santana, Neil Young, Crosby Stils& Nash and so on…
Houve uma tentativa de organizar um festival comemorativo dos 40 anos de Woodstock, mas a violência durante o Festival evocativo dos 30 anos, em 1999, e a crise actual desmobilizaram os patrocinadores.
De Christiania a El Bolsón é possível, no entanto, encontrar comunidades que procuram manter o espírito de Woodstock. Uns fazem-no mal, outros mostram que ainda é possível resistir. Como se pode ler aqui.

Dia da Criança (3)

Carlos Barbosa de Oliveira, 01.06.09

Números divulgados pela UNICEF indicam que cerca de 250 milhões de crianças, entre os 5 e os 14 anos, trabalham em todo o mundo. Cerca de metade, fazem-no em condições inaceitáveis, dez a doze horas por dia, sem ir à escola e em troca de salários de miséria. O trabalho de muitas destas crianças destina-se a encher de produtos as montras das lojas onde satisfazemos a nossa ânsia de consumir.
Infelizmente, nem todas as empresas se comportam de acordo com a credibilidade de que desfrutam no mercado, como podem ler aqui

Dia da Criança (2)

Carlos Barbosa de Oliveira, 01.06.09

 

 

Saúl levantava-se todos os dias às 6 da manhã e ia de bicicleta para a fábrica de cerâmica onde trabalhava 11 horas por dia, ganhando 60 escudos por hora. Um acidente com uma máquina levou-lhe uma perna e já gastou mais de 4 mil contos em despesas médicas, na vã tentativa de recuperar uma vida normal. (1996)
Hélder tem apenas seis anos e começa às 7 e meia da manhã a britar pedra. Diariamente parte cerca de 500 pedras que vão revestir as calçadas de cidades estrangeiras para onde o seu patrão exporta a pedra. (1998)
Adelino foi bem cedo trabalhar para uma serração, mas aos 13 anos um acidente com uma máquina levou-lhe três dedos da mão direita e agora faz alguns pequenos trabalhos para ajudar em casa. (1998)
Anabela divide o seu dia entre a escola e a casa, onde não estuda nem brinca com meninas da sua idade. Todo o tempo que lhe resta depois da escola, passa-o a coser sapatos. E como ganha à peça, quanto mais trabalha, mais ganha, o que a leva a trabalhar até altas horas da noite.
Sérgio arrumava carros numa rua do Porto, mas a concorrência e má vizinhança dos adultos atirou-o para uma esquina da cidade onde, de pano na mão, se esforçava para lavar os vidros dos automóveis que param nos semáforos. Um dia, com apenas 11 anos, foi agredido por um automobilista mais exaltado que não queria que lhe tocassem no carro novo. (2003)
Paulo era aprendiz de maquinista numa empresa têxtil  e encontrou a morte numa máquina de fiar onde trabalhava apenas há dois meses.

Conheci estas crianças ao longo dos anos em que me dediquei a estudar o trabalho infantil em Portugal, na Ásia e na América Latina. A cada história nova que conhecia, colocava sempre a mesma pergunta:

Por que razão, apesar das medidas internacionais tomadas contra o trabalho infantil, este parece um problema incontornável? A resposta poderia ser encontrada na conversa com este guia indiano.
A cena passou-se nos arredores de Bombaim (mas poderia passar-se também em Istambul, Katmandu ou Carachi, onde são inúmeras as crianças a trabalhar na indústria dos tapetes) quando visitava uma fábrica. Crianças desenrolam à minha frente, com esgares de esforço, vistosos tapetes por elas parcialmente confeccionados. Reajo com a indignação possível e o guia pergunta-me em escorreito inglês:
"Nunca viu disto no seu país? E por acaso não compra produtos de grandes marcas, que são fabricados por crianças? Se comprar um destes tapetes está a ajudar o nosso país e a impedir que muitas pessoas morram de fome. Mais vale comprar um tapete destes do que roupa de muitas marcas conceituadas que vocês usam no Ocidente. Vocês não compreendem o que custa sobreviver nestes países!"
Se os argumentos deste indiano podem ser compreensíveis em países asiáticos e africanos onde a miséria é grande, os mesmos nem sempre colhem quando se aborda o problema no mundo ocidental, afogado em desigualdades crescentes, mas esgrimindo os valores da democracia como um bem a preservar.

Dia da Criança

Carlos Barbosa de Oliveira, 01.06.09

 

Com apenas 12 anos, uma criança paquistanesa foi assassinada por denunciar os castigos corporais a que ela e outras crianças estavam sujeitas, numa fábrica de tapetes. Já não lhe podemos desejar, hoje, um feliz Dia da Criança.
Ao longo do dia, escreverei aqui sobre algumas crianças que conheci, em Portugal e em vários pontos do mundo, que não tiveram direito a uma infância feliz


Valeska, miúda de 13 anos que conheci em Santiago do Chile. Vendia artigos de contrafacção numa tenda perto do palácio de La Moneda. Estudou até aos 12, mas entretanto a mãe adoeceu e ela teve que deixar a escola para ajudar ao sustento de sete irmãos. Tem saudades do tempo da escola e espera poder voltar a estudar um dia. Não tem dinheiro para pensar nos ténis da Nike, nas sapatilhas da Adidas ou da Reebok, cujas imitações vende na sua tenda.
Pablo é uma criança argentina de 12 anos que trabalha num supermercado. A sua tarefa, de segunda a domingo, é meter dentro dos sacos as compras dos clientes. Vejo os seus olhos brilhar quando pega numa pizza congelada que comprei. Ofereço-lha juntamente com um chocolate, mas imediatamente os mete no meu saco com um ar assustado. Explica a sua recusa pelo facto de um dia um vigilante lhe ter chamado ladrão, porque estava a comer um pacote de batatas fritas que uma cliente lhe oferecera.
Tarika é uma miúda de 10 anos. Conheci-a em Wewak, na Papua Nova Guiné, no momento em que as suas mãozitas trémulas entornaram sobre os meus "jeans" parte da sopa. Foge para a cozinha, debulhada em lágrimas, perseguida por um empregado bem adulto que lhe dirigia ameaças. Nunca mais a voltei a ver no hotel, nem sei se é verdade a história que Ben, uma personagem bem conhecida dos turistas que demandam aquela zona em busca de um guia para o rio Sepik me contou.
Segundo a sua história, o patrão condoera-se ao saber que a miúda, filha de uma empregada do hotel, trabalhava em Madang na apanha do café, em condições de quase escravatura. Mandara-a vir para estar junto da mãe, mas não para trabalhar no hotel. Tudo não passara de um descuido. Verdade ou não, o facto é que no dia em que abandonei Wewak para uma viagem pelo rio Sepik, Tarika estava à beira da estrada, com uma mulher aparentando os seus 30 anos, vendendo pequenas peças de artesanato local.
Em Patpong, Banguecoque, é usual ver a altas horas da noite miúdas de 10, 12 e 13 anos oferecendo-se para a prostituição. Não é difícil, também, ser abordado por adultos oferecendo os favores sexuais de menores.
Em Hua Hin, a escassa centena e meia de quilómetros da capital tailandesa, uma miúda vende relógios aos turistas. Os preços são regateados à exaustão e assisto à cena de um turista anglo-saxónico propondo-se a pagar os 500 "bahts" (aproximadamente 15 €) por um Rolex de imitação se a criança "for passar uns momentos na sua companhia".
Nos centros turísticos tailandeses, como nas Filipinas, cenas destas repetem-se diariamente, diversas vezes ao dia.

Venham Mais 5

Carlos Barbosa de Oliveira, 23.05.09

Não tenho complexos em relação a Marinho Pinto. Sempre admirei a sua frontalidade e não sou “cristão novo”, nem  mudei  a minha opinião depois da cena lamentável da noite de sexta-feira. No dia em que foi eleito bastonário, previ-lhe o destino aqui. E confirmei-o aqui, quando começou o desfile das virgens ofendidas. Como o algodão, certas pessoas não enganam…
Os portugueses detestam as pessoas frontais e capazes de dizer a verdade, enfrentando os interesses corporativos. Nem o facto de hoje o “Público” revelar que só em 2008 foi condenado um advogado por dia, por “má conduta profissional”, calará certos barões, incomodados com a verdade.  Falhas deontológicas, abuso de confiança, abandono de clientes e faltas a julgamentos não podem ser desvalorizadas, com a alegação de que se trata de casos isolados.
A conduta pouco edificante de alguns advogados, que  Marinho Pinto referiu, posso confirmar  através de um caso ocorrido comigo.
Corriam os anos 80 e eu não vivia em Portugal. Precisei de recorrer aos serviços de um advogado, para que me representasse em tribunal num acto meramente formal. Pessoa amiga recomendou-me um nome. Contactei-o, expliquei-lhe o que pretendia e disse quem me recomendara. Não me esqueci de lhe perguntar quais seriam os honorários. Sossegou-me, dizendo que cobraria apenas as deslocações e o tempo perdido, atendendo a que fora recomendado por uma amiga comum. O caso resolveu-se com duas idas a tribunal que lhe terão ocupado, no máximo, duas tardes.
Resolvido o assunto, telefonei a agradecer e pedi que me enviasse a nota dos seus honorários. Quando, um dia, ao chegar a casa abro a carta do advogado, com os honorários, ia tendo um ataque cardíaco: 325 contos (moeda da época)! Telefonei à minha amiga e ela explicou-me que era normal alguns advogados cobrarem à percentagem, mas aconselhou-me a participar à Ordem dos Advogados, caso pudesse comprovar essa prática. Fiz as contas e lá estava. Cinco por cento do valor envolvido. Redondinhos!
Participei à Ordem dos Advogados. A única resposta que recebi pedia-me para enviar comprovativo do acordo de honorários que estabelecera com o advogado. Fiquei esclarecido e, mais do que nunca, com a certeza que tinha andado a perder tempo na Faculdade de Direito. Ainda enviei uma cópia da carta do advogado e o valor em causa, mas resposta "nickles".
Pessoalmente, se fosse advogado, ficaria satisfeito se a Ordem denunciasse as ervas daninhas que denigrem a profissão. Infelizmente, parece que não é essa a opinião dos advogados a que a TVI e outra comunicação social dá voz. Seria interessante saber as razões que levam a TVI (ou a ex-advogada MMG?) a fazer campanha contra Marinho Pinto. Por mim, ficaria satisfeito se viessem mais 5 Marinhos Pinto. Não aprecio heróis Gosto mais de gente corajosa, do que de cúmplices… O corporativismo mental é um dos cancros da nossa democracia.

Memórias do meu país(1)

Carlos Barbosa de Oliveira, 19.05.09

"O Continentes"

 

 

 

Já alguém lhe chamou “O Continentes”, numa alusão ao cosmopolitismo e diversidade de etnias ali presentes
Quando lá entrávamos depressa esquecíamos a abominável  estética exterior e o nome: Centro Comercial da Mouraria. Como num passe de mágica, abandonávamos Lisboa e aterrávamos a milhares de quilómetros de distância. Os odores e sons standardizados da baixa lisboeta, tão próprios de qualquer capital europeia, eram substituídos por aromas e sons de outros continentes: especiarias, incenso, cheiros fortes e estranhos - por vezes violentos para narizes mais afeitos a perfumes afrancesados - associavam-se aos  sons de pedras de mah–jong espraiando-se sobre as mesas, ou a linguarejares  incompreensíveis, de proveniências variadas. Decibéis competiam à desgarrada, debitando notas musicais vocalizadas, evadindo-se livremente de uma parafernália de fontes sonoras.
Ao contrário do que acontece em espaços  comerciais similares, ali não éramos conduzidos por estreitas ruelas e recantos, obedecendo às  regras do marketing. A variedade e o exotismo do ambiente convidavam  a uma visita em liberdade. E  assim íamos desbravando os espaços que o edifício albergava.
Em plena liberdade, íamos descobrindo mercearias africanas e indianas. Discotecas e cabeleireiros africanos. Lojas de roupas e bijutarias chinesas. 
Das lojas de roupa chinesas saíam vendedores ambulantes, transportando grandes sacos de plástico negros. Lá dentro, camisas Ralph Lauren e malhas Burberrys genuinamente falsas conviviam numa orgia de capitalismo contrafeito, ao dispor de bolsas pouco recheadas, alimentando a ilusão de que a igualdade se alcança pelo consumo das mesmas marcas
Quando chegava a hora do almoço, o Centro Comercial Mouraria animava-se ainda mais. Entre as diversas  ofertas, era possível optar pelos sabores africanos do “Dois Irmãos”, especialista em comida de Angola e da República Democrática do Congo, onde a ementa anunciava «fumbua» (um prato à base de moamba, cebola e óleo de palma), «pondu», com folha de mandioca, «muteta» ou «funji», ao preço de 5€.

Havia dois restaurantes chineses, muito diferentes daqueles a que estamos habituados. Aos tradicionais crepes, “chau-min” e “chop-soy”, adaptados ao gosto ocidental, somavam-se outros pratos de peixe, carne e legumes,  desconhecidos de quem nunca visitou o Oriente.

  

 

 

Se o apetite apelava aos paladares indianos, a melhor opção era o  “Faltas Tu”. Os seus proprietários, oriundos do Bangladesh, serviam caril de frango, de cabrito e vegetariano, camarão frito e “biriani” (arroz com carne e vegetais). Antes de atacar o prato principal, podíamos provar as saborosas chamuças, que nada têm a ver com os sucedâneos gordurosos que aparecem à venda em algumas pastelarias. No final, para adoçar o paladar, recomendavam-se bolinhos indianos, como os “lado”  feitos com manteiga e farinha de grão, ou os “dudh-penda”, com leite condensado. Para os acompanhar,  um chá com leite e especiarias.
Ainda há pouco tempo era possível descer à cave e abancar na esplanada da pequena praça central para tomar uma bica no café “Ilha de Luanda”, no “Bica-Bica” ou no “Faltas Tu”. A esplanada era um dos pontos privilegiados de observação do movimento do Centro e nas mesas podiam ver-se  jovens orientais emborcando canecas de cerveja, acompanhadas por camarão miúdo. Fumavam cigarros americanos, riam e conversavam, enquanto na mesa ao lado parceiros de meia idade jogavam cartas. De quando em vez , o toque de um telemóvel interrompia a partida, anunciando  negócios no ar.

A umas mesas de distância, na esplanada do “Faltas Tu”, indianos de cabelos brancos deliciavam-se com chamuças e chá com leite, aromatizado com especiarias, de olhos fixos no televisor onde, ininterruptamente, passavam telediscos.
Hoje, aquela esplanada é apenas uma recordação, substituída que foi por lojas de chineses. Pergunto a Lu–Yan, proprietária de uma loja de atoalhados, o que aconteceu aos restaurantes. Olha-me com indiferença e, no seu português apalatado,  explica-me que os restaurantes só criavam confusão. “É melhor assim” - garante. Percebendo a minha decepção, insiste:
“Tem muito restaulante chinês lá fola. Aqui é pala complale, não é pala passeale”. Ou, como diria Guterres: “É a vida!”
Não consigo disfarçar alguma nostalgia pela perda de um espaço ímpar em Lisboa, onde era possível conviver simultaneamente, no mesmo prato, com sabores africanos, indianos e chineses, a preços módicos. Invadido por um sentimento indecifrável, decido  terminar aqui a reportagem. É difícil aceitar a perda súbita de um espaço onde me sentia aconchegado, quando me minavam as saudades do Oriente. Resta a simpatia contagiante de muitos lojistas... Até quando?