Comer (11)
Sem pressa, no Clube Naval da Ericeira, onde o peixe é rei
Verão, para mim, é sinónimo de peixe em termos gastronómicos. Assado, cozido, estufado. Em escabeche, em caldeirada. Mas sobretudo grelhado: cherne, garoupa, robalo, dourada, sargo, solha, peixe espada - o que houver vindo da lota. Em zona balnear, de preferência. Com mar à vista.
Assim fiz, assim tenho feito, num dos meus poisos favoritos: o Clube Naval da Ericeira. Situa-se em zona adjacente ao porto de pesca da vila que tão generosamente me acolhe há um par de anos.
Condição obrigatória: chegar cedo. Vai-se formando fila à porta, a partir do meio-dia e pouco. Ouvem-se conversas de circunstância dos frequentadores habituais, sábios conhecedores do que ali se petisca.
Impera a boa disposição. O tempo convida a relaxar.
Não é espaço para sofisticações. Nem para aquela comida da moda - com fusões, tofu, muita rúcula, muita espuma que parece ser da barba, fruta tropical misturada com leguminosas e tretas do género.
Tudo clássico, à moda antiga. Pratos do dia escritos a giz num quadro, as gaivotas rondando quase como animais domésticos.
Alargando o olhar, confirmo: aqui o mar é mais azul.
Há choco à lagareiro, sardinha assada, carapaus. Nos pratos de carne, nem reparo.
Vou para o linguado grelhado: é o que me está a apetecer. Ali ao lado os pescadores reparam as redes, secam peixes em estendais, trocam dois dedos de conversa: a faina do dia está cumprida.
A casa já encheu.
Vem para a mesa um jarro de vinho branco - fresco, não gelado. Como mandam as boas regras. Em sequência lógica, surge um queijinho fresco com o magnífico pão local. Confirmo: estou numa das zonas do País onde há melhor pão.
Lição fundamental à mesa em férias: mastigar bem, saborear, aproveitar cada momento prolongando o prazer de partilhar refeições sem agenda profissional para cumprir. Há quem não saiba desligar-se do ritmo laboral, sem perceber como é indispensável fazer pausas para que o trabalho renda plenamente.
Chega então o linguado. Vem como gosto: grelhado no ponto certo.
Em Portugal, quase todos se gabam de saber grelhar peixe. Estão profundamente equivocados: abundam os locais, alguns até com fama, em que a grelha mal calibrada ou um cozinheiro negligente secam o peixe, retirando-lhe o suco natural.
Aqui há manifesta competência nesta função: excepto as espinhas, nada se desaproveita deste elegante bicho que há menos de 24 horas nadava no oceano. Até a pele.
Casa muito bem com as batatinhas cozidas com casca, o feijão verde que serve de complemento e a salada fresca temperada com abundante azeite, um golpe de vinagre, umas gotas de limão.
A praia, ali a dois passos, pode esperar. A tarde é longa, há sol até depois das oito.
Nada de pressas, como se tivéssemos todo o tempo do mundo.
Faz parte da magia do Verão: é quando mais vezes somos invadidos pela doce ilusão da eternidade.
Hei-de voltar ao Clube Naval. Tem lugar cativo no meu roteiro gastronómico. Ponto de romagem sempre que as saudades do bom peixe apertam.
Doses fartas. A preços imbatíveis.
Por mais vezes que regresse, a conclusão é sempre a mesma: daqui nunca saio desiludido.