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Delito de Opinião

As eleições americanas e a nossa defesa

Paulo Sousa, 26.07.24

A cada eleição presidencial nos EUA é interessante ver como deste lado do Atlântico as opiniões se inflamam e indignam com as escolhas dos americanos. Dadas as diferenças históricas e sociológicas, é comum que sejam os candidatos democratas que reúnem mais apoio entre os europeus, mas a nossa inelegibilidade para ali votar faz com que esse apoio não conte para nada.

À importância global da, ainda, maior potência da actualidade, junta-se a forma como as notícias sobre a eleição presidencial são divulgadas, em que a fronteira entre a informação e o conteúdo de entretenimento, é reduzida à escala milimétrica.

Desde o desmoronamento da União Soviética, mas especialmente desde a ascensão internacional da China, que o antigo Império do Meio passou a ser a potência desafiadora da hegemonia norte-americana. Em resultado disso, o interesse estratégico dos EUA no espaço euro-atlântico diminuiu drasticamente.

Em micro-economia existe o conceito de externalidade, que pode ser negativa ou positiva. Os exemplos são inúmeros, desde as consequências que os habitantes de uma povoação sofrem por ali se instalar uma empresa poluidora (externalidade negativa), até ao benefício substantivo no bairro onde é construída uma esquadra policial. Nenhuma destas ocorrências depende de quem delas beneficia ou por elas é prejudicado.

Durante a segunda metade do século passado, a Europa ocidental beneficiou de uma externalidade positiva, que resultava dos interesses estratégicos dos EUA. Perante tão sólido e duradouro chapéu de chuva, muita da capacidade orçamental dos países europeus foi transferida da defesa para os benefícios sociais à sua população.

É com este enquadramento como pano de fundo que assistimos à mudança geográfica da origem da maior ameaça à hegemonia americana. A sua rotação do espaço euro-atlântico para a ásia-pacifico têm consequências objectivas na segurança europeia. Regressando à comparação anterior, os EUA irão por isso transferir capacidades para outra “esquadra” devolvendo assim aos europeus parte da responsabilidade em assegurar a própria defesa.

Este facto, apesar de bastante anunciado e divulgado, deixou muitos europeus incrédulos e até chocados. No caso de uma vitória de Trump nas próximas eleições, tudo aponta para que a Nato veja reduzida a participação dos EUA, o que coloca enormes desafios aos governos europeus. Essa é a esperança de Putin e de quem lhe suceda.

Trump tem uma enorme capacidade de criar grande repulsa. Isso resulta do seu percurso pessoal e criminal, da sua propensão para o autoritarismo, do seu desprezo antidemocrático pelos adversários, da arrogância sem freio, da sua misoginia e racismo, da sua incapacidade de se rir de uma piada e da sua postura geral de pessoa desagradável. Para os europeus, a toda esta lista, junta-se o receio do anunciado enfraquecimento da Nato.

Mas como quem vota nas eleições norte-americanas são os seus cidadãos, e muitos deles são sociologicamente bastante diferentes da maioria dos europeus, não vale a pena os classificarmos como incultos, rednecks, white trash, ou o que seja, pois nada que façamos irá alterar as suas convicções, nem o seu sentido de voto. Podemos fazer figas, rezas ou desconjuros (os esconjuros já foram feitos pela nata evangélica do GOP) pela vitória da candidata democrata, mas não mais do que isso.

O que importa tomar consciência é que, sem outras mudanças, a nossa segurança actual depende de eleições nas quais não votamos. Sem Putin, ou outro ditador russo que o substitua, tal não seria um assunto de tremenda importância, mas, exactamente por isso, importa tomar consciência que nas próximas décadas a nossa relação com a defesa, o nosso empenho com as forças armadas e a relação com os nossos aliados terá de ser mais intensa e exigente. Os nossos adolescentes devem ser informados que com elevada probabilidade serão chamados para o restabelecimento do SMO. Já aqui falei sobre isso, e até já sabemos que cerca de 47% dos portugueses são favoráveis a esta ideia.

Do resultado das eleições americanas não resultará a necessidade de fazermos mudanças, mas apenas a sua urgência.

A linguagem inclusiva

jpt, 02.10.20

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A secretaria-geral do ministério da Defesa Nacional, instância decerto composta por assalariados do funcionalismo público, dispendeu algum tempo - ou seja, dinheiro público -, a compor uma proposta de directiva para uma "linguagem não discriminatória e mais igualitária nas Forças Armadas", a qual inclui este tipo de modificações. O dinheiro (tempo) gasto nesta escrevinhice não terá sido muito, e quem a fez não deverá ter muito mais para fazer. Ou seja, os custos efectivos disto são um nada. Tem apenas custos subjectivos, pois a patetice potencia irritações sociais e nisso oposições espontâneas a outras justas práticas tendentes à equidade. Muito bem esteve o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, ao explicitar que esta coisa "é absolutamente menor, não tem relevância nenhuma e, do meu lado, confesso que não pretendo passar muito tempo a pensar nessa matéria" pois "o que é verdadeiramente importante é o trabalho que está a ser feito na promoção da igualdade de género dentro das Forças Armadas".

Ainda assim isto custa-me. Pois vejo gente letrada (e reparai que uso um abrangente feminino, que é corrente), pela qual tenho amizade e respeito, a partilhar esta tralha como se fosse algo positivo. Outros que a isto louvam são os que usam o "X" para evitar o género das palavras, mesmo em comunicações profissionais, julgando que tais ignaros ademanes os engrandecem ou alindam.

O que esta imagem exemplifica é uma pobre mentalidade que considera necessário, pois positivo, substituir a genérica "indivíduo" - que é a palavra explicitamente subjacente - pela genérica "pessoa". Já agora, e num olhar mais minucioso, para além disso carrega uma visão sociológica muito básica, de facto populista e nisso anti-democrática, ao propagandear a noção de "classe política". Mas isto até é um mero detalhe, apenas denotativo da ignorância dos proponentes.

A igualdade e a equidade são causas justas. E estas nada ganham com argumentações estúpidas. E muito menos com sensibilidades histéricas.

Adenda: um dia passado sobre a notícia deste tonto documento o ministro Gomes Cravinho decidiu pela sua anulação. Esteve bem.

Sim. Não. Talvez. O melhor é parar.

Diogo Noivo, 17.07.18

Houve roubo. Se calhar não houve roubo. Houve roubo, mas o armamento está obsoleto. Pensando melhor, só parte do armamento está obsoleto. Entretanto, o armamento foi recuperado. Está tudo bem. Aliás, recuperou-se mais do que tinha sido roubado. Até ficámos a ganhar. Tudo graças a uma chamada anónima. O mérito foi desta chamada, mas o Secretário Geral da NATO felicitou o Ministro da Defesa Nacional Azeredo Lopes pela recuperação do material roubado – pelo menos foi isso o que o referido Ministro disse à imprensa, sem o menor sinal de assombro nem qualquer sinal do Secretário Geral da NATO. Antes, em entrevista à SIC, também sem qualquer demonstração de pudor, Azeredo Lopes disse “para não pensarmos que somos anormais no contexto europeu e mundial, basta procurar 'roubo de armamento militar' no Google e vamos chegar a conclusões interessantes”, sendo que a única conclusão é a de que nunca tinham sido roubadas tantas armas antitanque num país da Aliança Atlântica. Pelo meio houve um relatório fabricado. Mas não há problema porque o material foi todo recuperado. Bom, afinal não, ainda há explosivos à solta.

Parece um sketch dos Gato Fedorento, mas não é. O caso de Tancos, cujo resumo consta no parágrafo anterior, jorra incúria, inépcia e descaramento q.b. Note-se que estamos a falar de uma área de soberania. Note-se também que cargas explosivas não são caixas de aspirinas subtraídas a um qualquer hospital público. Independentemente do apuramento dos detalhes e da identificação dos autores morais e materiais do crime, num Estado de Direito com um módico de escrutínio sobre a actividade dos poderes públicos já haveria gente destituída das funções que manifestamente não consegue cumprir.

A segurança e defesa do Governo

Diogo Noivo, 07.07.17

O problema estava num Palma Cavalão que, ao abrigo do cobarde anonimato, ousou criticar o Governo português nas páginas de um diário espanhol associado à direita. Agora, um outro diário espanhol publicou uma notícia pouco abonatória da competência do Executivo chefiado por António Costa. Desta feita, trata-se de um periódico associado à esquerda e quem assina a notícia fá-lo com nome e apelido próprios. Assumindo que Portugal é um país normal, isto será o suficiente para que centremos o debate e abandonemos as arengas estéreis.

Sendo diferentes na origem e nos factos (nos poucos que se conhecem), os incêndios em Pedrógão Grande e o roubo de armas em Tancos são de extraordinária gravidade pois atestam a debilidade do Estado nos sectores da Segurança e da Defesa.

O apuramento de responsabilidades depende do apuramento dos factos. E já percebemos que o conhecimento dos factos foi habilmente atirado para as calendas, nomeadamente para depois do próximo acto eleitoral. Como o decoro é em Portugal um bem escasso e desvalorizado tudo isto é visto com normalidade.

Se não podemos avaliar os casos com base nos factos, podemos sim analisar a conduta política dos responsáveis pela Segurança e pela Defesa. No que respeita a Constança Urbano de Sousa, Ministra da Administração Interna, o que há a dizer está aqui e aqui. A senhora está a mais.

O caso da Defesa é mais complexo. O roubo de armamento é grave porque sugere incúria. É ainda mais grave dada a forte suspeita de que o destino do armamento roubado é o crime organizado e o terrorismo. Se o Ministro Azeredo Lopes não foi informado do risco, o CEMGFA terá de abandonar o seu posto e dar lugar a outro. Se o Ministro sabia, como é razoável que soubesse, então Azeredo Lopes deverá aproveitar a boleia da sua colega do MAI.

Porém, estas dúvidas tornaram-se assessórias quando o Ministro da Defesa decidiu abrir a boca. Em entrevista à SIC, Azeredo Lopes afirmou que o Ministro da Defesa Nacional “não sabe se falta uma câmara de videovigilância em Tancos ou em Lamego”. Disse também que o Ministro não é informado de problemas em vedações. Estas afirmações são reveladoras do entendimento que Azeredo Lopes tem da função que desempenha. Houve Ministros da Educação, de esquerda e de direita, a conhecer obras em escolas ao pormenor. Houve Ministros da Administração Interna a conhecer detalhes de todas as unidades das Forças de Segurança, do Corpo de Intervenção à Banda da PSP. Houve Ministros da Agricultura a saber de memória a extensão e a incidência regional de terrenos baldios em Portugal. Mas Azeredo Lopes aparenta não estar para ser incomodado com minudências. Adiante. Azeredo Lopes tenta mudar de assunto, mas o resultado não foi melhor: “Para não pensarmos que somos anormais no contexto europeu e mundial, basta procurar 'roubo de armamento militar' no Google e vamos chegar a conclusões interessantes.” Como o Pedro Correia aqui notou, parece que nunca foram roubadas tantas armas antitanque num país da NATO. Não satisfeito com esta lindeza de argumento, Azeredo Lopes volta a desculpar-se com as desgraças dos outros, dizendo não evocar, mas evocando, os atentados terroristas ocorridos em solo europeu. É dose.

Em resumo, os acontecimentos são gravíssimos e os Ministros não percebem a responsabilidade inerente às funções que desempenham. Estão a mais. E quanto mais tempo ficarem maior será a ameaça que constituem para a segurança e defesa políticas do Governo de António Costa.

Deprimidos porquê?

João Carvalho, 26.10.11

Este país anda um bocado deprimido, mas sem motivo. Todos os dias há notícias palpitantes que nos compensam dos choques mais duros. Vejam este título: «Derrapagem de 115 milhões em contrato de aviões militares». Digam-me lá se já tinham visto aviões a derrapar.

É certo que «os 12 aviões comprados pelo anterior executivo socialista, que se destinavam ao transporte militar e vigilância marítima, custaram mais 115 milhões de euros que o previsto — indica uma auditoria do Tribunal de Contas à Locação de Aeronaves Militares, uma empresa do grupo Empordef – Empresa Portuguesa de Defesa», com a agravante de estarmos perante uma empresa portuguesa de defesa que não só não defende Portugal e os portugueses como ainda nos vem aos bolsos.

Mas pensem bem nisto: se é verdade que «a verba daria para comprar mais cinco aviões, que ajudariam a substituir os Aviocar da Força Aérea», não é motivo de grande alegria que isto não tenha acontecido? Sim, que se fosse feito negócio para mais cinco aviões é evidente que haveria mais derrapagens e que estávamos todos a arder com prejuízos ainda maiores, muito maiores mesmo.

Andamos deprimidos porquê? Nem tudo é mau, afinal.

O MFA está com o povo?

Laura Ramos, 24.10.11

 

A maior parte de nós, homens e mulheres de agora, vive alheada da política de defesa nacional.

É um fenómeno típico das sociedades que experimentam a paz civil duradoura. Afinal, toda a Europa atravessa uma espécie de stand by, se esquecermos as sangrias que escorreram depois da desconstrução da Jugoslávia. E pouco mais.
Por isso, as milícias, as 3 armas - que a maioria observa como uma espécie de forças simbólicas e quase esvaziadas de objectivo imediato - embora nos tranquilizem, vagamente, não preenchem um décimo da nossa energia de observação política.

Curiosamente, toda a atenção que tínhamos com este tema, vista agora, parece ter-se esgotado com o sofrimento  febril e exaltado da guerra colonial. E serenado,  depois, já reconciliados pela gratidão de Abril.

 

Mas a defesa nacional é uma obra bem mais vasta do que a que associamos à gestão das forças armadas. E as forças armadas, por seu lado, têm sobre os ombros muito mais do que a administração de uma guerra teórica, entregue a paradas de rotina e à organização dos de oficiais de dia.

 

Apesar de tudo, nos dias que correm, não há amnistias. E eles também não escapam ao julgamento civil, mesmo que semi desatento. Porque todos sabemos que os militares não se furtaram à maré dos privilégios estatais e que, pelo contrário, a galgaram em prancha olímpica, aproveitando os tempos de sagração do MFA e da sua condição tutelar e libertadora.

Foram os aristocratas da democracia.

 

O ministro José Pedro Aguiar Branco sabe disto. E é um democrata genuíno, que viveu numa distância  milimétrica a ameaça geracional do recrutamento para as guerras de África. Empenhando-se desde o primeiro dia (ainda caloiro, nos bancos da universidade), na vivência total da democracia.

 

Por isso, as suas afirmações não são retóricas, quando diz que «nas ditaduras é que há silenciamento, e em democracia há manifestação, há opinião crítica».

 

De facto, as  Forças Armadas são depositárias dos valores mais estruturantes de Portugal e, por tudo aquilo que representam, espera-se que saibam estar à altura das suas obrigações: a vocação primária que desempenham na coesão nacional.

 

A história não pode justificar tudo.

Mais uma vez, em tempos de cólera, esperemos pelo exemplo de quem deve ser exemplar.