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Delito de Opinião

A peixeirada

Legislativas 2024 (9)

Pedro Correia, 21.02.24

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- Não está preparado para governar o país.

- Estou preparadíssimo. 

- Mas não parece! Não parece... desculpe lá que lhe diga. Não parece.

(...)

- Falhou! Você diz que faz, mas não faz.

- Ai faço, faço! Você é que não sabe o que é fazer, não sabe o que é governar.

- Sei, sei. 

- Não sabe. Nunca governou! Nem num gabinete esteve. Não sabe a dificuldade de tomar decisões, de avançar. Isso não sabe. 

- O Pedro Nuno Santos é que esteve mal como ministro. O que fará como primeiro-ministro...

- Não, não estive. Tenho resultados para apresentar!

- Esteve muito mal. Habitação, infraestruturas, o aeroporto... O nosso plano fiscal não é nenhuma aventura...

- É aventura, é! Irresponsabilidade mesmo. Nunca vai conseguir cumprir.

- ... incremento económico. O PS tem uma voracidade fiscal completa, nunca está satisfeito...

- Qual voracidade? Qual voracidade?

- ... foram e são hoje um bloqueio ao crescimento económico...

- Qual bloqueio? O investimento estrangeiro é hoje 70% do PIB.

- ... os nossos profissionais estão a procurar oportunidades no estrangeiro porque não têm aqui o rendimento... Estamos a perder na competição com os países que concorrem connosco.

- Estamos a crescer mais! Somos o país que cresceu mais.

 

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(...)

- Ó Pedro Nuno Santos, olhe, estou muito melhor preparado do que o Pedro Nuno Santos, muito melhor preparado.

- Está, está... 

- Fale verdade! Fale verdade!

- Não se viu hoje, não se viu hoje. Hoje falhou. Hoje correu mal. Hoje não correu bem, não é? Hoje não correu bem.

- Fale verdade, fale verdade, não crie falsas expectativas. Quero cumprir os meus compromissos, tudo o contrário do que o senhor e os seus colegas de governo fizeram nos últimos...

(...)

- Oiça! Está nervoso?

- Não estou nada nervoso!

- Então oiça, não me interrompa. 

- Não insista na mentira.

- Oiça! Quer ouvir ou não? É que não é mentira, não é mentira.

Traidor, idiota útil, prostituta política

Legislativas 2024 (7)

Pedro Correia, 14.02.24

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Os debates, num registo frente-a-frente, têm sido entre líderes de partidos. Mas certos jornalistas que deviam moderá-los, em vez de se apagarem o mais possível, procuram concorrer com os políticos em fome de palco. Fazendo lembrar aqueles árbitros que roubam protagonismo aos jogadores em partidas de futebol exibindo cartões de várias cores a torto e a direito enquanto apitam a cada 30 segundos. Numa tentativa desesperada de serem o centro das atenções.

Infelizmente isto não acontece só nos estádios: passa-se o mesmo nos estúdios. Na segunda-feira de Carnaval, na RTP, o moderador do debate entre Luís Montenegro e André Ventura fez tudo para se evidenciar. E, de algum modo, concretizou o objectivo: naqueles 39 minutos conseguiu interromper 121 vezes os candidatos! Quase em partes iguais, com o presidente do PSD a ver as suas frases 61 vezes cortadas por João Adelino Faria, enquanto o mesmo sucedeu 60 vezes ao presidente do Chega.

«Quando estamos os três a falar, ninguém nos ouve», lamentou a certa altura o pivô da RTP. Num involuntário exercício de autocrítica, pois era incapaz de se calar enquanto os dois políticos se confrontavam.

«Temos muito pouco tempo», foi outra das suas frases, dignas de cronometrista. Além da bengala verbal «muito bem» que já se transformou numa espécie de senha no canal público de televisão. É raro o jornalista que ali não usa e abusa dela, mesmo totalmente fora de contexto. Já ouvi alguns dizerem «muito bem» até quando se fala de guerras, massacres, catástrofes climáticas ou epidemias. Vale para tudo.

 

Quanto ao debate em si, nos escassos momentos em que Faria deixou os participantes completarem três frases, a ideia dominante foi esta: o Chega funciona como aliado objectivo do PS. Daí ter sido eleito, durante toda a legislatura que agora termina, como interlocutor preferencial de António Costa nos confrontos parlamentares - imitando o precedente inaugurado em França, na década de 80, pelo socialista François Mitterrand com a ultra-direita de Jean Marie Le Pen.

Os socialistas, cá como lá, alimentaram o ovo da serpente. Na expectativa de assim neutralizarem a direita moderada, sua rival directa nas urnas. Em França, o tiro saiu-lhes pela culatra: o Reagrupamento Nacional, liderado pela filha de Le Pen, tem hoje 89 deputados na Assembleia Nacional enquanto o PSF não conseguiu eleger mais do que 24, entre 577 lugares, nas legislativas de 2022. Tornou-se um partido irrelevante.

 

Neste confronto na RTP, Montenegro fez o que lhe competia. Desmascarando a irresponsabilidade do Chega, que exige agora o direito à filiação partidária e o direito à greve aos elementos das forças de segurança sem avaliar as consequências do que propõe. E esclareceu que só as 13 medidas mais emblemáticas do pacote de promessas eleitorais do partido da direita populista custariam cerca de 25,5 mil milhões de euros se fossem postas em prática - o equivalente a 9% do PIB anual português.

Contas que aparentemente Ventura não fez: embatucou ao ouvir isto, ficando sem resposta. 

Argumentou como? À maneira dele: com insultos.

Acusou o PSD de «traição», de «espezinhar as forças de segurança», de «enganar os pensionistas há 50 anos», de ser «uma prostituta política». Montenegro, para ele, é «o idiota útil da esquerda» - representante «de um sistema que nos tem dado corrupção, tachos e bandidos à solta».

 

Eis o caudilho do Chega, uma vez mais, a funcionar como guarda avançada do PS. Nem lhe passaria pela cabeça chamar alguma vez «prostituta política» a António Costa...

Ventura berra tudo quanto for preciso para gerar títulos na imprensa e cliques nas redes sociais. Mesmo baixando cada vez mais o nível. Comparado com ele, o Tino de Rans faz figura de estadista.

Este debate confirmou que há sérios problemas de governabilidade à direita com o líder do Chega em cena. À esquerda, ninguém imagina uma peixeirada destas entre Mariana Mortágua, Paulo Raimundo e Pedro Nuno Santos.

Montenegro nunca governará com quem lhe chama idiota e traidor, nem se coligará com quem acusa o PSD de prostituição política. Há limites para tudo. De algum modo, beneficiou com a estridência insultuosa de Ventura: atraiu votos moderados, separando as águas. «Muito bem», como diria João Adelino Faria pela enésima vez, repetindo a bengala verbal tão em voga na RTP.

Sob o signo do Cupido

Legislativas 2024 (5)

Pedro Correia, 09.02.24

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Mariana Mortágua e Rui Tavares "debateram" ontem na SIC Notícias. Debate é força de expressão: parecia antes um rendez vous, tantas foram as miradas enternecidas que dirigiram um ao outro. E as frases plenas de concórdia, harmonia e fraternidade universal. Nem houve um sussurro crítico ao PS.

«Temos objectivos comuns», sublinhava o porta-voz do Livre. «Temos diagnósticos comuns», afiançava em coro a coordenadora do Bloco de Esquerda. Como se estes dois partidos pudessem fundir-se a qualquer momento.

Esperava-se um frente-a-frente, saiu um tête-à-tête. Sob o signo do Cupido, talvez por estar tão próximo o Dia dos Namorados. Entre Mariana Tavares e Rui Mortágua. Amor é cego e vê, como diz o verso da canção. Coisa mais linda não há.

Coitada da Heloísa

Legislativas 2024 (4)

Pedro Correia, 08.02.24

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Luís Montenegro tentou fazer-se representar no debate televisivo com a CDU por Nuno Melo, presidente do CDS, o segundo partido da coligação AD. Paulo Raimundo recusou de imediato a sugestão do social-democrata, acusando-o de fugir à discussão. O secretário-geral do PCP é inflexível: não tolera debater com um "número dois".

Perdeu excelente oportunidade de fazer avançar alguém do PEV, o partido-fantasma que integra a CDU com os comunistas. Coitada da Heloísa Apolónia: ainda não é desta que deixa de ser invisível.

Como desmascarar um farsante

João Pedro Pimenta, 03.10.22

Não sei se tiveram a oportunidade de ver, mas aquela correia de transmissão das ordens de Moscovo, de seu nome Alexandre Guerreiro, levou uma tareia inacreditável do Francisco Pereira Coutinho em todos os aspectos, num debate na SIC Notícias na sexta-feira. Podem - julgo eu - ver o vídeo na íntegra aqui (não consegui transportá-lo directamente para o post por ser muito grande) e avaliar as prestações. O homem do Kremlin a certa altura parecia completamente perdido, repetia incessantemente "o precedente do Kosovo", cujas diferenças aliás o Francisco explicou devidamente, acabou a justificar a anexação da Crimeia com "sondagens" (como se sabe um elemento essencial no direito internacional) e a dizer que a anexação das quatro regiões ucranianas "era legal mas também podia não ser".

Eis a forma como se neutralizam os farsantes: colocá-los perante alguém que efectivamente conhece o terreno para os desmascarar. Acresce que nas horas que se seguiram ao debate, Guerreiro era alvo de chacota pelos twiters e watsaps fora.

Os nomes e as coisas

Pedro Correia, 20.01.22

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No debate de segunda-feira na RTP, o moderador tratou quase todos os nove intervenientes pelo nome próprio. Esta recente forma de tratamento, como tantas outras modas, foi importada dos States. Tal como a tendência para dar nomes de pessoas a cães e gatos.

Lá entre a bimbalhada, todos se tratam pelo primeiro nome e até por diminutivos. Incluindo presidentes - daí ter havido o Jimmy (Jaiminho) Carter e o Bill (Gui) Clinton; agora há o Joe (Zé ou Zeca ou Zezé) Biden.

Há-de chegar o tempo em que, pela mesma lógica, o Francisco actual passa a Chico, a Catarina deriva para Cati, o Rui passa a denominar-se Ruca e o António encolhe para Tó. Só Jerónimo continuará a ser Jerónimo, honra lhe seja.

Nos programas televisivos de comentário e debate tornou-se também moda tratarem-se todos por tu, como se tivessem sido colegas da primária ou costumassem jantar juntos. É outra importação "amaricana", neste caso facilitada pelo facto de no idioma dos States o "you" servir para toda a segunda pessoa, do singular e do plural, haja ou não tratamento familiar.

Isto serve igualmente para a forma como os partidos comunicam connosco. Numa destas manhãs ouvi na rádio alguém de uma agremiação política intitulada Volt dizer-me: «Vota em nós.» E há por aí propaganda partidária de todo o género que insiste em tratar-me por tu. Como se eu fosse muito lá de casa.

Mas não os conheço de parte alguma.

Debate a nove na RTP

Pedro Correia, 18.01.22

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ANTÓNIO COSTA (PS):

«Só a maioria absoluta garante a estabilidade durante quatro anos.»

«Desde que eu sou primeiro-ministro, pela primeira vez neste século Portugal cresceu acima da média europeia. Aproximámo-nos dos países mais ricos.»

«O PSD quer que o SNS deixe de ser tendencialmente gratuito e deseja que a classe média passe a pagar os cuidados de saúde.»

«Há uma proposta de maioria de governo, que é a do PS, e uma proposta da direita para uma política de desgoverno.»

 

RUI RIO (PSD):

«A probabilidade de haver uma maioria absoluta, seja do PS seja do PSD, é muito próxima de zero.»

«Queremos que os portugueses vivam efectivamente melhor e não criar a ilusão do momento.»

«Não há planeamento, não há organização, não há gestão. O dinheiro que lá está [no Serviço Nacional de Saúde] é muito mal gerido.»

«Nós precisamos de melhores serviços públicos, que foram completamente degradados pelo PS - degradaram as carreiras dos enfermeiros, dos médicos, dos professores, dos investigadores.»

 

CATARINA MARTINS (BE):

«Aqui não há uma escolha para primeiro-ministro. Aqui vota-se para um parlamento e a maioria determinará o que existe no dia seguinte.»

«É muito importante descer o IVA de algo tão fundamental como a electricidade.»

«Nós não podemos ter directores de serviço num hospital público que vão a correr trabalhar para o hospital privado que fica do outro lado da rua.»

«O PS, com a maioria absoluta que pede, quer deixar os problemas agudizarem-se - seja na saúde, seja nos salários, seja no trabalho.»

 

JOÃO OLIVEIRA (PCP):

«A estabilidade de qualquer governo não depende dos acordos nem dos papéis assinados.»

«O aumento geral dos salários, de todos os salários e não apenas do salário mínimo, é a grande solução de fundo.»

«A questão da valorização dos serviços públicos tem de ser uma prioridade em todas as áreas. Mas no SNS é uma questão crítica. É preciso contratar profissionais, é preciso garantir a valorização das carreiras.»

«Há soluções, há meios: eles têm é de ser mobilizados para o desenvolvimento da sociedade.»

 

FRANCISCO RODRIGUES DOS SANTOS (CDS):

«Há um elefante na sala: a possibilidade de um voto no PSD ir parar ao bolso de António Costa.»

«Os anos da geringonça conduziram Portugal a um aumento brutal da carga fiscal, ao aumento da dívida pública para 135% do PIB, à diminuição do rendimento disponível das famílias e ao aumento do índice da pobreza.»

«António Costa prometeu há seis anos médicos de família para todos os portugueses. A palavra dada não foi palavra honrada.»

«O voto no CDS serve para derrotar a maioria de esquerda no parlamento mas também para não fazer acordos com o PAN. Não haverá entendimento com um partido animalista radical que quer destruir o mundo rural.»

 

INÊS DE SOUSA REAL (PAN):

«A maioria absoluta ou um bloco central não servem os interesses do País.»

«Devemos taxar as actividades poluentes, criar uma taxa ambiental e acabar com as borlas fiscais de quem está a ter mais ganhos e ainda por cima polui.»

«Defendemos a reposição dos 25 dias de férias para que as pessoas possam ter mais tempo para a família e o lazer.»

«Quem respeita os animais vai votar PAN nas próximas eleições.»

 

ANDRÉ VENTURA (Chega):

«Os portugueses querem uma direita diferente, que não esteja sempre a tentar colocar-se nos ombros da esquerda.»

«A classe média em Portugal paga 35% de IRS. Isto tem de acabar, isto é um roubo.»

«O Bloco de Esquerda aprovou o Orçamento do Estado suplementar em 2020 que deu 900 milhões de euros para a TAP e 450 milhões para o SNS - ou seja, metade do que foi para a TAP. Muito bonito, da parte do BE...»

«Temos décadas de bandidos a roubar o nosso país. Décadas. É tempo de acabarmos com isso.»

 

JOÃO COTRIM FIGUEIREDO (IL):

«António Costa, com o aumento extraordinário aos pensionistas, está a tentar comprar o seu voto no imediato.»

«Portugal é o país da Europa Ocidental com o salário líquido mais baixo. Se alguém pode estar satisfeito com esta situação, nós não estamos.»

«Apesar de haver um sistema universal e tendencialmente gratuito, Portugal é um dos países da Europa em que as pessoas mais gastam do seu próprio bolso para a saúde: cerca de 34%. Isto não faz sentido e é um indicador de que o SNS não está a dar resposta.»

«António Costa quer salvar a TAP mas vai para Ponta Delgada na Ryanair.»

 

RUI TAVARES (Livre):

«Se houver uma maioria à esquerda, nós seremos parte da solução; se houver uma maioria à direita, nós seremos parte da oposição.»

«O Livre, em vez de prescindir de dois mil milhões de euros em fiscalidade do Estado, quer ir buscar os mais de dez mil milhões de euros que neste momento em evasão fiscal fogem todos os anos e que é possível recuperar.»

«Eu não troco o SNS, que nos deu - com o civismo dos portugueses - as maiores taxas de vacinação do mundo pelo serviço de saúde da Bulgária, que tem as piores taxas de vacinação da Europa.»

«A história impõe-nos uma agenda política cidadã a que a política tem de dar resposta.»

 

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Esta noite, na RTP, com moderação impecável de Carlos Daniel. Foi o melhor debate televisivo desta campanha eleitoral para as legislativas do dia 30. Pudemos ouvir os diferentes líder políticos falarem de vários temas. Com substância, pluralismo garantido e sem peixeiradas.

O debate mais importante

Pedro Correia, 14.01.22

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O que disse António Costa:

«O doutor Rui Rio preocupa-se muito com os números e isso foi-o tornando insensível às pessoas.»

«Se não tiver maioria absoluta não viro as costas aos portugueses, não viro as costas a Portugal.»

«Eu apresento-me a estas eleições não só com um programa de governo mas com um Orçamento do Estado para aprovar imediatamente a seguir ao governo entrar em funções.»

«170 mil famílias da classe média ficarão isentas do pagamento de IRS.»

«Pela primeira vez na nossa história, temos um nível de qualificação que começa a aproximar-se da média europeia.»

«Há uma necessidade nacional de reforçar a confiança dos cidadãos na justiça.»

«O programa do PSD é muito perigoso relativamente à justiça.»

«Faça um telefonema ao doutor Paulo Rangel para ele lhe explicar porque é que a Comissão Europeia abriu processos contra a Polónia e a Hungria.»

 

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O que disse Rui Rio:

«Todos queremos a maioria absoluta. Mas a probabilidade de termos maioria absoluta é muito próxima de zero.»

«O doutor António Costa não tem condições de reeditar a geringonça mesmo que seja o mais votado.»

«Se o PS ganhar teremos outro primeiro-ministro que não o doutor António Costa e aí tudo leva a crer que é o doutor Pedro Nuno Santos e aí teremos o Bloco de Esquerda mesmo dentro do governo e com ministros do BE.»

«Prioridade: criação de  riqueza. Depois, distribuição. Porque quero o futuro dos portugueses, não quero só o amanhã.»

«Desde 1995, o doutor António Costa teve cargos de responsabilidade em todos os governos do PS. Com António Guterres foi ministro dos Assuntos Parlamentares e ministro da Justiça, com José Sócrates foi ministro da Administração Interna e n.º 2 do governo, e agora é n.º1 do governo. Toda esta linha que foi seguida, que deu os resultados que nós sabemos, com Portugal na cauda da Europa, é a linha que vai continuar.»

«O doutor António Costa quer obter resultados diferentes com a mesma política que sempre seguiu.»

«Agora exibe o Orçamento do Estado para 2022, que a seguir à descoberta do caminho marítimo para a Índia deve ser a coisa mais importante que vai ficar na história de Portugal.»

«Há mais funcionários públicos do que havia e os serviços públicos estão muito pior.»

 

Esta noite, em simultâneo, nos três canais generalistas

E o nível, Senhor, o nível?

Sérgio de Almeida Correia, 13.01.22

35222448-1600x1067.jpg(Créditos: Lusa, daqui

Há dias, no DN, a propósito destes tempos de mediocridade em que vivemos, escrevia Jorge Costa Oliveira ser necessário que a “política tenha elevação e seriedade suficientes para que haja quem fale - e haja quem ouça - sobre os principais problemas que afligem a sociedade”, sendo por isso mesmo um disparate centrar uma campanha eleitoral (pré-campanha) em “debates de 25 minutos (!) em que nenhum problema relevante pode ser discutido seriamente”. Concluía referindo que actos “deste calibre de estupidez num timing histórico desastroso” raramente se terão visto.

Quando li não sei se fiquei totalmente de acordo com o que ali se registou. Mas as poucas dúvidas que ainda tinha, depois de ver as prestações de Costa, Rio, Martins, Sousa, Tavares, Figueiredo e Real, esperava perdê-las com o "debate" de ontem entre o líder do CDS-PP, Francisco Rodrigues dos Santos, vulgo “Chicão”, e o líder do Chega, André Ventura.

Verdade se diga que embora jamais esperasse que dali brotasse uma ideia, uma faísca que fosse, habituado como estava desde as suas primeiras intervenções a ouvir os chavões e as frases mal decoradas do “Chicão”, citando Ronald Reagan (sic), e os dichotes e recortes de jornais de Ventura, ambos recorrendo a um estilo algures entre a conversa de caserna com pretensões e a do arrieiro, nunca pensei que o diálogo acabasse por ser tão elevado e esclarecedor. 

Para vinte cinco minutos de “debate” foi obra (“mariquinhas”, “trauliteirazinha”, “agora já não falas de futebol”, “chorrilho de alarvidades”, “mete-os na tua casa”, “Ó Francisco, desculpa lá”, “cata-vento político”, “rei da bazófia”, “inimputável”, “fanático”, “populista”, “nojo é que você devia ter”, “fale disto com os seus amigos”, “fina flor do entulho”, “você é o primo sozinho”, “você é o primo do Salvini”, e por aí fora). Chicão e Ventura não podiam ser mais eloquentes. Fiquei siderado.

A conclusão que dali retiro é, assim, como aliás demonstrado pelos líderes do CDS-PP e do Chega, a que já esta semana foi aventada pelo singular Miguel Esteves Cardoso, e que àqueles partidos assenta que nem uma luva: “os pequenos partidos perdem personalidade e eficácia quando se tornam médios, até porque deixam de ser pessoas e passam a ser partidos”. 

O CDS-PP é hoje o “Chicão”, "o da barretina". O Chega é o Ventura, "o dos ciganos". Ambos lutam para ser partidos "médios". Não se percebe bem para quê. Seria bom que eles se mantivessem assim, pequenos, para não perderem energias a quererem crescer para médios. E, depois, para chegarem a grandes. É preciso evitar a todo o custo a sua descaracterização, porque quando pequenos é “pequeninos que eles se querem”.

O CDS-PP e o Chega bem que poderiam ficar como estão. Ou até mais pequenos. Minúsculos. Para não perderem “personalidade e eficácia”.

E quanto mais não seja para poderem manter o tempo de antena. E o nível do verbo. Isto é, a genuinidade do discurso vernacular que os afirma e garante audiência junto das claques desportivas, das estrebarias e das tabernas do país.

A importância de falar claro

Pedro Correia, 06.01.22

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«A esquerda atingiu um patamar tal de auto-suficiência que já só trata dos seus temas privativos. Por exemplo, o salário mínimo. O salário mínimo é uma preocupação da esquerda, uma questão nacional importante num país onde infelizmente demasiados dos nossos concidadãos auferem ao fim do mês o salário mínimo. Mas nunca há um momento em que digam: "Porque é que o salário mínimo é este?"

Esta é a questão essencial da vida portuguesa. Estão no atira-culpas sem perguntarem por que o salário mínimo não atingiu valores que a economia portuguesa não pode pagar. Nunca há uma oportunidade para se discutir esta questão. Porque é que temos uma economia que não permite pagar um salário mínimo decente? Porque é que temos uma economia que põe um terço dos trabalhadores a receberem o salário mínimo?

Este tema nunca atravessa o debate. Parece um leilão de bondades. Como se não existisse uma coisa chamada realidade. E como se não existisse uma realidade chamada economia portuguesa. Isto é absolutamente espantoso.

Já no debate [de António Costa] com Rui Tavares era a mesma coisa: "Porque é que não somos a Suécia?" Mas é preciso explicar porque é que não somos a Suécia? Primeiro, porque o modelo dos comunistas, sejam eles do PCP, do Bloco de Esquerda ou do Livre, nunca foi a Suécia social-democrata. Nunca foi. Em segundo lugar porque em Portugal, infelizmente, temos entre metade e um terço da Suécia. Mas nestes debates da esquerda o tema da economia portuguesa, no seu modesto desempenho comparativo, nunca consegue encontrar caminho.»

 

Sérgio Sousa Pinto, deputado do PS, na CNNP (terça-feira)

Debates televisivos de hoje

jpt, 05.01.22

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Debate PSD-BE: de súbito a coordenadora Martins vira-se para o presidente Rio e diz-lhe "o PSD ainda não apresentou um programa eleitoral". Desato-me a rir: um partido como o PSD avança para a campanha e seus debates sem ter um programa pronto!!! Mau demais para ser verdade. Um descalabro.

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Debate IL-CDS: Uma peixeirada entre betos - o miúdo do CDS chega a disparar "você [este "você" ordinário, agora habitual entre os que ascenderam no "elevador social"] é muito moderninho". Depois disto espero que terminem as críticas à postura do prof. Ventura nos debates televisivos.

Presidenciais (1)

Pedro Correia, 07.01.21

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DEBATE MARCELO-VENTURA

André Ventura teve ontem direito ao seu momento Basílio Horta. Confrontando o poderoso e popular Chefe do Estado que se recandidata a mais cinco anos como inquilino do Palácio de Belém.

O fio do tempo segue percursos sinuosos. Herdeiro espiritual de Basílio em eleições presidenciais, Ventura só tinha oito anos quando o fundador e primeiro secretário-geral do CDS concorreu à Presidência da República com um feroz discurso da direita "fracturante". Culminado num célebre frente-a-frente com Mário Soares nessa campanha presidencial de 1991. A notícia foi ele, por ter afrontado o recandidato apoiado pelos dois partidos maioritários, PSD e PS. 

Destronar Soares - ou sequer forçá-lo a disputar uma segunda volta - parecia tarefa impossível. E era mesmo: o Presidente recandidato obteve 70,4% nas urnas, esmagando Basílio, que se contentou com 14,2%.

 

O curioso, nesta vida política portuguesa pautada pela falta de memória, é assistirmos a repetições que parecem novidade aos incautos. Ontem, no debate entre André Ventura e Marcelo Rebelo de Sousa na SIC, o deputado único do Chega esteve para o seu adversário como a réplica exacta de Basílio naquele frente-a-frente de 1991. A mesma fluência verbal, a mesma repetição de frases sincopadas e façanhudas, a mesma invocação da "verdadeira direita" - de músculo forte, em desprezo absoluto pelos fracos.

Com simetria quase perfeita. Na altura, Soares era acusado à direita do PSD de contemporizar em excesso com o Executivo de Cavaco Silva, tal como Sousa agora recebe farpas pela sua excessiva aproximação ao Governo de António Costa. 

 

Faltava quem corporizasse tal causa. Coube o turno a Ventura, que se apresentou em estúdio com duas fotografias: na primeira via-se o Presidente com várias pessoas, incluindo um presumível delinquente; na segunda, datada de Junho de 2017, com Marcelo junto a um senhor já falecido, na altura em pranto por ter perdido os bens na catástrofe de Pedrógão.

Houve um tempo, neste país, em que os mortos também votavam. Agora servem para caçar votos, quando todos os meios se tornam lícitos para atingir os fins. Talvez nem o arguto Marcelo esperasse tal estocada: fez bem, de qualquer modo, em não trocar cromos com Ventura. Se o fizesse, poderia mostrar imagens enternecedoras da criatura junto ao criador, Luís Filipe Vieira, que iniciou Ventura nas lides televisivas como seu fiel discípulo no canal do Benfica. 

 

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O inquilino de Belém optou inicialmente pela via pedagógica, estabelecendo diferenças entre a «direita social», a que ele pertence, e «a direita securitária, a direita do medo», corporizada no antigo comentador de futebol. 

Estabeleceu fronteiras em matéria de valores. Considerando inaceitável, por exemplo, que alguém tente reintroduzir penas perpétuas em Portugal.

Ventura deu-lhe réplica, bem ao seu estilo: «Eu não vou ser Presidente dos traficantes de droga, dos pedófilos, dos que vivem à custa do Estado com esquemas de sobrevivência paralelos enquanto os portugueses de bem pagam os seus impostos.» E garantiu que a prisão perpétua vigora na maioria dos países da Europa. É falso, mas o timoneiro do Chega sente alergia aos factos quando atrapalham a sua narrativa.

 

Em 1991 Basílio conseguiu irritar Soares, que entrou em estúdio com ar pachorrento. Ventura seguiu idêntico guião em 2021: a gota de água, para que Marcelo abandonasse o terreno da amabilidade, foi a exibição da fotografia com o senhor já falecido, entre crescentes insinuações acerca da indiferença presidencial perante a tragédia dos incêndios florestais.

«Se há exemplo de doação minha integral é o dos fogos. Os portugueses lembram-se. Eu estive lá! Eu estive lá! Eu estive lá! Não estiveram muitos políticos, mas eu estive lá!» E, sem desviar os olhos de Ventura: «O senhor andou lá? Foi lá ver? É uma demagogia barata.»

 

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Naquele instante, o seu antagonista cumpriu um desígnio táctico: conseguira que Marcelo perdesse a compostura presidencial. Imagino Basílio a sentir o mesmo perante Soares há 30 anos, ao desfiar-lhe o novelo dos escândalos de Macau.

Mas o candidato do Chega, dominado pela vertigem da velocidade, não se satisfaz com pouco. Pisou ainda mais o acelerador acusando Marcelo de ser «manipulado pelo Governo»

Seguiu-se este breve diálogo, com o Presidente à defesa:

- Fiz o discurso mais violento que houve contra o Governo.

- E consequências disso?

- A ministra da Administração Interna pediu a demissão imediatamente.

 

O comentador Marcelo apenas cerebral, destituído de emoções e afastado do palco da política, teria aconselhado o recandidato a não ir por aí: exonerar ministros recorrendo a discursos não integra o rol de competências do Presidente da República. Nem a revelar o conteúdo das conversas que trava com os seus convidados no Palácio de Belém, como Rebelo de Sousa fez já no final do frente-a-frente: nestas coisas convém nunca abrir precedentes, sejam quais forem os estados de alma do titular do cargo.

De qualquer modo, Ventura só venceria o debate - muito bem moderado por Clara de Sousa - se aquilo fosse um concurso de frases sonantes. Para azar dele, a política é muito mais que isso.

Nesta campanha, o solitário parlamentar do Chega apenas triunfará se forçar Marcelo a uma segunda volta. À falta disso, resta-lhe um prémio de consolação: conquista o Troféu Basílio Horta. 

 

Aos mais distraídos, convém recordar que o candidato da "verdadeira direita" nas presidenciais de 1991 é hoje presidente da Câmara de Sintra, eleito pelo Partido Socialista. 

A vida dá muitas voltas. E a geometria partidária também.

 

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Frases do debate:

 

Marcelo  - «Eu sou da direita social, centro-direita, direita social, que se reconhece na doutrina social da Igreja, no Papa Francisco, na preferência pelos pobres, pelos explorados, pelos oprimidos, pelos dependentes.»

Ventura  - «Eu só posso ficar desapontado, à direita, com a candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa.»

Marcelo - «Eu não faço das presidenciais umas primárias das legislativas, eu não tenho várias agendas ao mesmo tempo.»

Ventura - «[Marcelo] passou os últimos anos a desacreditar o centro-direita.»

Marcelo - «Eu sou Presidente de todos os portugueses. Dos desempregados, dos pobres, dos imigrantes.»

Ventura - «Marcelo Rebelo de Sousa é manipulado pelo Governo.»

Marcelo - «Eu não tenho nada a ver com a sua direita.»

Ventura - «Será que alguém de direita, que esteja bom da cabeça, pode votar Marcelo Rebelo de Sousa?»

Debate e cidadania

José Meireles Graça, 28.09.20

Bruno Alves, proprietário de uma excelente cabeça, disse numa rede, a propósito de um debate sobre a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento: “De um lado, o pessoal achou que Oliveira ‘destruiu’, ‘humilhou’, ‘arrasou’, ‘arrumou’, ‘limpou’ ou ‘deixou KO’ Sousa Pinto. Do outro, a conclusão foi de que Sousa Pinto ‘destruiu’, ‘humilhou’, ‘arrasou’, ‘arrumou’, ‘limpou’ ou ‘deixou KO’ Oliveira. O que só quer dizer que ficou demonstrada a absoluta inutilidade do debate político”.

Foi realmente assim, confirmo. Mas não subscrevo a ideia da inutilidade: quando o assunto se presta a diferenças nítidas esquerda/direita, e se não houver um patente desnível da capacidade argumentativa dos debatedores, o normal é que cada um veja como campeão aquele cujas ideias subscreve. Isto justificaria realmente que todos os debates desta natureza fossem inúteis se não se desse o caso de as ideias que as pessoas têm sobre a forma como o Estado deve intervir na vida dos cidadãos evoluírem.

Evoluem, sim. Tanto que todos conhecemos pessoas que se deslocaram para a direita do espectro, defendendo hoje o que antes censuravam, e, ao contrário, pessoas que se deslocaram para a esquerda, perdendo a capacidade de detectar tolices.

O próprio Daniel Oliveira é um exemplo disso, tanto que no seu extenso percurso político já esteve muito mais à esquerda. E gente incuravelmente optimista como eu, que simpatizo com o homem, vai a ponto de imaginar que, se a esperança média de vida estivesse nos 120 anos, aquele ilustre comentador da Sic ainda podia bem acabar em liberal.

Os debates fazem parte deste lento processo de alquimia: em sólidos edifícios de certezas um dia um argumento pode abrir uma fenda imperceptível; mais à frente a fenda pode evoluir para uma brecha; e um belo dia já há uma cratera e o habitante muda de poiso. Um debate não chega e, nesse sentido, é inútil; são necessários muitos, e são portanto essenciais.

O Bruno sabe bem disto. Irritou-se foi com a acrimónia, que realmente era dispensável, ainda que por mim ache que o que se perdeu em civilidade se ganhou em sinceridade. E se lá estivesse ainda era pior porque nem sequer entendo, como Sérgio, que o programa da disciplina devesse ser outro, mas antes que nem sequer deveria existir, ao menos sob a forma obrigatória. E a indignação moralista de Daniel, que guardou do Bloco aquele tique de depositário de uma superioridade moral que imagina ser atributo daquela seita tresloucada que ajudou a fundar, convenhamos: faz perder a cabeça a um santo.

Não vou juntar o meu arrazoado ao que inúmeros (desde logo os dois contendores, ambos em artigos no Expresso) já disseram: quem quiser que vá ler, além deles, o que escreveram, por exemplo, António Barreto ou Mário Pinto.

Somente chamo a atenção para este facto que, por demasiado óbvio, passa despercebido: quase toda as pessoas de direita são contra esta Cidadania e Desenvolvimento; e quase todas as de esquerda são a favor.

O que significa que, a mim, não me passa pela cabeça educar os filhos de Daniel. Se, por exemplo, o bom do intelectual quiser oferecer às netinhas carrinhos e não bonecas, não vá as prendinhas inculcarem nos tenros espíritos das meninas ideias preconcebidas sob géneros, por mim faz favor; mas já vejo com maus olhos que a escola diga à minha neta que, se o vovô lhe deu bonecas e não carrinhos, fez muito mal porque o paizinho tem tanta obrigação de cuidar dos filhos como a mãezinha.

Talvez tenha. Mas isso é um assunto nosso – não de Daniel, nem da escola, nem do legislador.

E então, este Sérgio, deputado socialista, ou, já agora, António Barreto, são de direita? Não. Apenas têm a ideia peregrina de que, no combate das ideias, é um golpe baixo formatar os filhos de uns nas ideias dos pais de outros. Ou pelo menos é assim que interpreto. Mas, lá está, não sou um espectador isento.

O debate

José Meireles Graça, 22.09.20

O deputado da Iniciativa Liberal debateu na SicN sobre a taxa única de IRS com um ex-deputado do Bloco, um expatriado  que se juntou aos portugueses que, com trânsfugas de outras nacionalidades, fingem que deputam no Parlamento Europeu.

O assunto não tem nem de longe tanto interesse como as mamas de Cristina Ferreira, que ultimamente têm uma preocupante tendência para crescer, nem muito menos a mais recente tolice de um governo qualquer, ou do nosso, para fechar a porta à Covid, o fantasma que não vai matar quase ninguém, enquanto os residentes que não morrem de doenças sérias não tratadas, fome ou exaustão, criam dívidas que julgam que não vão pagar.

Mas um partido político tem de ter bandeiras. E esta, a da taxa única, não tem nenhuma hipótese de ser desfraldada no alto de uma colina de preconceitos, o que não quer dizer que não valha a pena agitá-la – todas as bandeiras vencedoras hoje já foram vencidas no passado.

O tal ex-deputado do Bloco, de nome Gusmão, recita a vulgata da seita, que no caso consiste em dizer que muitos poupam 50 euros (esqueceu-se com admirável manha de esclarecer que seria por mês) enquanto uns poucos, os ricos, guardam milhares que não lhes fazem falta; que isto criaria um buraco nas contas públicas que só poderia ser tapado com cortes no SNS e no ensino público; e que nos países mais desenvolvidos (começou por dizer com aquela lata mentirosa de que os adeptos de Frei Anacleto Louçã e Soror Mariana detêm o segredo que era em todos os da UE, depois centrou-se na Holanda como o farol que, nesta matéria, deveríamos seguir) havia várias taxas de IRS, a mais gravosa sempre altíssima.

Cotrim Figueiredo, com serenidade, rebateu as indignações daquele pai dos pobres. Não disse tudo o que poderia ter dito (por exemplo, ficou por referir que a comparação de taxas sem referir os montantes a partir dos quais se aplicam significa que em Portugal se considera rico, para o efeito de o acabrunhar com impostos, quem é apenas remediado) mas nem houve tempo nem é possível dizer tudo sobre uma matéria complexa, e um debate velho, onde a cada argumento de um lado cabe um argumento do outro, quase sempre ficando de fora os pressupostos de cada trincheira.

Que pressupostos são esses? Do lado do indignado, são a superioridade moral (ele defende os pobres, o opositor os ricos), que é recorrente na esquerda em geral e aparece no Bloco dobrada em raiva virtuosa; a concepção da economia como um jogo de soma nula, isto é, em que as perdas de uns são os ganhos de outros; a ideia de que o investimento, e a gestão, públicos, são equivalentes no desempenho ao investimento e gestão privados; e a opinião de que a igualdade material entre os cidadãos é um bem em si, que não carece de demonstração por ser uma verdade axiomática.

Claro que não há qualquer superioridade moral da esquerda em geral, muito menos de um moço de aspecto piolhoso com os olhos coruscantes de ódio aos ricos, debitando argumentos serventuários de uma trombeteada generosidade e uma oculta inveja; na economia que cresce pouco ou nada, como foi o caso durante a maior parte da história da humanidade, os ganhos de uns eram efectivamente as perdas de outros, mas deixou de ser necessariamente assim desde fins do séc. XVIII; se a gestão privada fosse igual à pública, a nacionalização dos meios de produção não teria produzido, como invariavelmente produziu, sociedades de generalizada carência; e é preciso uma grande dose de cegueira para não ver que os países que nos vêm ultrapassando na hierarquia dos rendimentos por cabeça têm muitas coisas que nos faltam, uma delas sendo a competitividade e a simplicidade fiscais – a igualdade, ou melhor, a obsessão igualitarista, não faz parte desse lote.

Gusmão, estás por fora, meu chapa, a única coisa que contigo pode progredir é o retrocesso. Que poderias ter dito ao teu opositor que enriquecesse o debate? Algumas reflexões, dentro dos pressupostos dele que, já se vê, tem paciência, são os bons: que a fiscalidade simples e modesta, em vez de complicada e rapace, é adjuvante do crescimento, mas que há um tempo de espera que não é seguro que as nossas calamitosas contas públicas possam suportar. Pelo que começar pela reforma do IRC talvez fosse mais judicioso; que o nosso Estado gordo é uma mochila demasiado pesada para um viajante que quer andar mais depressa do que os outros, pelo que a reforma de que toda a gente fala ou implica extinções de serviços espúrios ou não é reforma; e que o Estado de Direito é para valer em todos os domínios, e que portanto a inversão do ónus da prova em matéria fiscal, os poderes inquisitoriais de uma casta de funcionários inimputáveis pagos com prémios pelos seus abusos são perversões a eliminar como condição prévia a qualquer reforma fiscal.

Isto e muitas outras coisas. Que talvez vejam a luz do dia quando houver uma quarta falência, ou o eleitorado descobrir que já só tem atrás de si a Albânia, ou, ou.

Até lá, alguém tem de manter acesa a chama do senso, do realismo e da esperança. Foi só por um quarto de hora? Ora, na Venezuela que Gusmão estima nem isso têm.

Fora da caixa (19)

Pedro Correia, 01.10.19

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«Temos de libertar a comunicação social da tutela dos partidos políticos, sobretudo do cartel de partidos políticos dominantes na Assembleia da República.»

António Marinho Pinto, do Partido Democrático Republicano (ontem, na RTP) 

 

A RTP cumpriu ontem a sua vocação de serviço público. Dando voz aos chamados "pequenos partidos" que concorrem à eleição do próximo dia 6.

Eram 15, no total: recorde absoluto em debates deste género. Nada fácil de conduzir, numa emissão que durou mais de duas horas e esteve a cargo da jornalista Maria Flor Pedroso.

Uma emissão verdadeiramente democrática. Que juntou candidatos da extrema-direita (como José Pinto Coelho, do PNR) e da extrema-esquerda (como Cidália Guerreiro, do MRPP). Que pôs o antigo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes (em representação da Aliança) ao lado do antigo calceteiro Tino de Rans (do novo partido RIR).

É vergonhoso que os canais privados de televisão - infestados de doutos comentadores que lançam anátemas ao sistema político e costumam criticar a perpetuação dos mesmos protagonistas na cena partidária portuguesa - tenham abdicado de organizar debates com partidos que não estão representados na Assembleia da República.

Apostar só no consagrado é assumir uma opção editorial de vistas curtas. E com manifesta falta de sensibilidade democrática. Lamento que Ricardo Costa (da SIC), Sérgio Figueiredo (da TVI) e Octávio Ribeiro (da CMTV) tenham sido incapazes de dar voz aos que falam e pensam de modo diferente. Ao menos por uma vez em quatro anos.

Fossem estes candidatos jogadores de futebol ou treinadores da bola e teriam todo o tempo e todo o espaço nos canais que aqueles jornalistas dirigem. Dá que pensar. Depois não venham pregar-nos sermões sobre défice democrático. Poupem-nos, ao menos, a tamanha hipocrisia.

Há vida para além da bola

Pedro Correia, 17.09.19

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Debate Costa-Rio foi ontem acompanhado por 2,7 milhões de telespectadores. Demonstração clara de que as pessoas se interessam por política. E só não acompanham mais porque os canais de televisão pouco mais têm para oferecer do que telenovelas e futebol. Aliás, à hora do debate, um dos putativos canais de "notícias" dava destaque... à bola.

 

Foram estes os outros debates com maior audiência:

Costa-Sousa (SIC) - 1,1 milhões de espectadores

Costa-Silva (SIC) - 1,065 milhões de espectadores

Costa-Cristas (TVI) - 935 mil espectadores

 

Costa lidera, portanto - não só nas sondagens, mas também nos debates.

O menos visto? Martins-Silva, na SIC Notícias, apenas com 68.100 espectadores.

Fora da caixa (9)

Pedro Correia, 17.09.19

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«Estamos a viver num período de desaceleração geral de grande parte das economias europeias

António Costa, no debate com Rui Rio (ontem)

 

Rui Rio venceu esta noite o mais badalado debate da campanha eleitoral em curso. Teve a tarefa facilitada: em vez de lhe surgir um "animal feroz", para usar uma expressão popularizada por um antigo líder do PS, saiu-lhe um bonzo propenso à beatitude. António Costa, embalado por todas as sondagens, entrou em estúdio com ar de quem passara parte da tarde a dormir uma boa sesta. Faltava-lhe ânimo para uma refrega. E, sobretudo, faltava-lhe motivação: Rio anda há quase dois anos a dizer que o seu principal desígnio estratégico é tirar o Bloco de Esquerda da área da governação e rubricar grandes pactos de regime com o PS. Música para os ouvidos socialistas.

O presidente do PSD seguramente não se encostou ao travesseiro durante a tarde. Na mais recôndita parcela do seu instinto político deve ter soado enfim uma campainha de alarme: se desperdiçasse o tempo de antena proporcionado por este debate - transmitido em simultâneo por três canais de televisão - podia desde já fazer as malas, de regresso definitivo ao suave aconchego doméstico do seu Alto Minho.

Decidiu, portanto, ser combativo. E fez bem: assim o que resta da campanha promete tornar-se menos desinteressante. Naquele seu estilo peculiar de quem parece sempre um recém-chegado à política, apesar de não lhe ser conhecida outra actividade relevante nos últimos 35 anos, Rio falou de coisas concretas. Dos novos salários dos magistrados, em chocante disparidade com os dos professores. Da queda sem precedentes do investimento estatal, sujeito às cativações do ministro Centeno. Da enorme degradação dos serviços públicos. Da carga fiscal que não cessa de aumentar. Da actual execução orçamental na saúde, inferior à registada nos duros anos da tróica. Dos 330 mil portugueses que abandonaram o País nesta legislatura, num silencioso êxodo que noutros tempos daria notícias de abertura nos telejornais.

Bastou-lhe isto para sobrepor-se num debate ao qual chegou com expectativas pouco acima do zero, dadas as suas prestações anteriores e o seu insólito hábito de gastar energias a combater jornalistas e empresas de sondagens em vez de dar luta aos rivais políticos.

O bonzo, à sua frente, parecia surpreendido com o assomo de protagonismo de quem até aí só lhe merecera um aceno de condescendência, não isento de comiseração. A dado passo, terá até sentido um vago impulso de se sujeitar ao confronto verbal. Mas a inércia levou a melhor. Picou o ponto, debitou os chavões da praxe («devolvemos rendimentos», «temos contas certas», etc.), foi advertindo a massa ignara para a «desaceleração» que está prestes a chegar - quase como se falasse no diabo - e deu-se por satisfeito com a sofrível prestação. «Poucochinho», diria ele se estivéssemos em 2014. Falando não de si próprio, mas de outro.

Esta tarde - sou capaz de apostar - volta a dormir uma boa sesta outra vez.

Europeias (3)

Pedro Correia, 08.05.19

 

 

 MAIS SETE

 

A SIC - em tempo parcial - e a SIC Notícias - a tempo inteiro - fizeram hoje serviço público ao trazerem a debate sete cabeças de lista de partidos e coligações que se apresentam às eleições europeias de 26 de Maio e não dispõem hoje de qualquer representante no Parlamento Europeu.

De fora ficaram não apenas os seis que já tinham participado no debate anterior, aqui comentado, mas outros quatro, que não surgirão em debate algum, em obediência a um critério editorial enunciado pelo moderador, Bento Rodrigues: dar voz às quatro forças políticas que se apresentam  agora sem ter concorrido há cinco anos (Aliança, Basta, Livre e Nós, Cidadãos) e aos três partidos que nas anteriores europeias tinham conseguido mais de 1% nas urnas embora sem elegerem eurodeputados (Livre, MRPP e PAN).

É um critério discutível, mas claro e assumido pela estação. Assim compareceram esta noite no estúdio da SIC os candidatos André Ventura (Basta), Paulo Morais (Nós, Cidadãos), Paulo Sande (Aliança), Francisco Guerreiro (PAN), Luís Júdice (MRPP), Ricardo Arroja (Iniciativa Liberal) e Rui Tavares (Livre). Os três primeiros engravatados, os outros quatro de colarinho aberto. E o representante do MRPP apenas em camisa: o casaco ficou em casa.

Bento Rodrigues, tal como no debate anterior, mostrou-se bem preparado. Mas voltou a revelar excessiva preocupação na cronometagem das intervenções, interrompendo demasiadas vezes os candidatos. Precisamente na mesma estação de televisão onde noite após noite ouvimos vários comentadores a falarem horas seguidas sobre futebol sem serem interrompidos, o que não deixa de ser irónico. E tanta pressa afinal para quê? Adivinharam: para dar lugar a um desses comentadores de bola, por sinal aquele que dispõe de mais tempo de antena na estação sem que ninguém lhe trave a ladainha.

Fica o registo sumário da prestação dos sete. Um por um.

 

ANDRÉ VENTURA (Basta)

O melhor. Aproveitou quase todas as intervenções para defender a redução da carga fiscal.

O pior. Não rejeitou o rótulo de extrema-direita.

Palavra-chave. Segurança.

Frase. «Temos que ter um controlo sério, não pode ser a bandalheira a que assistimos hoje: entra qualquer pessoa [em Portugal], de qualquer forma.»

 

FRANCISCO GUERREIRO (PAN)

O melhor. Saiu em defesa do reforço da independência energética.

O pior. Falou em «trazer os jovens para a política» sem especificar como.

Palavra-chave. Animais.

Frase. «Na questão dos refugiados temos que ter uma especial atenção com as comunidades LGBT.»

 

LUÍS JÚDICE (MRPP)

O melhor. Falou sem ambiguidades: quer ver Portugal fora da União Europeia e do euro.

O pior. Defende que não devemos pagar a dívida externa: quem nos emprestou dinheiro não receberia um tostão de volta.

Palavra-chave. Soberania.

Frase. «Um país sem moeda não é soberano.»

 

PAULO MORAIS (Nós, Cidadãos)

O melhor. Lembrou «o grande carrossel da corrupção» registado durante duas décadas em Portugal com os fundos sociais europeus, que foram parar onde não deviam.

O pior. Quem ignora o que é o Nós, Cidadãos ficou a saber o mesmo sobre este partido: nada.

Palavra-chave. Transparência.

Frase. «Ao fim de 33 anos, continuamos na cauda da Europa.»

 

PAULO SANDE (Aliança)

O melhor. Afirmou-se liberal, sem rodeios nem rodriguinhos.

O pior. Falou duas vezes em «mandato negociado», conceito que poucos terão abarcado.

Palavra-chave. Coesão.

Frase. «Temos de recuperar Bruxelas para Portugal.»

 

RICARDO ARROJA (Iniciativa Liberal)

O melhor. Falou para as novas gerações em defesa do voto electrónico e das novas tecnologias, que possibilitem «um mercado comum de serviços digitais.»

O pior. Mencionou algumas siglas europeias sem as descodificar.

Palavra-chave. Escolha.

Frase. «Os fundos europeus não devem servir para alimentar subsidiodependências.»

 

RUI TAVARES (Livre)

O melhor. Pronunciou-se sobre o combate à criminalidade organizada e advogou um plano europeu de combate à pobreza.

O pior. Sendo um dissidente do BE, deixou sem explicar em que se distingue afinal deste partido.

Palavra-chave. Democratização.

Frase. «A deputada Ana Gomes, que vai agora encerrar uma carreira brilhante no Parlamento Europeu, disse que queria que eu fosse o ponta-de-lança dela no Parlamento Europeu.»