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O receio de Afonso Henriques
Um caso de herança
Os livros por trás das Rapidinhas
A importância do arcebispo de Braga
Anulação de casamentos
Acusação de infiel não faz sentido
Acusada de incesto, mas não pelo que se julga.
D. Teresa - solução temporária
Península Ibérica - um caso único na Europa Medieval
D. Teresa e D. Afonso Henriques - uma família tradicional?
Permitam-me a divulgação:
Os meus agradecimentos e parabéns à Câmara Municipal de Viseu.
«Em Portugal, houve nas últimas décadas uma explosão de investigações que alargou imenso as temáticas (…) Sabemos hoje muito mais sobre o que aconteceu no território que veio a tornar-se Portugal, e sobre o reino português, do que há 25 anos, e de uma forma mais plural» - palavras da historiadora Maria de Lurdes Rosa, na entrevista que serve de introdução a este especial Visão História.
A publicação cumpre aquilo que a historiadora nos promete. Abrange toda a época medieval (do século V ao XV), dando-nos informações sobre aspectos normalmente desprezados pela nossa História, mas essenciais para entendermos a formação de Portugal e as raízes do nosso povo, como a época dos reinos Suevo e Visigodo e a era islâmica, bem mais diversificada do que aquilo que nos fizeram crer, durante séculos. Além disso, apresenta artigos sobre a vida dos camponeses, os mesteres, a organização da sociedade, as finanças, o ensino, a cultura, a literatura, etc. Porque estudar a História não é apenas decorar datas e nomes de reis, batalhas e guerras.
E, no entanto, "não há bela sem senão". O artigo sobre D. Afonso Henriques, cheio de incongruências, não possui o nível qualitativo das outras contribuições. Para começar, o autor, Luís Almeida Martins, diz-nos que o «político e jurista Diogo Freitas do Amaral (…) deu em 2006 à estampa o livro D. Afonso Henriques - Biografia». Na verdade, esse livro é seis anos mais velho, foi publicado, pela primeira vez, no ano 2000, pela Bertrand Editora. Mais à frente, D. Teresa surge como sendo galega, quando não se sabe ao certo onde nasceu, embora se considere ter sido leonesa. Aponta-se o castelo leonês de Ulver, situado nos montes do Bierzo, como local do seu nascimento. Luís Almeida Martins diz-nos ainda haver uma lenda que diz ser D. Afonso Henriques filho de Egas Moniz, ou seja, o nosso primeiro rei teria sido fruto dos amores ilícitos de D. Teresa com o fidalgo de Ribadouro! Ora, a lenda não fala de “amores ilícitos”. O pequeno Afonso teria nascido aleijado das pernas e D. Egas Moniz, encarregado da sua educação, resolveu trocá-lo, ainda bebé, por um filho seu da mesma idade. Neste caso, a mãe nunca poderia ser D. Teresa! E, para dar mais um exemplo da falta de cuidado na escrita deste capítulo, atente-se à seguinte passagem: «já com 60 anos, D. Afonso Henriques (…) tentou apoderar-se de Badajoz. Ali, teve de lutar contra mouros e leoneses, acabando prisioneiro de Afonso VII (…) Acabaria por ser libertado pelo primo em troca de uma faixa de terreno na Galiza». Na verdade, quando o nosso primeiro rei atacou Badajoz, em 1169, o seu primo estava já morto há doze anos! Quem o fez prisioneiro foi Fernando II de Leão, filho do dito Afonso VII. E, diga-se de passagem, genro do próprio Afonso Henriques.
Tenho ainda uma crítica a fazer a este especial Visão História: falta um artigo dedicado a D. Teresa! Ela aparece-nos em vários momentos, incluindo um capítulo intitulado Ser Rainha, no meio de, por exemplo, D. Mafalda de Saboia, D. Isabel ou D. Filipa de Lencastre. D. Teresa não se enquadra, porém, neste contexto. Ela não se limitou a ser esposa de um rei (até porque foi casada com um conde); ela regeu sozinha sobre o condado Portucalense durante dezasseis anos. D. Henrique continua a ter mais destaque do que ela. Mas, como eu já aqui referi no Delito de Opinião, D. Teresa marcou indubitavelmente a independência em relação a sua meia-irmã D. Urraca, a única herdeira do imperador Afonso VI. Recusou-se terminantemente a prestar-lhe vassalagem, assim como ao sobrinho (depois da morte de D. Urraca em 1126). Ou seja: muito mais do que o conde D. Henrique, ela foi a preparadora do caminho que seu filho haveria de percorrer.
Pelos vistos, e apesar do avanço do estudo histórico, D. Teresa ainda é limitada à adúltera, a quem o filho teve de pôr na ordem. E, não contentes com os irmãos de Trava, ainda lhe querem impingir outro amante, o próprio Egas Moniz! Haja paciência!
Estátua da rainha D. Teresa, em Ponte de Lima
- Acaso achais que haja alguém que sofra mais do que eu com o rumo que nossas vidas tomaram? Desejo a paz. Desejo o melhor para a minha família e para a minha terra, as duas cousas que mais amo. E é em nome desses amores, pelo seu bem-estar, que vos peço que intercedais junto do papa, a fim de anular o matrimónio de Fernando Peres de Trava com Sancha Gonçalves.
Ergueu as sobrancelhas em grande espanto:
- Anular o matrimónio de D. Fernando? A que propósito?
- Pensei que o motivo era inquestionável. Carrego o fruto da minha união com o filho do conde de Trava e não desejo continuar a viver em pecado. D. Fernando e eu pretendemos casar. E seria do interesse de todos que a situação se regularizasse.
- Não desejais viver em pecado? Pois deveríeis haver pensado nisso antes de pecar!
- D. Paio Mendes, somos as duas maiores instâncias deste condado. Não ajamos como se fôsseis vós um pároco de aldeia e eu uma lavadeira que se deixou encantar pelas palavras de um mancebo de estrebaria! Está em causa a nossa terra, que herdei de meu pai. Pretendo engrandecê-la e só o poderei fazer se remarmos todos juntos.
- Estais à espera que eu, os bispos e os barões pactuemos com mancebia e incesto? A vingança de Deus cairá sobre vós, D. Teresa. E o castigo será gigantesco!
Engoli em seco, como que prevendo as desgraças que estavam para vir. Recusei-me, porém, a mostrar fraqueza:
- Tal não sucederá, D. Paio, se vós derdes ouvidos a vossa rainha e tudo fizerdes para que ela possa desposar o pai de seu futuro filho.
- Não se pode usar o poder da Santa Igreja a seu bel-prazer, minha senhora, lavando pecados mortais, apagando-os como se não houvessem existido!
- Não me façais rir, arcebispo! Bem sabeis que a Igreja anula matrimónios a pedido de reis e príncipes, a fim de legitimar bastardos, ou repudiar esposas incómodas e estéreis. A vossa Igreja não se escusa a pactuar com os tais pecados que referistes, quando se trata de homens!
- Ensandecestes, D. Teresa? Quereis vós, herdeira da Eva pecadora e tentadora, medir-vos com os excelsos varões deste mundo?
Este diálogo não passa de ficção, mas foi escrito a fim de realçar as dificuldades enfrentadas por D. Teresa apenas por ser mulher. Já sei, vão acusar-me de anacronismo, que a mentalidade daquele tempo era essa, etc. e tal. Acontece, porém, que D. Teresa foi muito maltratada pela História, ao longo dos séculos. Nos últimos vinte anos, tem-se vindo enfim a recuperar a sua imagem, mas enfrentando a resistência de muitos, isso sim, verdadeiro anacronismo.
Desde sempre se convencionou considerar D. Afonso Henriques o sucessor de seu pai, continuando a sua obra, como se os dezasseis anos em que D. Teresa esteve à frente do condado Portucalense não existissem. Ela é considerada um acidente de percurso, uma mulher promíscua, que queria “vender” o condado aos galegos. Valeu-nos ter um filho justiceiro, que pôs tudo em ordem e recuperou o bom nome do pai.
Na verdade, D. Afonso Henriques continuou mais a obra da mãe do que do pai. D. Teresa fez muito mais pela independência de Portugal do que o marido, ao recusar aceitar sua meia-irmã D. Urraca como a única herdeira do pai de ambas. D. Teresa insistiu na divisão da herança: Leão e Castela para a irmã, Galiza e Portucale para ela. E a sua luta deu frutos, colhidos pelo filho que, afinal, não era tão avesso à ideia de juntar Galiza a Portucale, pois, assim que assumiu o poder, andou, durante cinco anos, a tentar conquistar territórios galegos. Se nos guiarmos pelas fontes históricas, em vez de por preconceitos e lendas medievais, constatamos que D. Afonso Henriques colaborou com a sua mãe até ao ano de 1127, ou seja, só um ano antes de S. Mamede ele decidiu fazer-lhe oposição, ao contrário dos barões portucalenses, que começaram a abandonar a corte de D. Teresa já por volta de 1121.
Afonso Henriques é venerado em Portugal (e com razão), mas onde está o nosso reconhecimento pela obra de D. Teresa? Foi, por isso, com muito agrado que vi esse reconhecimento numa pequena vila portuguesa, onde ela é venerada como uma rainha (a própria aliás assinava os documentos da cúria com esse título e foi inclusive assim tratada pelo papa Pascoal II). Eu já sabia que em Ponte de Lima havia uma estátua dela, mas é importante vê-la ao vivo, admirá-la, a fim de assimilarmos melhor essa homenagem.
Adorei a estátua, faz-lhe toda a justiça. D. Teresa segura na mão o foral que concedeu à vila, em 1125, ainda antes de Portugal existir.
Uma homenagem mais do que merecida.
«Afonso cumpriu o ritual dos cavaleiros da alta nobreza, guerreiros divinos ao serviço de Deus, purificando o corpo e a alma: jejuou um dia inteiro e passou a noite em vigília na igreja de São Salvador de Zamora, estando a catedral ainda a ser construída.
Meu filho armou-se a si próprio cavaleiro, tomando pela sua mão as armas que se encontravam sobre o altar, benzidas pelo bispo Bernardo de Périgord, realçando assim a sua condição de infante, filho de rainha, neto de imperador. Foi uma cerimónia parca de testemunhas, mas mui intensa para nós, imbuídos do espírito de Henrique, que parecia pairar sobre nossas cabeças como as línguas de fogo do Espírito Santo sobre as dos apóstolos».
In “Memórias de Dona Teresa”, de minha autoria (Poética Edições 2018)
Nota: embora não se saiba a data da investidura de D. Afonso Henriques, muitos historiadores apontam para o Pentecostes (altura preferida, naquele tempo), dos anos 1125 ou 1126.
A 8 de Março de 1126, morreu D. Urraca, rainha de Leão e Castela, com apenas quarenta e seis anos. Sobre as causas da morte, nada se sabe, mas não constitui novidade que, naquele tempo, se morria de doenças hoje curáveis e/ou evitáveis. Como já aqui escrevi em vários “postais”, nomeadamente neste e neste, as rivalidades entre D. Urraca e a sua meia-irmã D. Teresa foram fundamentais para a formação do reino de Portugal.
Urraca foi a única descendente legítima do imperador hispânico Afonso VI. A sua mãe era a rainha Constança, filha do duque Roberto da Borgonha, bisneta do rei francês Hugo Capeto e sobrinha do abade Hugo de Cluny. Segundo Marsilio Cassotti (2008), D. Urraca era prima em primeiro grau do conde D. Henrique, pai de D. Afonso Henriques. A tradição diz-nos que Henrique e Raimundo, o marido de Urraca, eram primos, mas, segundo esta versão, eram-no apenas por afinidade.
A região da Borgonha estava dividida entre um ducado e um condado. Henrique descendia da Casa Ducal, o que, na verdade, o punha numa condição superior à de Raimundo, que descendia da Casa Condal. D. Henrique era o irmão mais novo do duque Eudes I Borrell, o que fazia do conde portucalense sobrinho da rainha Constança, primo de Urraca e sobrinho-neto do abade Hugo de Cluny.
Com a morte da rainha D. Urraca, o seu filho Afonso Raimundes, que já era rei da Galiza desde os cinco anos de idade (coroado a 17 de setembro de 1111), sobe ao trono de Leão e Castela como Afonso VII, tornando-se no legal soberano do condado Portucalense. O primo Afonso Henriques adoptou em relação a ele um comportamento idêntico ao de sua mãe em relação à meia-irmã Urraca: nunca lhe prestou formalmente vassalagem, mantendo-se ambígua a relação de poder entre eles, até que Roma aceitou a vassalagem do rei português, tornando-o independente do poder central hispânico.
Como sabemos, e principalmente até ao século XIII, altura em que a escrita começou a ter um papel de maior relevo, muitos acontecimentos medievais ficaram mal documentados. Não se sabe, por isso, a data de casamento de D. Teresa de Leão com D. Henrique de Borgonha, uma união que alterou o curso da História Hispânica. Parece, no entanto, certo que este casamento se realizou na sequência da perda de Lisboa.
Representação de D. Afonso VI na Catedral de Santiago de Compostela
Em 1093, D. Afonso VI, o pai de D. Teresa, recebeu, do rei mouro de Badajoz, as cidades de Lisboa e de Santarém e o castelo de Sintra. Em troca, o rei mouro contava com a protecção do imperador hispânico contra os almorávidas, uma casta berbere que tentava alcançar o poder na Península. Este tipo de alianças com os muçulmanos não era novidade para D. Afonso VI, a Reconquista foi um processo mais complicado do que, à primeira vista, se possa pensar.
D. Afonso VI colocou o território à guarda de seu genro, D. Raimundo, feito conde da Galiza, por casamento com D. Urraca, em 1091. D. Raimundo viu-se, assim, senhor de vastas posses, que incluíam a Galiza e Portucale, descendo até ao Tejo. Em fins de 1094, porém, Lisboa e Sintra foram perdidas para os almorávidas e o imperador, desiludido com o genro, separou o condado Portucalense da Galiza, entregando o primeiro ao novo genro, D. Henrique, originário da Casa Ducal de Borgonha. Sendo o mais novo de seis irmãos, D. Henrique não tinha direito a herança e procurou a sua fortuna na Hispânia, já que a rainha D. Constança, esposa do imperador, era sua tia. Assim se viu o jovem cavaleiro dono de um vasto território, maior ainda do que o do marido da filha legítima, circunstância só explicável pela grande desilusão que D. Raimundo terá causado ao sogro.
D. Henrique e D. Teresa terão, por isso, casado pouco depois da perda de Lisboa. O historiador Rui de Azevedo serviu-se de um diploma de Afonso VI para o mosteiro de S. Servando, datado de 13 de Fevereiro de 1095, para situar o casamento em Janeiro desse ano. Nesse diploma, os condes portucalenses surgem casados e a perda de Lisboa deu-se no Outono de 1094. Porém, segundo o Prof. Abel Estefânio (nota 10) esse documento «encontra-se actualmente redatado criticamente de 1098 ou 1099». Enfim, não havendo outras referências, achei que o mês de Janeiro seria uma boa altura para assinalar este matrimónio e as circunstâncias em que ocorreu.
Miniatura medieval (pormenor) representando D. Teresa. Manuscrito gótico do mosteiro galego de Toxosoutos
(Arquivo Histórico Nacional, Madrid. Tumbo de Toxosoutos, fol. 6v.)
Santarém haveria de pertencer a D. Henrique até Maio de 1111, altura em que foi conquistada pelos almorávidas, fazendo recuar novamente a fronteira do condado Portucalense até quase ao Mondego, já que, entre Santarém e Soure, se estendia uma vasta terra de ninguém. Santarém, Lisboa e Sintra só seriam reconquistadas trinta e seis anos mais tarde, por D. Afonso Henriques.
Em Setembro ou Outubro de 1127, D. Afonso VII entrou com um exército no norte do condado Portucalense. D. Afonso VII, ou Afonso Raimundes, o primo de D. Afonso Henriques, era rei de Leão, Castela e Galiza havia cerca de ano e meio. Depois da morte de sua mãe, D. Urraca, em Março de 1126, os reinos hispânicos entraram em convulsão e o jovem rei viu-se obrigado a impor a sua autoridade, a fim de suceder a seu avô como imperador. Organizou campanhas contra Aragão e, tendo subjugado o rei aragonês, entrou pelo Minho à frente de um exército.
O condado estava já muito dividido, porquanto o Norte, mais poderoso, apoiava Afonso Henriques. Por isso, ele se aquartelou em Guimarães, enquanto D. Teresa e Fernando Peres de Trava se quedavam por Coimbra ou Viseu. Afonso VII soube aproveitar este conflito. Foi na sequência desta sua invasão que se deu o cerco a Guimarães, originando uma das lendas mais conhecidas da nossa História: a lenda de Egas Moniz de Ribadouro, que terá ido, com a família, de corda à garganta, pedir perdão ao rei leonês, ao ver-se impossibilitado de manter a sua palavra, em como Afonso Henriques prestaria vassalagem ao primo.
Egas Moniz em Leão (Roque Gameiro, Quadros da História de Portugal, 1917
Na verdade, e segundo José Mattoso (2007), esta lenda terá sido obra de um trovador da corte de D. Afonso III, pai de D. Dinis, chamado João Soares Coelho. Na segunda metade do século XIII, a família de Ribadouro estava extinta, mas João Soares Coelho era seu descendente por linha bastarda. A fim de honrar o seu antepassado, criou um cantar épico, a Gesta de Egas Moniz, onde se contava o episódio. Este entranhou-se no imaginário colectivo e foi incluído nas crónicas medievais, como se de um facto se tratasse.
Como todas as lendas, é baseada em acontecimentos verídicos (invasão de Afonso VII e o cerco a Guimarães), mas fica por dizer que, nessa altura, era D. Teresa quem regia sobre o Condado Portucalense, pois ainda não se tinha dado a batalha de São Mamede. Além disso, Afonso Henriques, com cerca de dezoito anos, era um jovem infante (por sua mãe se intitular rainha), que tinha sido investido cavaleiro há apenas um ou dois anos (conforme as versões) e que não tinha ainda travado nenhuma batalha, nem feito uma conquista que fosse.
Castelo de Guimarães, Foto © Horst Neumann 2009
Nota: Só na segunda metade do século XIII, com as reformas góticas, o castelo de Guimarães adquiriu as características que se lhe conhecem, hoje em dia, incluindo os oito torreões de planta quadrangular, os merlões pontiagudos e a torre de menagem de planta quadrada.
Ao saberem Guimarães em perigo, alguns barões do Norte foram acudir ao infante, entre eles, Soeiro Mendes o Grosso, tenente da terra de Sousa. Parece ter sido ele quem coordenou a defesa da vila e do castelo. As fontes não permitem perceber com rigor a cronologia, a duração, ou mesmo a forma como decorreu o cerco, mas o seu desfecho parece ter sido favorável ao rei de Leão. A vila de Guimarães, nesse tempo, e ao contrário do castelo, não tinha ainda defesas eficazes, não estando sequer amuralhada em todo o seu perímetro. Por isso, e contrariando a lenda, Afonso Henriques acabou por se render e por aceitar as exigências do primo, prometendo-lhe vassalagem, mas… em nome da mãe, D. Teresa!
Neste caso, o filho rebelde, pelos vistos, não teve problemas em reconhecer sua mãe como soberana do condado. E conseguiu, assim, uma situação dúbia, pois prometeu vassalagem sem a prestar, uma situação que, como sabemos, virá a explorar ao sabor dos seus interesses, no futuro. A prova da rendição de Afonso Henriques está no facto de ter confirmado, com a sua assinatura, três importantes diplomas de D. Afonso VII, lavrados a 13 de Novembro de 1127 (pouco depois do cerco), em Santiago de Compostela. Ou seja, depois de se render e prometer vassalagem em nome de sua mãe, Afonso Henriques acompanhou o primo à capital da Galiza.
Fontes:
No Verão de 1108, o imperador D. Afonso VI reuniu cortes em Toledo, que acabaram por marcar o fim da sua relação com o genro D. Henrique. Pensa-se que estas cortes terão sido reunidas em Setembro, presume-se que depois do dia 4, já que D. Henrique, nesta data, confirmou um documento particular do mosteiro de Sahagún, o que provavelmente não teria feito, se já estivesse de relações cortadas com o sogro.
Afonso VI de Galiza, Leão e Castela, imagem daqui.
Depois da morte do infante D. Sancho, em Maio desse mesmo ano, e estando D. Afonso VI em precário estado de saúde (morreria menos de um ano depois), urgia resolver o seu problema de sucessão. O imperador anunciou então a filha D. Urraca sua sucessora, o que não terá agradado a D. Henrique. Não se sabe bem o que se passou, mas é legítimo pensar que o conde portucalense possuiria grandes ambições, depois das mortes do cunhado D. Raimundo e do infante D. Sancho. Afonso VI tinha ainda outro genro: Raimundo IV, conde de Tolosa (ou Toulouse), casado com D. Elvira, irmã de D. Teresa. Raimundo IV, no entanto, sempre se manteve afastado da política da Península, não só por os seus domínios não pertencerem ao território, como também pelo facto de ter passado grandes temporadas na Terra Santa.
O conde D. Henrique era, assim, o único genro de Afonso VI envolvido nas grandes questões hispânicas. E talvez pensasse que deveria ser ele a tomar conta dos reinos do sogro, já que as mulheres eram preteridas em questões de poder. D. Urraca era sua prima direita, pois a mãe da infanta, a falecida rainha Constança, era tia materna de Henrique. Costuma dizer-se que Henrique e Raimundo eram primos, quando, na verdade, eram parentes muito afastados; por outro lado, não se costuma considerar, na nossa historiografia, esta tão próxima relação familiar entre Henrique e Urraca (que não se estende a D. Teresa, filha do mesmo pai, mas de mãe diferente). Será que o conde D. Henrique propôs ao sogro tornar-se no protector da prima, a fim de se elevar a regente dos três reinos (Leão, Castela e Galiza)? A prima era viúva, o filho dela tinha apenas três anos… E teria D. Henrique já o seu sucessor? Já teria nascido D. Afonso Henriques, nesta altura?
Urraca I de Leão e Castela - Pintura de 1892/94 por José María Rodríguez de Losada na Prefeitura de Leão.
O certo é que sogro e genro cortaram relações. Henrique foi inclusive expulso da corte e denominado traidor por Afonso VI. Algo de muito grave se passou. E isso só pode ter tido a ver com o facto de o conde portucalense não aceitar a decisão de a prima Urraca se tornar na herdeira universal do pai. Nesta sua decisão, Afonso VI teve aliás o apoio dos nobres castelhanos que, no entanto, exigiram que Urraca voltasse a casar. A sua intenção era óbvia: muitos veriam aí a sua chance de se tornarem no próximo esposo da infanta; outros, de ganharem a confiança do felizardo que desposasse a herdeira mais cobiçada da Hispânia.
Henrique não foi, porém, o único a contestar a decisão do imperador. A facção galega, liderada pelo conde Pedro Froilaz de Trava (pai de Bermudo e Fernando) e pelo bispo Gelmírez, não alinhou com os nobres castelhanos. As suas razões eram também óbvias: o conde de Trava tornou-se no Aio do pequeno Afonso Raimundes, filho de Urraca. E o nobre galego era adverso a um novo casamento da infanta, pois considerava que o seu protegido, como neto mais velho de Afonso VI, era o seu herdeiro incontestado. Um outro filho que D. Urraca viesse a ter, de um poderoso nobre castelhano, poderia pôr em causa o futuro do pequeno Afonso Raimundes.
Como se vê, a situação era complicada. E ficá-lo-ia ainda mais, com o casamento entre D. Urraca e o rei D. Afonso I de Aragão, exigido por D. Afonso VI, à altura da morte.
Quanto a D. Henrique, «banido da corte e considerado como traidor, viu-se afastado do poder. Deve ter sido nessa ocasião que se ausentou da Península para fazer uma viagem ao seu país natal (…) talvez para consultar o seu protector, o abade Hugo de Cluny [seu tio-avô]» (Mattoso 2007).
A data de regresso do conde portucalense à Península levanta vários problemas. Antes, ou depois da morte do sogro, falecido a 1 de Julho de 1109? Tendo-se incompatibilizado com ele, não me parece plausível que viesse assisti-lo na morte. Por outro lado, o abade Hugo de Cluny, que já passara os oitenta, faleceu a 28 de Abril desse ano, deixando D. Henrique, que esperava apoio dele para a sua causa, desolado. Terá regressado logo a seguir à morte do tio-avô? Enfim, é certo que D. Henrique estava na Península durante o Verão desse ano. Teria vindo a tempo de assistir ao nascimento do filho, em Agosto de 1109, em Viseu, como muitos consideram? Mas como poderia ter nascido D. Afonso Henriques nessa data, se é provável que seu pai estivesse ausente da Península, no Outono de 1108, altura em que o filho deveria ter sido gerado?
Como se vê, uma série de perguntas sem resposta. O problema continua por resolver.
Representação de D. Paio Mendes da Maia na Galeria dos arcebispos de Braga
No Verão de 1122 (mais uma vez, não se sabe a data, mas Agosto é um bom símbolo para esta estação do ano), D. Teresa mandou prender o arcebispo de Braga, D. Paio Mendes da Maia. No ano anterior, o clérigo não regressara a Braga, depois de participar no Concílio de Sahagún, optando por se refugiar em Zamora. É de presumir que, já nessa altura, D. Teresa ameaçara mandar prendê-lo, o que denuncia conflitos graves entre os dois.
Paio Mendes, tutor de Afonso Henriques e a quem haveria de ficar sempre muito ligado, era um grande opositor à relação de D. Teresa com Fernando Peres de Trava. O arcebispo de Braga fez acusações muito graves à “rainha”: adultério e incesto duplo, dando assim legitimação religiosa à oposição dos barões portucalenses em relação ao conde galego.
A revolta de D. Teresa é bem notória ao dar a ordem para prender o arcebispo, assim que ele pusesse os pés em Braga, o que aconteceu, no Verão de 1122. Nada se sabe sobre as condições da prisão, mas suponho que não seria um calabouço. Talvez D. Paio Mendes tenha ficado confinado ao seu paço, numa espécie de prisão domiciliária.
Como “rainha”, D. Teresa pretendia dar um sinal da sua autoridade, mas recebeu uma bula do papa Calisto II, ordenando a libertação do arcebispo, sob pena de excomunhão contra si e os seus cúmplices. A seguir, dá-se uma série de acontecimentos, sobre cuja explicação só podemos conjecturar.
A 3 de Novembro desse ano, D. Paio Mendes, já liberto, confirmou a doação do castelo de Soure a Fernando Peres de Trava, pelos bons serviços que a rainha recebera dele, cedendo-lhe ainda o castelo de Santa Eulália e a Villa de Quiaios, em troca do castelo de Gogia (c. Arganil), que, por sua vez, era doado à Sé de Coimbra. Fernando Peres de Trava deixou depois de aparecer nos documentos oficiais da corte portucalense, só voltando a surgir cerca de dois anos mais tarde, em Março de 1125, no foral de Ponte de Lima. Durante este interregno, o infante Afonso e o arcebispo D. Paio Mendes assinaram todos os documentos de D. Teresa (doações, forais, etc.). Os nobres portucalenses, porém, mantiveram-se afastados. Tentemos analisar a situação, escolhendo três pontos essenciais:
Primeiro ponto: D. Teresa liberta D. Paio Mendes. Não lhe restava outra hipótese. Nesta libertação, porém, está implícito o começo de uma amizade, ou, pelo menos, de uma colaboração, pois o arcebispo passa a assinar os documentos oficiais. Terá D. Teresa, na altura da libertação, pedido o perdão do arcebispo, prometendo modificar a sua vida, em troca do apoio do clérigo? E teria o arcebispo imposto, como condição, a sua separação do amante galego?
Segundo ponto: o afastamento de Fernando Peres de Trava. Segundo Marsilio Cassotti (2008) Fernando e Bermudo Peres de Trava teriam ido em peregrinação à Terra Santa, a fim de mostrar o arrependimento por grandes pecados cometidos. Isto justificaria realmente uma ausência de cerca de dois anos. E como explicar as doações que se fizeram ao conde galego, antes da sua partida, com o beneplácito do arcebispo? Na verdade, estas doações soam a liquidação de serviços prestados a D. Teresa, no fim de uma colaboração à frente dos destinos do condado Portucalense. E consideremos que o castelo de Soure, que lhe era doado, estaria muito devastado, em sequência de ataques almorávidas alguns anos antes, e necessitaria de alguém que o recuperasse. Além disso, reparemos que o castelo de Gogia, até aí, na posse do conde galego, era doado à Sé de Coimbra. Resta saber se esta separação foi exigência do arcebispo, ou se já teria sido combinada entre D. Teresa e D. Fernando Peres. O facto de ele regressar à corte do condado parece indiciar esta última hipótese, ou seja, uma separação temporária, para que a rainha pudesse, entretanto, recuperar aliados.
Terceiro ponto: o regresso de Fernando Peres de Trava. Como foi referido, ele confirmou, em Março de 1125, o foral de Ponte de Lima, assinado igualmente pelo infante Afonso e pelo arcebispo de Braga. Porém, e apesar de se tratar de documento muito importante (a criação de uma vila no coração do Entre-Douro-e-Minho), os maiores magnates do condado mantiveram-se afastados da cerimónia. Aliás, eles mantiveram-se igualmente afastados durante a ausência do conde galego. Se D. Teresa esperava recuperá-los, enviando D. Fernando em peregrinação, enganou-se. Os barões que a tinham abandonado não mudaram de ideias. E, depois do regresso de Fernando Peres, muito menos. A Batalha de São Mamede dar-se-ia três anos mais tarde.