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Delito de Opinião

D. Leonor de Portugal, Rainha da Dinamarca

Cristina Torrão, 19.04.22

Portuguesas com História.jpg

À semelhança de sua tia D. Berengária, a infanta D. Leonor de Portugal foi igualmente rainha da Dinamarca, embora o marido nunca tenha reinado por conta própria. Valdemar the Young foi uma espécie de “rei júnior”, ao lado do pai. Era o filho mais velho, fruto do primeiro casamento de Valdemar II com Dagmar da Boémia. Dois anos depois de enviuvar, Valdemar II casou com D. Berengária de Portugal e teve mais três filhos e uma filha.

Em 1215, Valdemar II reuniu-se com os seus magnatas, que juraram fidelidade ao seu filho homónimo e, passado pouco tempo, o jovem Valdemar foi eleito rei, ao lado de seu pai, um estatuto estranho, mas que parece ter sido usado noutras monarquias europeias. Seria a fim de assegurar o seu futuro como rei da Dinamarca, já que o pai casara pela segunda vez? O certo é que, três anos mais tarde (já tinha nascido, pelo menos, um dos seus meios-irmãos), em nova cerimónia, que reuniu quinze bispos e três duques, o jovem Valdemar foi untado com os santos óleos e coroado “co-rei”.

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D. Leonor de Portugal, rainha da Dinamarca

António de Holanda, Public domain, via Wikimedia Commons

Interessante é verificar que Valdemar II escolheu, para sua nora, uma sobrinha da sua segunda esposa: a infanta D. Leonor, única filha de D. Afonso II. É possível que o consórcio tenha sido negociado em Paris. A infanta D. Leonor talvez tenha ido com o irmão D. Afonso para a corte francesa, onde este se faria conde de Bolonha, graças à tia materna Branca, rainha de França. D. Afonso acabaria por se tornar rei de Portugal, como Afonso III, por suposta incapacidade do irmão Sancho II, ficando conhecido por o Bolonhês.

D. Leonor casou com Valdemar the Young no dia de São João Baptista de 1229. No entanto, o matrimónio pareceu amaldiçoado quase desde o seu início: no ano seguinte, houve um eclipse solar, logo seguido de uma epidemia pestilenta, o que causou grande impacto numa sociedade supersticiosa, como o era a da época medieval. E, passado mais um ano, a maldição parecia confirmar-se: D. Leonor morreu de parto, em Maio de 1231, e o bebé também não sobreviveu. Como se tudo isto não bastasse, o jovem Valdemar foi ferido por uma flecha, numa caçada, acabando por sucumbir ao ferimento, com apenas vinte e dois anos, escassos seis meses depois da morte da esposa. Na historiografia, ele é, por vezes, referido como Valdemar III (assim está escrito no seu epitáfio, em latim), mas nunca chegou a reinar sozinho, pois morreu antes do pai. E a designação Valdemar III é também usada para designar um outro rei que viveu no século XIV (1314–1364).

Sankt Bendts Kirke , Ringsted, Dinamarca.JPG

Igreja de São Bento, Ringsted, Dinamarca By Mariusz Paździora - Own work, CC BY-SA 3.0

Assim como a tia Berengária, D. Leonor de Portugal ficou sepultada como rainha da Dinamarca, na Sankt Bendts Kirke (Igreja de São Bento), em Ringsted, perto de Copenhaga. Porém, segundo Anabela Natário, ela está identificada como tendo sido «filha do rei de Espanha» (p. 204)! Devia o governo português solicitar a correcção deste epitáfio? Ou será por estar escrito em latim, referindo Hispânia, em vez de Espanha? Há uma grande diferença entre os dois termos, mas não me parece que os dinamarqueses a conheçam.

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Placa com a lista de reis e rainhas sepultados na Igreja de São Bento, em Ringsted, Dinamarca. Berengária surge como Beengjerd, falecida 1220; Leonor surge como Eleonora, falecida 1231.

Imagem CC BY-SA 3.0

D. Berengária de Portugal, Rainha da Dinamarca

Cristina Torrão, 11.04.22

Portuguesas com História.jpg

Na época medieval, houve uma infanta portuguesa que se tornou rainha da Dinamarca, estando sepultada junto de outros reis e rainhas medievais, na Sankt Bendts Kirke (Igreja de São Bento), em Ringsted, perto de Copenhaga. Porém, segundo Anabela Natário, autora do livro representado na imagem, o seu epitáfio identifica-a apenas como irmã do conde da Flandres.

Esta identificação, apesar de incompleta, não é falsa. Tudo começou com o avô desta infanta portuguesa, D. Afonso Henriques, ao casar a sua filha Teresa com Filipe da Alsácia, conde da Flandres. O consórcio durou apenas seis anos e o casal não teve filhos (do primeiro casamento de Filipe com Elisabeth de Vermandois também não houve descendência). O conde da Flandres embarcou em várias cruzadas e acabou por sucumbir, em Setembro de 1190, a uma epidemia, durante o cerco a Akkon.

A infanta D. Teresa, ou Matilde, como ficou conhecida por aquelas paragens, por identificação com sua mãe (Mafalda, ou Matilde de Saboia), viu-se assim confrontada com a falta de sucessão e socorreu-se da numerosa prole de seu irmão, D. Sancho I. Nomeou o sobrinho, infante D. Fernando de Portugal, seu sucessor e negociou o casamento dele com Joana de Hainaut. O casal teve, porém, apenas uma filha, que morreu jovem. E, sendo a História da Europa Central intrincada e o condado da Flandres muito disputado, o filho de D. Sancho I viu-se envolvido em várias lutas, acabando prisioneiro do rei de França por cerca de doze anos e perdendo o seu valioso condado.

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Fernando de Portugal, conde da Flandres, prisioneiro de Filipe Augusto, rei de França

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Bem, tudo isto para dizer que, ao viajar para a Flandres, ao encontro da sua noiva, o infante D. Fernando levou consigo a irmã D. Berengária. E Valdemar II da Dinamarca, ao enviuvar, escolheu esta infanta portuguesa para um segundo consórcio, união igualmente negociada pela tia Teresa. A condessa regente da Flandres pretenderia um aliado contra o rei de França, que exigia a devolução de territórios flamengos conquistados outrora. Há algo, porém, a acrescentar: Valdemar II teria tido, ainda como príncipe herdeiro, contacto com a família real portuguesa. Segundo Anabela Natário, «muitos autores escreveram que D. Sancho I e Valdemar se teriam conhecido em 1189 e lutado lado a lado, ainda Berengária não era nascida. [Valdemar] teria entrado no rio Tejo, à frente de uma armada de cruzados cristãos vinda da Dinamarca e da Frísia (…), que antes de rumar à Terra Santa, ajudaria o rei português a conquistar o Algarve aos muçulmanos» (p.169).

Valdemar II e D. Berengária casaram em Maio de 1214, na semana de Pentecostes. Mas a infanta portuguesa, feita rainha da Dinamarca, morreria em 1221, com pouco mais de vinte anos, depois de já ter dado quatro filhos à luz. Não se sabe as razões da sua morte, mas poderia ter sido de parto, como tantas vezes acontecia.

Berengária era realmente irmã do conde da Flandres. Porém, se é esta a única informação que consta do seu epitáfio, o povo dinamarquês, em geral, não conhece a verdadeira origem desta sua rainha.

Existe, no entanto, outro caso de uma infanta portuguesa assinalada, ainda segundo Anabela Natário, como «filha do rei de Espanha», no seu epitáfio dinamarquês! Mas disso falarei noutra ocasião.

 

Nota de rodapé: a infanta D. Teresa, filha de D. Afonso Henriques, é-nos apresentada, neste livro de Anabela Natário, como Teresa Henriques (pp.84 e seguintes), designação com a qual não posso concordar. Filhos e filhas adquiriam o apelido do pai, a partir do nome próprio deste, com uma terminação derivada do genitivo latino (por isso, Henriques filho de Henrique; Sanches filha de Sancho; Gonçalves filho de Gonçalo, etc.). Este apelido não transitava para netos e netas. Sendo Teresa filha de Afonso (e não obedecendo o nome de Afonso à regra do genitivo latino), a designação correcta para esta infanta portuguesa seria Teresa Afonso.