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Delito de Opinião

Um ano com D. Dinis (12)

Cerco a Coimbra

Cristina Torrão, 07.03.25
A 7 de Março de 1322, D. Dinis cercou a cidade de Coimbra. O reino português encontrava-se em plena guerra civil, entre o rei e o seu herdeiro, futuro D. Afonso IV. O príncipe havia tomado posse de Coimbra, pela força, a 31 de Dezembro de 1321. Naquele dia de Março, também D. Isabel para lá se dirigiu, deixando o seu desterro em Alenquer, ordenado pelo próprio D. Dinis, que a acusava de pactuar com o filho. Esta guerra desgastou muito o rei, pode mesmo ter acelerado a sua morte.

 

Como se vê, havia um grande drama familiar por trás da guerra que dilacerou o reino português no início do século XIV. Não deixa de ser estranho, tendo em conta os protagonistas: um rei culto, justo e amigo do povo; uma rainha exemplar; o filho dos dois.

DinisCoimbra.jpgPormenor da estátua de D. Dinis em Coimbra

Vendo a derrota à frente, Dinis pediu a Isabel:

- Suplico-vos que arranjeis guisa de estabelecer a paz sem que haja vencedor nem derrotado.

- Pedis-me o impossível.

Dinis aproximou-se dela e, pegando-lhe nas mãos, insistiu:

- Intercedei junto de Deus! Diz-se já haverdes feito milagres… Não o podereis tornar a fazer?

A rainha engoliu em seco e replicou:

- A graça de fazer milagres só é concedida quando Deus assim o entende, não depende da minha vontade. Sou um mero instrumento nas Suas mãos.

- Quereis dizer nada poderdes fazer por mim?

Ela fechou os olhos por um momento e quando os abriu, disse:

- Darei o meu melhor. Mas haverei mister de auxílio, de um mediador, a quem Afonso dê realmente ouvidos. E não me ocorre mais ninguém tão adequado como o conde de Barcelos.

Dinis estremeceu perante a menção daquele seu bastardo, por ele próprio destituído do cargo de alferes-mor e da maior parte das suas rendas, obrigando-o ao exílio. Até àquele momento, considerara-o um traidor. Agora, deu consigo a perguntar:

- Pensais que ele consentirá em falar comigo?

- Com certeza. Pedro Afonso é uma alma gentil, que não guarda rancor… E que vos ama e respeita como ninguém.*

 

Graças às intervenções de D. Isabel e do conde D. Pedro de Barcelos, o rei retirou para Leiria e o infante para Pombal. Em Maio, encontraram-se em Leiria e assinaram um acordo de paz. D. Dinis, porém, que já passara dos sessenta, foi acometido de doença grave à sua chegada a Lisboa.

 

Nos piores momentos da sua enfermidade, os cuidados e a dedicação de Isabel provaram ser imprescindíveis. O rosto dela iluminava o dia mais triste, a sua voz confortava, a sua serenidade dava confiança e coragem e o toque das suas mãos era bálsamo para almas aflitas. Isabel era a esperança transformada gente, como se Deus houvesse decidido dar uma forma humana a esse sentimento. E, apesar de haver amado outras mulheres e de, muitas vezes, haver odiado a rainha, Dinis não desejaria ter qualquer outra perto de si naquelas horas difíceis.*

 

D. Dinis melhorou. Mas a paz assinada com o filho foi quebrada cerca de ano e meio mais tarde, depois das Cortes de Lisboa, em Outubro de 1323. A guerra civil entraria na sua última fase.

Afonso IV Selo.jpgD. Afonso IV

 

* Excertos do meu romance "Dom Dinis - a quem chamaram o Lavrador"

Um ano com D. Dinis (4)

O casamento de D. Dinis

Cristina Torrão, 11.02.25

Livro Dinis e Isabel.jpg

 

Faz hoje 744 anos que D. Dinis e D. Isabel casaram por procuração.

O matrimónio de D. Dinis representou um problema, pois, por desavenças entre seu falecido pai D. Afonso III e o clero, o reino de Portugal esteve sob interdito durante cerca de vinte anos, ou seja, salvo raras excepções, as igrejas mantiveram-se fechadas, sendo proibidas todas as cerimónias religiosas, assim como os sacramentos.

O consórcio com D. Isabel foi combinado, a fim de quebrar a supremacia de Castela. D. Dinis nomeou três procuradores, que, a 11 de Fevereiro de 1281, o representaram, por palavras de presente, na cerimónia de recebimento de D. Isabel de Aragão, no Paço Real de Barcelona. Os três procuradores eram os cavaleiros João Pires Velho e Vasco Pires e o clérigo D. João Martins de Soalhães, futuro bispo de Lisboa.

D. Dinis tinha dezanove anos e D. Isabel apenas dez. Casamentos destes eram habituais, na Idade Média, principalmente, no meio nobre. Representavam, acima de tudo, uma aliança entre duas famílias. Por vezes, eram combinados consórcios entre crianças (noivo e noiva) de quatro ou cinco anos.

Isto não quer, porém, dizer que a prática da pedofilia fosse comum. Normalmente, aguardava-se que a jovem esposa atingisse idade apropriada para consumar a união. O primeiro parto costumava acontecer aos quinze ou dezasseis anos. D. Isabel tinha aliás já dezanove anos.

D. Isabel era filha do rei D. Pedro III de Aragão e de D. Constança da Sicília. Só deu entrada em Portugal cerca de ano e meio depois da cerimónia em Barcelona, sendo as bodas do par real festejadas em Trancoso, a 26 de Junho de 1282.

O casamento de D. Dinis e D. Isabel durou quase quarenta e quatro anos. O casal teve dois filhos: a infanta D. Constança (rainha de Castela, por casamento) e o infante D. Afonso, futuro rei D. Afonso IV.

Um ano com D. Dinis (3)

O sucessor de D. Dinis

Cristina Torrão, 08.02.25

Afonso IV Selo.jpg

 

Faz hoje 734 anos que nasceu um dos reis mais enigmáticos da nossa História: D. Afonso IV

Ficou sobretudo conhecido por ter mandado assassinar Inês de Castro, embora os verdadeiros contornos dessa conspiração permaneçam nebulosos.

D. Afonso IV era filho de D. Dinis e de D. Isabel. Diz-se que era mau e irascível desde a infância, o que não deixa de ser curioso, sendo os seus pais um rei exemplar e uma rainha "santa". Muitas vezes me pergunto: porque não conseguiram D. Dinis e D. Isabel transmitir bom carácter ao filho? E porque nunca D. Dinis se deu bem com o seu próprio herdeiro? Coisas que ficarão para sempre envolvidas na bruma dos séculos...

D. Afonso IV casou com a infanta D. Beatriz de Castela, dois anos mais nova, filha de seu tio-avô, o rei D. Sancho IV, e de D. Maria de Molina. O casamento parece ter sido feliz, Afonso IV é mesmo um caso raro entre os monarcas portugueses, pois não se lhe conhecem barregãs nem filhos ilegítimos. Não deixa de ser estranho num homem que se julga ter sido destituído de escrúpulos.

Terá sido dono de grande moralidade, transmitida pela mãe D. Isabel? Isto poderia explicar a sua falta de tolerância a desvios de comportamento do seu filho e herdeiro, D. Pedro I. E também explicaria que, sendo mais ligado à mãe, se tivesse afastado do pai. Na verdade, D. Dinis preferia a companhia do seu bastardo Afonso Sanches.

A infanta D. Beatriz de Castela, rainha de Portugal, viveu na corte portuguesa desde os quatro anos de idade. Foi criada pela sogra D. Isabel, assim que ficou estabelecido o seu consórcio com o príncipe herdeiro, por ocasião do Tratado de Alcañices, a 12 de Setembro de 1297. Neste Tratado, ficaram definitivamente estabelecidas as fronteiras do reino português. 

Todas as informações conhecidas sobre D. Afonso IV estão reunidas na biografia de autoria de Bernardo Vasconcelos e Sousa (Círculo de Leitores, 2005).

D. Afonso IV Biografia.jpg

Um ano com D. Dinis (2)

O irmão de D. Dinis

Cristina Torrão, 06.02.25

Manesse P 1.jpg

Codex Manesse

 

Faz hoje 762 anos que nasceu o infante D. Afonso, irmão de D. Dinis, mais novo cerca de ano e meio. D. Afonso parece nunca ter superado a sua condição de filho segundo, pois causou problemas ao rei durante toda a vida. Por três vezes se insubordinou, obrigando D. Dinis a usar da força, pondo cerco aos lugares onde ele se refugiava: Vide, Arronches e Portalegre. Por outro lado, é notável que o rei-poeta sempre lhe tenha perdoado e o tenha protegido, mesmo em circunstâncias absurdas.

O infante D. Afonso casou com D. Violante Manuel, filha do infante D. Manuel de Castela, recebendo senhorios no reino de Múrcia. O matrimónio, porém, não foi reconhecido pela Igreja, devido ao parentesco: D. Manuel de Castela, sendo irmão do rei Afonso X, era tio-avô do infante português.

D. Dinis, sempre protector, legitimou-lhe os filhos, na sua qualidade de rei, sem consultar a Igreja, provocando um protesto formal de D. Isabel, por sinal, no dia do 34º aniversário do infante. A 6 de Fevereiro de 1297,  a Rainha Santa apresentou o protesto na alcáçova de Coimbra. Como motivos, alegou o irmão do rei ter-se insubordinado algumas vezes e o provável perigo que os sobrinhos pudessem significar para o reinado do filho D. Afonso IV. De qualquer maneira, é curiosa uma atitude deste tipo por parte de uma rainha caridosa, que sempre procurou consensos.

Dona Isabel 1.jpg

D. Afonso teve um fim de vida muito amargo. O seu filho e herdeiro morreu com apenas dezassete anos, em 1302, e, apesar de ter ainda três filhas, o infante não conseguiu superar a morte daquele que era o orgulho da sua vida. Terá começado a comportar-se de maneira estranha, chegando mesmo a assassinar a esposa, caso que foi abafado por D. Dinis, apesar de o rei de Aragão, cunhado do monarca português e igualmente parente da falecida, o instar a esclarecer a questão.

D. Dinis protegeu o irmão até ao fim. D. Afonso morreu a 2 de Novembro de 1312, com apenas quarenta e nove anos, sendo sepultado na igreja de São Domingos de Lisboa, no túmulo que o próprio mandara fazer.