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Tenho a tentação de simpatizar com a corrente de opinião que defende que Passos Coelho deveria procurar contrariar a postura pró-austeridade defendida pelo governo alemão, no fundo deixando a posição irritante de cachorrinho mor de Angela Merkel. No mínimo, como pede Daniel Oliveira, que se junte ao manifesto pró-crescimento económico encabeçado por David Cameron. Pessoalmente, não concordando com a visão de Daniel Oliveira, nem com as propostas vagas de Seguro (“austeridade inteligente”), tenho todo o apreço por aquilo que o referido documento defende. Todavia, não creio que o Primeiro-Ministro tenha, neste momento, verdadeiramente alternativas. A iniciativa para um abrandamento das medidas de austeridade terá sempre que vir alternativamente da parte destes países ou da própria Alemanha (e França). Portugal deve limitar-se a uma diplomacia cautelosa, à espera de uma brecha (que aparentemente, embora se desconheça a sua dimensão, poderá ocorrer). Foi a este caminho único de curto-prazo que, bem ou mal, nos condenámos quando pedimos ajuda externa. Numa altura em que a Grécia sepulta cada vez mais a cabeça no chapéu do aluno mal comportado, Portugal não tem outra solução senão tentar a todo custo ser o totó bem comportado da turma. Sim, reconheço que é uma postura irritante, sobretudo num país que se tem colocado nessa posição muitas vezes nos últimos anos. Porém, a alternativa é o país afundar-se agarrado à Grécia. E isso, parece-me, é algo que ninguém deseja. É pois apenas prosseguindo o caminho actual que se poderá chegar a um plano estável em que, aí sim, as diferentes perspectivas para o país podem e devem (a bem da democracia) ser equacionadas.
O que pode Passos Coelho fazer? Promover o crescimento, dizem alguns enquanto põem uma velinha a São Paul Krugman. Estimular a economia, gritam outros enquanto beijam a medalhinha de São Krugman que trazem ao peito. Adoptar medidas anti-ciclicas, berram aqueles que, de joelhos, se dirigem para a capelinha das aparições de São Krugman em pleno New York Times. Pois vai-se a ver e o próprio santinho milagreiro não anda muito convencido disso. De acordo com um post fresquinho, o todo poderoso e omnisciente acaba de comunicar aos devotos que aos países periféricos da Zona Euro que se arrastam em lenta agonia restam as seguintes soluções:
Ah, paizinho Krugman também refere que não vê balas mágicas ou soluçõezinhas milagreiras. Rotundazinhas e pontezinhas, investimentozinho do Estado que era tão bom, viste-o nem eu. Agora ide, fieis discípulos do santinho. Ide ler. E orai e fazei penitência se a tanto vos sentirdes obrigados.
Nos cerca de 4 meses que dura esta legislatura, o Governo mostrou apenas uma qualidade: coragem. Um Governo com coragem é, admitamos, importante – caso raro na nossa democracia – todavia é também escasso para o período em questão. Para se operar uma reestruturação da economia, Portugal necessita de tomar medidas estruturais, de fundo. Essas sim porão à prova o engenho e arte do executivo. As medidas tomadas, começando no aumento dos impostos e terminando nos vastos cortes na despesa, são relativamente evidentes, qualquer tecnocrata as tomaria. A grande dúvida assenta, assim, na capacidade do governo para tomar medidas estruturais, o corte cirúrgico na despesa do Estado, eliminando despesa inútil ou mesmo contraproducente, sem desbaratar aquela que é produtiva. Aqui se jogará o destino do país. Sobra, todavia, uma questão inquietante: em tão pouco tempo, é sequer possível?
O Senhor Primeiro-Ministro está demissionário, mas mantém-se igual a si próprio. Ou, melhor dito, varia conforme a sua semelhança. Em essência, é incompetente e irresponsável e especializou-se em manipular, ocultar, omitir e negar a realidade. Sendo estas características permanentes, a intensidade com que as pratica aumenta em função da vontade que vai detectando nos que o rodeiam para lhe aparar o jogo. O facto de ter um partido submisso e aparentemente entusiástico dá-lhe forças renovadas. Sondagens que não o colocam ao nível rasteiro onde ele sabe que devia estar dão asas às suas piores qualidades. Só este contexto em que, aparentemente, tudo lhe foi e é permitido, sem qualquer responsabilização, justifica o topete de apresentar um programa eleitoral que assenta em falsidades e em mistificações. Tudo isto é tanto mais grave quanto é certo que este é o ainda líder do governo. E que, nessa qualidade, está a negociar condições da ajuda externa que, como o próprio reconhece, serão completamente diferentes daquelas que constam do programa eleitoral e que foram decalcadas do PEC IV. Ora, perante tamanha desfaçatez e a aparente indiferença e permissividade de um grupo significativo de portugueses, importa deixar claro a José Sócrates que nem todos, apesar de tudo, estamos disponíveis para dar cobertura às suas trampolinices. Aqui fica o registo de algumas vozes que ajudam a perceber onde estão as aventuras políticas e os tiros no escuro a que Sócrates se refere:
Estela Barbot (FMI)
“É crucial que os decisores de política e os gestores públicos prestem contas e sejam responsabilizados pela utilização que fazem dos recursos postos à sua disposição pelos contribuintes”.
Carlos Costa (Governador do Banco de Portugal)
Estamos então como antes. Pobres e endividados. A diferença é que agora não temos governo e antes estávamos desgovernados. A crise política, diz-se por aí, pode precipitar o pedido de ajuda externa e a intervenção do FMI. Imagino que o FMI seja como o Pai Natal, mas ao contrário. O Pai Natal traz prendinhas aos meninos que se portaram bem durante o ano. O FMI traz medidas duras aos países que fizeram asneiras durante anos. É importante ter isto presente no momento de repartir responsabilidades pela situação actual. O que tínhamos era um copo cheio. E não existem grandes dúvidas sobre quem o encheu. Seis anos consecutivos de governação não podem passar em claro. A crise política que se vive terá então, quando muito, o significado de o fazer transbordar. A culpa é de Sócrates ou de Passos Coelho? Não faltam por aí as teorias mais variadas. Não devemos, todavia, perder a noção da realidade. A importância destas teorias deve reconduzir-se à dimensão que lhes cabe: a de reflexões sobre uma gota de água. E existem ainda outros pontos que importa sublinhar. O primeiro é o da certeza, fundada numa sucessão prolongada de factos desastrosos, de que aqueles que encheram o copo continuariam, independentemente da crise política, a meter água até o fazerem transbordar. O segundo é da convicção, também baseada em atitudes ostensivas e reiteradas, de que o copo já teria transbordado há muito se as contas públicas reflectissem com rigor o estado actual do país, tal como não aconteceu em 2010. Cada um de nós é livre de acreditar no que lhe for conveniente. Mas, nem Sócrates e Teixeira dos Santos, com toda a sua incompetência, seriam capazes de abrir um buraco de 80 mil milhões de euros de profundidade se só tivessem começado a cavar depois das 21h00 do dia 23 de Março de 2011.
O Primeiro-Ministro de um país nada distante declara não estar no Qatar para tratar da venda de dívida. O Ministro dos Negócios Estrangeiros do mesmo Governo desse país bastante próximo manifesta a sua convicção de que um dos assuntos tratados nessa mesma visita é a venda da dívida. Admita, por mero absurdo, que se trata de membros do Governo de Portugal. Perante estas afirmações, quem estará a dizer verdade:
a) O Primeiro-Ministro, que tem tido uma relação difícil com a realidade e que está absolutamente descredibilizado?
b) O Ministro que tem apresentado sentido de estado e bom senso, distinguindo-se dos restantes membros do Governo pela sua competência e credibilidade?
Na sua resposta, tenha em conta que o Primeiro-Ministro jura a pés juntos que anda a falar de sol, água e vento (energias renováveis em português técnico) e considere, como factor de desempate (irra!), a sua percepção pessoal sobre qual dos dois mereceria confiança como vendedor de viaturas em segunda-mão.
Em caso de dúvida persistente, consulte o seu médico ou farmacêutico (é que não deve esperar nem mais um minuto!).
De acoldo com Paul Klugman, uma taxa de julo de seis vílgula sete pol cento é uma vitólia de pilo e deixa Poltugal a um pequeno passo da luína.
Foi ontem publicado o decreto-lei 8/2011 que actualizou as taxas dos serviços de saúde. No período de um mês, este é o segundo ataque selvagem que o Estado português desfere aos portugueses que, para além de sofrerem as dificuldades próprias de viverem num país desgovernado por José Sócrates, manifestam a suprema falta de patriotismo de terem necessidade de recorrer aos serviços de saúde públicos. Primeiro, foram as vergonhosas portarias que aprovaram o novo regime de taxas moderadoras, obrigando desempregados e pensionistas, com rendimentos ínfimos, a pagarem por consultas de urgência. Agora, o saque continua. Um atestado médico, por exemplo, que custava menos de um euro, passa a custar vinte. É um aumento que não se pode medir em percentagem. Só é possível avaliá-lo numa escala de descaramento. E quem aprova estas medidas rebentou essa escala. Por desconhecer que entre o congelamento das taxas e a sua actualização desenfreada existe a via do equilíbrio, do bom senso e da sensibilidade social. Que seria também o caminho da decência dos titulares dos cargos públicos. Perante isto, continuo a perguntar para que servem os nossos impostos. Não encontro resposta. Mas, sei que não servem para que o Estado português seja solidário com os que acumulam a pobreza e a doença. Há dias escrevi que o Estado Social foi substituído pelo Estado de Privação. Confesso que me enganei. O que temos realmente é um Estado Imoral. Sim, porque a democracia faz-se de muitas coisas. Mas, faz-se, antes de tudo, da possibilidade de comer três refeições ao dia. E, neste momento, o Estado coloca centenas de milhares de portugueses perante uma escolha de indignidade: aquela que se faz entre comer ou ter acesso aos serviços de saúde públicos.