Desequilíbrios
Há dias lembrei-me de uma conversa telefónica que tive durante os tempos da Troika.
Atendi o telefone a alguém que não fazia parte dos meus contactos e que me perguntou se conhecia quem comprasse móveis usados. Indiquei-lhe um armazém aqui próximo que negoceia espólios de falências, mas não sabia se estavam compradores. A conversa desenrolou-se por mais uns instantes e acabei por ficar a par da situação. Era uma rapariga com vinte e poucos anos que trabalhava numa cerâmica - aqui perto existem umas quantas - e que ia emigrar. Além de referir que recebia o salário mínimo, terminou a explicação do que a tinha levado a essa difícil decisão com a seguinte frase:
- E o meu pai morreu há dois meses e já não me pode ajudar.
Depois de engolir em seco, entendi que esta frase resume uma parte silenciosa, esquecida mas significativa do que o Portugal moderno, democrático e europeu conseguiu dar a demasiados dos seus millennials.
A forma como a geração que viveu a mudança de regime anterior definiu as regras com que nos organizamos acabou por levar a que uma imensidão de gente nova não consiga ser financeiramente independente. Não estamos a falar de gente que pede dinheiro aos pais para enfrentar um percalço pontual mas sim de quem o faz sistematicamente como complemento de rendimento.
Os pais, que naturalmente aceitam apoiar os seus filhos, transferem automaticamente uma parte das suas reformas para que os filhos possam evitar o permanente sufoco.
Observando à distância, o que vemos é um sistema em que as gerações mais velhas tem um rendimento garantido e grande parte das mais novas não. E esse rendimento assegurado é alimentado por elevados encargos sociais que são retirados à economia produtiva e que, também por isso, perde a capacidade de remunerar mais condignamente os mais novos.
Falar nisso tem o risco potencial de poder parecer que se está contra os mais velhos, e nenhuma força política arrisca em antagonizar tão importante faixa do eleitorado. E por isso, este desequilíbrio tem todas as condições para ser um ´não assunto´.
Mas mesmo dentro do universo dos reformados existem desequilíbrios indecentes. Nas terras pequenas, como aquela onde vivo, é fácil fazer um exercício de comparação entre uma pessoa que se reformou como funcionário público e o valor total das reformas da rua onde vive. Posso simplificar as contas dizendo que num universo de sete reformados, a pessoa em causa recebe 50% do valor total.
O sistema de cálculo das reformas é por isso um factor de desequilíbrio social, dentro dos seus beneficiários, e também por comparação com os contribuintes em idade activa.
A crise com que teremos lidar nos próximos tempos não será por isso igual para todos. Isto é um facto, e um dia no futuro quando estudarem a actualidade essa será uma das características do regime fundado pelo 25 de Abril.









Os seguidores de Keynes recomendaram então maior controlo do governo para diminuir a P-dor. Ressabiadas, a oferta e a procura saíram interior adentro, em busca de alternativas que mantivessem sua liberdade de movimentos. Encontraram-se com Milton Friedman, que lhes deu uma receita diretamente oposta à de keynes: devia a procura assumir uma posição horizontal passiva, mantendo assim a P-dor sob controlo. A oferta ficaria na posição vertical, crescendo à taxa natural, sem amarras do governo:
Deu-se então a Grande Moderação, com a P-dor sob controlo e o Q-prazer expandindo-se sob a égide dos casinos financeiros desregulamentados. Final feliz, entretanto, só nos contos de fadas. Desde o início do século XXI, a expansão da procura passou a depender cada vez mais do crédito facilitado pelos casinos. Sobreveio a Crise Financeira em 2008. Sobrecarregada de dívidas, a procura encolheu-se, não mais conseguindo responder aos estímulos creditícios. Também endividados, os governos não conseguiram mais estimulá-la com suas pílulas. A procura verticalizou-se, encolhida como estava, deixando um vácuo entre sua posição e a da oferta:
Descasadas, a procura e a oferta padecem agora de uma Q-dor que não sentiam desde os anos 1930. Prazer com a queda de P também não têm, pois ela apenas aumenta o peso das dívidas acumuladas. Estão agora a lamentar não ter dado mais atenção a Hayman Minsky, o profeta esquecido, que há tempos advertira sobre os perigos dos casinos financeiros. Como fazer para acasalar novamente procura e oferta? Velhos receituários retornam em tempos de crise. Ultra-Keinesianos só desejam mais estímulos, acreditando que a oferta vai atrás da procura onde ela for. Ultra-Friedmans só querem saber de menos controlo, pois acreditam, ao contrário, que a oferta gera sua própria procura. Melhor deixar os ultras com suas manias de lado e retornar ao ponto de partida do sábio Marshall. Reconhecer as individualidades da oferta e da procura, sabendo que uma não vive sem a outra, e almejam cruzar-se harmonicamente como se hastes fossem de uma mesma tesoura. Posições extremas são excitantes de tempos a tempos, mas somente o Caminho do Meio unifica e transcende a dualidade.




