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Delito de Opinião

Desequilíbrios

Paulo Sousa, 07.04.20

Há dias lembrei-me de uma conversa telefónica que tive durante os tempos da Troika.

Atendi o telefone a alguém que não fazia parte dos meus contactos e que me perguntou se conhecia quem comprasse móveis usados. Indiquei-lhe um armazém aqui próximo que negoceia espólios de falências, mas não sabia se estavam compradores. A conversa desenrolou-se por mais uns instantes e acabei por ficar a par da situação. Era uma rapariga com vinte e poucos anos que trabalhava numa cerâmica - aqui perto existem umas quantas - e que ia emigrar. Além de referir que recebia o salário mínimo, terminou a explicação do que a tinha levado a essa difícil decisão com a seguinte frase:

- E o meu pai morreu há dois meses e já não me pode ajudar.

 

Depois de engolir em seco, entendi que esta frase resume uma parte silenciosa, esquecida mas significativa do que o Portugal moderno, democrático e europeu conseguiu dar a demasiados dos seus millennials.

A forma como a geração que viveu a mudança de regime anterior definiu as regras com que nos organizamos acabou por levar a que uma imensidão de gente nova não consiga ser financeiramente independente. Não estamos a falar de gente que pede dinheiro aos pais para enfrentar um percalço pontual mas sim de quem o faz sistematicamente como complemento de rendimento.

Os pais, que naturalmente aceitam apoiar os seus filhos, transferem automaticamente uma parte das suas reformas para que os filhos possam evitar o permanente sufoco.

Observando à distância, o que vemos é um sistema em que as gerações mais velhas tem um rendimento assegurado e grande parte das mais novas não. E esse rendimento assegurado é alimentado por elevados encargos sociais que são retirados à economia produtiva e que, também por isso, perde a capacidade de remunerar mais condignamente os mais novos.

Falar nisso tem o risco potencial de poder parecer que se está contra os mais velhos, e nenhuma força política arrisca em antagonizar tão importante faixa do eleitorado. E por isso, este desequilíbrio tem todas as condições para ser um ´não assunto´.

Mas mesmo dentro do universo dos reformados existem desequilíbrios indecentes. Nas terras pequenas, como aquela onde vivo, é fácil fazer um exercício de comparação entre uma pessoa que se reformou como funcionário público e o valor total das reformas da rua onde vive. Posso simplificar as contas dizendo que num universo de sete reformados, a pessoa em causa recebe 50% do valor total.

O sistema de cálculo das reformas é por isso um factor de desequilíbrio social, dentro dos seus beneficiários, e também por comparação com os contribuintes em idade activa.

A crise com que teremos lidar nos próximos tempos não será por isso igual para todos. Isto é um facto, e um dia no futuro quando estudarem a actualidade essa será uma das características do regime fundado pelo 25 de Abril.

Delírio de Opinião

Diogo Noivo, 22.03.18

Na sua intervenção na Universidade de Coimbra, José Sócrates brindou o auditório com alguns comentários que são puro delírio. Ir a todos, ponto por ponto, daria origem a uma série de posts interminável. Porque a vida não me dá o tempo necessário para fazê-lo e porque a atenção a dispensar a José Sócrates deve ser moderada (sob pena de deixar mazelas psiquiátricas), deixo aqui apenas um singelo gráfico sobre a evolução do desemprego em Portugal – cortesia da página de facebook de Fernando Alexandre.

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Da observação do gráfico, e tendo presente que o Governo de Pedro Passos Coelho tomou posse em Junho de 2011, há dois argumentos de Sócrates que são rapidamente desmentidos: (i) a culpa da crise é da austeridade de Passos Coelho – aliás, bastava olhar para o calendário e perceber que foi José Sócrates, e não Passos Coelho, a chamar a Troika e o correspondente Programa de Assistência Económica e Financeira, mas adiante; (ii) o desemprego foi um problema do governo de Passos Coelho - como é fácil de ver, a taxa de desemprego começa a sua clara trajectória ascendente com José Sócrates e é durante o governo liderado por Passos Coelho que o número de desempregados começa a baixar.

Outros gráficos, como o da evolução do défice, poderiam ser apresentados e as conclusões seriam as mesmas. Mas, por um lado, a atenção dispensada a Sócrates tem de ser comedida e, por outro lado, o delírio de opinião é impermeável a factos.

O palácio a arder

João André, 29.06.15

Quando o Syryza foi eleito governo terão soado as campainhas de alarme em Bruxelas e Berlim (e Amesterdão, já agora). Quando Tsipras e Varufakis andaram a passear ideias limite pela Europa em alegres passeios, as reuniões terão começado com um objectivo: trazê-los à terra. Havia esperanças e um ou outro sinal de abertura iriam nesse sentido. Quando Tsipras e Varufakis demonstraram a sua completa inabilidade política e diplomática, o objectivo tornou-se um e um só: fazer um exemplo da Grécia.
Que tipo de exemplo não faz muita diferença, na realidade. Ou os gregos aceitariam as propostas iniciais das "instituições" sem qualquer alteração e assim levariam à queda de tão radical governo; ou então deixar-se-ia cair o próprio país. Foi esta opção que, com a colaboração de Tsipras, acabou "escolhida".
A esmagadora maioria dos comentários que leio vão no sentido de culpar a "Europa" (pode até ser o FMI, ou o BCE, ou Merkel, ou o senhor X que fez a folha de Excel) ou de culpar os gregos (os extremistas do Syryza, os abusadores do passado, os radicais disto ou aquilo). (In)felizmente existe culpa suficiente para distribuir: das "instituições" por tratarem a Grécia como uma folha de Excel onde as pessoas serão pouco menos que células; dos líderes europeus que nunca se preocuparam com a Europa em si mesmo mas apenas e só com a próxima eleição; do acutal governo grego que julgou que a Europa era uma manif mas em grande e com alguns tipos de gravata; dos governos gregos antigos que fizeram pela vida dos amigos e trataram a UE como uma cornucópia; dos diversos líderes europeus dos últimos 20 anos que não souberam assumir a construção europeia como ela precisava de ser assumida; (continuem a preencher, isto pode levar muitos outros alvos e nem importa de que lado vocês se posicionem, a vossa atribuição de culpas estará muito provavelmente correcta).
No meio disto tudo há um povo que será culpado de ter feito pela sua vida perante as circunstâncias que lhes eram oferecidas. Culpar os gregos não faz muito sentido: seria como culpar quem faz compras numa loja que anuncia dumping. Só que é esse mesmo povo que agora irá sofrer com a estupidez, ganância e mesquinhez dos líderes europeus (incluindo os seus próprios). Estas cimeiras deveriam ter sido feitas com a intenção de lhes minorar esse sofrimento. Não houve essa preocupação. Agora que o palácio está em chamas, ninguém se preocupa com os habitantes, apenas com quem deixou o gás ligado e a tostadeira ligada.
E agora? pelo que tenho lido de toda a gente que faz previsões: ninguém sabe. Podem uns, outros ou ninguém ter razão. Da minha parte não faço ideia. Sei que haverá quem lamba os beiços e quem avalie os méritos da varanda do quinto andar e cobice acesso à do décimo. A ver vamos onde chegarão as chamas e se haverá bombeiros disponíveis.

A crise e as oportunidades

João André, 29.11.13

Um dos momentos mais interessantes de cada nova discussão com colegas - oriundos de outras unidades de negócio - ou com pessoas de outras empresas alemãs é quando chega o momento de dizer que sou português. Quase todos perguntam pela situação em Portugal, lamentam as dificuldades e desejam que passem depressa. Sentimentos genuínos, sem dúvida, tal como o são quando alguém falava sobre a fome no Biafra com um bife no/do lombo.

 

Aquilo que muitas vezes se me depara é outra coisa: acabam quase todos a perguntar se será então um bom local de recrutamento de pessoas, especialmente com formação técnica.

 

De uma penada vejo um certo tipo de mentalidade: uma cristã preocupação pelo sofrimento no mundo e um muito prático aproveitamento das oportunidades geradas. Pedro Passos Coelho tinha de facto razão: a crise e o desemprego são oportunidades. Para os outros países.

Portugal no caminho da glória.

Luís Menezes Leitão, 20.11.13

 

Vencemos. Somos os maiores. Apesar dos golpes baixos dos suecos, que nem sequer hesitaram em recorrer à magia negra, sob o alto patrocínio da água da mesma cor vendida pela Pepsi, Cristiano Ronaldo demonstrou que é um super-herói. Graças a ele Portugal redescobriu o caminho para as terras de Vera Cruz, imitando o feito de Cabral há mais de quinhentos anos. Perante a gloriosa exibição de ontem, não há dúvidas que no Mundial arrasaremos todos os nossos opositores. Quanto à crise financeira, podemos estar seguros que, com as nossas brilhantes capacidades futebolísticas, irá seguramente ser ultrapassada.  Quem é que depois da exibição de ontem pode duvidar que Portugal irá ter um sucesso glorioso no regresso aos mercados? Nunca jamais em tempo algum seremos sujeitos a um programa cautelar, quanto mais a um segundo resgate. Ooops!

Vamos em frente com isto

José Navarro de Andrade, 08.09.12

Rodney Grahams, "Good hand, bad hand", 2010

 

O Sr. Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho e o Sr. Ministro das Finanças Vítor Gaspar propõem aplicar ao país uma experiência económica drástica. Ninguém no seu perfeito juízo duvidará que eles estarão a agir de boa-fé e no pressuposto de que estas medidas contribuirão para salvar Portugal da crise. Mas para que a nossa crença na bondade dos seus propósitos se confirme, desta vez precisamos de um sinal da sua parte de que estão dispostos a provarem que isto é tão a sério para eles como está a ser para nós. Como dizem os americanos no seu calão funcional: os Srs. Passos Coelho e Vítor Gaspar devem apostar o seu bem mais precioso onde põem a boca.

Por isso proponho:

Se a experiência resultar, a História os celebrará como os heróis que salvaram Portugal.

Mas se a experiência falhar, devem ser julgados criminalmente pelos danos causados à Nação e aos seus cidadãos. Podendo ser-lhes dada uma alternativa honrosa, à japonesa: o suicídio.

Les jeux sont faits.

Os instrumentos financeiros derivados.

Luís Menezes Leitão, 07.09.12

 

Chamaram-me a atenção para a entrevista acima colocada, dada por António Borges à BBC sobre os hedge funds. É bastante interessante ver a entrevista onde a defesa intransigente efectuada por António Borges da ausência de regulação destes produtos é completamente arrasada pelo entrevistador. É pena que a maior parte dos jornalistas televisivos portugueses não adopte este estilo incisivo de entrevistas, preferindo um estilo respeitador e até subserviente. O resultado é deixarem o entrevistado fazer afirmações extraordinárias, as quais não lhes suscitam sequer um comentário, quanto mais uma réplica.

 

O meu primeiro contacto com os intrumentos financeiros derivados foi na década de 90 quando me pediram colaboração para a preparação da legislação que estabeleceu o regime da tributação destas figuras. Tive então que estudar a fundo figuras como os futuros, os forwards, as opções e os swaps e a sua utilização para fins de especulação, cobertura e arbitragem. Já na altura fiquei perplexo com o elevadíssimo grau de risco que implicam estes produtos, o que levava a que para mim não passassem de contratos de jogo e aposta, apesar da sua qualificação geral como compra e venda de produtos financeiros. A meu ver, o investidor que adquire este tipo de produtos tem exactamente o mesmo comportamento daquele que aposta o dinheiro da empresa em Las Vegas, com a diferença de que em Las Vegas até normalmente perderá muito menos. Foi por isso com estranheza que na altura soube que estes produtos estavam a ser altamente usados na economia e que até no sector público se faziam swaps de dívida.

 

O que se passou em 1994, quando Nick Leeson conseguiu levar à falência o Barings Bank, uma instituição bancária com mais de 200 anos, perdendo na bolsa de derivados de Singapura 1,4 biliões de dólares, o dobro do valor do banco em bolsa, deveria ter servido de aviso a toda a gente para regular seriamente este tipo de produtos, limitando drasticamente a sua utilização. Nada disso se passou. Nick Leeson foi preso, servindo de bode expiatório, e este tipo de negócios continuou a fazer-se alegremente, permitindo o colapso total do sistema financeiro com a queda do Lehman Brothers. Não me admirou nada que ele na altura tivesse escrito este artigo perguntando a razão por ter sido o único preso por ter tomado a decisão de investir nestes produtos. Faz lembrar um programa cómico brasileiro da televisão de há muitos anos, em que se prendia um macaco por cometer um crime que estava generalizado. Ele, quando entrava na prisão e olhava para as celas todas vazias, perguntava ao carcereiro: "Mas só sou eu? Cadê os outros?".

 

É por isso com a maior perplexidade que vejo o surgimento de uma notícia como esta, da qual ninguém fala. Será possível que ninguém tenha ainda aprendido nada com o que se passou?

121 A.D.

José Navarro de Andrade, 08.08.12

 Paul Strand, "Wall Street", 1915

 NOAA, "Relâmpagos sobre Boston", 1967

 

Ao relatar a morte de Calígula, Suetónio escreve como quem abana a cabeça em sinal de consternação. Gaius – Calígula foi o amável epíteto que lhe atribuíram os soldados de seu pai – demonstrou toda a sua imprudência ao ignorar os sinais evidentes de perigo que os deuses lhe comunicaram. No dia do seu assassinato, ao degolar em sacrifício um par de flamingos, o sangue espirrou-lhe na toga, na véspera, um raio fulminou Roma, e houve mesmo quem visse um cometa riscar os céus, poucos dias antes de à saída de um espetáculo de gladiadores, meia dúzia de tribunos, acolitados por um centurião, terem cravejado o corpo de Gaius à punhalada. Esta morte abjecta, confirma Suetónio, deveu-a Calígula a si próprio, graças à temeridade, à impiedade, à estupidez mesmo, que exibiu perante os presságios.

Os deuses romanos queriam bem à humanidade, intervindo amiúde no seu curso com benevolência e amparo. Em troca só pediam respeito, venerado com oferendas de sangue. Não eram como aquela identidade remota e inapelável dos cristãos, uma seita fremente e carrancuda, estranhamente influenciada pela superstição judaica. O deus deles só se exprimia através de catástrofes e castigos, assim patenteando o seu desprezo pelos homens.

Estaremos assim tão longe destes tempos e destas crenças, quando discutimos da maneira como o fazemos as supostas fórmulas económicas que nos salvarão da crise abissal para onde forças intangíveis e enigmáticas nos empurraram?

Ligaram a máquina de lavar

Rui Rocha, 07.08.12

Estamos a falar de dinheiro, muito dinheiro, que ao longo de anos saiu ilegalmente de Portugal. Desde património que saiu depois do 25 de Abril até rendimentos escondidos incluindo, suspeita-se, rendimentos ilícitos. Estamos a falar de dinheiro não declarado ao Fisco, de capitais que saíram pelas enormes nesgas dos sistemas financeiros e dos seus intermediários. Com esta amnistia fiscal, mais de 2,7 mil milhões de capitais que tinham fugido ilegalmente de Portugal vieram, nas últimas semanas, absolver-se de culpa. 2,7 mil milhões. É mais do que o Estado corta este ano em pensões e salários dos funcionários públicos. 


Pedro Santos Guerreiro, no editorial de hoje do Jornal de Negócios

Macroeconosutra

Rui Rocha, 10.07.12

Há tempos, vem a oferta (S) cruzando com a procura (D) nos compêndios de economia. No final do século XIX, o sábio Alfred Marshall lhes havia recomendado a posição da tesoura, com as hastes semiabertas, na busca de um equilíbrio natural entre a dor da verticalidade (P) e o prazer da horizontalidade (Q):

Nos anos 30, sofrendo de Grande Depressão, saíram a oferta e a procura em busca de posições mais estimulantes. Sugeriu-lhes, então, Keynes que a oferta se deitasse passivamente na horizontal, deixando à procura, revigorada por pílulas governamentais, assumir o papel ativo de estimular a atividade:

Por muitos anos viveram felizes assim, até que, nos anos 1970, padecendo com o Choque do Petróleo, a oferta se rebelou e assumiu a posição vertical. A prescrição de Keynes para obter maior Q-prazer através de estímulos da demanda tornou-se então fonte de pura P-dor:

Os seguidores de Keynes recomendaram então maior controlo do governo para diminuir a P-dor. Ressabiadas, a oferta e a procura saíram interior adentro, em busca de alternativas que mantivessem sua liberdade de movimentos. Encontraram-se com Milton Friedman, que lhes deu uma receita diretamente oposta à de keynes: devia a procura assumir uma posição horizontal passiva, mantendo assim a P-dor sob controlo. A oferta ficaria na posição vertical, crescendo à taxa natural, sem amarras do governo:

Deu-se então a Grande Moderação, com a P-dor sob controlo e o Q-prazer expandindo-se sob a égide dos casinos financeiros desregulamentados. Final feliz, entretanto, só nos contos de fadas. Desde o início do século XXI, a expansão da procura passou a depender cada vez mais do crédito facilitado pelos casinos. Sobreveio a Crise Financeira em 2008. Sobrecarregada de dívidas, a procura encolheu-se, não mais conseguindo responder aos estímulos creditícios. Também endividados, os governos não conseguiram mais estimulá-la com suas pílulas. A procura verticalizou-se, encolhida como estava, deixando um vácuo entre sua posição e a da oferta:

Descasadas, a procura e a oferta padecem agora de uma Q-dor que não sentiam desde os anos 1930. Prazer com a queda de P também não têm, pois ela apenas aumenta o peso das dívidas acumuladas. Estão agora a lamentar não ter dado mais atenção a Hayman Minsky, o profeta esquecido, que há tempos advertira sobre os perigos dos casinos financeiros. Como fazer para acasalar novamente procura e oferta? Velhos receituários retornam em tempos de crise. Ultra-Keinesianos só desejam mais estímulos, acreditando que a oferta vai atrás da procura onde ela for. Ultra-Friedmans só querem saber de menos controlo, pois acreditam, ao contrário, que a oferta gera sua própria procura. Melhor deixar os ultras com suas manias de lado e retornar ao ponto de partida do sábio Marshall. Reconhecer as individualidades da oferta e da procura, sabendo que uma não vive sem a outra, e almejam cruzar-se harmonicamente como se hastes fossem de uma mesma tesoura. Posições extremas são excitantes de tempos a tempos, mas somente o Caminho do Meio unifica e transcende a dualidade.

 

* Reprodução do texto de Edmar Bacha publicado no Globo, com ligeiríssimas alterações destinadas a facilitar a leitura.

 

A crise dos ricos e a crise dos pobres

José Maria Gui Pimentel, 14.05.12

A crise europeia afecta todos os países da região, todavia de dois modos altamente distintos. Nos países pobres, naqueles em que há uma crise a sério, o voto de protesto faz-se, como seria de esperar, nos partidos extremistas, de esquerda ou de direita. Nos países ricos, naqueles em que a crise é branda, esse mesmo voto é, hoje em dia, tendencialmente atraído pelos partidos capazes de abrir uma janela para lá do tédio da política tradicional. Por um lado aqueles que representam uma rejeição simplista aos políticos tradicionais (considerados aborrecidos, previsíveis, mentirosos). Por outro, em alguns casos (como a Holanda), partidos extremistas de direita, que culpam os incomodativos imigrantes. Por outro ainda aqueles que apresentam um leque de propostas assaz reduzido, centrado nas preocupações de uma classe média incomodada, mas bem instalada (disso é exemplo o Partido Pirata).

 

Os países do centro e norte da europa vivem, cada vez mais, a segunda realidade. Na Grécia, a primeira começa a instalar-se, com consequências ainda imprevisíveis. Portugal, se excluirmos o “candidato Coelho”, tem escapado relativamente incólume a qualquer um daqueles casos. O futuro, porém, não é garantido, e um adensar da crise pode dar força aos partidos dos extremos, mesmo no centro e norte da Europa.

 

Quem tem fome não vota em partidos de protesto, vota em partidos de acção. 

Elefantes e gambozinos

Ana Vidal, 16.04.12

Ir a Espanha por estes dias é quase como não sair da terrinha. Nos cafés, nas televisões, nos jornais, nas casas particulares, as conversas são exactamente as mesmas de cá: a crise, o drama do desemprego (lá é bastante mais elevado ainda), as consequências das medidas de austeridade extrema no estrangulamento da economia, a degradação do ensino e da saúde por causa dessa mesma austeridade, o despesismo e as ilusões dos governos socialistas que levaram ao descalabro, a insensibilidade social dos governos de direita, o aumento da insegurança nas ruas, a emigração a crescer, a esperança nas exportações, a caminhada a passos largos para um pedido de resgate à Europa (por uma vez chegámos primeiro, yupi), a perda de democracia, etc. etc. etc. Em que divergimos? Na dimensão dos faits divers com que o povo se entretém para disfarçar a fome e a frustração. Eles têm um rei que caça elefantes em África. Nós temos um presidente cuja reforma não chega nem para uma noite de gambozinos em Boliqueime.