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Delito de Opinião

Notícias do crime, cá e lá

Pedro Correia, 25.03.21

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Como aconteceu no mesmo dia, a comparação pode ser feita.

Nos EUA, um indivíduo desata aos tiros numa superfície comercial e acaba por matar dez pessoas, em Boulder, Colorado: horas depois ficamos a saber quase tudo sobre este crime. O nome e a idade do presumível criminoso, se tinha ou não cúmplices, como agiu, quanto tempo demorou a ser detido, que tipo de armamento utilizou, que acusação formal lhe é agora imputada pela justiça criminal. Tomo conhecimento disto assistindo ao Jornal da Noite da SIC, na terça-feira.

Em Portugal, algures no concelho do Seixal, várias viaturas da polícia de intervenção são mobilizadas para um alegado bairro por supostos moradores devido a «alguns distúrbios» nunca concretizados. As forças da autoridade são ali «recebidas com disparos» (revela o mesmo Jornal da Noite) e demoram horas a controlar a situação, havendo necessidade de recorrer ao Grupo de Operações Especiais da PSP e a brigadas de intervenção rápida, que se fizeram transportar em veículos blindados. «Uma força de elite foi chamada depois de almoço», sublinha o repórter num directo feito já de noite.

 

Quase nada ficamos a saber sobre o que realmente aconteceu, no caso português: nem quantos eram os elementos envolvidos, nem a idade deles, nem o tipo de armamento, nem o que esteve na origem dos incidentes, nem quais foram ao certo os danos causados.

Sabe-se apenas que «um suspeito foi detido e outros dois estão em fuga», deixando-se antever que estariam envolvidos só três indíviduos - algo que custa a crer dados os meios policiais utilizados e o longo tempo («a operação demorou perto de sete horas», diz o repórter da SIC) que demoraram a efectuar a solitária detenção.

Na RTP, uma testemunha, de costas para a câmara, alude a «caçadeiras» - não haveria armamento mais sofisticado? E o que terá causado aqueles distúrbios? Alguma festarola clandestina em violação do estado de emergência ou um motivo muito diferente? Justificava-se verdadeiramente o aparato policial envolvido na operação?

Nenhum destes canais me esclarece.

 

Consulto o Público de ontem e continuo sem nada saber. «Cerco policial em Corroios durou várias horas e terminou ao início da noite. Há dois elementos em fuga com PJ no encalço», eis o máximo de pormenores fornecidos na pág. 16. Após duas páginas (centrais) dedicadas à questão do «acesso às armas»... nos Estados Unidos. Na peça sobre o tiroteio na margem sul do Tejo, quase todo o destaque é reservado a críticas de alegados residentes à intervenção policial. Nem sequer ficamos a saber o local preciso onde aquilo aconteceu (Corroios é uma vasta freguesia do concelho do Seixal e a segunda vila mais populosa do País) ou até se foi num verdadeiro "bairro" ou não.

Só na terceira linha a contar do fim, numa peça com 79, surge um vislumbre do que possa ter ocasionado os distúrbios violentos. Quando uma presumível moradora solta esta frase: «De há um tempo para cá começou a história da maldita droga.»

 

De um lado, clareza informativa; do outro, uma nebulosa de interrogações não esclarecidas. Mas logo ali se ensaia, pelo menos num canal televisivo que acompanhei, toda uma narrativa pronta a servir de pseudo-sociologia justificativa da delinquência. Sem nunca se questionar o poder autárquico da zona - no caso, a Câmara Municipal do Seixal, há quase meio século monopólio do PCP. 

De um lado, jornalismo. Do outro, uma coisa em forma de assim, na tentativa canhestra e mal sucedida de o imitar.

Ficámos mais bem informados? Sim, sobre o que aconteceu nos EUA. Só nisso, uma vez mais. 

Terrorismo

Maria Dulce Fernandes, 02.06.20

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Li hoje na imprensa internacional disponibilizada online que as pessoas aproveitam qualquer pretexto para se amotinar, saquear e pilhar, normalmente em nome da igualdade e da justiça.

A morte de um ser humano às mãos de um seu semelhante nunca é um “qualquer pretexto". É um acto de extrema barbárie, independentemente do contexto. Não tem desculpa nem justificação. É algo deontologicamente desprezível e totalmente inaceitável na cultura ocidental.

Dito isto, pergunto-me se amotinar-se, saquear e pilhar se justificam pelo sentimento de revolta, genuíno e esmagador, em crescendo contínuo na sequência da morte violenta e sem sentido de mais um ser humano às mãos de quem o devia ajudar e proteger. Mortes, violência sem justificação nem sentido acontecem infelizmente todos os dias e a todas as horas, por esse mundo fora, e a grande maioria nunca chega ao nosso conhecimento.

O que é que esta morte por brutalidade policial tem de diferente de todas as outras? Nada. Não tem nada de diferente. É mais um crime contra a humanidade, como tantos milhares de outros crimes. Apenas o mediatismo é extrapolado: apela à revolta, à instabilidade e ao terrorismo. Apela ao medo e à justiça sumária. Apela à selvajaria. Apela ao crime.

Não é possível apagar um crime hediondo praticando milhares de outros que tais, igualmente injustificáveis e desprezíveis.

Se moralmente poderão estes levantamentos populares na sua essência,  serem considerados actos de terrorismo? Podem, sim. Este "fim" não justifica os meios. De modo nenhum.

Como se os crimes tivessem cor

Pedro Correia, 08.01.20

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Dois jovens foram assassinados no «quarto país mais seguro do mundo» (António Costa dixit). Com cinco dias de intervalo, em duas cidades diferentes. Um em Bragança, outro em Lisboa.

O primeiro foi morto por espancamento, o outro por esfaqueamento.

Um chamava-se Luís, o outro chamava-se Pedro.

Eram ambos estudantes. Um tinha 21 anos, outro 24.

 

Um está a suscitar marchas e vigílias de homenagem póstuma a nível nacional. O outro, não.

«Barbaramente assassinado», proclama o Esquerda.net - órgão nacional do Bloco de Esquerda - perante um destes revoltantes crimes.

Sobre o outro, nem uma linha.

A deputada Joacine Katar Moreira expressou «consternação e repúdio» sobre um destes homicídios.

Sobre o outro, nada.

 

Há muitas formas de racismo. Distinguir os cadáveres de dois jovens em função da pigmentação da pele é uma delas.

Instrumentalizando um deles, de modo obsceno, com fins políticos.