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Delito de Opinião

Simplesmente vergonhoso

Pedro Correia, 23.07.24

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1

Faz agora dez anos, na cimeira de Díli, a Guiné Equatorial foi admitida como membro de pleno direito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Sem cumprir critérios fundamentais plasmados nos estatutos desta organização. Desde logo, o idioma português nunca vigorou naquela república subsariana que foi colónia espanhola até 1968. Além disso o país mantinha a pena de morte no seu ordenamento jurídico - aberração que bastaria para deixá-lo do lado de lá da porta.

Sem esquecer que Teodoro Obiang era à data, como ainda hoje, o tirano há mais tempo no poder em África. Tristemente célebre por violar elementares direitos humanos.

 

2

Recordo-me bem: senti como uma humilhação nacional ver o Presidente da República e o primeiro-ministro sentados àquela mesa. E fiquei perplexo ao perceber que proclamados defensores de direitos humanos, como Dilma Rousseff e Xanana Gusmão, dobravam a cerviz ao tirano de Malabo.

Dilma, que combateu a ditadura militar brasileira, abraçou Obiang, tão repugnante como os generais e almirantes dessa era de triste memória no Brasil. Com uma agravante: este déspota ocupa o poder para além do dobro do tempo que durou a ditadura militar em Brasília.

Por seu lado Xanana, que liderou o povo timorense na luta contra o regime ditatorial do general Suharto e a ocupação ilegal de Timor-Leste pela Indonésia, devia ter sido o primeiro a pôr Obiang à distância. Lamentavelmente, pelo contrário, deu-lhe honras de astro-rei da política internacional na referida cimeira.

 

3

Portugal terá resistido até ao limite. Foi vetando a entrada da Guiné Equatorial na CPLP até mais ninguém nos acompanhar nesta posição.

A questão é que na defesa dos direitos humanos - como fizemos em relação a Timor - nunca devemos temer o isolamento. Porque a razão e a verdade não dependem de modas, tendências, calculismos de ocasião ou listas de precedências. Muito menos dependem da descoberta de novas reservas de petróleo.

Prefiro ver o meu país isolado sem perder a razão nem a dignidade do que vê-lo integradinho na "comunidade internacional", perdendo uma e outra.

A originalidade e a força da CPLP assentaria sempre na base cultural. No idioma comum, na cultura comum cimentada pela unidade linguística.

A partir do momento em que o critério dominante assentou na "diplomacia económica", que venha a Noruega, a Venezuela, a Turquia, até a Arábia Saudita.

A organização manteria a sigla, mas com um significado bem diferente. Comunidade dos Países de Ligação ao Petróleo. Da nossa parte apenas como consumidores-aquisidores...

 

4

Ironias à parte, a CPLP só se justifica enquanto entidade congregadora de Estados onde se fala português. Nada mais.

A nossa língua - a de Camões, de Pessoa, de Alda Lara, de Craveirinha, de Alda Espírito-Santo, de Mia Couto, de Manuel Bandeira, de Drummond, de Sophia, de Agualusa, de Eça e Machado de Assis - não se confunde com o tosco castelhano arengado pelo ditador da Guiné Equatorial.

A questão central é esta. Em 23 de Julho de 2014 foi admitida na CPLP uma torpe tirania com base numa inqualificável aldrabice: a língua portuguesa serviu de falsa moeda de troca a esta entrada.

Um dos mais repugnantes ditadores africanos (e nunca faltaram ditadores em África) passou a contar também com a bênção oficial do nosso Estado. Isto envergonhou-me enquanto cidadão português.

Dez anos depois, continuo a sentir o mesmo. 

A Rússia e África

jpt, 10.05.24

Putin espera "maior coordenação" com Moçambique no Conselho de Segurança da  ONU - SIC Notícias

Desde os meus tempos de petiz que foi evidente a minha inabilidade para as artes plásticas. A falta de talento terá também convocado a amargurada desmotivação. E tudo descambou, a ponto de no 8º ano ter chegado ao ponto - inusitado - de reprovar na disciplina de "Educação  Visual", notícia recebida pelos meus pais com notório desencanto. E devido a esse meu défice sempre me ficou vedada a opção de rematar debates com o sacrossanto posfácio "percebeste, ou queres que te faça um desenho?", tantas vezes necessário, principalmente quando se trata de explicar o óbvio, este para alguns tão difícil de apreender.

Sinto-o, recordo-o, agora, quando vários amigos - prenhes de verrina, até sádica (como já aqui lamentei) - me cutucam com a notícia de que a Iniciativa Liberal convocou o ministro dos Negócios Estrangeiros para que se apresente na Assembleia da República, explicando o que vai fazer face às negociações aproximadoras entre a Rússia e países africanos membros da CPLP. Enviam-me a notícia com comentários e invectivas, tipo "olha os teus amigos da IL", e imagino-lhes os sorrisos sarcásticos enquanto teclam. Sabem eles, e por isso me gozam, que louvei - enfaticamente - a intervenção parlamentar que há meses a IL fez relativamente às problemáticas eleições autárquicas em Moçambique (em 26.10.23 e em 30.10.23). Tal como, e já agora recordo-o porque  vem a propósito, muito louvei a intervenção no Parlamento Europeu que o agora ministro Paulo Rangel fez, relativamente aos conflitos no norte de Moçambique (18.9.20 e 3.10.20). 

Acontece que também sabem eles, esses meus amigos - e até eu o sei, caramba - que é pertinente uma intervenção parlamentar (em cenário nacional ou internacional), sonora, apelando à conjugação de esforços para obstar a situações de facto gravosas em contextos alheios, servindo isso para reforçar nossas iniciativas nacionais e tentando induzir posições alheias. E que é completamente diferente - impertinente, entenda-se - uma intervenção parlamentar, sonora (e querendo-se até tonitruante), convocando acções para afrontar as legítimas relações bilaterais e multilaterais de Estados soberanos, nossos aliados. (E permito-me recordar que sobre esta questão escrevi "A CPLP e a Ucrânia" em 4.3.22). 

Ou seja, face à crescente interacção entre a ditadura russa e os nossos aliados PALOP (países africanos de língua oficial portuguesa) é desejável que a diplomacia portuguesa acompanhe o processo, tente contrabalançar um pouco a situação. Na surdina que lhe é virtuosa essência. Mas é descabido, pois até contraproducente, que isso sirva para a agit-prop cá no burgo.

Mas mais ainda: são consabidas as fortes relações, económicas e políticas, entre a Rússia e o nosso aliado PALOP (país americano de língua oficial portuguesa), traduzidas num relativo apoio do Brasil à investida de Moscovo na Ucrânia, tanto durante a presidência de Bolsonaro como na de Lula da Silva. Vai a IL chamar o MNE Rangel ao parlamento para que este avance o que irá fazer diante dessa situação? Não, como é óbvio.

Enfim, o que mostra isto? Que se pode tirar a criança do Império, mas não se tira o Império da criança. É certo, pode-se ser optimista, ansiar que a criança cresça, amadureça, se ilumine. E é por isso, por essa minha vontade episódica de optimismo (antropológico), que faço este pedido: dado o meu acima referido défice gráfico será que alguém dotado o suficiente poderá desenhar uma ilustração deste óbvio e enviá-la à sede da IL? A ver se amadurecem?

(Post-scriptum: nas próximas eleições europeias votarei na IL).

Guiné-Bissau

jpt, 11.12.23

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(Bolama)

Há semanas deixei uns textos sobre a situação pós-eleitoral em Moçambique (1, 2, 3). Neles explicitei a minha preocupação com a deriva política no país - a qual não era assim tão descabida, dados os passos subsequentes e também declarações de várias personalidades relevantes do sistema político nacional. E lamentei a inexistência de um sinal parlamentar português, que expressasse uma solidária preocupação com a democratização desenvolvimentista moçambicana. Em 20 anos de bloguismo esses textos foram os que me causaram mais interacções directas, o que me foi muito simpático: tanto de Moçambique como de Portugal recebi dezenas de mensagens e telefonemas de amigos/conhecidos saudando o conteúdo (e o tom) do que eu afirmara. Sim, presunção e água benta, cada um toma a que quer... mas estou a ser radicalmente franco!

Mas também tive alguns enxovalhos, um pequeno punhado de invectivas. Pessoas conhecidas a chamarem "imbecis" aos tipos da IL (que haviam proposto na nossa AR um voto sobre a matéria), e nisso a apodarem-me indirectamente de "imbecil", outros a considerarem de "absurdas" as minhas palavras, tal e qual estivesse eu a propôr ingerências, assim tipo a que os "paraquedistas portugueses" se comportassem quais os franceses do velho Bob Denard nas incursões "africanistas" de XX. Confesso o meu espanto incomodado desses dias diante de tais reacções... Eu sei que as pessoas interpretam como querem, normalmente através de furiosas percepções a priori mas, caramba, há limites para o disparate.

Passaram dois meses. Entretanto, noutro país da CPLP, a Guiné-Bissau, houve um golpe presidencial. Algumas pessoas logo me desafiaram, em veementes "escreve!". Mas sei pouco sobre a Guiné-Bissau - de facto, quase nada para além do vínculo toponímico com a cidade de Bolama. Nem sou um "africanista" e muito menos um "tudólogo". Escrevo irresponsavelmente sobre as coisas do meu quotidiano. Mas sobre o quotidiano alheio exige-se a sageza do conhecimento prévio... Mas fui-me informar. E entre o que leio surge esta notícia,

Nela consta que - e estando algo suspensos o nosso governo e o nosso parlamento -, há uma iniciativa explícita do nosso partido governamental para, no âmbito parlamentar da CPLP, defender a legalidade democrática constitucional na Guiné-Bissau. Ora era de algo deste teor que eu falara naqueles meus textos, de um sinal político próprio expressando a preocupação com um crescendo de défice democrático (desenvolvimentista). Sendo nisso também alento moral para aqueles que a isso se opõem, democrática e pacificamente.

Presumo que aqueles que me vieram invectivar clamem agora que os "tipos do PS" que propõem isto são uns "imbecis" e que os seus apoiantes também o serão. E que são também, os tais "do PS", uns neo-colonos...

(É certo que o mandatado pelo PS para capitanear esta iniciativa nas instâncias da CPLP é o mais infrequentável dos políticos portugueses - Porfírio Silva, o professor universitário de Filosofia (!?) que como deputado socialista afirmava que Passos Coelho usava a doença mortal da sua mulher para fins eleitoralistas. Mas "não seja por isso", é consabido que o PS só tem este tipo de gente, já lá não há melhor, aproveite-se as duas vezes por dia que aquele velho e degenerado relógio está certo...)

O Estoicismo Moçambicano

jpt, 19.10.23

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(Mutarara, 2007: composição iconográfica que julguei exemplar do processo moçambicano)

O "Observador" publicou ontem este meu texto

O Estoicismo Moçambicano

As eleições autárquicas em Moçambique da passada semana logo se tornaram um cúmulo de desconchavo. No processo de municipalização do país, 65 dos seus 154 distritos são já municípios – há um quarto de século eram apenas 33. E é nesses órgãos eleitos que tem vigorado a efectiva partilha de poder - a realidade democrática -, dada a gradual conquista de vários conselhos municipais pelos partidos da oposição.

 

 

Imigrantes da CPLP

jpt, 20.02.23

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – Wikipédia, a enciclopédia livre

Num mundo feito de países cada um destes deve ser soberano no estipular dos fluxos imigratórios que decide acolher/induzir- e nisso há duas adendas: a soberania é, por definição, relativa, pois subordinada à contratualização internacional; a transposição das obrigações a ter com refugiados para essa noção muito em voga de “refugiados económicos”, é uma demagogia própria de serventuários dos sequiosos amantes de mão-de-obra desapossada, estupradores do lumpen.
 
Há alguns dias, na sequência da morte de imigrantes devido ao incêndio do “compound” que os albergava em plena Lisboa velha, Carlos Moedas (do qual tenho uma boa impressão) e Luís Montenegro (que me parece um evidente erro de “casting”) apelaram ao ordenamento da imigração. Logo de Belém ao Rato choveram os dichotes, ecoados pela ralé reaccionária. Mas é mesmo necessário regular a imigração, e mais fácil o é agora porque é relativamente reduzida. E isso para muito melhor acolher os imigrantes: nem se trata de os “integrar” ou “assimilar” - termos que o folclore contestatário da já velha “esquerda” multiculturalista muito contesta para efeitos da sua guerrilha onírica-, mas de os inserir, nisso estendendo-lhes ao máximo o acesso real aos direitos que uma muito decente legislação já lhes atribui.
 
Assim sendo, esta notícia da atribuição imediata (e com facilidade de procedimentos burocráticos) de residência anual - com a concomitante segurança que disso advém - aos provenientes dos outros países da CPLP é um grande momento. Rejubilo não só por razões ideológicas mas também pela longa convivência com os problemas tidos no acesso a Portugal, principalmente por cidadãos moçambicanos, cá dirigidos por razões pessoais, turísticas, familiares, estudantis, laborais e imigratórias. Delongas, dificuldades, desconfianças até desesperantes. E injustificadas na era que vivemos.
 
Enfim, estamos tão viciados no “bota-abaixo”, nacional e internacional, que nos arriscamos à distracção diante do (muito) bom que também surge. E isto é mesmo muito bom. Viva!
 
(Já agora, porque vem um bocadinho a propósito. Os nossos governos têm sido, e justificadamente, muito contestados. Pelas trôpegas políticas. Mas também pela mediocridade de muitos dos seus membros, gente que não se compreende como o PS desencanta - e nisso como esquecer, como exemplos paradigmáticos, a actual ministra da Agricultura, o antepenúltimo da Defesa ou o penúltimo da Administração Interna? Também por isso convirá realçar que - “até ver”, pelo menos - este ministro Carneiro - que surge anunciando este processo ainda que obviamente não seja o autor da medida, de âmbito bem mais vasto do que a sua tutela - tem sido uma boa surpresa, entre o discreto e o eficiente. “Ele” há-os…)

Ver mais longe

Pedro Correia, 19.08.22

«Com alguma pompa e circunstância e a presença de Dulce Pontes, nasceu a Comunidade dos Países de Língua (oficial) Portuguesa. Fernando Henrique Cardoso esportulou 600 mil contos e Portugal 60 mil. Suponho que o dinheiro servirá para a colectiva congeminação de um acordo ortográfico verdadeiramente devastador. Não vejo que possa servir para mais nada, porque nada existe de comum entre os países da comunidade de língua (oficial) portuguesa. Nem sequer, em rigor, a língua.»

 

Vasco Pulido Valente, n' O Independente (19 de Julho de 1996)

A CPLP e a Ucrânia

jpt, 04.03.22

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A votação na ONU em 2 de Março da resolução avessa à invasão russa da Ucrânia foi um assinalável sucesso (141 países a favor, 5 contra, 35 abstenções, 12 ausências) - independentemente de outras considerações  mais analíticas, aludindo ao efeito efectivo destas resoluções, ao peso relativo dos países que surgiram com diferentes posições, à evolução do sentido de voto de países e/ou regiões, etc. E, acima de tudo, sobre o que o voto desta resolução significa efectivamente para cada país.

Mas há outra dimensão analítica que poderá ser interessante, o da heterogeneidade das decisões interna a cada comunidade de países. O que é normal, pois cada país decide segundo os seus interesses nacionais, suas relações bilaterais preferenciais, e também porque é comum que países pertençam a diferentes  comunidades internacionais. E dessa heterogeneidade interna a cada "bloco" é exemplo muito significativo que entre os 16 países da SADC, 7 tenham votado favoravelmente, 8 se abstiveram e o Eswatini não tenha expressado a sua opção.

Neste âmbito é interessante olhar para o que aconteceu entre os países da CPLP. Entre os seus 9 países, 4 dessolidarizaram-se com esta denúncia da negação russa à auto-determinação ucraniana - Angola, Guiné Equatorial e  Moçambique abstiveram-se, a Guiné-Bissau eximiu-se à votação. E nisto é preciso contar com o actual percurso brasileiro, pois sendo certo que se esse país votou favoravelmente a (de facto) simbólica condenação, o seu presidente Bolsonaro não só acaba de visitar, efusivamente, a Rússia como já depois do início da invasão reiterou a "neutralidade" do seu país face a esta situação. 

Isto é muito significativo pois a CPLP tem como primeiro objectivo geral (Artigo 4º.1.a.) "A concertação político-diplomática entre os seus membros em matéria de relações internacionais, nomeadamente para o reforço da sua presença nos fora internacionais". Repito o que acima disse, é normal a existência de diferentes estratégias nacionais dentro de cada "comunidade de países", e assim este facto não justifica a armadilha das hipérboles "críticas"  (o popularucho "aquilo não serve para nada").

É certo que esta guerra é de importância global, pelo peso mundial da Rússia, pelo que deixa (ante?)ver sobre os seus propósitos futuros, com uma estruturante política bélica em curso. E pelo "efeito dominó" que poderá ter noutras regiões, um reanimar do paradigma do nacionalismo de base "etno-racial", agora tão proclamado pelo presidente Putin - e tão magnificamente denunciado pelo embaixador queniano na ONU -, sempre presente mas quantas vezes adormecido ou, pelo menos, contido. Ou seja, esta votação - e até exactamente pelo seu carácter mais simbólico do que executivo - foi um dos momentos internacionais mais marcantes desde o surgimento da CPLP.

Ainda assim, e apesar dessa preocupante relevância mundial desta guerra, é normal que entre os países da CPLP ela seja sentida em Portugal com particular ansiedade: pela (relativa) proximidade geográfica; pela proximidade política, dada a integração na U.E. e na NATO; e pela pertença à não tão fluida assim (apesar de tantas críticas e negações, que se querem ilegitimadoras) a uma "identidade europeia". Nesse sentido, e sem ter em conta adesões mais ou menos ideológicas à Carta das Nações Unidas ou a um pacificismo, é normal que estas votações dos países da CPLP sejam mais descoroçoantes para os portugueses do que para os cidadãos dos outros países.

E é neste relativo desânimo - ainda que compreendendo as múltiplas influências que imprimem as legítimas estratégias de política externa de cada país - que se torna normal interrogar qual o estado da CPLP, que tipo de organicidade se conseguiu conquistar, por fluida e até conflitual que seja. Ou seja, e simplesmente, qual a consecução do seu primeiro "Objectivo Geral". Pois face a uma situação destas as lideranças austrais nada se abstraem. Mas abstêm-se. Ou retraem-se.

Seria muito redutor imputar as causas desta situação à acção de Portugal. Mas ainda assim, como portugueses olhando a tão celebrada CPLP, podemos interrogar-nos sobre o que isto representa. Sabendo que a diplomacia portuguesa é de qualidade, mostra-o o percurso internacional do país nesta II República, talvez nos possamos interrogar se a política externa portuguesa o é. E talvez este estado da CPLP possa contribuir para esse ajuizar. 

Mas com toda a certeza permite, desde já, uma conclusão, ainda que de relevância muito secundária: a política externa portuguesa não ganha grande coisa com dancetaria tropical e banhos de mar em águas tépidas do seu responsável máximo. Por mais que as nossas imprensa e "opinião pública" se regozijem com esses devaneios. É preciso muito mais.

Nem uma lágrima pelo Cabo Delgado

jpt, 06.07.20

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Nem um suspiro pelo Cabo Delgado, quanto mais uma lágrima ...

No sábado um amigo em Maputo, lusomoçambicano que durante anos foi jornalista em importantes jornais em Portugal e, depois, em Moçambique, partilhou no seu mural de facebook a notícia de mais uma emboscada nas estradas de Cabo Delgado, a qual causou dez mortos, com três sobreviventes que conseguiram fugir para o mato. Um dos mortos era irmão de um seu conhecido. Ao seu postal, que publicou "para ver se o mundo acorda um bocadinho para esta inexplicável guerra que está a decorrer na província de Cabo Delgado, no extremo norte de Moçambique, desde Outubro de 2017", juntou várias fotografias dos túmulos dos assassinados pelos guerrilheiros. No meu mural de FB partilhei o seu postal e fotos, tal como várias outras pessoas o fizeram, exactamente com o mesmo objectivo, dar visibilidade a esta desgraça crescente. Nessa mesma semana as notícias mostraram efeitos de mais um ataque guerrilheiro a Mocimboa da Praia, com relatos de inúmeros militares mortos - até de um oficial superior - e da população em fuga. Desta ouvem-se, em registos áudio,  relatos de sevícias praticadas por guerrilheiros e de desmandos por parte da tropa regular. Uma refugiada de Mocimboa descreve com detalhe a situação, explicitando que os guerrilheiros "vêm para matar, nem avisam" e que os soldados pilham, dizendo-os, em frase extraordinária, "os novos insurgentes".

Quase todos os dias vejo no FB, em páginas individuais ou colectivas de moçambicanos, notícias e filmes sobre as atrocidades que vão decorrendo no Cabo Delgado. E muitas outras me chegam via Whatsapp. Na última semana chegaram-me, por esta via, filmes de inúmeros cadáveres dos chamados "insurgentes". A lógica, explícita nas palavras de um soldado audível num desses filmes, é mostrar aos revoltosos, e à população, que eles são abatíveis, que nem as notícias das suas baixas são mera propaganda estatal nem eles são invulneráveis - e mesmo que não tenha ainda ouvido falar da crença entre estes insurgentes da sua invulnerabilidade convém lembrar que essa é uma hipótese, dado que a crença na imortalidade mágica dos combatentes grassou no norte de Moçambique nos últimos anos da guerra civil, há trinta anos. 

Mais uma vez partilhei - via Whatsapp - com alguns amigos que têm ligações a Moçambique (ou nacionais ou portugueses que lá viveram) as notícias que recebera explicitando que não reenviava os filmes por serem excessivos, macabros. Dois desses amigos, mais vividos, pediram-mos e assim lhos reenviei. A resposta de ambos foi imediata e coincidente: "não os partilharei", tamanha a comoção que haviam tido. Mas, de facto, logo encontrei essas imagens no facebook na página Pinnacle News, animada por um conjunto de jornalistas e amadores moçambicanos, vários dos quais estão nas províncias do norte do país.

Em 29 de Janeiro de 2018 eu, já cansado de notícias sobre a eclosão deste movimento, aqui publiquei este postal Guerrilha Islâmica em Moçambique - reproduzindo um filme entretanto desaparecido que continha declarações pró-sharia de guerrilheiros encapuçados. Eu conheço o país, nele vivi, conheço aquele norte. E muito fui resmungando desde a década passada, em privado pois isto é matéria sobre a qual não se especula em espaço público, sobre as possibilidades da eclosão deste tipo de conflito. Mas não tinha, nem tenho, quaisquer fontes privilegiadas. Ou seja, não era preciso ser nem druida nem agente de informações para prever coisas destas, nem o é para acompanhar, desde há dois anos e meio, este processo.

Ontem, numa magnífica noite de verão, jantei com amigos aqui ao ar livre, no retiro bucólico em que venho envelhecendo. No final debatia-se, com veemência, as questões da arte e da (im)pertinência filosófica da chamada "arte contemporânea". Nesse entretanto recebi mais uma mensagem via Whatsapp, enviada por outro amigo de Maputo: uma ligação para um filme colocado naquela página de FB. Para não incomodar os convivas vi-o silencioso. Durante 2 minutos e 53 segundos um (presumível) guerrilheiro é linchado por um grupo de soldados. Aparentemente morre. Eu levantei-me fui ao interior da casa, servi-me de um uísque, liguei o som do telemóvel, comprovei que se tratava de  Moçambique, pelo português falado e seu sotaque. Bebi um seco. Servi-me de um outro, com gelo. E regressei à douta conversa. Ainda que pouco loquaz. Mesmo muito pouco.

Serei eu assim tão igual à "jornalista" que há um mês chorava pela morte de um cidadão norte-americano, esganado por um polícia? Tão igual aos seus colegas que não enchem primeiras páginas e aberturas televisivas com este assunto? Tão igual às turbas de manifestantes que então saíram às ruas clamando que as "vidas dos negros contam"? Tão igual aos pobres opinadores que "contextualizam" este silêncio - que é mediático, político e, acima de tudo, cultural - porque não há imagens das violências enquanto o cidadão Floyd foi assassinado diante de um telemóvel?

Pois se a profusão de notícias, o relevo que lhes é dado, e as "indignações" que causam, dependem das imagens dos morticínios então entenda-se bem: sobre o Cabo Delgado há imensas imagens, imensos filmes, e há mortes em directo. Tudo disponível, em canal aberto. A jornalista "afrodescendente" não se comove com estas imagens? Nem os seus colegas? Nem os indignistas burguesotes? Nenhum cidadão português pergunta "o que fazer"? Para que serve a "relação privilegiada", a extraordinária diplomacia portuguesa - afadigada na preparação da "presidência"? Onde está a tão propalada "costela" moçambicana do PR? O legado anticolonialista oriundo de Moçambique patentado pelo nosso PM? E, já agora, para que serve a CPLP? Pois o silêncio, tonitruante, não é apenas dos "indignistas" profissionais ou dos jornalistas, preguiçando nas redacções. É também das elites políticas. Essas que andam há décadas a papaguearem "lusofonices".

As causas do conflito no Cabo Delgado serão várias e foram sendo caladas. Há três meses ainda se podia ler intelectuais moçambicanos dizerem que se tudo se resumia a actos de "mercenários ocidentais desempregados" ou dos "interesses americanos". O mesmo tipo de intelectuais que insultavam o meu colega moçambicano que, primeiro do que todos, ainda em 2017, aludiu a tensões étnicas na região. Diziam-mo a mim, não o esqueço, para minha contida repulsa. 

Causas várias haverá, internas, externas, no âmbito da consabida "maldição dos recursos naturais". E essa pluralidade das causas impede aquilo que a pobre jornalista chorona e os seus similares gostam: apontar o dedo aos americanos ("yankees", dizia-se), ou, vá lá, aos "ocidentais", e resolver-se o assunto, construir-se a narrativa. Que sirva de catapulta para o protesto "as usual". Não veste bem, esta narrativa? Então nem se enfatizam as notícias nem se protesta. Pois para quê? São só pretos, e coisas entre eles ...

E aqui sim, vejo o tal "racismo estrutural".

A Guiné Equatorial devia sair da CPLP*

Alexandre Guerra, 18.04.19

As razões que motivaram o interesse e consequente adesão da Guiné Equatorial à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em 2014, nunca foram devidamente explicadas aos portugueses (pelo menos àqueles que seguem estas matérias). Ficou-se com a ideia de que o processo foi desenrolado de forma envergonhada nos bastidores da diplomacia, sem que se compreendesse verdadeiramente por que é que um Estado como a Guiné Equatorial, detentor de um lamentável registo em matéria de Direitos Humanos e sem qualquer ligação histórico-linguística relevante com a CPLP, tenha sido acolhido nesta organização.

A X Cimeira da CPLP realizada em Díli, a 23 de Julho de 2014, serviu de palco para os líderes lusófonos formalizarem a adesão, num ambiente “restrito”, como se estivessem a fazer algo às escondidas. Aliás, a própria resolução de “admissão” é de uma pobreza confrangedora, limitando-se a seis curtíssimos parágrafos numa folha A4, sem qualquer elemento marcante ou inspirador, ostentando meras declarações burocráticas. Segundo um take da Lusa na altura, houve “um consenso generalizado" favorável à entrada da Guiné Equatorial, mas também um "debate intenso", suscitado por Portugal. É certo que a diplomacia portuguesa não deixou de manifestar (timidamente) o seu desagrado, mas o que é facto é que acabou por anuir numa decisão que em nada contribuiu para o fortalecimento da CPLP. Pelo contrário.

Passaram quase cinco anos desde a adesão e a única justificação encontrada, mas nunca assumida directa e frontalmente por ninguém, teria a ver com a vontade de Luanda, embora nunca se percebendo bem o que ganharia o regime angolano com esta manobra. Mais petróleo? Nessa mesma cimeira de Díli, em que se decidiu admitir a Guiné Equatorial na CPLP, a Lusa citava uma fonte da delegação brasileira, em que informava não ter havido qualquer votação, mas antes "uma formação de uma opinião geral". Conceito vago e revelador da névoa que se tinha abatido sobre todo o processo.

Desde então que a Guiné Equatorial tem sido um embaraço no seio da CPLP e, em particular, para Portugal, que dificilmente poderá ser, por muito mais tempo, conivente com o regime que Teodoro Obiang lidera desde 1979. Ainda recentemente, nas páginas do PÚBLICO, a jornalista Bárbara Reis espelhava bem a realidade interna daquele país africano e assumia que: “Temos uma Coreia do Norte na CPLP”. Aliás, a partir do momento em que passou a estar em cima da mesa a eventual adesão da Guiné Equatorial à CPLP, foram várias as ONG e entidades de países africanos que se manifestaram contra essa possibilidade, alegando, precisamente, o cariz ditatorial e repressivo de Obiang.

A incoerência (talvez forçada) de Portugal fica evidente quando o próprio Presidente de então, Cavaco Silva, enaltece nessa mesma cimeira de Díli “os princípios fundadores” da CPLP, “que incluem o respeito pelos direitos humanos e o uso do português como língua oficial”. É importante notar que, de todos os países da CPLP, e por diferentes razões histórico-políticas, naturalmente, Portugal talvez fosse aquele que mais desconforto sentisse com a situação.

A saída airosa encontrada para Lisboa foi um “roteiro” de Direitos Humanos para Obiang seguir, uma espécie de analgésico para o desconforto sentido nas Necessidades. Entre as várias medidas (nunca efectivamente concretizadas) estava a abolição da pena de morte, que até hoje se traduziu apenas numa moratória, sem que o regime tenha dado sinais de querer resolver o problema definitivamente. Cinco anos depois da adesão e das condições impostas, Obiang desafia claramente Lisboa e, por isso, Cabo Verde, país que actualmente ocupa a presidência da CPLP, está a envidar todos os esforços para que a pena de morte seja abolida rapidamente na Guiné Equatorial.

Teodoro Obiang esteve na cidade da Praia, no passado dia 15, reunindo com o seu homólogo cabo-verdiano, onde prometeu que iria abolir a pena de morte, mas sem “pressa”. Esta declaração deve ser recebida sem grande entusiasmo, porque não é mais do que uma resposta cínica de Obiang para aliviar a pressão feita pelo primeiro-ministro português na V Cimeira Luso-Cabo verdiana que se realizou dois dias antes em Lisboa (13). António Costa foi claro nas palavras: ou a Guiné Equatorial cumpre e se revê “neste quadro comum” da CPLP, “um espaço democrático, respeitador do Estado de Direito e sem pena de morte”; ou então, ficou implícito nas suas declarações, terá que deixar de ser membro da CPLP.

Porém, o problema não se coloca apenas na questão da pena de morte, porque o regime de Obiang padece de inúmeros males, incompatíveis com os princípios e valores democráticos. A organização não governamental Human Rights Watch destaca a corrupção endémica, o nepotismo e a repressão violenta como algumas das piores violações de Obiang. Ainda há dias divulgou um vídeo para sensibilizar os governos com assento no Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas (HRC) a serem particularmente vigilantes no âmbito do terceiro ciclo da Universal Periodic Review (UPR). A UPR é um mecanismo de acompanhamento e de escrutínio aos indicadores dos Direitos Humanos, em que cada Estado-membro da ONU tem que “prestar contas”, de quatro em quatro anos, sobre o “estado da arte” nesta área. No caso da Guiné Equatorial, está previso que o processo de revisão seja colocado à consideração do HRC no próximo dia 13 de Maio, esperando-se que desta nova avaliação fique bem evidenciado o “silenciamento” brutal de activistas e opositores políticos, com inúmeros casos de detenções arbitrárias, intimidação e tortura. Este processo ganha particular relevância neste momento, uma vez que a Guiné Equatorial integra o Conselho de Segurança, enquanto membro não permanente.

Não é preciso ser-se um especialista em relações internacionais ou diplomacia para perceber que a Guiné Equatorial, sob o regime ditatorial de Obiang, nunca deveria ter tido lugar numa organização como a CPLP e é por isso que, agora, a diplomacia portuguesa devia assumir, com toda a convicção, a correcção do erro histórico cometido há cinco anos em Díli, iniciando o processo de saída daquele país. Uma espécie de “Brexit”, mas ao contrário. Além disso, as circunstâncias políticas em Angola alteraram-se radicalmente, soprando ventos de alguma mudança, que poderão ajudar Lisboa no afastamento da Guiné Equatorial e, ao mesmo tempo, na revitalização e credibilização da CPLP.

*Artigo publicado esta Quinta-feira (18) no jornal Público.

Guiné Equatorial, uma história de hipocrisia diplomática

Alexandre Guerra, 03.11.16

Ainda a propósito da XI Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada em Brasília, continua a ser muito interessante ver a hipocrisia diplomática de algumas vozes em Lisboa (e não só) face à Guiné Equatorial. Por um lado, lá se fazem umas críticas ao regime de Teodoro Obiang, mas depois é extraordinário ver outros responsáveis nacionais, em jeito de auto-convencimento, a sublinhar que a Guiné Equatorial já informou ter ratificado os estatutos da CPLP e que a decisão da abolição da pena de morte tramitou no processo legislativo e aguarda publicação. Ou seja, mais uma vez, as autoridades portuguesas assumem uma postura de conivência com um regime que, mesmo que ratifique os estatutos da CPLP, que abula a pena de morte (o que ainda está para se ver) e que generalize o ensino do português no país (o que dificilmente acontecerá), continua a ser um dos melhores exemplos de uma ditadura ao bom e velho estilo africano.

 

Relembro algo que aconteceu no ano passado. Cavaco Silva, no prefácio de um dos seus célebres “Roteiros”, revelou que, nas vésperas da X Conferência realizada em Díli, em 2014, foi Timor Leste que se empenhou na adesão da Guiné Equatorial, um processo que contava com o apoio de Angola e do Brasil. Cavaco dava a entender que Portugal tinha resistido a este processo até ao limite e que, quando a comitiva portuguesa chegou a Díli, já nada havia a fazer perante o empenho de Timor Leste. Ora, o antigo Presidente e primeiro-ministro timorense, José Ramos Horta, rejeitou esta versão, referindo que o seu país apenas deu seguimento a um processo que já estava a andar. A verdade é que, tirando alguns protestos diplomáticos de circunstância, de Lisboa nunca se viu um movimento concreto e veemente de oposição à entrada da Guiné Equatorial. Note-se que este país africano se tornou membro de pleno direito da CPLP na cimeira de Díli, em julho de 2014, na sequência de um roteiro de adesão que incluía o fim da pena de morte no país e a disseminação do português naquela antiga colónia espanhola.

 

Não deixa de ser incómodo que, agora, dois anos depois, lá se tenha incluído na declaração final de Brasília que os estados-membros da CPLP se "congratularam com o anúncio da conclusão dos procedimentos internos de ratificação dos Estatutos" da organização por parte da Guiné Equatorial. É ainda mais desconfortável ver como os países da CPLP registaram "com agrado a solicitação da Guiné Equatorial de apoio técnico à harmonização legislativa interna, decorrente da moratória à pena de morte em vigor, no sentido de a converter em abolição". Na prática, desde Díli, que nada foi concretizado daquilo que estava previsto no roteiro. Agora, em Brasília, deram-se uns passos muito curtos, apenas para não cobrir de ridículo os intervenientes na cimeira. A questão é que mesmo que a Guiné Equatorial tivesse cumprido com todos os requisitos nestes dois anos, estaria muito longe daquilo que são os valores e princípios que um país como Portugal e, apesar de tudo, uma organização como a CPLP, defendem e partilham.

 

O regime de Teodoro Obiang é um dos mais corruptos de África e funciona numa lógica familiar, com um dos seus filhos, vice-presidente para a área da segurança e defesa, a ostentar uma vida de luxo, gastando milhões do erário público em gostos extravagantes, que vão desde jatos a mansões de luxo, passando por objectos de Michael Jackson. Neste momento, enfrenta várias investigações, em França e nos EUA. Teodoro Obiang está no poder há quase 37 anos, sendo o líder há mais tempos em exercício de funções em África. A Guiné Equatorial é rica em gás e petróleo, mas a maior parte da sua população vive na pobreza. Faltam hospitais e a água e luz é um sonho para muitos dos habitantes daquele país. A Amnistia Internacional acusa aquele regime de praticar tortura recorrentemente e detenções arbitrárias contra os críticos do Governo.

Os vassalos do ditador Obiang

Pedro Correia, 27.04.16

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Uma das maiores nódoas diplomáticas registadas neste século em Portugal foi o acolhimento que prestámos à Guiné Equatorial como nosso Estado-parceiro na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - apesar de ninguém ali falar português, como se comprova pela própria página oficial do Governo de Malabo, só com versões em castelhano, inglês e francês. O direito de veto que formalmente ainda nos vem reconhecido nos estatutos da CPLP tornou-se letra morta, como este caso infelizmente comprovou.

Alegaram alguns, apesar de tudo, que pelo menos isto ajudaria a abrir o país ao exterior e até a democratizá-lo. Tretas. O generoso tratamento que lhe dispensámos serviu apenas para consolidar o despótico regime de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, o ditador há mais tempo em exercício de funções no planeta. Ascendeu à presidência num sangrento golpe de Estado, a 3 de Agosto de 1979, e nunca mais largou o bastão do poder, que utiliza para vergastar qualquer tímido protesto. Todos quantos se atreveram a criticá-lo pagaram um preço muito elevado. Nuns casos, com a prisão e a tortura. Noutros, com o exílio compulsivo.

 

No domingo, 24 de Abril, Obiang foi novamente "reeleito" por números que dizem tudo acerca do sistema político vigente no país: 99,2% dos votos. E promete prolongar a tirania pelo menos até 2023.

Terceira maior produtora de petróleo da África subsariana, a Guiné Equatorial é também um dos Estados mais corruptos do planeta. Ocupa o 144.º dos 187 lugares no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Tem o quarto maior índice mundial de mortalidade infantil. A maioria da sua população sobrevive com o equivalente a menos de um dólar por dia.

 

Repito o que  aqui escrevi há dois anos: lamento que sejamos os primeiros a desprezar a lusofonia enquanto prestamos vassalagem a qualquer facínora, desde que tenha muitos barris de petróleo para exportar. A originalidade e a força da CPLP assentariam sempre na base cultural. No idioma comum, na cultura comum cimentada pela unidade linguística. A partir do momento em que o critério dominante se torna a "diplomacia económica", que venham a Turquia, a Indonésia, a Rússia ou a Noruega. E porque não a Arábia Saudita?

 

Sinceramente, é mais do que lamento. É repulsa. E vergonha.

Frutos da adesão do companheiro Obiang à CPLP

Sérgio de Almeida Correia, 29.11.15

 

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(Nacho Doce/Reuters) 

"During the Third Extraordinary Congress of the Democratic Party of Equatorial Guinea, held from November 10 to 12 in the capital of Malabo, President Teodoro Obiang Nguema Mbasogo declared that anyone who kills two or more people “has to be punished by death” and argued that the country should “cut the tendons” of delinquents, so as to facilitate their identification by the population." - Paulo Gorjão, Portugal and Equatorial Guinea: Respect for Human Rights is Not Optional, in IPRIS Viewpoints, 27/11/2015

 

Embora não seja tão optimista quanto o autor do texto, que já foi nosso colega aqui no Delito de Opinião, não escreve de cor e é insuspeito de alinhar com a esquerdalhada, o Paulo Gorjão deixou uma belíssima imagem dos avanços dos direitos humanos na Guiné-Equatorial no último número da Viewpoints do Instituto Português de Relações Internacionais.

Um ano depois, pelo que se vê, a CPLP continua a semear os direitos humanos na Guiné Equatorial. É pena que é seja aos bocados, isto é, em bocados de gente. Mas convenhamos que ouvir Obiang a sugerir o corte de tendões aos delinquentes e a pena de morte a quem matar duas ou mais pessoas é um avanço civilizacional indiscutível e a confirmação de que a adesão da Guiné-Equatorial à CPLP foi um acto de grande alcance, um verdadeiro exemplo para o mundo sobre a arte de bem receber e integrar estafermos.

O locatário do Palácio de Belém, o tal que não acredita nos acordos parlamentares de António Costa com o PCP, o BE e os Verdes, e fez questão de dizê-lo no dia em que deu posse ao XX Governo Constitucional, foi o mesmo que acreditou em Obiang e que já via os direitos humanos como uma espécie de alecrim a ser espalhado aos molhos pelas ruas e prisões de Malabo. Estou certo que Cavaco Silva, com Passos Coelho, Rui Machete, José Sócrates e Luís Amado, cada um com a sua dose de humildade pelo respectivo contributo, sentir-se-ão hoje muito orgulhosos com os avanços verificados na Guiné-Equatorial e não deixarão de incluir nos seus currículos uma nota de destaque sobre um trabalho que engrandeceu, e continua a engrandecer, na frente externa os seus belíssimos desempenhos domésticos.

Não há, pois, razões para agora, depois de todos os avisos, incluindo deste blogue, Portugal se sentir hipocritamente chocado

Dupla injúria

Pedro Correia, 20.07.15

Um ano depois da  obscena luz verde concedida à admissão da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o país gerido com punho de ferro pelo ditador Teodoro Obiang continua a ser uma das mais ferozes tiranias do planeta. Com todo os opositores encarcerados ou exilados, os partidos políticos ilegalizados, a liberdade de imprensa estrangulada, o poder judicial transformado em mero braço das decisões soberanas do Presidente da República e um sem-número de "execuções extrajudiciais" nos hospitais e nas prisões denunciadas pelas associações de direitos humanos.

Continua a ser um país onde vigora a pena de morte, contrariando todas as promessas do ditador (mas quem pode confiar numa palavra de Obiang?). E continua a ser também um país onde ninguém fala português: no último ano, como hoje escreve a jornalista Ana Dias Cordeiro no Público, apenas houve um curso intensivo do nosso idioma, "durante três meses, dado a sete funcionários públicos" daquele país.

A simples ideia de conceber a Guiné Equatorial como país "parceiro" do nosso parece-me uma dupla injúria - aos direitos humanos e à língua de Camões e de Sophia. Infelizmente é um "facto incontornável", como se diz hoje em dia no jargão político cá do burgo.

Algo que me envergonha como português.

Primeiro assassinam a Restauração, depois o património que não lhes pertence

Sérgio de Almeida Correia, 24.06.15

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O relato da Agência Lusa, transmitido para vários órgãos de comunicação social, entre os quais a TSF, sobre o que se passou com a elaboração da acta relativa à XIV Conferência de Ministros da Justiça da CPLP, designadamente sobre o desacordo final (quem diria!) quanto à sua redacção e a escolha da grafia "oficial", representa, lamentavelmente, bem mais do que aquilo que à primeira vista possa parecer. À partida não está em causa, apenas, uma simples discordância sobre a forma de grafar um termo com um sentido comum a todos os países lusófonos. Uma acta é um documento em que se descreve e regista aquilo que de relevante se passa numa reunião. Em causa está, desde logo, por simples falta de vistas, teimosia, estupidez e ausência de sentido de Estado, digo eu, mais um acto (com "c") de desprezo para com Portugal - leia-se o seu poder político legítimo - por parte dos seus pares na CPLP.

O simples facto de todos os funcionários públicos em geral, os militares, os magistrados e os diplomatas, como servidores públicos que são, serem obrigados a cumprir com todas as instruções que um poder político que não sabe conjugar o verbo haver lhes dita, conformando-se com o que de mais tolo e contra a natureza das coisas lhes é imposto, já de si seria triste. Que numa matéria como a da língua se chegue perante os demais Estados que compõem a CPLP a passar por um tão grande absurdo, sujeitando-se um ministro da Justiça de um Estado soberano desde a Conferência de Zamora, em 1143, a ter de ouvir o que, com toda a razão, lhe foi recordado pelo representante de Angola, assume contornos de humilhação política. Era perfeitamente evitável que Portugal tivesse de passar pela situação de lhe ser recordado que o Acordo Ortográfico não foi ratificado por Angola, também ele um estado soberano lusófono, não podendo por isso mesmo ser utilizado no documento em questão. Esse já não foi um acto de humilhação do País e de desprezo pelo seu poder político. Aí, e isso é que é mais grave, é já a própria língua portuguesa, aquela que recebemos dos que nos precederam e que os angolanos agora defendem, que está a ser objecto de humilhação e chicana com a conivência do Governo português.

A notícia da Lusa não nos diz qual terá sido o papel do representante de Portugal nesta contenda. Nem se ao representante da Guiné-Equatorial, um novo Estado "lusófono" ditado pela mais mercenária e subserviente "diplomacia económica", por algum momento passou pela cabeça apontar a solução castelhana de se utilizar o substantivo feminino "acta" (do latim acta) para resolver a disputa que culminaria com a caricata, mas salvadora solução de compromisso proposta por Cabo Verde e que serviu para evitar maior vergonha, de se usar num texto internacional a grafia do novo Acordo Ortográfico "como base e, em cada caso, a grafia pré-Acordo Ortográfico, entre parêntesis", numa verdadeira salganhada linguística da qual só Portugal sai mal.

Quando numa cimeira entre Estados lusófonos se chega à situação de que a Lusa dá conta, talvez seja este o momento de se voltar a perguntar aos que em Portugal, à viva força e contra todas as evidências, se afadigaram a impor o (des)Acordo Ortográfico de 1990, se a solução a que se chegou não recomenda um apelo à inteligência e ao bom senso, antes que este tipo de danos, que não são colaterais, se multiplique.  Para vergonha de todos os cidadãos que em todo o Mundo se expressam na língua que lhes é mais querida, naquela que lhes revela os afectos, as paixões e as lágrimas da saudade, e que os torna dignos da herança daqueles que, como Vasco Graça Moura ou Maria Lúcia Lepecki, dedicaram toda uma vida a lutar pela divulgação e pela dignidade do único e verdadeiro património que a História nos legou.

Património que ao longo dos séculos permitiu a convivência - e o amor - entre povos das mais diversas origens, ultrapassando as suas minúsculas fronteiras naturais para se enraizar mundo fora sem que para tal se trocassem os substantivos pelas formas verbais. Tudo bem longe da paupérrima visão e dos despachos da casta de amanuenses que há séculos ocupou o Terreiro do Paço, convencida de que a decência e a respeitabilidade de uma nação milenar se compram com euros, submarinos, computadores e bandeiras chinesas na lapela dos casacos.

Penso rápido (35)

Pedro Correia, 01.08.14

Alguns opinadores -- felizmente para eles -- têm estômagos de betão: não sentiram a mais leve azia perante a humilhação a que o representante máximo de Portugal, o Presidente da República, e o máximo representante do Governo português, o primeiro-ministro, foram sujeitos na cimeira de Díli, à qual não deviam ter comparecido por elementar decoro.
Era fácil antever que aquilo só podia terminar mal.
Ambos acabaram por fazer figura de corpo presente numa farsa: a adesão da Guiné Equatorial foi anunciada antes da indispensável anuência prévia de Portugal, ainda que para efeitos meramente formais, e o ditador de Malabo viu-se entronizado como novo membro da CPLP sem que tivesse havido ao menos um simulacro de votação à volta da mesa onde figurou desde o primeiro minuto como convidado de luxo. E sem que se desse ao trabalho de pronunciar uma só frase em português.
Eu, confesso, tenho um estômago muito menos resistente. E não gosto de engolir tudo quanto me servem. Daí o meu protesto, agora reiterado. Que Obiang seja um tirano, condenado por todas as organizações de direitos humanos, parece para alguns ser uma atenuante: daí entoarem-lhe hossanas em blogues e redes sociais. Parece até que desejariam ter um "líder" destes no Terreiro do Paço.
Lamento, mas sou muito antiquado: para mim ser ditador não é atenuante. É agravante.

Reflexão do dia

Pedro Correia, 28.07.14

«Não sabia que a CPLP tem por vocação evitar o isolamento das ditaduras criminosas internacionais. Não sei, nesse caso, porque é que a Coreia do Norte não há-de fazer parte da CPLP. Uma vez que ser ditadura não impede de pertencer à comunidade e não falar português também não impede, não sei porque é que não convidamos a Coreia do Norte. Também há grandes interesses económicos da Coreia do Norte que certamente vão além de cem milhões de euros investidos no Banif. (...) Não acredito que tenhamos vendido a lusofonia por cem milhões de euros: embora o País seja pequeno, a nossa dignidade não deveria ser assim tão barata. Mas houve uma falta de pudor total. Assistimos em Díli a um dos actos mais vergonhosos de toda a nossa história diplomática. É bom que os portugueses tenham consciência disso: foi um acto que só nos pode envergonhar. Gostaria de ouvir a oposição socialista dizer que, se for governo amanhã, expulsa a Guiné Equatorial da CPLP, como deve.»

Miguel Sousa Tavares, há pouco, no Jornal da Noite (SIC)

Orgulhosamente sós.

Luís Menezes Leitão, 28.07.14

  

Para muita gente o país arranjou uma nova causa nacional, que considera até semelhante à da independência de Timor-Leste: correr com o Sr. Obiang da CPLP. O sr. Obiang é evidentemente um patife e não pode ser admitido numa comunidade de países que até agora sempre prezou a democracia, o estado de direito e a boa governação. Trata-se de países que sempre foram geridos por grandes democratas, absolutamente insuspeitos de ceder à corrupção, palavra aliás que nem deve sequer ser portuguesa. Efectivamente, a CPLP era até agora uma comunidade de missionários desinteressados, apenas preocupados com o desenvolvimento da língua portuguesa no mundo, embalada no doce acordo ortográfico. E nessa comunidade todos os outros países se vergavam à sábia e prudente orientação de Portugal, que nunca se atreveram a pôr em causa. E muito menos  alguma vez um outro país pensou em utilizar a CPLP para fins económicos, o que claramente poria em causa os fins culturais puríssimos da organização, e que o seu líder, Portugal, nunca poderia aceitar.

 

Sucedeu, porém, uma tragédia nacional. O patife do Sr. Obiang, incapaz de falar português — até agora só conseguiu dizer "sim, sim", julgando se calhar que tal bastaria — conseguiu ser admitido na organização, contra a vontade do povo português, que o Presidente Cavaco foi incapaz de defender. Todos os outros países da CPLP quiseram admitir o Sr. Obiang contra Portugal, incluindo novos países arrivistas no mundo, como o Brasil e Angola, que não têm os séculos de história que tem Portugal e que por isso deveriam seguir obedientemente a nossa posição. Até Timor-Leste, que Portugal conseguiu sozinho arrancar das garras indonésias, nos atraiçoou, com Xanana Gusmão a andar de braço dado com o Sr. Obiang. Imagine-se que Xanana Gusmão até visitou recentemente a Guiné Equatorial, tendo sido convidado a assistir a uma reunião do Grupo de Personalidades Eminentes dos países ACP (África, Caraíbas e Pacífico), cuja sessão de abertura contou com uma intervenção do Presidente da Guiné Equatorial, não por acaso o patife do Sr. Obiang. Como é que se pode admitir semelhante traição de um combatente da liberdade à causa justa pela qual Portugal continua a combater? E como é que Xanana se atreve a participar numa reunião dos países ACP, quando se trata seguramente de uma organização de países malfeitores, ou nunca se reuniria no país do maléfico Sr. Obiang? Especialmente quando a alternativa é a maravilhosa CPLP, uma organização pura e desinteressada, onde nunca malfeitores deveriam entrar. Ai Timor, calam-se as vozes dos teus avós!

 

Isto não pode ser. Portugal tem que defender orgulhosamente só a sua posição. A Guiné Equatorial, mesmo tendo sido uma possessão portuguesa durante 300 anos, nunca pode entrar na CPLP, que tal seria uma vergonha para Portugal. Mesmo estando falidos, somos nós que mandamos na CPLP. Os outros países da CPLP têm que obedecer às posições portuguesas, sob pena de os expulsarmos também, juntamente com o Sr. Obiang, altura em que faremos a CPLP sozinhos. Assim ela manterá a sua pureza original, ficando os portugueses orgulhosamente sós. Há muitos anos que essa tem sido sempre a nossa posição no mundo.

O murro de Obiang a Cavaco

Pedro Correia, 28.07.14

 

1. Prefiro manter a minha posição "idealista", como justamente lhe chama o Samuel de Paiva Pires, e não abdicar de princípios basilares, sem os quais toda a diplomacia equivale ao simples inclinar de cerviz perante os ditames de quem exibe mais músculo. Sou, portanto, incapaz de alinhar na tese de um ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, claro defensor da adesão da Guiné Equatorial à CPLP (que aliás já advogava quando ocupava o Palácio das Necessidades) e agora responsável por um banco que, por assinalável coincidência, reforçará o seu capital social com dinheiro daquele país.

Considero que a língua portuguesa, falada por 250 milhões de pessoas em quatro continentes, é suficientemente importante para servir de base a um projecto transnacional. Travestir a CPLP de "comunidade de interesses", em nome do pragmatismo mais rasteiro, é desvalorizar todo o potencial congregador da cultura, também no plano económico. E é sobretudo descaracterizar de forma irremediável a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Abri-la a um país onde não se fala português, apenas porque esse país é hoje um dos principais produtores de petróleo do continente africano,  é um precedente que nos levará, num futuro próximo, a franquear as portas da CPLP à Venezuela ou à Rússia ou à Arábia Saudita.

Pelos vistos, à luz dos novos critérios dominantes, andámos equivocados todos estes anos. A concepção de diplomacia agora em voga, de pura rendição ao diktakt do mais forte, dever-nos-ia ter levado a reconhecer a anexação de Timor-Leste pela poderosíssima Indonésia em vez de nos pormos quixotescamente a defender o povo-irmão que rezava e resistia em português enquanto sofria atrocidades às ordens dos generais de Jacarta. Neste caso -- espantosamente para todos quantos veneram a realpolitik -- David venceu Golias. E a CPLP encontrou aqui uma das suas mais nobres causas, que naquele dia 20 de Maio de 2002 demonstrou ao mundo que o idealismo também compensa.

 

2. Vermos Cavaco Silva e Passos Coelho sentados à mesa onde um dos maiores torcionários de África -- que nunca falou nem falará português -- foi ovacionado como estadista modelar juntou uma desnecessária nota de humilhação à injúria que representa para milhões de democratas lusófonos a entrada da Guiné Equatorial na CPLP. Em nome de interesses económicos, por ironia no país que ocupa o 166º posto mundial quanto a oportunidades de negócio.

Ainda por cima isto aconteceu numa cimeira em que os dois maiores advogados do ditador Teodoro Obiang -- a brasileira Dilma Rousseff e o angolano José Eduardo dos Santos -- nem se deram ao incómodo de comparecer em Díli, onde além da nação anfitriã Portugal foi o único país representado simultaneamente pelo Presidente da República e pelo primeiro-ministro. Conclusão: nem Cavaco nem Passos deviam lá ter estado. Se a única decisão que dali se esperava, como os factos comprovaram, era a entrada por aclamação na CPLP do primeiro país onde não há lusofalantes, bastaria que Portugal estivesse representado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros.

Com inexplicável relutância em reconhecer esta evidência, Cavaco e Passos insistiram em deslocar-se à capital timorense, onde a Guiné Equatorial entrou como estado-membro da CPLP antes de ter havido sequer um simulacro de votação nesse sentido. Fizeram assim de figurantes numa peça onde só a ausência os teria nobilitado.

Por menos que isto, li há quatro anos no Estado Sentido que Cavaco havia levado "um estaladão" do Presidente checo numa visita oficial à República Checa. Se Vaclav Klaus lhe deu um estalo em 2010, Obiang acaba de lhe dar um murro. O problema é que esse murro não se limitou a agredir desnecessariamente Portugal: foi também um golpe de misericórdia para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.