Há por aí uns tipos conflituosos e problemáticos, sempre à cata de defeitos nas pessoas e organizações, com o propósito de, cascando-lhes, gratificarem o seu ego avantajado. Pela autoridade e seus argumentos têm pouco respeito; e, nos casos mais extremos, muito mais depressa erram pela sua cabeça do que acertam pela de outros. Pelos sítios por onde passam deixam um rasto de desconforto muitas vezes, compreensão algumas e, de longe em longe, melhorias.
Sou um desses, tenham paciência. E, se não tiverem, que o Diabo vos carregue.
Pois ontem fui ao dentista e é bom de ver que não ia com excessiva boa disposição. Logo na recepção corrigi o moço que me atendeu, que de fórmulas de trato sabia nada e de aspecto me pareceu eleitor do Bloco – uma visão dos Infernos.
De regresso a casa, com o teclado bucal em tais condições que, se não fosse a minha natural modéstia, dele diria que me confere um sorriso encantador, e depois de uma noite de sono reparador, decidi beneficiar o estabelecimento com os tesouros da minha sapiência, pelo que hoje enviei o seguinte texto:
Ex.mos Senhores:
Dirigi-me ontem ao V/ Hospital em Braga Sul, para uma consulta de medicina dentária com o Dr. xxxxx xxxxxx.
Dos serviços e do médico não posso dizer senão bem.
Ou seja, sobre o essencial para um hospital não tenho, baseado na minha limitada experiência, reparos a fazer.
Tenho porém sobre o acessório. E porque imagino que estarão interessados em pequenas melhorias, tanto mais quando não se traduzam em encargos, chamo a atenção para o seguinte:
Na recepção o funcionário, cujo nome não retive (nem interessa, partilha com os colegas, e até alguns médicos e restante pessoal clínico, uma generalizada ignorância na matéria), dirigiu-se-me como “Sr. José” e, como habitualmente, corrigi-o para esclarecer que, para ele, não devo ser o “Sr. José” mas sim o “Sr. Graça”. O moço ficou (como é normal as pessoas da sua geração ficarem) mal-encarado, mas repetiu o tratamento, desta vez corrigido.
Sucede que, como explico no texto que junto, não compete a quem presta um serviço, qualquer que seja a sua natureza, alterar fórmulas de trato convencionais.
Creio que na formação que suponho seja prestada a funcionários as fórmulas da delicadeza não fazem parte do currículo por razões que julgo conhecer, mas sobre as quais seria inoportuno elaborar.
Razões pelas quais passo às mãos de VV. Ex.ªs um pequeno texto deliberadamente simples, curto e casuístico, que é o que com grande generosidade já enviei pelo menos a mais um estabelecimento, para o fim de o incluírem nos vossos manuais de formação, se existem.
Não sendo, como efectivamente não sou, nem socialista nem consultor desse Hospital, não reclamo honorários. Mas espero (a esperança é, como se sabe, a última coisa a morrer) que numa próxima deslocação possa constatar que aqueles jovens que têm trabalho, ao contrário de muitos que só o encontram emigrando, já possam traduzir, no trato, a atenção devida a quem realmente lhes paga os salários.
Com os melhores cumprimentos,
José Meireles Graça.
Em anexo seguiu o texto, que creio já ter publicado, mas abaixo republico para edificação dos gentios:
Convenções sociais são as normas, geralmente não escritas, e que evoluem lentamente, pelas quais se regem os cidadãos nas suas relações com os outros. É em nome delas que ninguém em seu juízo comparece a um velório de pijama ou vai a um casamento em fato de banho; e é em nome da evolução dos costumes que já ninguém é tratado por “Vossa Mercê”.
Variam com o tempo e têm vindo há muito a mudar de mais para menos formais. Não cabe porém aos funcionários deste estabelecimento ou qualquer outro serem inovadores em matéria de trato social, mas antes respeitarem as normas comummente aceites, o que se verifica frequentemente não acontecer.
Razões por que abaixo se dão, em termos práticos, orientações sobre as fórmulas de trato que devem ser seguidas quando os funcionários se dirijam a clientes deste Hospital.
Em relação a clientes do sexo feminino
Quando exista e se conheça o grau académico, as mulheres devem ser tratadas por esse grau, por exemplo: Sra. Dra., Sra. Engenheira, Sra. Arquitecta, etc. Deste modo, e NUNCA simplesmente por Dra., Engenheira, Arquitecta, etc.
Se porém o funcionário não se estiver a dirigir directamente à pessoa mas a chamá-la de entre um grupo (os casos mais vulgares são as salas de espera) deverá, além do Sra. [grau académico] acrescentar o primeiro e o último nome, por exemplo: Sra. Dra. Maria Alves, Sra. Engenheira Antónia Ferreira, Sra. Arquitecta Francisca Silva, etc.
Quando não exista ou não se conheça o grau académico, as senhoras devem ser tratadas pelo nome próprio, precedido de Dona. Por exemplo, D. Maria, D. Antónia, D. Francisca, etc. É preferível, porém, se a pessoa tiver dois nomes próprios, usar os dois, como segue: Sra. D. Maria da Glória, Sra. D. Antónia Maria, Sra. D. Francisca da Anunciação, etc. NUNCA Sra. Maria, Sra. Antónia, Sra. Francisca, etc.
Se porém o funcionário não se estiver a dirigir directamente à pessoa mas a chamá-la de entre um grupo (por exemplo, nas salas de espera) deverá, além do Sra. D. [nome ou nomes próprios], acrescentar o último sobrenome, tal como: Sra. D. Maria Alves, Sra. D. Antónia Ferreira, Sra. D. Francisca Silva, etc.
Em relação a utentes do sexo masculino
Quando exista e se conheça o grau académico, devem ser tratados por esse grau, por exemplo: Sr. Dr., Sr. Engenheiro, Sr. Arquitecto, etc. Deste modo, e NUNCA simplesmente por Dr., Engenheiro, Arquitecto, etc.
Se porém o funcionário não se estiver a dirigir directamente à pessoa mas a chamá-la de entre um grupo (por exemplo, na sala de espera) deverá, além do Sr. [grau académico] acrescentar o primeiro e o último nome, a saber: Sr. Dr. Mário Alves, Sr. Engenheiro António Ferreira, Sr. Arquitecto Francisco Silva, etc.
Quando não exista ou não se conheça o grau académico, os homens devem ser tratados pelo nome próprio e último sobrenome, precedido de Senhor, quer os funcionários se lhes estejam a dirigir directamente quer estejam a ser chamados, por exemplo na sala de espera. Quer dizer, no caso, Sr. Mário Alves, Sr. António Ferreira, Sr. Francisco Silva, etc. Ou, alternativamente, apenas por Senhor seguido do último sobrenome, por exemplo Sr. Alves, Sr. Ferreira, Sr. Silva, etc., mas neste último caso apenas quando o funcionário se esteja a dirigir directamente ao utente.
A razão de ser desta distinção é que quando se chama uma pessoa na sala de espera devem ser limitadas ao máximo as probabilidades de confusão, para além de ser útil significar publicamente, pelo formalismo do trato, o respeito que à instituição merecem todos os clientes.
Em relação a crianças e adolescentes
Crianças podem ser tratadas pelo nome próprio e por tu, se muito novinhas, mas se chamadas, por exemplo na sala de espera, deve preceder-se o nome próprio e sobrenome de “menino” ou “menina”, por exemplo menino Mário Alves, menino António Ferreira, menina Francisca Silva, etc.
Com adolescentes, se ainda novos, pode suprimir-se o “senhor” e “senhora”, mas não se deve utilizar o “tu”.
É em nome do respeito devido a todos os clientes desta casa que se recomenda a atenção às normas de trato vigentes, cuja ignorância pode ofender, cujo atropelo não tem quaisquer vantagens e cuja memorização não apresenta particulares dificuldades.