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Delito de Opinião

Cartas, quem as não tem?

Helena Sacadura Cabral, 06.06.12

 

Um post do meu amigo Paulo Abreu Lima está, hoje, na origem deste meu. Ele defende no seu Assim na Terra com no Céu - assimterraceu.blogspot.pt - que devemos guardar as cartas que consideramos importantes. Eu não. Mas durante muito tempo pensei como ele. Explico-me.

As cartas são bocados de nós e contam histórias de uma época que passou. O seu valor reside no olhar de quem as recebeu e naquele de quem as escreveu. Deixá-las cá ficar significa que outros olhares se debruçarão, impiamente, sobre elas. E, a mim, isso desagrada-me.

Neste momento, ando a preparar-me para queimar cartas que ao longo da minha vida conservei e que não quero nem devo partilhar com quem cá fica. Todas elas tiveram um tempo, que foi meu. E que guardei, na ilusão de que o tempo também se guarda. Não é verdade! 

Just Wellington

José Navarro de Andrade, 15.03.12
Robert Alexander Hillingford
 
Esta sublime carta de Tolkien que o Rui Rocha teve a feliz ideia de nos dar a conhecer, fez-me lembrar outra, também de uma bizarra actualidade.

Trata-se de uma resposta de Wellington a uma inquirição ministerial de Londres. A data é de 1812 quando Wellington, recorde-se, comandava a Campanha Peninsular contra o exército de Napoleão.

 

Senhores,

 

Enquanto marchavam de Portugal até a uma posição que permite a aproximação a Madrid e às forças francesas, os meus oficiais têm diligentemente cumprido as vossas demandas, que foram enviadas por um navio de S.M. de Londres para Lisboa e daí despachadas até ao nosso quartel-geral.

Arrolámos as nossas selas, arreios, tendas e mastros de tenda e toda a sorte de artigos miúdos pelos quais o governo de Sua Majestade me tornou responsável. Despachei relatórios acerca do carácter, perspicácia e disposição de todos os oficiais. Cada artigo e cada cêntimo foi contabilizado, com duas lamentáveis excepções para as quais suplico a vossa indulgência.

Infelizmente a soma de um shilling e nove pence [muito grosso modo o equivalente actual a €1] continua por contabilizar no dinheiro de caixa de um batalhão de infantaria e tem havido uma hedionda confusão na quantidade de frascos de compota entregues a um regimento de cavalaria durante uma tempestade de areia em Espanha.

Este repreensível descuido pode estar relacionado com a pressão das circunstâncias, já que estamos em guerra com a França, um facto que pode surpreender-vos, senhores de Whitehall.

Isto traz-me ao assunto do momento, o qual é requerer que me elucidem sobre as instruções dadas pelo governo de Sua Majestade, de modo a que possa perceber melhor porque arrasto um exército nestas áridas planície. Eu interpreto que forçosamente será uma de duas missões, tais como enumero abaixo. Levarei a cabo uma delas com o melhor das minhas capacidades, mas sou incapaz de tratar de ambas:

1 Treinar em Espanha um exército de escriturários britânicos fardados, para proveito dos contabilistas e amanuenses em Londres, ou talvez,

2  Tentar que as forças de Napoleão sejam escorraçadas de Espanha.

 

O Vosso obediente servo,

 

Wellington

 

O original pode ser lido aqui.