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Delito de Opinião

Charlie à água

João Campos, 22.06.16

Contaram-me o episódio cedo, mas só há pouco vi as imagens de Cristiano Ronaldo a tirar o microfone da mão do jornalista da Correio da Manhã TV e a atirá-lo para um lago (ao microfone, não ao jornalista). Ligo o computador e, nas poucas redes sociais que frequento, vejo gente a delirar com o acto do capitão da selecção portuguesa. Que foi bem feito (perante tão atrevida pergunta: Ronaldo, preparado para este jogo hoje?). Que a CMTV merece isso e pior. Que mesmo bom seria ver Ronaldo a atirar todos os microfones da CMTV para a água. Que o Correio da Manhã "comete crimes todos os dias" (a sério). E o meu facebook é muito restrito; nem faço ideia do que se andará a dizer nos twitters, nos comentários do youtube ou das notícias dos jornais online. 

 

Lembra-me aquela ocasião em que tanta gente aplaudiu de pé Marinho e Pinto pela "repreensão" a Manuela Moura Guedes há uns anos na TVI. Porque a emissora de Queluz praticava um mau jornalismo, porque Moura Guedes era agressiva, porque - pecado capital! - tinha "opiniões" (só os mais distraídos terão ficado surpreendidos quando o herói de tanta gente naquela noite acabou por se revelar num demagogo de primeira ordem, felizmente reduzido à sua irrelevância numa eleição recente).

 

Seria decerto interessante saber quantos destes maduros que hoje aplaudem Cristiano Ronaldo pelo arremesso do microfone também aplaudiram Marinho e Pinto naquela ocasião. Mas mais interessante ainda seria saber quantos dos que hoje verberam um jornal e um canal de televisão nas redes sociais foram "Charlie" nas mesmas redes sociais, manifestando-se pela liberdade de imprensa e de expressão perante um ataque atroz a ambas. É que são justamente estas liberdades que, afinal, defendem de forma tão cínica como selectiva: se for aquilo que consideram ser "bom jornalismo" (e isto é tão subjectivo!), deve ser protegido de tudo e de todos; já se for mau jornalismo, merece ser silenciado por demagogos e futebolistas, merece escárnio na irrelevância dos púlpitos virtuais, merece uma extinção que só peca por tardia. Sem perceberem que a liberdade de imprensa abrange tanto tablóides como os ditos "jornais de referência", ou que a liberdade de expressão não é compatível com os humores variáveis das trincheiras onde toda a gente se enfia em fúria hoje em dia: é aceitarmos ouvir palavras com que concordamos e palavras das quais discordamos. 

 

No fundo, sem perceberem que só dão força àqueles que mais desprezam estas e outras liberdades.

Mordaças

Rui Rocha, 30.10.15

Há aqui uma coisa que é especialmente repugnante: um individuozinho que passa a vida a ostentar grande indignação contra a Justiça por uma violação pretensamente abusiva do seu direito à liberdade, decide promover uma providência cautelar com o objectivo de impedir um jornal de realizar o seu direito à liberdade de informar. Isto é, os direitos, liberdades e garantias são objecto para grandes proclamações inflamadas apenas e só em proveito próprio e nunca se o seu exercício por terceiros provocar um qualquer inconveniente.

De partir o côco

Rui Rocha, 05.04.14

De acordo com o Correio da Manhã, a Polícia Judiciária do Porto foi chamada para investigar o caso de uma mulher que fez explodir um côco, com recurso a pólvora e a mando de uma suposta vidente. Pelo visto, a detonação do côco tinha como objectivo reverter um feitiço de que o marido teria sido alvo. Um jornal normal poderia ter-se ficado pela simples divulgação do facto noticioso, relevante por si mesmo. O Correio da Manhã não. Para cabal informação dos seus leitores, decidiu contactar um especialista. No caso, Fernando Nogueira. Também conhecido por Bruxo de Fafe. O seu parecer não deixa qualquer dúvida. "Trata-se de uma burla" pois "não há bruxaria nenhuma que se resolva com um côco ou com pólvora". E vai mais longe: "essa falsa vidente devia ser presa por atentado à vida de um ser humano". Pela minha parte, daria o assunto por encerrado sem necessidade de adicional esclarecimento. Não fosse, confesso, o ligeiro incómodo provocado pela ausência de conhecimentos que me permitam, um dia que falte o Correio da Manhã, distinguir entre verdadeiros e falsos videntes.