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Delito de Opinião

Tira a máscara, põe a máscara

Pedro Correia, 13.05.22

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O Governo, ansioso por dar enfim uma boa notícia aos portugueses, decretou um novo "Dia da Libertação" da pandemia, após um ensaio falhado, por ocasião das eleições autárquicas. Desta vez a quatro dias da celebração do 25 de Abril, o que se adequava à efeméride. E a reboque do que decidira na véspera o Executivo espanhol: fim aos testes gratuitos, fim ao uso obrigatório das máscaras em espaços fechados excepto em casos muito excepcionais, fim à exigência de preenchimento de formulários aos milhares de estrangeiros que diariamente entram no País. 

Agiu assim incumprindo a própria meta que estabelecera. O termo das restrições ocorreu quando havia 28,8 óbitos por milhão de habitantes oficialmente registados como vítimas de covid-19 - e não 20, como fora antes fixado.

Entretanto já se fala em sexta vaga da pandemia. O famigerado "índice de transmissibilidade" situa-se agora nos 1,17. Nas últimas 24 horas registaram-se 26 mortes atribuídas ao coronavírus e 25 mil novas infecções confirmadas. Portugal é o único país da Europa com tendência crescente de novos contágios e novos óbitos. Enquanto aumenta a pressão nas urgências hospitalares na sequência da decisão do Governo de pôr fim aos testes gratuitos nas farmácias. 

 

Enfim, nova sucessão de trapalhadas.

Agora já se fala na reposição dos testes gratuitos, na antecipação da quarta dose da vacina para pessoas acima dos 60 anos e até se equaciona o regresso ao uso obrigatório de máscaras na generalidade dos espaços fechados. 

Voltamos ao mesmo: legisla-se ao sabor dos ventos dominantes, sem bases científicas irrefutáveis a fundamentar cada medida, talvez por falta de consenso entre os especialistas, deixando os cidadãos entregues ao seu próprio critério. Nenhum protocolo de segurança sanitária foi definido para as empresas, nomeadamente as que têm atendimento ao público e proporcionam escassas condições de arejamento, não faltando procedimentos diferentes até dentro do mesmo ramo.

 

Põe a máscara, tira a máscara? Cada um por si, Deus vela por todos. O Governo, nem por isso. Afinal já nos garantiram tudo e o seu contrário, passando do oito ao oitenta, e vice-versa. Desde a «falsa sensação de segurança» proporcionada pelas máscaras até à sua utilização obrigatória ao ar livre, mesmo nas situações mais absurdas. Com o Supremo Hipocondríaco da Nação em manifesto excesso de zelo, passando o tempo todo na praia de cara tapada. 

Populismo para vários gostos, com e sem máscara. E desorientação geral, à espera do que se decidir em Espanha. Enfim, nada de novo.

Pensamentos convalescentes

Maria Dulce Fernandes, 15.01.22

A história está repleta de eminências pardas, aqueles que na sombra de um dirigente mexem os cordelinhos vitais à governação de uma nação, de um estado, de um partido, de uma empresa, quiçá até da humanidade.

Curiosamente, muitos seriam guias espirituais e chefes eclesiásticos, os Cardeais Richelieu e Mazarino, outros desempenhando altos cargos em hierarquias governamentais ou partidárias, por cá o Conde Andeiro, o  Marquês de Pombal e até o Dr. Paulo Portas nos bons velhos tempos do Dr. Manuel Monteiro.

Muitos deixaram a sua marca na história e tiveram o seu tempo que é já pretérito, perfeito ou imperfeito, consoante os critérios que cada um de nós adquiriu social e culturalmente.

Nunca uma eminência parda conseguiu abrangência à escala mundial como este vírus que há mais de oitocentos dias assola e escraviza a humanidade. Guerras sangrentas e ditadores sangrentos e fundamentalistas passaram bem mais rápido e fizeram muito menos estrago. Ex Machina ou revolta dos elementos, a verdade é que se tornou um déspota incontrolável e incontornável, pois mesmo sendo um organismo morto rege-se pelo princípio da fénix, ressuscitando em novas e sucessivas variantes, qual delas a mais propícia à aniquilação da nossa espécie, que até agora tem sido ela própria a única espécie Galactus de si mesma e do seu próprio mundo.

Todos tivemos medos em criança. O Insonho, Homem do Saco, o Bicho-Papão, o Olharapo ou o Farronca, entre muitos outros, compõem a galeria dos medos infantis, que atingindo a maioridade mudam de nome, porque os medos são outros, mas o princípio é o mesmo: Covid19, IRS, Inflação, Dívida Externa, Governo, etc.

Se temos sobrevivido a tanta malignidade, terá sido por termos aprendido a viver e conviver paredes meias com a ignominiosa tragédia que protagonizamos desde que haurimos a primeira golfada de ar?

Somos mestres na magia da sobrevivência e estrategas natos no que trata em garanti-la. Se não os podemos vencer, juntamo-nos a eles como tão bem sabemos fazer. Minamos-lhe os humores e os âmagos até os fazermos implodir e garantir assim a erradicação total.

Quanto aos parasitas do vírus, esses serão bem mais difíceis de exterminar por terem a capacidade de se auto-clonarem cada vez mais eficaz, rápida e resistentemente.

Facto nacional de 2021

Pedro Correia, 13.01.22

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VACINAÇÃO EM MASSA

Quase todos nós passámos por isto entre Janeiro e Dezembro: fomos vacinados contra a covid-19. Em dose dupla, na grande maioria dos casos. E ainda com reforço, em boa parte, à beira do fim do ano. A vacinação em massa foi considerado o Acontecimento Nacional de 2021 em eleição democrática no DELITO DO OPINIÃO, seguindo uma tradição aqui iniciada em 2010.

Graças à unidade de missão liderada pelo almirante Henrique Gouveia e Melo, Portugal passou do quinto lugar mundial em número de infectados na relação com o número de habitantes e do oitavo posto em óbitos também nesta escala registados no início de Fevereiro para o estatuto - reclamado pelo Governo - de país proporcionalmente mais vacinado no globo, já em Novembro, quando 86% da população nacional tinha recebido vacinas. 

A memória colectiva tende a diluir-se. Eis, portanto, o momento de lembrar como este caminho foi muito tortuoso. Em Janeiro, chegámos a ser o país com mais mortes e mais novos casos de coronavírus por milhão de habitantes, quando havia 11 pessoas a morrer por hora de Covid-19. O panorama alterou-se, para muito melhor, graças em boa parte à intervenção de Gouveia e Melo, a quem o Expresso, em Junho, chamava "o almirante salva-vidas". Num só dia, 6 de Julho, foram ministradas mais de 154 mil vacinas.

 

A pandemia continua connosco, agora com carácter quase endémico e um surto de infecções menos letal. Mas não esquecemos o pesadelo destes quase dois anos nem o combate que lhe foi sendo travado neste país agora com 19.181 mortos oficialmente registados, vítimas do vírus que veio da China. E ainda não é possível baixar a guarda. Ontem Portugal registou um máximo de novos casos em 24 horas: 40.945. Apesar das vacinas e de todas as outras precauções que nos dominam o quotidiano. 

Não por acaso, o acontecimento nacional do ano destacado pelo DELITO em 2020 já tinha sido o novo coronavírus. Nota-se uma linha de continuidade neste destaque de 2021, que mereceu dez dos 25 votos da tribo "delituosa". 

 

O segundo lugar, com sete votos, coube ao colapso da geringonça, associado (três votos) ao chumbo do Orçamento do Estado, o primeiro ocorrido desde sempre em quase meio século de sistema democrático. 

 

Depois, cinco outros factos, cada qual com um voto. Passo a enunciá-los para ficarem devidamente lavrados em acta:

- Atropelamento do trabalhador Nuno Santos pela viatura ministerial em que seguia o ex-ministro Eduardo Cabrita.

- Decisão do Governo de "investir" na TAP com dinheiro dos nossos impostos.

- A rocambolesca fuga para a África do Sul do ex-banqueiro João Rendeiro, já condenado por sentença definitiva em Portugal.

- Sporting campeão nacional de futebol 19 anos depois.

- Queda de Luís Filipe Vieira, confrontado com uma sucessão de investigações judiciais que o levaram a abandonar a presidência do Benfica.

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro

Facto nacional de 2018: incúria do Estado

Facto nacional de 2019: novos partidos no Parlamento

Facto nacional de 2020: o vírus que nos mudou a vida

Governo negacionista

Pedro Correia, 29.12.21

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Recebi a terceira dose - dita de "reforço" - da Pfizer. No pavilhão 4 da Feira Industrial de Lisboa. 

Podia ter sido pior. Permaneci apenas hora e meia por lá, já contando com o chamado período de recobro. 

Sem efeitos secundários, excepto uma dor no braço esquerdo, dissipada ao fim de poucas horas. O direito, que recebeu a vacina contra a gripe, não acusou o toque. 

Sinto-me mais protegido que nunca contra o coronavírus. Mas três inoculações, atestadas por certificado digital, e o uso permanente de máscara em espaços fechados não bastam se quiser frequentar um restaurante, um hotel, um teatro, um cinema, um museu, uma sala de concertos, um estádio de futebol: o Governo manda-me também fazer um teste PCR ou um teste rápido de antigénio. Caso contrário fico à porta.

Esta redundância sanitária acaba por dar razão aos tolinhos que andam a berrar nas redes sociais contra as vacinas. É digna de um governo negacionista: se os testes são agora indispensáveis, isto equivale a declarar que as vacinas se tornaram inúteis. E que a "imunidade de grupo" pré-anunciada pelo primeiro-ministro era afinal uma falácia num país que já tem 8,7 milhões de habitantes com a vacinação completa. Incluindo quase toda a população acima dos 60 anos.

Faz lembrar a anedota daquele sujeito que usava cinto e suspensórios ao mesmo tempo para se sentir mais confiante. Não lhe caíram as calças, mas caiu no ridículo. Felizmente para ele, não ia a votos.

Da «libertação» à depressão

Pedro Correia, 22.12.21

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A 20 de Julho, numa espiral de propaganda já a pensar nas autárquicas de 26 de Setembro, o Governo começou a anunciar um suposto "dia da libertação total" da covid-19, logo ecoado pela imprensa afim. 

A 29 de Julho, o primeiro-ministro especificava: seriam introduzidas «três fases para a próxima fase de libertação da sociedade e da economia, de modo progressivo e gradual». A escolha das palavras não era inocente.

Nesse dia jornais como o Expresso imprimiram aquilo que António Costa mais queria ler: «Libertação total marcada para Outubro.»

 

Parece ter sido há uma eternidade.

Que «libertação», afinal?

Ontem, na sua enésima conferência de imprensa a propósito do coronavírus, António Costa anunciou um novo pacote de severas medidas restritivas. Num certo sentido, foi mais longe que nunca. Agora vai ao ponto de recomendar-nos que usemos máscaras dentro de casa e partilhemos a ceia natalícia devidamente distanciados, com as janelas todas abertas. E deixa o aviso: «Que ninguém deixe de fazer pelo menos um daqueles autotestes antes da consoada e do almoço de Natal.»

 

Hei-de rever no dicionário o conceito de «libertação». 

Quase apostava que nada tem a ver com este clima de depressão em que voltamos a mergulhar.

Cenas do "novo normal"

Pedro Correia, 18.12.21

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Agora há disto todos os dias: filas cada vez maiores à porta de farmácias (sem cumprimento do saudável distanciamento físico recomendado pela doutora Graça) e de barracas improvisadas para o efeito. Testes e mais testes e mais testes e mais testes. Um negócio chorudo para farmacêuticos, laboratórios e fabricantes de toda a parafrenália indispensável a tais procedimentos. 

Em horário laboral, nas principais cidades do País (a imagem é de Lisboa, ontem, cerca do meio-dia), dezenas e dezenas de pessoas vão-se acumulando nestes estabelecimentos para obter o almejado comprovativo sanitário. Que tem 72 horas de validade, implicando assim a realização de outro teste três dias depois. E outro e mais outro e mais outro e mais outro. Numa incessante espiral de ansiedade em busca de um objectivo inalcançável: a pureza virológica.

A procura é tanta, instigada pelo contínuo alarmismo dos meios de comunicação, que as farmácias estão já há semanas sem vagas para testes no Natal, como hoje noticia o Expresso

São cenas do "novo normal". Quem não entra nestas filas cada vez mais compactas começa a tornar-se suspeito de militar contra a democracia e vai sendo marcado com o ferrete da obstrução à ciência, como um leproso de tempos antigos transportado para este maravilhoso século XXI. 

Esta gente ensandeceu de vez

Pedro Correia, 26.11.21

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Andaram a vangloriar-se que Portugal era um dos países do mundo com maior taxa de vacinação. De facto, ocupamos a quinta posição, com cerca de 88% da população vacinada. Durante todo este tempo aludiam à vacina como panaceia seguríssima contra a pandemia. Mas preparam-se para voltar a fechar e paralisar tudo: o primeiro passo foi ontem anunciado pelo Governo. Decretando novas restrições nos acessos a restaurantes, recintos desportivos, bares e ginásios. Recuperando o uso compulsivo de máscaras em locais de trabalho e todos os espaços fechados. Anunciando que para assistir a espectáculos ou concertos não basta afinal exibir o certificado de vacinação que dantes tanto enalteciam: há que fazer testes à covid-19. Quem não os fizer, fica à porta.

Voltamos à bolha, voltamos à redoma. 

Dizem que procedem assim porque lá fora, noutros países europeus, as infecções voltaram a alastrar a ritmo acelerado. Apontam os exemplos da Áustria ou da Holanda - omitindo que nestes países a taxa de vacinação é muito inferior à nossa: 69% no primeiro caso, 72% no segundo.

Agora lembraram-se de começar a vacinar as crianças a partir dos 5 anos, contrariando tudo quanto tinham garantido anteriormente. E já andam histéricos, recomendando sérias restrições ao convívio familiar nas quadras festivas de Dezembro. Como se afinal não fizesse qualquer diferença os portugueses estarem vacinados.

Terão concluído enfim que as vacinas não nos imunizam? Caramba, nada alimenta tanto o "negacionismo" como esta conclusão.

 

Uma das figuras que mais vezes aparecem nos ecrãs televisivos em defesa aberta de novas restrições é o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, que esta noite fez uma extraordinária sugestão na recém-surgida CNN Portugal: todas as pessoas devem passar a fazer testes imediatamente antes e depois de qualquer convívio familiar «para despistar os falsos negativos». Garante que os testes são «bastante acessíveis em termos financeiros», esquecendo-se de especificar quanto este estapafúrdio conselho deverá pesar na bolsa de cada português

Entretanto, o monotema da pandemia inunda de novo os espaços informativos. Como se nada mais acontecesse. Como se não houvesse uma infinidade de outras doenças a ameaçarem seriamente a vida dos portugueses. Estas doenças voltam a tornar-se clandestinas: é tabu falar delas. Mas vão matando mais que nunca.

Oiço-os, com infinita paciência, e começo a chegar a uma perturbante conclusão: esta gente ensandeceu de vez.

O culto dos paradoxos

Pedro Correia, 07.09.21

«Uso de máscaras ao ar livre deixa de ser obrigatório a partir da próxima semana», noticiaram ontem alguns órgãos de informação. Assim mesmo, como se estivessem a descobrir a pólvora.

Disparate. Nunca o uso de máscaras «ao ar livre» foi de uso obrigatório. Nem poderia ser. "Livre" e "obrigatório" na mesma frase é algo que não faz qualquer sentido.

Uma enorme contradição

Pedro Correia, 24.08.21

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Parece-me haver aqui uma enorme contradição. Mais uma. O Governo mantém fortíssimas restrições à presença de público nas bancadas dos estádios - onde só um terço dos lugares podem ser preenchidos - enquanto decretou a partir de ontem o fim dos limites da lotação dos transportes públicos, que voltam a andar à pinha após ano e meio de drástica contenção. 

Tenho dificuldade em descortinar um fio de lógica entre duas medidas tão díspares. Será mais provável alguém - mesmo exibindo certificado digital à entrada - ser contagiado com Covid-19 num espectáculo desportivo do que se for entalado entre dezenas de pessoas num transporte público onde ninguém pergunta a ninguém se já tomou vacinas?

Enfim, a meu ver isto apenas confirma o preconceito do Executivo relativamente ao desporto. Nada a que não estejamos habituados.

Madre superiora e a castidade sanitária

Pedro Correia, 20.08.21

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Um país inteiro fechado, a nível nacional, por ali ter sido detectado um só caso do novo coronavírus em seis meses. Eis a Nova Zelândia actual - espécie de cruzamento do Admirável Mundo Novo de Huxley com o domínio do Rei Ubu. Hoje coutada da senhora Jacinda Ardern, que as bempensâncias de turno tanto enaltecem pela suposta visão estratégica e pela presumível estatura de estadista. 

Parece decisão de madre superiora. Como uma noviça pecou, Madre Jacinda - suprema guardiã da castidade sanitária - ordena que todas as freiras fiquem de castigo lá no convento.

Faça o que fizer, tem hossanas garantidos, Deus seja louvado por tão virtuosa senhora.

 

Uma falsa sensação de segurança

Graça Freitas

Pedro Correia, 17.08.21

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A autoridade sanitária parece existir em Portugal para carimbar decisões políticas. O que perverte a sua lógica. Matérias do domínio científico deviam ser deixadas ao critério dos especialistas, não desses técnicos de ideias gerais que são os políticos.

O que tem sucedido entre nós justifica as mais sérias reservas. Basta verificar o que aconteceu no processo de vacinação dos adolescentes entre os 12 e os 15 anos: bastaram onze dias para a Direcção-Geral de Saúde mudar radicalmente de posição. Foi a reboque das declarações do Presidente da República, do desejo indisfarçável do primeiro-ministro e até dos palpites de comentadores televisivos que no domingo antecipavam o que a directora-geral viria a tornar público na terça-feira.

Maria da Graça Gregório de Freitas, 63 anos, lidera desde 2018 a autoridade de saúde nacional, organismo que vem preenchendo manchetes desde que foi declarada a pandemia. Nem sempre por bons motivos. Nos primeiros meses, tornou-se notícia pelas contradições exibidas. Várias das quais em discurso directo. A 15 de Janeiro do ano passado, assegurava que havia «fraquíssima possibilidade» de transmissão do novo coronavírus de pessoa para pessoa. A 28 de Fevereiro, quando já todos os alarmes soavam, voltou a pronunciar palavras incongruentes, como se estivesse a ver o filme errado: «Não nos devemos beijar todo o dia e a toda a hora.» A 22 de Março, chegou ao ponto de emitir reservas em relação ao uso de máscaras, por transmitirem «falsa sensação de segurança».

Assim se foi caminhando em ziguezague. A cada percalço comunicacional, o prestígio da DGS diluía-se mais um pouco. Nenhum tão grave, talvez, como este mais recente. A 30 de Julho, Graça Freitas anunciou ao país sérias restrições à vacinação dos 410 mil jovens dos 12 aos 15 anos, concedendo luz verde apenas àqueles que tivessem doenças crónicas. Foi repetidamente desautorizada. Desde logo, pelo Governo Regional da Madeira, que no próprio dia começou a vacinar cerca de 20 mil adolescentes a partir dos 12 anos. Do Brasil, onde estava em visita oficial, Marcelo Rebelo de Sousa fazia uma interpretação muito própria da norma sanitária, considerando que tudo seria deixado à «livre escolha dos pais». A 5 de Agosto, pressionava já sem disfarces, recomendando que o modelo madeirense fosse adoptado no conjunto do país.

«Novas evidências científicas», nunca especificadas, levaram a directora-geral a mudar de posição. Agora já recomenda a vacinação universal naquele escalão etário sem necessidade de indicação médica. Com o primeiro-ministro a esclarecer de imediato que «tudo está a postos» para garantir as vacinas antes de começar o ano lectivo. Fazendo crer que a ciência oscila ao sabor da agenda política.

Há que concluir sem paliativos: Graça Freitas sai de tudo isto com a credibilidade ferida. Foi-nos transmitindo uma falsa sensação de segurança. Mantém uma certa aura de simpatia, mas a autoridade que lhe resta tornou-se residual.

 

Texto publicado no semanário Novo

Os 25 mais infectados

Pedro Correia, 02.08.21

Cinco meses depois, trago aqui novamente o quadro detalhado da evolução do novo coronavírus no planeta, com base em mais de duas dezenas de fontes consultadas e confrontadas - desde logo, a Organização Mundial de Saúde. Quando à escala global existem agora mais de 4,2 milhões de mortos e 199 milhões de infectados por Covid-19, oficialmente reconhecidos. 

Um registo que me leva a ordenar os países com registo oficial de infecções da seguinte maneira, excluindo micro-estados e nações com menos de um milhão de habitantes:

 

República Checa: 155.976 casos por milhão de habitantes

Barém: 152.512

Eslovénia: 124.696

Uruguai 109.365

Holanda: 108.747

Suécia: 108.194

Argentina: 108.006

EUA: 107.311

Geórgia: 106.054

Lituânia: 105.558

Estónia: 100.764

Panamá: 99.284

Bélgica: 96.591

PORTUGAL: 95.522

Espanha: 95.074

Israel: 93.885

França: 93.643

Brasil: 92.991

Colômbia: 92.977

Koweit: 91.695

Croácia: 89.203

Reino Unido: 86.137

Hungria: 84.026

Chile: 83.809

Sérvia: 83.021

 

Notas a destacar, em comparação com a estatística anterior:

A pandemia continua centrada na Europa, mas revela alguma tendência para rumar em força ao continente americano. Como se comprova pelo facto de países como Uruguai, Argentina, Colômbia e Chile - que não figuravam no quadro anterior - se encontrarem agora entre os 25 mais infectados por Covid-19 à escala mundial. Impressionante, a escalada do coronavírus no Uruguai, agora o quarto nesta tabela. Embora seja um país que nunca é referido nas notícias que circulam em Portugal.

A República Checa mantém-se no topo, com números preocupantes. Mas a vizinha Eslováquia abandona o quadro dos 25 países com maior registo de infecções. Tal como aconteceu com a Suíça e a Áustria, também no continente europeu. Além de Catar, Líbano e Arménia.

Nos cinco mais figuram este mês o Barém (subida de oitavo para segundo) e a Holanda (era 13.º, encontrando-se agora no quinto posto). Também sobem a Suécia (de nono para sexto), a Estónia (de 16.º para 11.º), França (de 19.º para 17.º) e Brasil (de 25.º para 18.º). A Eslovénia - país que neste semestre assume a presidência do Conselho da UE - sobe do terceiro ao segundo posto.

Os EUA descem cinco lugares, abandonando o pódio. Também a baixar, de forma ainda mais acentuada, está o Reino Unido: em Março era o 15.º país com maior número de infecções por milhão de habitantes, agora é o 22.º.

Tendência de descida igualmente para Portugal: estávamos em Março num nada honroso quinto posto, descemos entretanto para a 14.ª posição. Ainda assim, figuramos em oitavo lugar entre os 27 Estados membros da União Europeia. Tendo a Espanha imediatamente abaixo.

Em termos comparativos, à mesma escala, Portugal regista o dobro dos infectados por Covid-19 existente em países como Grécia, Albânia e Tunísia. Triplicamos os números da Malásia e República Dominicana. Registamos quatro vezes mais casos do que Índia e Islândia. E dez vezes mais infectados do que a Tailândia e Timor-Leste.

 

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Deixo também novamente o registo da relação entre o número de óbitos confirmados e a população de cada país, por milhão de habitantes, destacando os 20 países com mais mortos:

 

Peru: 5867

Hungria: 3117

Bósnia-Herzegovina: 2973

República Checa: 2831

Bulgária: 2643

Brasil: 2598

Colômbia: 2346

Argentina: 2316

Eslováquia: 2296

Bélgica: 2168

Eslovénia: 2130

Itália: 2122

Paraguai: 2073

Croácia: 2026

Polónia: 1991

Reino Unido: 1980

EUA: 1889

México: 1848

Chile: 1841

Roménia:1795

Equador: 1764

Espanha: 1742

Uruguai: 1710

França: 1710

PORTUGAL: 1709

 

Também na relação entre óbitos por Covid-19 e número de habitantes é claro o predomínio do Velho Continente. Entre os 25 países com mais mortos, em termos proporcionais, quinze estão na Europa. A novidade é a ascensão do Peru ao primeiro lugar, ocupado em Março pela República Checa - agora em quarto. Uma subida impressionante: há cinco meses o Peru figurava na 14.ª posição.

Tendência ascendente igualmente para Hungria (estava em quinto, agora em segundo), Bósnia-Herzegovina (de sétimo para terceiro) e sobretudo para o Brasil, que sobe do 19.º ao sexto lugar. 

Inversamente, baixam a Bélgica - que em Fevereiro figurava na primeira posição desta lista nada invejável. Agora desce para o décimo posto. Acompanham-na nesta tendência descendente Itália (de sexto para 12.º), México (de 13.º para 18.º) e França (de 16.º para 24.º). 

Três países justificam menção especial. Desde logo os EUA, que em Fevereiro eram o terceiro país do mundo com mais mortos por milhão de habitantes, em Março desceram para 13.º e agora estão em 18.º Mas também o Reino Unido (baixa de quarto para 16.º nos últimos cinco meses) e Espanha (estava em nono em Fevereiro, desceu para 11.º em Março e surge hoje na 22.ª posição).

Melhor ainda estão países como Suíça, Suécia e Holanda: há meio ano integravam a lista dos 14 com mais óbitos em termos proporcionais e agora não se incluem sequer nos 25 primeiros.

Tendência inversa revelam Colômbia, Argentina, Paraguai, Polónia, Chile, Roménia e Equador, ausentes há cinco meses do grupo com 20 mais óbitos.

Portugal, felizmente, prossegue a rota descendente após um período muito preocupante. Ausentes em Outubro da lista dos primeiros 30, regressámos em Novembro, na 28.ª posição, e em Fevereiro e Março estávamos em oitavo. Agora encerramos o rol dos 25 primeiros.

Nenhum país de África ou Ásia consta deste quadro.

Só agora?

Pedro Correia, 01.08.21

«Temos de assumir de uma vez por todas que a população é responsável e adulta e portanto não é o Estado que tem de andar a definir a régua e esquadro qual é o número de pessoas com quem é preciso usar máscara.»

 

António Costa em conferência de imprensa (29 de Julho). Depois de ter andado mais de um ano a tratar todos os portugueses como se fossem irresponsáveis e crianças grandes

A Madeira já é independente?

Pedro Correia, 31.07.21

«A Organização Mundial de Saúde pediu que os países que estão a vacinar crianças e adolescentes contra a Covid-19 deixem de o fazer e entreguem essas doses ao sistema Covax, para que possam ser distribuídas por países mais necessitados, como a África do Sul, onde nem o pessoal médico foi ainda completamente vacinado.»

Organização Mundial de Saúde, 15 de Maio

 

«A Organização Mundial de Saúde divulgou um vídeo explicando por que não recomenda que a vacinação de crianças seja uma prioridade neste momento da pandemia do novo coronavírus.»

Organização Mundial de Saúde, 11 de Junho

 

«Tudo está preparado para, nos fins-de-semana entre 14 de Agosto e 19 de Setembro, serem administradas as duas doses de vacina às cerca de 570 mil crianças e jovens entre os 12 e os 17 anos.»

António Costa, primeiro-ministro, 21 de Julho

 

«DGS recomenda vacinar crianças dos 12 aos 15 anos só com co-morbilidades.»

Notícia do Eco, 30 de Julho

 

«Decidimos aguardar por mais informação, nomeadamente a nível da União Europeia [sobre a vacinação generalizada de adolescentes entre os 12 e os 15 anos].»

Graça Freitas, directora "geral" da Saúde, 30 de Julho

 

«Madeira começa a vacinar no sábado 20 mil jovens a partir dos 12 anos.»

Notícia do Jornal de Notícias, 30 de Julho

 

«[Vacinar cerca de 20 mil adolescentes entre os 12 e os 18 anos] é uma decisão política do Governo [regional da Madeira] que segue aquilo que são as orientações da Direcção Regional da Saúde, da task force regional da vacinação e que segue no fundo aquilo que são as linhas orientadoras da Organização Mundial da Saúde.»

Miguel Albuquerque, presidente do Governo regional da Madeira, 30 de Julho

O estilo Costa

Pedro Correia, 22.07.21

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Bem ao seu estilo, António Costa anunciou a «libertação total da sociedade» no final do Verão. Medida que coincidirá em absoluto com o calendário eleitoral: as autárquicas realizam-se a 26 de Setembro.

Preparemo-nos para a propaganda que aí vem. Ele nunca dá ponto sem nó.

 

O chefe do Governo adora ser portador de boas notícias. Quando as novidades são más, encarrega dessa tarefa alguns dos seus ministros. Designadamente a pobre Mariana Vieira da Silva, que já aparece nas conferências de imprensa com cara de quem suplica para a tirarem desse filme.

Foi ela que a 18 de Junho anunciou uma das mais inacreditáveis medidas alguma vez paridas num Conselho de Ministos: o "encerramento" da Área Metropolitana de Lisboa entre as 15 horas de sexta-feira e as 6 da manhã de segunda-feira. Quase três milhões de portugueses confinados dentro de parte do território nacional, sem proclamação do estado de emergência, para «impedir contágios». Como se o coronavírus só atacasse aos fins-de-semana.

Foi ela também que a 1 de Julho anunciou o "recolher obrigatório" entre as onze da noite e as seis da manhã em 45 concelhos do País, incluindo Lisboa e Porto, de novo sem estado de emergência. Como se o coronavírus só atacasse à luz da Lua.

Foi ainda ela - desta vez acompanhada pelo ministro da Economia - que a 8 de Julho anunciou outra medida ainda mais estapafúrdia do que as anteriores: a exigência de apresentação de certificados de vacinação ou realização de testes rápidos nos restaurantes e na hotelaria aos fins-de-semana, a partir do jantar de sexta-feira nos concelhos de maior risco e nos alojamentos turísticos em todo o território continental. Medidas que nem existiram quando Portugal ficou em estado de emergência. Como se o coronavírus só atacasse quando estamos a descansar e nunca quando estamos a trabalhar.

 

Nestas ocasiões, que cobrem de ridículo os portadores das novidades, Costa nunca aparece. Manda sempre qualquer outro ocupar o palco. Ele só comparece em contexto positivo, de preferência com palavras associadas à verba da bazuca, oriunda de Bruxelas. Anuncia 252 milhões de euros de investimento na investigação e economia do mar. Anuncia 244 milhões de euros para a área da cultura. Anuncia 465 milhões de euros em respostas sociais para infância, idosos e deficientes. Anuncia 900 milhões de euros para o «sucesso escolar». Numa cadência incessante, incansável. É raro ver um político assim: está em permanente campanha eleitoral.

Ainda a procissão vai no adro. Nos meses que vão seguir-se, teremos isto a um ritmo quase diário: o primeiro-ministro a pronunciar a palava milhões. Com o dinheiro dos outros. Sem o menor assomo de pudor num pais que em 2020 registou uma queda do PIB de 7,6% - superior à média de 6,2% do conjunto da União Europeia - e já neste primeiro trimeste viu o PIB português contrair 5,4%, o que constitui o pior desempenho de uma economia no espaço comunitário.

 

Nada que desencorajasse o chefe do Executivo de ter aproveitado ontem o debate do final do ano parlamentar para sugerir que «só ele saberá salvar o País da pandemia e da crise económica», na feliz definição - não isenta de ironia - da jornalista Rita Dinis no semanário Expresso.

Na divisão de tarefas no Governo, cabe-lhe em exclusivo o papel do bom da fita. Os erros, os disparates e as medidas inaceitáveis ficarão sempre a cargo de outros. E até o outrora «excelente ministro» Cabrita ficou mais isolado que nunca: deixou de poder contar com o aconchego do antigo colega de faculdade. 

É um estilo de governar. O estilo Costa.

Ainda existe oposição neste país?

Pedro Correia, 10.07.21

Três semanas depois, justamente confrontado com acusações de violação dos direitos constitucionais vindas dos mais diversos sectores, o Governo apressou-se a deixar cair a absurda "cerca sanitária" à Área Metropolitana de Lisboa, com recolher obrigatório e proibição de circulação entre concelhos - prontamente denunciada aqui - que visava deter a chamada "variante delta" entretanto espalhada em todo o País e até já dominante na Europa.  

Agora, com a ministra Mariana Vieira da Silva novamente transformada em mensageira de más notícias (António Costa nunca está presente nestes momentos complicados), o Governo faz pior ainda: transforma cada proprietário de restaurante e cada gerente de hotel em polícia e agente de saúde pública. Isto na "época alta" do pobre turismo que nos resta. Totalmente inaceitável.

Neste contexto, o que faz o PSD? Defende as liberdades ameaçadas? Não: apresenta uma proposta de revisão constitucional. Totalmente alheado da realidade, como se vivesse no país das maravilhas.

O colaboracionismo de Rui Rio com o Executivo socialista deixou de ser apenas danoso para o partido. Ameaça tornar-se danoso para a democracia em Portugal.

Quem não sai à rua faz a festa em casa

Pedro Correia, 10.07.21

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Tudo quanto há de relevante na vida pública portuguesa passa pela televisão. Para o bem e para o mal. Nos últimos dias assistimos a uma deriva autoritária raras vezes vista desde a implantação da democracia no nosso país. A propósito da pandemia, que vai servindo de pretexto para inéditas restrições aos direitos e liberdades.

Na quinta-feira da semana passada, a titular da pasta da Presidência revelou: «Nos concelhos de risco elevado ou muito elevado passará a existir limitação da circulação na via pública.» Em momento algum aludiu a interdição ou proibição.

A resolução do Conselho de Ministros publicada nesse dia – e que mereceu ampla repercussão nos telediários – optou também pelo tom suave. «Entre as 23 horas e as 5 horas os cidadãos devem abster-se de circular em espaços e vias públicas e permanecer no respectivo domicílio.»

Tudo claro? Não, tudo obscuro. A tal ponto que o Governo sentiu a necessidade de fazer a interpretação autêntica desta resolução. Para o efeito, no serão de sábado, avançou o secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro. À RTP 3, Tiago Antunes comunicou que vivemos na prática em estado de emergência, embora sem decreto presidencial nem escrutínio parlamentar: «É um dever jurídico, o que significa obrigação. Em linguagem jurídica, dever e obrigação são sinónimos.» Falou em multas e detenções.

Em 48 horas, passou-se do menos a mais, sempre num crescendo autoritário. Invertendo o salutar princípio básico das democracias liberais: tudo quanto não é expressamente proibido é permitido.

Coube assim a um elemento de segunda linha do Governo – numa simples entrevista – especificar que quase quatro milhões de portugueses, residentes em 45 concelhos considerados de alto risco, regressavam ao sistema de confinamento compulsivo, seis horas por dia, além de sofrerem restrições à circulação entre o princípio da tarde de sexta-feira e a manhã de segunda. Ignorando-se o que determina a Constituição, no artigo 44.º: «A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional.»

De tudo isto nos falou a televisão por estes dias. E nos foi mostrando também simbólicos actos de resistência a normas que vários juristas consideram desproporcionadas e até inconstitucionais. Vimos, por exemplo, jovens enchendo praias algarvias, não apenas de dia mas também à noite, em desafio às autoridades. Muitos são estrangeiros: fazem parte do contingente de turistas que há escassas semanas o Governo queria atrair para Portugal.

A imagem mais emblemática que pudemos vislumbrar sobre este assunto durou breves segundos mas foi muito reveladora ao ser exibida na RTP: uma varanda cheia de jovens num domicílio privado no Porto, bem depois das 23 horas.

Tem vindo a ser assim em todo o país: quem não pode sair à rua faz a festa em casa. Não há polícia nem brigadas dos bons costumes que cheguem para tanta gente. Diga Tiago o que disser.

 

Texto publicado no semanário Novo