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Delito de Opinião

PCP contra o Papa e a favor de Kim

Pedro Correia, 14.03.23

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15 de Março de 2013, voto parlamentar:

«A Assembleia da República, reunida em sessão plenária, saúda o Estado do Vaticano, a Igreja Católica e todos os que professam a sua fé, pela eleição do novo Sumo Pontífice.»

O PCP recusou votar a favor.

 

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28 de Fevereiro de 2014, voto parlamentar:

«Pela primeira vez, a ONU denunciou crimes contra a humanidade a serem cometidos contra o povo norte-coreano, numa demonstração preocupante e denunciadora da intolerância, da repressão, do ódio e do clima de terror empregues pelo regime de Pyongyang.

A actuação da Coreia do Norte constitui, evidentemente, uma ameaça séria à paz nos limites das suas próprias fronteiras, como representa uma ameaça à segurança regional e internacional. E, por isso, deve merecer uma condenação firme e consensual da comunidade internacional.

Portugal e os povos da Europa têm na tolerância um valor de referência. A demonstração do repúdio e condenação por actos premeditados contra a segurança, a liberdade, a integridade e a dignidade humanas é um imperativo moral constitutivo ou integrante da democracia.

Assim, a Assembleia da República associa-se à Organização das Nações Unidas na condenação dos crimes cometidos pelo regime norte-coreano contra o seu próprio povo e lamenta as vidas perdidas às mãos de um regime autocrático e repressivo.»

O PCP votou contra.

Todos devem apoiar Trump

Alexandre Guerra, 12.06.18

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No sistema internacional, por vezes, as relações pessoais entre líderes contam muito/Foto: Evan Vucci/AP 

 

Por mais que custe a admitir aos opositores e detractores de Donald Trump, e independentemente do parco conteúdo da declaração conjunta da cimeira de Singapura e do inexistente “road map” a ser seguido nos próximos tempos, ao fim de várias décadas de gelo diplomático entre os EUA e a Coreia do Norte, seria sempre preferível ter um encontro amigável de alto nível, mesmo que inócuo, do que não ter nada e manter-se o clima instável e volátil que se vinha sentindo nos últimos meses entre Washington e Pyongyang. A guerra de palavras entre Trump e Jong-un tinha escalado para níveis nunca dantes vistos nas relações internacionais entre dois chefes de Estado, mas o problema maior tinha a ver com o processo nuclear norte-coreano que, apesar de tudo, foi fazendo o seu caminho, com testes atrás de testes e lançamentos atrás de lançamentos. Se a Coreia do Norte continuasse a seguir este caminho, seria muito provável que viesse a conseguir dotar-se de uma capacidade plena e eficaz nuclear, quer ao nível dos seus vectores de lançamento, quer na miniaturização das respectivas ogivas. Até ao momento, daquilo que se foi sabendo, ainda havia muito trabalho a fazer, mas algum dia esse percurso teria que ser travado… diplomática ou militarmente. Sendo a capacidade nuclear um factor de poder enormíssimo na hierarquia dos Estados no sistema internacional, uma coisa é Washington negociar com Pyongyang nesta fase, outra coisa seria um líder americano sentar-se à mesa com o seu homólogo norte-coreano numa altura em que este país já fizesse parte do exclusivo “clube” das potências nucleares. Aqui, as condições de negociação seriam certamente outras.

 

Trump deslocou-se a Singapura numa altura em que a Coreia do Norte ainda está longe de ser reconhecida como uma potência nuclear, com capacidade para militarizar a tecnologia até agora desenvolvida. Ainda não alcançou o estatuto de países como a Índia, o Paquistão ou Israel. Mas para lá caminha(va). Mais, Trump foi até Singapura com a certeza de que a Coreia do Norte está desesperadamente à procura de recursos financeiros (e outros) para colmatar a “falência” daquele país. Tudo na Coreia do Norte é uma ficção, uma ilusão, excepto a crise humanitária que aflige milhares de pessoas em proporções que, na verdade, não são verdadeiramente conhecidas.

 

Além disso (e isto em política internacional é muito importante), nota-se uma ânsia de diálogo e abertura por parte do líder Kim Jong-un. Não quer dizer necessariamente que seja uma vontade de suavizar o regime ou de “abrir” a sociedade, mas, para quem tem acompanhado com alguma atenção o percurso deste jovem líder, constata que há em si um ímpeto para ir além-fronteiras e estabelecer pontes com outros países e governantes. Às vezes quase que parece uma criança num loja de chocolates quando se confronta com a novidade. Parecem pormenores, mas, num regime unipessoal como é o da Coreia do Norte, estas matérias de personalidade podem fazer toda a diferença nos desígnios de uma nação.

 

Trump poderá estar certo quando diz que sentiu da parte do seu interlocutor vontade genuína para negociar. Resta saber o que será negociado e em que condições. Para já, pouco se sabe, mas presume-se, caso a cimeira tenha sido bem conduzida os seus protagonistas bem assessorados, que tenham sido estabelecidas as metas, os grandes objectivos políticos a serem alcançados. É para isso que servem estes encontros. Depois a forma de como lá se chega, concessão aqui, concessão ali, é um trabalho de bastidores, de muita paciência e, sobretudo, confiança entre as partes.

 

Se for verdade aquilo que Trump tem anunciado nestas últimas horas, então o mundo deve congratular-se pelo facto de aqueles dois líderes terem definido a “desnuclearização da Península da Coreia” como o principal objectivo. Provavelmente, os EUA terão que pagar um preço muito elevado como contrapartida, mas, a médio e a longo prazo, quem sabe se Washington não terá na Coreia do Norte um gigantesco receptor de ajuda financeira, à semelhança do Egipto e da Jordânia, países que, apesar das suas diferenças religiosas, culturais e políticas, se mantiveram sempre como preciosos aliados da Casa Branca.

 

Para já, e por mais disparates e erros que Trump tenha feito nos últimos meses e ódios que suscite, este esforço diplomático merece ser reconhecido e é por isso que ainda esta semana o insuspeito Nicholas Kristof escrevia que os democratas no Congresso não deveriam adoptar a mesma atitude dos republicanos e criticar por criticar a iniciativa do Presidente americano. Porque, neste momento, é do interesse de todos que esta jogada arrojada de Donald Trump se revele certeira.

Crianças

Alexandre Guerra, 28.09.17

Tudo tem a sua escala. Quando uma mãe, um pai, está no parque infantil com o seu filho ou filhos, normalmente, deixa-os à vontade, naquele espaço controlado, onde os seus ocupantes têm o mesmo código de “conduta” e lógica de discurso (na verdade, ausência dela) e são livres de fazer as diabruras que lhes são permitidas pela tenríssima idade. Os adultos, de longe, vão “deitando o olho” para assegurar que os disparates não ultrapassam os limites aceitáveis e desculpáveis para aquelas pequeninas amostras de gente. Caso o façam, não tendo bem a noção das consequências, de imediato os pais intercedem e males maiores são evitados. No final, todos vão para casa contentes sem danos a reportar. Com alguma sorte, é precisamente isso que se passa entre Donald Trump e Kim Jong-un, ou seja, duas crianças a disparatar no “recreio”, enquanto os “adultos” (espera-se) vão controlando os comportamentos para que nenhum deles cometa a infantilidade de carregar no “botão”. E quem são esses adultos? O aparelho em Washington, as estruturas e sub-estruturas das instituições americanas e também a gente responsável e com senso que está nas chancelarias de Pequim e Moscovo. E, sabe-se lá, se no meio do esquizofrénico regime de Pyongyang não haja alguém na cúpula do poder dotado de uma clarividência já (pelo menos) na idade juvenil.

Isto está perigoso.

Luís Menezes Leitão, 29.08.17

A notícia de que a Coreia do Norte acaba de lançar um míssil (felizmente não armado) sobre o Japão é a confirmação do agravamento da tensão internacional na região, motivado pela estupidez de Trump. Qualquer pessoa inteligente percebe que o que não tem remédio remediado está e a Coreia do Norte há muito que constitui um Estado pária, completamente à margem do actual sistema internacional, que por isso pode ser ignorado, mas que é um autêntico suicídio tentar combater.

 

Contra a Coreia do Norte não servem condenações internacionais, e muito menos por resolução das Nações Unidas. A Coreia do Norte é o único país do mundo que travou com sucesso uma guerra contra as Nações Unidas, da qual não saiu derrotada. Por isso pode dar-se ao luxo de ignorar tudo o que na ONU se diga, limitando-se a qualificar as sua resoluções como uma nova declaração de guerra. E por isso as ameaças dos EUA são absolutamente irrelevantes para Pyongyang, de nada servindo os disparates que Trump tem vindo a dizer. Ou melhor, podem servir para lançar um mar de chamas sobre Seul, Tóquio e até Guam.

 

Steve Bannon, o estratega principal da eleição de Trump viu isso muito bem quando afirmou o seguinte: "Até que alguém resolva a parte da equação que mostra que 10 milhões de pessoas morrerão em Seul nos primeiros 30 minutos pelo uso de armas convencionais, eu não sei do que estão a falar, não há solução militar aqui. Eles apanharam-nos". Logo a seguir a estas declarações Trump demitiu Steve Bannon. Mais uma vez se demonstra, como no Frankenstein, que é muito fácil a criatura rebelar-se contra o criador. O pior é que isso pode provocar uma catástrofes de dimensões imprevistas. O mundo já tem um louco na Coreia da Norte. Só lhe faltava um monstro de Frankenstein na Casa Branca.

Trump está perigoso.

Luís Menezes Leitão, 11.04.17

Os presidentes norte-americanos têm o condão de supreender qualquer observador, funcionando completamente ao contrário do que tinham anunciado. É assim que Donald Trump, depois de imensa controvérsia por as suas medidas inconstitucionais contra os imigrantes islâmicos terem sido barradas nos tribunais, decidiu agora intervir na guerra civil síria. Foi uma acção sem mais consequências do que uns mísseis despejados no terreno, mas que lhe garante o aplauso da comunidade internacional perante o total apagamento da ONU. A propósito, o que é que anda lá a fazer o nosso Guterres? A Rússia fica furiosa, o Irão protesta, mas o ataque não vai trazer consequências de maior na esfera internacional. Trump pode por isso proclamar que está a tornar a América "great again" e tranquilamente gozar os aplausos gerais pela sua iniciativa, que lhe permite consolar o seu ego magoado por um dos inícios presidenciais mais desastrados da história recente. 

 

O problema é que Trump tem um perfil psicológico narcísico e os aplausos que hoje lhe dão por uma iniciativa bem sucedida estimulam-no a passar rapidamente a outra. Mas o que ele agora considera estar à mão é muito mais perigoso do que ele alguma vez pode imaginar: a Coreia do Norte. À primeira vista pode parecer um resquício da guerra fria, que os Estados Unidos facilmente dominarão, mas a verdade é que nem nos seus maiores tempos de grandeza a América conseguiu vencer a Coreia do Norte. O seu mais brilhante génio militar McArthur, depois de encurralado no sul da península, conseguiu tomar Pyongyang em virtude do sucesso mililtar do seu desambarque em Incheon, mas percebeu perfeitamente que teria que recuar após a entrada da China no conflito. Ainda chegou a propor a Truman um ataque nuclear à China, mas a perspectiva de generalização da guerra nuclear, com a ameaça de uma resposta russa, levou o presidente a demitir o seu general, tendo depois as partes acordado em voltar a fixar a fronteira no paralelo 38.

 

Hoje a Coreia do Norte é um estado nuclear, que não reconhece qualquer poder na esfera internacional, uma vez que até se gaba de ter vencido uma guerra contra as Nações Unidas. Não é por isso nada provável que um ataque convencional à Coreia do Norte não desencadeie uma resposta nuclear imediata que, se não atinge por enquanto os EUA, facilmente atinge a Coreia do Sul ou o Japão. Trump pode estar a querer testar tantos anos depois a velha doutrina de Kissinger da guerra nuclear limitada, que lhe granjeou o epíteto de Dr. Strangelove. Mas é muito pouco provável que a China alguma vez pactue com semelhante estratégia, ainda mais depois das polémicas declarações de Trump sobre a Formosa. Seguramente que Trump não sabe onde se está a meter.

Até quando a passividade das potências mundiais?

Alexandre Guerra, 06.03.17

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Notícia do lançamento dos mísseis norte-coreanos numa televisão da estação central de comboios de Seul/Foto:Lee Jin-man

 

A Coreia do Norte lançou/testou esta Segunda-feira mais quatro mísseis balísticos de médio alcance, que acabaram por cair no Mar do Japão. É um cenário que se tem repetido vezes de mais e tem toda a razão o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, ao classificar aquela acção como "extremamente perigosa". Três daqueles mísseis despenharam-se na Zona Económica Exclusiva nipónica, ou seja, numa área até ao máximo de 200 milhas náuticas da sua linha de costa. Inicialmente, as primeiras notícias falavam em mísseis de curto alcance que, podem ir até aos 500 quilómetros, mas mais tarde percebeu-se que se tratava de projécteis que alcançaram, pelo menos, os 1000 quilómetros de distância. E é por causa disto que os alarmes em Tóquio e em Seul estão a soar, porque o regime norte-coreano tem vindo a fazer testes consecutivos, sendo notórios os progressos que têm sido alcançados por Pyongyang. O regime norte-coreano não esconde o objectivo de vir a desenvolver um míssil balístico intercontinental (ICBM), cujo alcance vai para além dos 5500 quilómetros, ou seja, capaz de atingir território dos Estados Unidos. É certo que o desenvolvimento da tecnologia de mísseis, por si só, constitui uma ameaça diminuta, mas o problema é que, paralelamente, Pyongyang tem continuado a envidar esforços no seu programa nuclear, suspeitando-se que já possa ter conseguido, com sucesso, construir ogivas suficientemente pequenas para serem transportadas numa cabeça de míssil. E é nesta conjugação terrível que surge a ameaça à paz internacional. 

 

Entre 2006 e 2016, a Coreia do Norte efectuou cinco testes nucleares e, de acordo com o que se vai sabendo, o poder destrutivo dos engenhos tem vindo a aumentar. As ondas de choque detectadas pelos sismógrafos japoneses no último teste subterrâneo norte-coreano de Setembro do ano passado, revelaram uma explosão com a potência de 10 a 30 quilotoneladas. Dada a escassez de informação relativa ao programa nuclear da Coreia do Norte, os especialistas não conseguem ter a certeza quanto ao tipo de bomba de que se está a falar. Se é de hidrogénio, as chamadas bombas termonucleares, as mais potentes, que assentam num processo de fusão de isótopos de hidrogénio (na verdade é um duplo processo, já que tem uma fissão inicial), ou se é uma bomba atómica (fissão). Apesar do regime de Pyongyang ter anunciado que os dois testes realizados em 2016 foram de bombas de hidrogénio, os especialistas duvidam deste alegação, uma vez que não tiveram suficiente potência para se enquadrarem nessa categoria.

 

Apesar destes sinais de preocupação, o grau de desenvolvimento da tecnologia nuclear e dos respectivos vectores de lançamento ainda não atingiu aquele patamar dramático, em que a Humanidade se vê perante a iminência de ter um regime esquizofrénico na posse de um engenho capaz de aniquilar milhões de pessoas. No entanto, se a Coreia do Norte continuar a ter esta "liberdade" para manter em curso o seu programa de armas de destruição maciça (como parece que está a ter, apesar de todas as restrições), é apenas uma questão de "quando" (e não "se") terá um míssil balístico nuclear pronto a ser disparado, capaz de atingir países vizinhos inimigos, como a Coreia do Sul e o Japão ou até mesmo os EUA.  

 

Estranhamente, a comunidade internacional parece estar bastante permissiva perante esta ameaça, dando muito mais atenção a outros assuntos (importantes, é certo), mas que não têm a gravidade do que se está a passar na Coreia do Norte. Admito que o perigo não esteja ao virar da esquina, mas é muito provável que, se nada for feito, poderemos chegar ao dia em que terão que ser tomadas medidas dramáticas para evitar um mal maior. A História recente tem alguns episódios de acções "preemptivas" e "preventivas", nomeadamente executadas por Israel, que levaram à destruição de complexos militares de desenvolvimento de armas de destruição maciça. Em 1981, o primeiro-ministro hebraico Menachem Begin deu ordem para que oito caças F-16 destruíssem o reactor nuclear de Osirak, no Iraque, que Israel acreditava produzir plutónio para ogivas. Secretamente e contra a vontade de Washington, Begin não hesitou. Estava lançada a “doutrina Begin”, que assenta no seguinte princípio: “The best defense is forceful preemption." Para Begin, nenhum adversário de Israel deveria adquirir armas nucleares. Em 2007, seria a vez de Ehud Olmert pôr em prática a “doutrina Begin”, desta vez contra a Síria. Anos mais tarde, a New Yorker explicava como Israel tinha bombardeado secretamente o suposto reactor nuclear de Al Kibar sem que ninguém desse por isso e o assumisse posteriormente.

 

Estes exemplos devem ser tidos em conta quando se analisa a ameaça do programa nuclear norte-coreano, porque, por mais violentos que tenham sido os regimes de Saddam e de Hafez al-Assad, nunca chegaram ao grau de loucura e de insanidade das lideranças de Pyongyang. Bem sabemos que qualquer acção militar contra a Coreia do Norte contaria, quase de certeza, com a oposição da China, no entanto, não deixa de ser preocupante a atitude contemplativa que as principais potências têm tido em relação à forma como Pyongyang tem desenvolvido o seu programa de armas de destruição maciça. Por muito menos, mas muito menos mesmo, os EUA invadiram o Iraque em 2003.

Uma brincadeira cada vez mais séria

Alexandre Guerra, 09.09.16

O mundo ocidental acordou hoje com a notícia de que a Coreia do Norte fez mais um teste nuclear, com os registos de actividade sísmica a indicarem poder tratar-se de um engenho de 20 a 30 quilotoneladas de potência, ou seja, superior à bomba que os EUA lançaram sobre Hiroshima. Mas o problema já nem é só este, o da bomba em si, é o facto do regime de Pyongyang ter aparentemente conseguido desenvolver os vectores de lançamento para transportar essas ogivas, nomeadamente, os mísseis balísticos de médio alcance. E é sobretudo esta questão que torna a ameaça norte-coreana cada vez mais perigosa e imprevisível. A julgar pelas informações que vão chegado, neste momento parecem começar a estar reunidas condições para que um qualquer lunático em Pyongyang carregue no botão e lá dispare um míssil com ogivas nucleares com capacidade para atingir a Coreia do Sul, o Japão e até mesmo território americano no Pacífico.

"Brincadeiras" que um dia podem correr muito mal

Alexandre Guerra, 23.06.16

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Lançamento na Quarta-feira de um dos dois mísseis de médio alcance Musudan com a presença de Kim Jong-un/Yonhap 

 

Nos últimos anos vai-se tendo cada vez mais a impressão de que, a acontecer qualquer drama militar de dimensões cataclísmicas, começará numa "brincadeira" para os lados da Ásia oriental. Se é na Península da Coreia (que, "by the way", continua formalmente em estado de guerra), no Mar do Japão ou no Mar Oriental ou Sul da China, ainda está para se ver (esperemos que não). Além dos interesses territoriais inconciliáveis entre várias nações que se jogam naquelas paragens, esta região é, no actual contexto geopolítico e geoestratégico, uma espécie de ponto de confluência de várias "placas tectónicas". Porque, além dos actores regionais directamente envolvidos nas disputas territoriais, tais como a China, o Japão, a Coreia do Norte, a Coreia do Sul, a Rússia, o Vietname, as Filipinas, entre outros, o jogo de alianças e de interesses acaba por envolver também os EUA, sobretudo pela sua ligação aos aliados nipónicos e a Taiwan.

 

Qualquer acidente ou incidente que por ali aconteça (e têm acontecido alguns) pode acender o rastilho para algo de dimensões problemáticas. Da disputa das Ilhas Curilhas, entre o Japão e a Rússia, à das Ilhas Spratly, entre Pequim e várias nações, tais como as Filipinas ou o Vietname, passando pelas "escaldantes" Ilhas Senkaku (ou Diayou para os chineses), sob administração japonesa mas reclamadas por Pequim, os factores de ignição são muitos. São recorrentes os episódios militares hostis, sobretudo por parte de Pequim, com Washington, por exemplo, à distância, a ir dizendo que não permitirá qualquer ameaça à integridade territorial do Japão. Isto já para não falar do "dossier" Taiwan. Mas é principalmente de Pyongyong que vem a maior ameaça sistémica. A Coreia do Norte não abdica da sua retórica bélica e provocadora e tem dado claros sinais de que a acompanha com uma escalada militar. Ainda ontem testou mais dois mísseis balísticos de médio alcance, conhecidos no Ocidente como Musudan, tendo o primeiro falhado, mas o segundo alcançado os objectivos. E trata-se de informação já confirmada pela Coreia do Sul e EUA.

 

Se ainda estou recordado das aulas de Problemática e Controlo de Armamentos, um míssil balístico de médio alcance (MRBM/IRBM) poderá ter um raio de acção entre os 500 quilómetros e os 5000. A partir daí estamos a falar de mísses Intercontinentais (ICBM). Este míssil norte-coreano terá voado 400 quilómetros, o que, segundo os especialistas, representa uma melhoria em relação ao teste anterior. Há poucas dúvidas de que se o regime de Pyongyang continuar a testar os seus mísseis, irá conseguir desenvolver na sua plenitude de forma eficaz estes vectores de lançamento de eventuais ogivas nucleares. E, por isso, o líder norte-coreando, Kim Jong-un já veio dizer que o seu país está em condições de atacar interesses dos Estados Unidos na ilha de Guam, no Pacífico. Se é certo que muitas das vezes a retórica proveniente dos líderes daquele regime é mera propaganda, desta vez, e a julgar por algumas reacções, as palavras de Kim Jong-un estão a ser levadas mais a sério.

A guerra no horizonte.

Luís Menezes Leitão, 27.04.14

 

Os antigos romanos, com a sua infinita sabedoria, diziam: "Si vis pacem para bellum". Ou seja, se queres a paz, prepara-te para a guerra. Infelizmente, no entanto, o actual Ocidente perdeu totalmente essa perspectiva e arrisca-se a deixar desencadear uma guerra mundial, por total incapacidade de previsão e antecipação das consequências das decisões estratégicas que tomou.

 

Barack Obama, talvez confortado por a Academia de Estocolmo lhe ter dado o Nobel da Paz mal se sentou no cargo, apostou totalmente no isolacionismo americano, abandonando a postura intervencionista que desde Reagan sem excepção os Presidentes Norte-Americanos vinham seguindo. O resultado, como não poderia deixar de ser, foi o de que a América deixou de ser temida no mundo, sem deixar de ser odiada. Hoje, qualquer milícia pró-Rússia na Ucrânia acha que pode livremente tomar reféns, da mesma forma que os estudantes iranianos tomaram a Embaixada Norte-Americana em Teerão durante a presidência de Carter, que se mostrou incapaz de fazer fosse o que fosse. E como se isso não bastasse, o inenarrável Presidente da Coreia do Norte insulta o Presidente Norte-Americano, ao mesmo tempo que prepara mais testes nucleares, sabendo-se bem com que fim.

 

Quanto à União Europeia, que tem mostrado durante a crise financeira que tem muito pouco de união e ainda menos de europeia, limita-se a satisfazer os desejos de hegemonia de Berlim. Precisamente por isso mergulhou de cabeça na crise ucraniana apoiando precipitadamente um governo de extremistas formado na Praça Maidan, o que teve como contraponto a revolta das populações russas do país. Depois de a Rússia já ter anexado o que lhe interessava, ou seja a Crimeia, sem precisar de disparar um tiro, assiste-se a uma verdadeira guerra civil, em que de um lado estão os "terroristas" e do outro os "nazis", enquanto os desgraçados dos observadores da OSCE são mandados para uma zona de guerra observar não se sabe o quê, sendo logo feitos reféns e qualificados como prisioneiros de guerra, sem que ninguém tome qualquer medida de retaliação.

 

Enquanto na Ucrânia e na Coreia do Norte os sinais de guerra são cada vez mais ameaçadores, a resposta do Ocidente continua a ser ridícula. As agências de rating consideram a dívida da Rússia como lixo financeiro, julgando que em caso de guerra os investidores continuarão a comprar dívida como se nada se passasse e a seguir os prestimosos conselhos destas agências. O Governo interino da Ucrânia acusa a Rússia de querer a terceira guerra mundial. E Obama acusa a Rússia de não levantar um dedo para resolver a crise ucraniana. Quanto à Europa, amarrada pelo colete de forças do euro, não tem quaisquer condições de ter a mínima presença militar, assobiando agora para o lado do sarilho que causou na Ucrânia. Continuem com os cortes orçamentais, deixem os países europeus sem defesa, e vão ver aonde vamos parar.

Um eleitor, um voto, três tipos de urna e um funeral

Rui Rocha, 09.03.14

Boicotes? Distúrbios? Escasso interesse nos actos eleitorais? Pouco entusiasmo? Fraca participação? Talvez seja verdade no decrépito Ocidente. Mas nada disso ocorre na Coreia do Norte. Veja-se o que se está a passar nas eleições parlamentares que decorrem neste Domingo. De acordo com fontes fidedignas, os eleitores votaram cantando e dançando. E com total transparência, posto que não há cabinas individuais de voto. A meio do dia, já tinham votado 91% dos norte-coreanos. Nada que espante muito tendo em conta os dados de participação nas anteriores eleições: 99,98%. Nem mais, nem menos. E este ano a coisa promete correr tão bem ou melhor. Note-se que este entusiasmo não surge do nada. Durante várias semanas, os órgãos de comunicação estimulam a participação com poemas de forte carga motivadora e com títulos tão sugestivos como “Torrentes de Emoção e Felicidade”. Perante isto, não admira que os eleitores corram a desaguar nas mesas de voto. A nossa Comissão Nacional de Eleições tem aqui amplo campo de aprendizagem. Por outro lado, tudo está feito para facilitar a vida aos eleitores. Sabe-se como o excesso de escolha pode ser perturbador. Por isso, os norte-coreanos são muito beneficiados com um sistema simplificado em que podem votar num único candidato. Significa isto que não podem manifestar descontentamento com o candidato único apresentado? Antes de mais, é preciso esclarecer que isso é muito pouco frequente pois a escolha é muito criteriosa. Mas se por mero absurdo houver um candidato menos adequado, há obviamente solução. Aliás, se tivermos em conta o que se escreve no Economist, poderíamos descrever o curioso sistema norte-coreano com a expressiva frase “uma pessoa, um voto, três tipos de urna e um funeral”. De facto, os que votam no candidato proposto pelo regime têm direito a colocar o seu voto numa urna própria. Os pouquíssimos que não apoiam esse candidato, votam numa segunda urna. E os que o fazem ganham de imediato direito a ingressar numa terceira urna. E a um funeral. Percebe-se assim o entusiasmo com que as delegações da Coreia do Norte são sempre recebidas na Festa do Avante. Percebe-se menos, atendendo à profícua troca de experiências que certamente ocorre na Atalaia, que Bernardino Soares tivesse dúvidas sobre a natureza democrática do regime norte-coreano. 

O golpe mau e o golpe bom

Pedro Correia, 28.02.14

O PCP, em sintonia com a Rússia de Putin, condena firmemente aquilo a que chama "autêntico golpe de Estado" na Ucrânia. Mas houve um tempo em que os comunistas portugueses apoiavam golpes de Estado. O de 19 de Agosto de 1991, por exemplo -- tentativa desesperada da velha guarda soviética de travar o passo às reformas de Mikhail Gorbatchov, resistindo a todo o preço ao desmoronamento da ditadura. Três dias depois, a golpada malogrou-se. E a obsoleta União Soviética recebeu aí o seu dobre a finados.

"Quando um dos meus colegas da rádio me comunicou que o Partido Comunista Português tinha anunciado o seu apoio ao golpe, não senti espanto, mas alívio, porque eu já não fazia parte dessa organização. Caso contrário, talvez tivesse morrido de vergonha ao confirmar que a miopia política dos dirigentes comunistas portugueses era bem maior do que eu imaginava. Depois caiu a noite trágica de 19 para 20 de Agosto, quando os tanques esmagaram mortalmente três jovens que lhes tentaram cortar o caminho para a Casa Branca, lugar onde se encontrava Boris Ieltsin", lembrou José Milhazes no seu blogue, Da Rússia.

Vinte anos depois, o PCP ainda chorava a "desagregação da URSS", confirmando nada ter aprendido. Nem com os próprios erros nem com as lições da História. Não admira por isso que os comunistas portugueses sejam os últimos defensores do indefensável: a Coreia do Norte, governada há sete décadas com punho de ferro pela dinastia Kim, monarquia vermelha que continua a merecer um indecoroso aplauso do "partido irmão".

Proteger a população

João André, 18.02.14

Apesar de todos os choques do documento da ONU sobre a Coreia do Norte, a questão chave é mesmo "E agora?". Não é fácil responder. Avanço hipóteses partindo do princípio (improvável) que não seriam vetadas no Conselho de Segurança.

 

1. Guerra aberta: mesmo com autorização da China, esta guerra traria certamente consequências trágicas. Não só para os soldados dos dois lados mas também para as populações das Coreias. A Coreia do Sul sofreria retaliações (mesmo que não nucleares) enquanto que a Coreia do norte não só sofreria com a guerra como veria a sua população a ser usada como carne para canhão. O resultado seria, se é possível concebê-lo, provavelmente pior que a situação actual.

 

2. Diplomacia: talvez um dia venha a dar resultados, mas até lá muita gente sofrerá e morrerá. Além disso a diplomacia só tem resultados quando apoiada pela força e determinação em a usar.

 

3. Sanções ao país (ou às suas figuras): as sanções directas ao país não me parecem funcionar. As figuras espremem mais a população e continuam felizes. As sanções às suas figuras poderão dar alguns resultados, mas num regime tão fechado como o norte-coreano parecem-me ser essencialmente inconvenientes para as ditas figuras.

 

4. Imunidade: esta hipótese seria semelhante à da diplomacia, mas terminaria com a saída dos responsáveis políticos do regime e o seu exílio dourado algures no mundo. Seria no mínimo desagradável, mas talvez fosse a que poupasse mais a população.

 

Quando se discutem as ditaduras, seja a Coreia do Norte, Cuba, o Irão ou a Arábia Saudita, aquilo que normalmente se questiona é como punir os responsáveis. A grande questão deveria ser sempre a mesma: como poupar/salvar a população. O objectivo de intervenções não deveria nunca ser a de punir, de levar os responsáveis ao TPI. Esse deveria ser sempre um objectivo secundário. O primeiro objectivo deveria ser sempre o de poupar a população inocente.

 

Não tenho, no entanto, quaisquer ilusões. A China e a Rússia nunca permitiriam uma intervenção militar. Os EUA não teriam qualquer interesse em se empenharem a esse nível. As sanções e a diplomacia serão inúteis. A população norte-coreana continuará a sofrer, quer o seu ditadorzinho tenha natas ou não.

O sarilho da Coreia do Norte.

Luís Menezes Leitão, 11.03.13

 

Multiplicam-se cada vez mais os sinais de que pode estar iminente um ataque nuclear da Coreia do Norte aos seus vizinhos do Sul. A Coreia do Norte, de quem o deputado Bernardino Soares uma vez disse que tinha dúvidas que não fosse uma democracia, é um país que consegue escapar a toda a lógica nas relações internacionais. Em primeiro lugar, a guerra da Coreia foi a única vez em que as Nações Unidas — em virtude da ausência do delegado soviético — conseguiram determinar o envio de forças próprias para combater na península, já que em ocasiões posteriores limitaram-se a autorizar o uso da força por Estados Membros. Paradoxalmente tal levou a que as Nações Unidas nunca tivessem conseguido ser vistas como árbitro pelo regime norte-coreano, que considera todas as suas resoluções como declarações de guerra.

 

A guerra da Coreia terminou de forma ambígua. Depois de MacArthur ter conseguido uma reviravolta extraordinária, que o levou mesmo a tomar Piongyang, a entrada da China no conflito obrigou-o a recuar novamente até ao paralelo 38. A sua proposta de iniciar um conflito nuclear com a China, que inevitavelmente se estenderia à União Soviética, acarretou, porém, a sua demissão, tendo então Truman formulado a doutrina que durou toda a guerra fria: as grandes potências não atacariam directamente as outras potências, travando a guerra em palcos limitados. Tivemos assim sucessivas guerras ao domicílio, como o Vietname, Angola ou o Afeganistão.

 

O fim da guerra fria e a proliferação nuclear alteraram os dados do problema. Juntamente outros países, como Israel, Índia e Paquistão, a Coreia do Norte acedeu ao clube nuclear, permitindo-se fazer exercícios de lançamento de mísseis ao mesmo tempo que os Estados Unidos proclamavam existir armas de destruição maciça no Iraque. E como lá não há petróleo, mas apenas uma monarquia de fanáticos, é bem previsível que as coisas dêem para o torto. Mergulhado numa crise económica sem precedentes, não faltava mais nada ao Ocidente do que este novo sarilho.