O medíocre Corbyn
De um líder político esperam-se posições claras sobre os assuntos mais relevantes. Tudo quanto Jeremy Corbyn não revelou na recente campanha eleitoral no Reino Unido - na linha do ocorrido em 2016, no processo referendário que conduziu ao Brexit - sobre a relação do país com a União Europeia. Em total contraste com o seu adversário Boris Johnson, grande vencedor das legislativas de ontem, emergindo com maioria absoluta na Câmara dos Comuns: o Partido Conservador conquista 365 dos 650 lugares, mais 48 do que na anterior legislatura. Doze pontos percentuais (44%) acima do Partido Trabalhista (32%). O Labour sofre a maior derrota desde 1935 neste seu quarto desaire consecutivo em eleições gerais (já perdera as de 2010, 2015 e 2017).
Johnson arrasou nas urnas. Sai com uma sólida maioria absoluta - a mais expressiva deste século para o seu partido, só comparável à terceira vitória eleitoral de Margaret Thatcher, em 1987.
Relutante e ambíguo, refugindo-se no silêncio enquanto todos no seu partido iam manifestando posições desassombradas (na grande maioria favoráveis à permanência do país na Europa), o dirigente trabalhista semeou mais dúvidas do que certezas quanto à sua verdadeira posição nesta matéria. Sabendo-se que no referendo de 1975 votara contra a permanência do Reino Unido no espaço comunitário.
Não por acaso, alguns dos maiores nichos eleitorais do Brexit situaram-se em regiões de tradicional influência trabalhista, como Birmingham, e genericamente no norte de Inglaterra, onde os membros da outrora orgulhosa classe operária britânica não hesitaram em votar pelo corte dos laços com a União Europeia no histórico referendo de 2016. Com casos tão emblemáticos como o da circunscrição de Leigh, na cintura operária de Manchester: até aqui venceram os conservadores, o que não acontecia desde 1922.
Corbyn foi assistindo à derrapagem do país para fora da União Europeia com uma chocante indiferença, bem reveladora da sua impreparação para os desafios políticos de primeiro plano. Depois do descalabro sofrido nas eleições locais, onde o Partido Trabalhista foi varrido do mapa eleitoral da Escócia, e após ter assistido a uma rebelião do seu próprio grupo parlamentar na questão da solidariedade ao povo sírio, a sua falta de liderança deixou de ser caricata para se tornar chocante. De pouco lhe valeu o aplauso que ia recebendo de alguns assumidos admiradores neste rectângulo lusitano.
Jeremy Corbyn está há décadas na política. Nunca desempenhou uma função executiva. Nunca se distinguiu em nada excepto na teimosa manutenção de um lugar em Westminster: é deputado desde 1983, eleito sempre pela mesma circunscrição da área metropolitana londrina.
Eterno parlamentar de segunda linha, tornou-se líder do partido em 2015 impulsionando pelas "redes sociais", declarando a intenção de «defender causas e promover debates», o que diz tudo sobre a retórica balofa deste homem que militou contra o «imperialismo britânico», detesta o Estado de Israel, foi um ardente admirador do Syriza grego e considera Karl Marx uma «fascinante figura».
Aliado dos republicanos irlandeses que durante décadas pegaram em armas contra os britânicos no Ulster, indignou os próprios correligionários ao convidar dois membros do IRA a discursar em Londres escassos dias após o atentado bombista promovido em Outubro de 1984 pela organização separatista no congresso do Partido Conservador em Brighton. Um atentado que matou cinco pessoas, incluindo um deputado, e do qual a primeira-ministra Margaret Thatcher só escapou ilesa por um triz.
Com ele ao leme, o Labour ficou mais forte?
Não: foi-se dividindo como nunca. Logo após o Brexit, mais de três quartos dos 229 parlamentares trabalhistas votaram uma moção de rejeição do líder. Registou-se uma debandada do Governo-sombra, com dois terços dos seus membros - incluindo o prestigiado Hilary Benn, responsável pelos negócios estrangeiros - recusando colaborar com o eurocéptico Corbyn, que parece manter-se congelado desde a década de 70, época em que desfilava nas ruas em defesa do «desarmamento unilateral» da Europa ameaçada pelos mísseis soviéticos e da renacionalização em larga escala da falida indústria britânica.
O seu antecessor, Ed Miliband, chegou-se à frente: foi o primeiro a pedir que se demitisse. O mesmo fizeram muitas outras personalidades oriundas das fileiras trabalhistas - dos ex-primeiros-ministros Tony Blair e Gordon Brown ao economista Thomas Piketty. Mas Corbyn, apegado ao que lhe restava do poder interno, não hesitou em fragmentar ainda mais o partido.
A deriva trabalhista para a esquerda radical já causou profundos estragos ao partido num passado não muito longínquo, com a traumática ruptura de 1981 que levou à criação do Partido Social-Democrata, conduzida por quatro ex-ministros dos executivos de Harold Wilson e James Callaghan: Roy Jenkins, David Owen, William Rodgers e Shirley Williams.
O medíocre Corbyn, indiferente ao naufrágio iminente da maior força da oposição no Reino Unido, continuou a pedalar furiosamente rumo a lugar nenhum. Sai arrasado desta contenda eleitoral, confirmando uma tendência de longo prazo: a última eleição geral ganha pelo Labour remonta a 2005, quando Tony Blair ainda estava ao leme do partido.
No rescaldo desta pesada derrota que leva os trabalhistas a perder 60 assentos parlamentares, vem agora anunciar que abandonará o posto de comando num futuro próximo, mas por enquanto segura-se no cargo, alegando a necessidade de conduzir um «período de reflexão» na família trabalhista.
Ambíguo, relutante e medíocre até ao fim.