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Delito de Opinião

O medíocre Corbyn

Pedro Correia, 13.12.19

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De um líder político esperam-se posições claras sobre os assuntos mais relevantes. Tudo quanto Jeremy Corbyn não revelou na recente campanha eleitoral no Reino Unido - na linha do ocorrido em 2016, no processo referendário que conduziu ao Brexit - sobre a relação do país com a União Europeia. Em total contraste com o seu adversário Boris Johnson, grande vencedor das legislativas de ontem, emergindo com maioria absoluta na Câmara dos Comuns: o Partido Conservador conquista 365 dos 650 lugares, mais 48 do que na anterior legislatura. Doze pontos percentuais (44%) acima do Partido Trabalhista (32%). O Labour sofre a maior derrota desde 1935 neste seu quarto desaire consecutivo em eleições gerais (já perdera as de 2010, 2015 e 2017).

Johnson arrasou nas urnas. Sai com uma sólida maioria absoluta - a mais expressiva deste século para o seu partido, só comparável à terceira vitória eleitoral de Margaret Thatcher, em 1987.

Relutante e ambíguo, refugindo-se no silêncio enquanto todos no seu partido iam manifestando posições desassombradas (na grande maioria favoráveis à permanência do país na Europa), o dirigente trabalhista semeou mais dúvidas do que certezas quanto à sua verdadeira posição nesta matéria. Sabendo-se que no referendo de 1975 votara contra a permanência do Reino Unido no espaço comunitário.

 

Não por acaso, alguns dos maiores nichos eleitorais do Brexit situaram-se em regiões de tradicional influência trabalhista, como Birmingham, e genericamente no norte de Inglaterra, onde os membros da outrora orgulhosa classe operária britânica não hesitaram em votar pelo corte dos laços com a União Europeia no histórico referendo de 2016. Com casos tão emblemáticos como o da circunscrição de Leigh, na cintura operária de Manchester: até aqui venceram os conservadores, o que não acontecia desde 1922.

Corbyn foi assistindo à derrapagem do país para fora da União Europeia com uma chocante indiferença, bem reveladora da sua impreparação para os desafios políticos de primeiro plano. Depois do descalabro sofrido nas eleições locais, onde o Partido Trabalhista foi varrido do mapa eleitoral da Escócia, e após ter assistido a uma  rebelião do seu próprio grupo parlamentar na questão da solidariedade ao povo sírio, a sua falta de liderança deixou de ser caricata para se tornar chocante. De pouco lhe valeu o aplauso que ia recebendo de alguns assumidos admiradores neste rectângulo lusitano.

 

Jeremy Corbyn está há décadas na política. Nunca desempenhou uma função executiva. Nunca se distinguiu em nada excepto na teimosa manutenção de um lugar em Westminster: é deputado desde 1983, eleito sempre pela mesma circunscrição da área metropolitana londrina.

Eterno parlamentar de segunda linha, tornou-se líder do partido em 2015 impulsionando pelas "redes sociais", declarando a intenção de «defender causas e promover debates», o que diz tudo sobre a retórica balofa deste homem que militou contra o «imperialismo britânico», detesta o Estado de Israel, foi um ardente admirador do Syriza grego e considera Karl Marx uma «fascinante figura».

Aliado dos republicanos irlandeses que durante décadas pegaram em armas contra os britânicos no Ulster, indignou os próprios correligionários ao convidar dois membros do IRA a discursar em Londres escassos dias após o atentado bombista promovido em Outubro de 1984 pela organização separatista no congresso do Partido Conservador em Brighton. Um atentado que matou cinco pessoas, incluindo um deputado, e do qual a primeira-ministra Margaret Thatcher só escapou ilesa por um triz.

 

Com ele ao leme, o Labour ficou mais forte?

Não: foi-se dividindo como nunca. Logo após o Brexit, mais de três quartos dos 229 parlamentares trabalhistas votaram uma moção de rejeição do líder. Registou-se uma  debandada do Governo-sombra, com dois terços dos seus membros - incluindo o prestigiado Hilary Benn, responsável pelos negócios estrangeiros - recusando colaborar com o eurocéptico Corbyn, que parece manter-se congelado desde a década de 70, época em que desfilava nas ruas em defesa do «desarmamento unilateral» da Europa ameaçada pelos mísseis soviéticos e da renacionalização em larga escala da falida indústria britânica. 

O seu antecessor, Ed Miliband, chegou-se à frente: foi o primeiro a pedir que se demitisse. O mesmo fizeram muitas outras personalidades oriundas das fileiras trabalhistas - dos ex-primeiros-ministros Tony Blair e Gordon Brown ao economista Thomas Piketty. Mas Corbyn, apegado ao que lhe restava do poder interno, não hesitou em fragmentar ainda mais o partido.

 

A deriva trabalhista para a esquerda radical já causou profundos estragos ao partido num passado não muito longínquo, com a traumática ruptura de 1981 que levou à criação do Partido Social-Democrata, conduzida por quatro ex-ministros dos executivos de Harold Wilson e James Callaghan: Roy Jenkins, David Owen, William Rodgers e Shirley Williams.

O medíocre Corbyn, indiferente ao naufrágio iminente da maior força da oposição no Reino Unido, continuou a  pedalar furiosamente rumo a lugar nenhum. Sai arrasado desta contenda eleitoral, confirmando uma tendência de longo prazo: a última eleição geral ganha pelo Labour remonta a 2005, quando Tony Blair ainda estava ao leme do partido.

No rescaldo desta pesada derrota que leva os trabalhistas a perder 60 assentos parlamentares, vem agora anunciar que abandonará o posto de comando num futuro próximo, mas por enquanto segura-se no cargo, alegando a necessidade de conduzir um «período de reflexão» na família trabalhista.

Ambíguo, relutante e medíocre até ao fim.

May é fraca, mas coerente. Corbyn nem isso!

Alexandre Guerra, 14.12.18

Tony Blair voltou esta Sexta-feira a falar sobre o Brexit numa entrevista à BBC News e num discurso dirigido aos líderes europeus. Fê-lo com clareza e sem floreados: em breve haverá uma maioria no Parlamento britânico que exigirá um “final say referendum” sobre o Brexit. O antigo primeiro-ministro inglês tem feito aquilo que o actual líder do Labour nunca assumiu de forma objectiva e focada, ou seja, empenhar-se na manutenção do Reino Unido na União Europeia. Há umas semanas, Blair já tinha dito na sua intervenção na WebSummit, em Lisboa, que o Brexit era reversível, embora não tivesse, na altura, concretizado de que forma. Agora, deixa bem claro que, perante o descalabro total em que se tornou o processo negocial entre Londres e Bruxelas e o impasse político interno, serão os próprios deputados britânicos a poder desencadear o derradeiro referendo.

 

Efectivamente, o Brexit acabou por se transformar num pântano onde Theresa May e Jeremy Corbyn se foram afundando. A primeira-ministra foi incapaz de corrigir a rota desastrosa traçada pelo seu antecessor David Cameron, enquanto ao líder da oposição tem faltado firmeza e coragem para assumir uma postura história na defesa da manutenção do Reino Unido na União Europeia. Esta atitude algo cínica e cobarde prende-se, em parte, com a ditadura das sondagens e com aquilo que foram os resultados do referendo de 2016. Aliás, basta ver a posição oficial do Labour caso não se desbloqueie o impasse no Parlamento, deixando em aberto todas as opções, seja aquela em que o Brexit segue por diante num modelo intermédio, aquela em que se realizam eleições antecipadas ou aquela em que se realiza um novo referendo. Para o Labour, tudo é possível, mesmo posições antagónicas, sendo incapaz de assumir um caminho único. Há momentos na história das lideranças políticas em que posições dúbias como esta têm custos elevados para os povos. Corbyn tem evitado comprometer-se com uma ideia de esperança para aqueles que vêem no Brexit uma ameaça ao estilo de vida britânico.

 

Após o erro histórico de Cameron, a função do Labour teria sido essa e só essa, independentemente dos eventuais custos eleitorais. A verdade é que Corbyn parece ter ficado refém dos resultados do referendo de 23 de Junho de 2016 e nunca se libertou dessas grilhetas. Este facto impeliu-o para uma política titubeante, com milhares de britânicos a ficarem órfãos de um líder que represente os 48 por cento (provavelmente, agora até serão mais) de eleitores que votarem no “remain”.

 

O sistema britânico defronta-se actualmente com dois líderes fracos, Corby e May, mas por razões diferentes. A primeira-ministra britânica não teve arte para gerir a difícil “herança” de Cameron e deixou-se encurralar, cometendo imensos erros, acabando por colocar-se na posição humilhante de ter que “bater à porta” de Bruxelas para lhe “dar a mão”. Apesar disto, tem que se reconhecer que May foi sempre coerente com o princípio da concretização do Brexit, dando corpo aos resultados do referendo. Porém, a Corbyn nem a coerência se pode reconhecer, tendo sido incapaz de se bater por uma posição clara pela permanência do Reino Unido na União Europeia. Não só não fez isso, como tem seguido uma política difusa e confusa, orientada por um taticismo eleitoral que, muito provavelmente, não lhe dará grandes frutos.

 

De Corbyn – que uma certa ala esquerda quis fazer dele um Bernie Sanders à inglesa – nada de inspirador se ouviu para os muitos britânicos que acreditam nas virtudes de um Reino Unido integrado na União Europeia. Corbyn podia ter respondido aos anseios destas pessoas e deixado uma marca importante na história do Labour, batendo-se por um projecto europeu que continua a ser o farol dos valores e dos princípios para milhões de cidadãos, mas, em vez disso, foi pusilânime e hesitante, optando pelo calculismo eleitoral e nuances políticas mais turvas.

O debate em curso no PS

Pedro Correia, 16.07.18

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O maior debate ideológico neste momento na política portuguesa ocorre no interior do PS, já a apontar para um período posterior à actual liderança. Com uma clivagem cada vez mais evidente entre a sua ala maioritária, europeísta e firme defensora dos compromissos de Portugal enquanto membro das instituições comunitárias, e uma ala que anda seduzida por um certo populismo eurocéptico, de braço dado com forças partidárias que nunca advogaram a construção europeia e não escondem a aversão à união monetária.

Isto ocorre num período histórico de clara regressão da social-democracia clássica à escala continental. Socialistas e sociais-democratas estão em recuo acelerado em quase toda a Europa - Alemanha, Holanda, Dinamarca, Finlândia, Áustria, Bélgica. Na Itália, em França e na Grécia os partidos socialistas eclipsaram-se. Tiveram de mudar de nome e de configuração para não desaparecerem de vez.

Na Alemanha, a última eleição federal ganha pelo SPD foi em 2002.

No Reino Unido, as últimas legislativas com triunfo eleitoral do Partido Trabalhista datam de 2005.

Em Espanha, o PSOE não vence uma eleição parlamentar desde 2008.

Este pano de fundo torna ainda mais interessante o debate em curso entre os socialistas cá do burgo. Enquanto uns sonham com a formação de um vasto bloco europeísta liderado pelo PS a partir do centro, que inclua os despojos futuros do cada vez mais fragmentado PSD, outros imaginam um partido federador e congregador das esquerdas eurocépticas, capaz de pescar em águas populistas e liderado a prazo por um candidato a Corbyn português. Como observa Vasco Pulido Valente, «a nova geração do PS é indistinguível da geração do Bloco de Esquerda: têm a mesma educação, o mesmo percurso social, vestem-se da mesma maneira, gostam das mesmas coisas».

Tempos interessantes, a que convém dar atenção.

Reino Unido: balanço eleitoral

Pedro Correia, 09.06.17

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 Theresa May pronta a dar lugar a... Theresa May

 

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Os actuais conservadores britânicos, indignos discípulos de Winston Churchill, revelam-se especialistas em inventar problemas. David Cameron convocou um referendo europeu, submetendo-se à pressão de franjas políticas e da imprensa tablóide, e levou com o Brexit em cima. Agora Theresa May, dispondo de uma confortável maioria na Câmara dos Comuns, antecipou legislativas confiando nos ventos da fortuna soprados pelas sondagens para negociar com maior dureza a saída do país das instituições europeias. Sai mais fragilizada do escrutínio de ontem.

 

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Destas eleições emerge o parlamento mais bipartido deste século, somando os resultados dos dois principais blocos políticos, que em conjunto recolheram 26 milhões de votos. Os conservadores, com mais 5,5% (mas menos 13 deputados) do que nas anteriores legislativas, obtiveram 42,5%; os trabalhistas, progredindo 9,5% (e conseguindo eleger mais 32 parlamentares), alcançaram 40%. Excepto na Escócia e na Irlanda do Norte, o mapa eleitoral britânico está agora praticamente pintado a duas cores: o azul conservador, dominante sobretudo na Inglaterra rural do centro e do sul, e o vermelho trabalhista, revigorado na cintura das duas principais cidades (Londres e Birmingham) e no País de Gales. O UKIP, que os tudólogos de turno há um ano anteviam como força imparável da política britânica, foi  varrido do mapa parlamentar.

 

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Apesar do fracasso do partido antes liderado por Nigel Farage, o Brexit não foi negado nesta consulta aos britânicos. Isto porque a única força política de dimensão nacional no Reino Unido que advogava sem rodeios um regresso à integração europeia, com a convocação de um novo referendo, era o Partido Liberal Democrata, que registou um ligeiro recuo em percentagem (fica-se pelos 7,4%, perdendo 0,5%) embora tenha feito eleger mais três parlamentares - num total de 650. E o Partido Nacional Escocês, abertamente pró-europeu, recebeu uma severa reprimenda dos eleitores (sai com menos 19 deputados e baixa 1,7% na percentagem global). O que afasta do horizonte a possibilidade de um novo referendo sobre a independência escocesa, já rejeitada nas urnas em 2014.

 

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Theresa May exerce funções governativas desde 2010 - primeiro como ministra e desde o ano passado como chefe do Executivo. É compreensível que tenha sofrido um desgaste, acentuado pela ziguezagueante campanha eleitoral que protagonizou, marcada por erros incompreensíveis - a começar pela recusa em debater com o líder trabalhista, Jeremy Corbyn, que a criticou duramente por ter desmobilizado quase 20 mil membros das forças da segurança enquanto tutelou a pasta da Administração Interna. Um facto tornado ainda mais chocante com o atentado de 3 de Junho em Londres, que causou oito mortos já na recta final da campanha.

 

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Dito isto, há que não perder de vista os factos. Este resultado eleitoral não pode ser comparado com expectativas nem com sondagens: há que compará-lo com outras eleições. E a verdade é que os conservadores, embora com margem mais estreita e forçados a um acordo pós-eleitoral, venceram estas legislativas. Parlamentos sem maioria absoluta monopartidária e governos de coligação são realidades comuns em toda a Europa. E já também no próprio Reino Unido, onde em 2010 Cameron ficou a 20 lugares da maioria absoluta, vendo-se forçado a formar com os liberais democratas um Executivo que durou cinco anos. Até à vitória eleitoral de 2015, em que os eleitores o premiaram enfim com uma maioria mais ampla, que aliás de pouco lhe serviu.

 

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Outro facto: o Partido Trabalhista não vence uma eleição nacional no Reino Unido desde 2005, quando ainda era liderado por Tony Blair. Nestes doze anos de jejum a principal força de oposição britânica já teve três líderes (Gordon BrownEd Miliband e Jeremy Corbyn). Todos falharam no decisivo teste eleitoral, incluindo o agora tão incensado Corbyn, que viu o seu partido ficar com menos 56 deputados do que os conservadores. Não seguiu os  conselhos de Blair - veterano vencedor de três eleições legislativas - e fez mal. Como se costuma dizer no futebol, o segundo lugar é o primeiro dos últimos.

 

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É possível perder nas urnas e vencer nos telediários? Sem a menor dúvida: este escrutínio britânico demonstra bem isso. Desde ontem à noite, vemos desfilar nas pantalhas analistas políticos de diversas cores zurzindo May como "a grande perdedora" das legislativas britânicas, consideradas "um desastre" para os conservadores. Voltamos ao confronto entre expectativas e resultados, que costuma contibuir para a deturpação dos factos.

 

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Mas as coisas são o que são e não como gostaríamos que fossem. Afinal Theresa May prepara-se para suceder a Theresa May: ao fim da manhã de hoje foi encarregada pela Rainha de formar governo e dará agora total prioridade a um acordo entre os conservadores e os unionistas da Irlanda do Norte (conservadores também), iminente no momento em que escrevo estas linhas. Juntos, os Tories e o DUP norte-irlandês reúnem 328 assentos parlamentares - mais dois do que o limiar da maioria absoluta. Aliás na prática mais seis, pois os sete eleitos pelo Sinn Fein, também na Irlanda do Norte, por tradição não tomam lugar na Câmara dos Comuns. Esta rapidez de decisão é um exemplo para seguir em Portugal, onde por vezes se demora mais de um mês para iniciar um novo ciclo político. Será assim tão difícil? Aposto que não.

O medíocre Corbyn

Pedro Correia, 08.09.16

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De um líder político esperam-se posições claras sobre os assuntos mais relevantes. Tudo quanto Jeremy Corbyn não revelou na recente campanha referendária no Reino Unido. Refugindo-se no silêncio, sem participar nos debates, enquanto todos no seu partido iam manifestando posições desassombradas (na grande maioria favoráveis à permanência do país na Europa), o dirigente trabalhista só se pronunciou enfim após o trágico desaparecimento da sua deputada Jo Cox, activista pró-União Europeia, assassinada por um fanático "nacionalista".

E fê-lo mesmo assim com uma ambígua e relutante declaração, que semeou mais dúvidas do que certezas quanto à sua verdadeira posição nesta matéria. Sabendo-se que no referendo de 1975 votara contra a permanência do Reino Unido no espaço comunitário.

 

Não por acaso, alguns dos maiores nichos eleitorais do Brexit situaram-se em regiões de tradicional influência trabalhista, como Birmingham, onde os membros da outrora orgulhosa classe operária inglesa não hesitaram em transferir directamente o voto para alimentar as teses do UKIP, que lhes acenou com o medo aos estrangeiros ao vincar que o Reino Unido não pode continuar a receber um milhão de imigrantes por década e divulgando um miserável cartaz de campanha com uma foto de dezenas de refugiados sírios procurando entrar na Eslovénia. Nenhum deles, ao contrário do que a propaganda xenófoba insinuava, chegará a terras britânicas. Aliás o Reino Unido manteve-se à margem da rede de solidariedade europeia de acolhimento de refugiados.

Corbyn foi assistindo à derrapagem britânica para fora do euro com uma chocante indiferença, bem reveladora da sua mediocridade. Depois do descalabro sofrido nas eleições locais, onde o Partido Trabalhista foi varrido do mapa eleitoral da Escócia, onde conseguia sempre bons resultados, e após ter assistido a uma rebelião do seu próprio grupo parlamentar na questão da solidariedade ao povo sírio, a sua falta de liderança deixou de ser caricata para se tornar chocante.

 

Jeremy Corbyn está há décadas na política. Nunca desempenhou uma função executiva. Nunca se distinguiu em nada excepto na teimosa manutenção de um lugar em Westminster: é deputado desde 1983, eleito sempre pela mesma circunscrição da área metropolitana londrina. Eterno parlamentar de segunda linha, tornou-se líder do partido em 2015 impulsionando pelas "redes sociais", declarando a intenção de "defender causas e promover debates", o que diz tudo sobre a retórica balofa deste homem que militou contra o "imperalismo britânico", detesta o Estado de Israel, admira o Syriza e considera Karl Marx uma "fascinante figura".

Aliado dos republicanos irlandeses que durante décadas pegaram em armas contra os britânicos no Ulster, indignou os próprios correligionários ao convidar dois membros do IRA a discursar em Londres escassos dias após o atentado bombista promovido em Outubro de 1984 pela organização separatista no congresso do Partido Conservador em Brighton. Um atentado que matou cinco pessoas, incluindo um deputado, e do qual a primeira-ministra Margaret Thatcher só escapou ilesa por um triz.

Corbyn encolheu os ombros.

 

Com ele ao leme, o Labour está mais forte?

Não: está dividido como nunca. Logo após o Brexit, mais de três quartos dos 229 parlamentares trabalhistas votaram uma moção de rejeição do líder. Registou-se uma  debandada do Governo-sombra, com dois terços dos seus membros - incluindo o prestigiado Hilary Benn, responsável pelos negócios estrangeiros - recusando colaborar com o eurocéptico Corbyn, que parece manter-se congelado desde a década de 70, época em que desfilava nas ruas em defesa do "desarmamento unilateral" da Europa ameaçada pelos mísseis soviéticos e da renacionalização em larga escala da falida indústria britânica. 

O seu antecessor, Ed Miliband, é o primeiro a pedir que se demita. O mesmo fizeram muitas outras personalidades oriundas das fileiras trabalhistas - dos ex-primeiros-ministros Tony Blair e Gordon Brown ao economista Thomas Piketty. Mas Corbyn, apegado ao que lhe resta do poder interno, não hesita em fragmentar ainda mais o partido, agora mergulhado numa acesa campanha interna até ao próximo dia 24 em que o ainda líder enfrenta o deputado Owen Smith, um dos muitos que o foram abandonando. Entre os apoiantes de Smith figura o presidente da Câmara de Londres, Sadiq Khan, popular político de origem paquistanesa, primeiro muçulmano a ocupar este cargo.

 

A deriva trabalhista para a esquerda radical já causou profundos estragos ao partido num passado não muito longínquo, com a traumática ruptura de 1981 que levou à criação do Partido Social-Democrata, conduzida por quatro ex-ministros dos executivos de Harold Wilson e James Callaghan: Roy Jenkins, David Owen, William Rodgers e Shirley Williams.

O medíocre Corbyn, indiferente ao naufrágio iminente da maior força da oposição no Reino Unido, continua a pedalar furiosamente rumo a lugar nenhum.