LONG SHOT
A mulher olhou o homem demoradamente. Escorria pelo sofá abaixo, descomposto, de comando na mão e olhos fixos no écran da televisão. "Se algum dia deixar de te amar, é porque morri". Afirmara ele um dia, pomposo, ainda príncipe encantado. Quantos anos passados? Tantos, tantos. Não sabia porque se lembrara agora daquilo. Olhou-o de novo, quase condoída, mas não resistiu ao masoquismo do teste. Sentou-se ao lado dele e abriu o baile, com voz doce:
- Qual é a minha cor preferida?
- O quê? - nem a surpresa da pergunta o fez desviar os olhos da televisão.
- A minha cor preferida. Perguntei-te qual era.
- Hummm... branco?
- Não. Azul. E o meu prato preferido?
- Ah, deixa-te disso. Sei lá.
- Qual é o perfume que eu uso? - continuou, impiedosa.
- Mas o que é que tu queres com essas perguntas idiotas? - ele começava a impacientar-se.
- Nada de especial. Sabes qual é o nome do perfume ou não?
- Não me lembro.
- E qual é... - a pergunta foi serrada ao meio por um grito dele.
- Mas tu deixas-me em paz com essas merdas?? Diz o que queres, de uma vez por todas. É dinheiro?
- Pronto, já acabei. Não te maço mais. E não, não quero dinheiro. Queria só ter a confirmação de uma suspeita.
- Qual suspeita?
- A de que vivo há anos sem fim com um morto.