Alertado por um amigo para a notícia do sempre bem informado Diário Económico, pelo menos junto de fontes governamentais, de que a remodelação provocada pela decisão "irrevogável" do então ministro dos Negócios Estrangeiros se demitir custou ao País, isto é, a todos nós, a módica quantia de € 2,3 mil milhões de euros em perdas bolsistas, para além do rombo na credibilidade e de nos aproximar de um segundo programa de ajustamento, dei comigo a pensar sobre o custo das oito-quase-nove remodelações, mini-remodelações ou ajustamentos do executivo a que assistimos em pouco mais de meia legislatura.
Naturalmente que, para quem sempre apregoou aos quatro ventos o seu elevado sentido de estado e profundo desconforto pelos desperdícios socialistas, chegando ao ponto de demagogicamente anunciar o mais pequeno governo de sempre, a revelação deste escandaloso número devia causar algum incómodo e merecer justificação. Porém, como é usual, o silêncio que impera é a melhor prova da irresponsabilidade política e da falta de autoridade ética e moral de quem nos governa. Nada com que, aliás, o senhor primeiro-ministro ou a ministra das Finanças se incomodem depois de se já se saber que os mesmos que queriam impor a quem está reformado e tem de se sustentar com € 600,00 mensais sacríficios inqualificáveis, pagaram a uma sociedade de advogados, sem concurso e escondendo esse facto ao Parlamento e à opinião pública durante mais de três meses, a quantia de € 418 000,00 (quatrocentos e dezoito mil euros) para assessoria jurídica aos famigerados swaps.
Desconheço a quantas horas de trabalho isso corresponde nem qual o valor hora que a senhora ministra se predispôs a tão rapidamente pagar, sabendo que há quem em Lisboa cobre por hora mais do que o salário mínimo nacional para esse tipo de assessorias. De qualquer modo, os factos falam por si e dizem muito sobre a cerviz política, ética e cívica de quem tanto criticou (e insultou) os antecessores. Os restantes comentários guardo-os para casa e para as poucas tertúlias em que ainda vou participando.
Em todo o caso, gostaria de chamar a vossa atenção para um artigo publicado em 2012, na Party Politics, 18 (I), 61-80, com o título Givers and takers: Parties, state resources and civil society in Portugal, cujos autores são três investigadores da Universidade de Aveiro (Carlos Jalali, Patrícia Silva e Sandra Silva). Conforme se pode retirar do estudo ali revelado, a explicação para o que está a acontecer poderá residir, por um lado, no facto da participação militante dos portugueses em organizações voluntárias estar muito abaixo da média europeia (2004), apenas ultrapassando por escassa margem a Roménia e a Bulgária, dados confirmados pelos números do Eurobarómetro 2005 (Special Eurobarometer on Social Capital), e, também, na conclusão que a investigação sublinhou de que em matéria de gastos "on average, the right-wing PSD/CDS coalition governments were more generous than their Socialist counterparts, particularly if we take into account the different duration of the governments".
Bem sei que são dados desagradáveis para o cinismo e a hipocrisia dominantes de quem se pela por uma boa "privatização" ou assessoria à custa da mama do Estado, e que sem esta tem dificuldade em mostrar os seus méritos na sociedade de mercado desregulado que defende, como se vê pelas inúmeras empresas dirigidas por gente ou dos partidos ou com ligações a estes que foram à falência, mas talvez não nos fizesse mal nenhum pensarmos um pouco naquilo que por ali se ficou a saber.
Tal como já escrevi, continuo convencido de que os portugueses não voltarão a ter uma oportunidade tão boa como a presente para se emanciparem da tutela das oligarquias que dominam os actuais partidos, aproveitando o momento para fazerem a sua reforma, criando uma sociedade civil mais forte, atenta e participativa, capaz de escrutinar e responsabilizar a tempo e a horas quem tanto tem contribuído para a sucessão de desmandos e de comportamentos inaceitáveis em democracia, e tão pouco republicanos, que nas duas últimas décadas foram protagonizados sempre pelos mesmos actores. Presidente da República incluído. Pelas declarações e exemplos com que ciclicamente nos brinda, pela cobertura que deu - e continua a dar - aos responsáveis pelos mais 2,3 mil milhões de euros de prejuízos que o DE referiu, e em razão da sua timidez institucional, ausência de estamina política e desconcertante enviesamento na análise política e constitucional das situações que exigem a sua intervenção.
Sobre isto creio que nunca ninguém se atreverá a fazer as contas. Para vergonha já basta assim.