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Delito de Opinião

Costa despresidente

José Meireles Graça, 20.06.24

Interessa a Portugal que António Costa seja exportado para Bruxelas, para efeito de funcionar como mestre de cerimónias nas reuniões dos chefes de governo e de Estado da União?

Interessa; e não interessa.

Interessa a quem imagine que o fornecimento de personalidades para lugares de topo de organismos internacionais se traduz em vantagens palpáveis para o país, que resulta prestigiado com esses emigrantes de luxo. E não interessa a quem faça a si mesmo as perguntas que deveriam ocorrer a tal propósito (e a elas dê respostas pouco entusiasmadas), a saber: Para que serve o organismo? Por que razão iria para lá este patrício, e não um camone qualquer? Se, com as limitações inerentes a quem, na melhor das hipóteses, pode ser considerado um primus inter pares, a sua magra influência só puder ser negativa, em que ficamos?

O Conselho Europeu está a cavalo na Comissão, a qual integra um representante de cada um dos 27 países e se ocupa do dia-a-dia, isto é, trata do que é menos importante, sendo que a soma de todos os “menos” dá mais relevância ao Presidente da Comissão, que está lá para manter diariamente acesa a chama do “ideal europeu” enquanto o Conselho para harmonizar conflitos de interesses entre países. A opinião pública europeia, e até mundial, já topou a coisa: O cargo mais importante é o do (actualmente da) Presidente da Comissão e o Parlamento coloca o carimbo da democraticidade no conjunto das embrulhadas, a que acrescenta alguns lirismos quando, para acomodar maiorias, minorias ruidosas, ou garantir aprovação de nomeações, o deixam influenciar as iniciativas legislativas – as quais não lhe pertencem, o que desde logo indicia tratar-se de uma Assembleia sui generis, uma maneira simpática que encontrei para não dizer que é espúria.

É portanto preciso um Conselho, mas as simpatias eleitorais na maioria dos países, a começar pelos de maior relevo, estão a deslocar-se para a direita e esta liga mais às diferenças nacionais e desconfia de terraplanagens internacionalistas. De modo que o ambiente tenderá a ser menos pacífico: federalistas assumidos ou encapotados, europeístas frenéticos, líderes de países que querem mais poder e menos unanimidade, visionários, chocarão com quem não esteja disposto a abrir mão de mais poderes. Se o problema fosse apenas criação de pontes e gestão de sensibilidades (isto é, jogo de rins) talvez Costa fosse o ideal – lá jogo de rins tem ele.

Ir para lá é que parece menos que garantido, que há mais candidatos, e Costa tem para apresentar um passado de governante falhado nos resultados económicos e um problema judicial por resolver.

Não vou demonstrar o ponto do falhanço, aliás obscurecido porque o desempenho da União no mundo é ele próprio, nos últimos anos, medíocre, coisa que não se quer acreditar que tem uma componente na diarreia legislativa, regulamentar, metediça e burocrática da UE – Portugal perdeu lugares na Europa que os perdeu no mundo.

Quanto às sombras que pairam sobre o ex-PM, já estariam dissipadas se o Ministério Público não fosse um Estado dentro do Estado, que à boleia da repressão dos crimes de colarinho branco (e dos outros) detém poderes deficientemente sindicados e uma assinalável ineficácia, uma paz podre que apenas se mantém porque a opinião pública (e não poucos correligionários meus no largo espectro da direita que não foram bafejados pelas luzes do entendimento que felizmente me assistem) acha que os magistrados daquele organismo têm um par de asas nas costas, e os suspeitos ou acusados um par de cornos na cabeça. Esta originalidade portuguesa talvez não seja compreendida lá fora e as suspeitas sejam levadas a sério. E se, num caso ou noutro, não forem, pode dar jeito fingir.

Admitindo que vá, e que pode ter alguma influência, é preciso ter uma grande ingenuidade (ou ser socialista) para supor que pode desempenhar um papel positivo. Porque o homem é a favor de mais Europa quando é preciso menos; e porque acredita piamente que o desenvolvimento vem da mistura de apoios (isto é, subsídios nascidos de impostos), à escala europeia como à nacional, em conjunto com mais dirigismo e menos liberdade económica.

Que concluir então? Hesito: se a escolha fosse entre Costa e um tipo mais liberal, e menos disposto a cavalgar fantasias perigosas como o futuro verde a golpes de directivas (que já pôs de joelhos a indústria automóvel alemã, por exemplo, por causa da “aposta” voluntarista nos eléctricos) por este optaria, mesmo que fosse um Francês. Mas não: é entre ele e outro tenébrio oriundo daquela família política.

Temos o prestígio nacional, diria (se é que ainda não disse) Marcelo. O prestígio que não têm os infelizes naturais da Noruega ou Suiça, que estão fora, ou da Dinamarca, Suécia ou Irlanda, que estão dentro, ou, já agora, da maioria dos países, incluindo os que já nos ultrapassaram. Que Marcelo fique lá com esse prestígio, que não é muito diferente do do galo de Barcelos, que eu fico com o risco de ter um Português a envergonhar-nos, como Guterres na ONU.

Neste ponto, tenho a tentação de afirmar que Costa para Presidente do Conselho nem mo-lo digas. E todavia dois factores me levam a reconsiderar: quem lá esteja não faz realmente diferença, o que conta são as relações de força entre os países, cujas posições são por sua vez tributárias das dos respectivos eleitorados; e, com Costa lá, pelo menos não está aqui.

De modo que sim, apoio Costa nesta maré. Mas, se perder ele, não perco o sono eu.