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Delito de Opinião

A reunião

José Meireles Graça, 12.09.23

Li numa rede que Ricardo Araújo Pereira gozou largo na Sic com as medidinhas de apoio aos jovens e fui ver. Boas malhas, ainda que o PM tenha ajudado por desta vez ter sido ainda mais cómico do que de costume. Já que estava com a mão na massa aproveitei e vi a Circulatura do Quadrado, cujo prato de resistência era a reunião do Conselho de Estado, as fugas e o mutismo de Costa. Pacheco latinizou com umas tretas jesuíticas para desculpar Costa, Alexandra falou, como habitual, pelos cotovelos, e, como habitual, não disse nada, e Lobo Xavier acertou tudo na mouche se admitíssemos, como ele, que este Presidente respeita a instituição e por isso o órgão Conselho, a que preside, não pode ser menoscabado.

Sucede que o Conselho existe para aconselhar o Presidente e o inteirar de pontos de vista porventura diferentes de pessoas com perfis, responsabilidades e experiências de vida muito diversas. Ora, Marcelo não precisa que o aconselhem porque de estratégia económica para o país não tem na cabeça modelo nenhum que preste, ou o que tem é insusceptível de mudança que não seja pilotada pela popularidade, e sobre questões sociais ou de política externa tem pelo menos três ideias concorrentes, consoante de onde soprar o vento. Nenhuma todavia que vá para além daquilo de que realmente sabe, e que é rodilhice, manipulação, disse-que-disse, fulanizações, arraiais e popularices – o que, no conjunto, constitui o que julga ser a política, e com ele boa parte das pessoas que lhe ouvem os discursos e as declarações, uns e outras gravados na areia.

Houve “mentiras” sobre o que lá se passou (segundo o PM), fugas, e uma perrice; e vai na imprensa e no comentariado uma perplexidade que deve durar pelo menos três dias.

É pouco provável que venhamos a saber quem dos que estavam (além do PM, que lá não disse nada e à comunicação social o que não devia), ofendeu a dignidade do órgão, traindo as suas regras ao dar com a língua nos dentes.

Mas Marcelo preside. E, fatal como o destino, uma reunião do Conselho de Estado teria de se parecer com uma assembleia de condóminos.

Vírus de Estado

José Meireles Graça, 06.10.20

Lobo Xavier, a quem desejo rápidas melhoras (desejo mesmo: não se deve querer o mal dos outros e além do mais aprecio quase tanto a pessoa como detesto a personagem política) apanhou a Covid. Hoje soube-se que, aparentemente, não infectou ninguém na reunião do Conselho de Estado de 29 de Setembro, um órgão criado para o Presidente da República fingir que ouve várias correntes da sociedade civil e da elite, e os teóricos representantes desta para fingirem que sabem o que uma é e que pertencem à outra.

A reunião foi na terça-feira passada e nela estava Ursula von der Leyen para dizer coisas pias, uma etapa no seu tour da União com aquele meritório propósito.

Lobo Xavier soube que era pestífero no domingo dia 4, disso informou a Presidência, e os presentes na reunião, avisados, correram a fazer testes. Marcelo não, que já tinha feito. Cidadãos preocupados, aliás, cientes de que Marcelo é hipocondríaco, suspeitam que é pouco provável que apanhe a Covid, sortudo como é, mas não é de excluir que à força de esgaravatar as fossas nasais ainda venha a ter um problema do foro otorrinolaringológico.

A menos que ainda venha a aparecer outro infectado tudo acabou portanto em bem.

Ontem porém era dia de a classe política abrileira se comemorar e às imaginárias conquistas do republicanismo e Marcelo, pela quarta vez, orou as mesmas irrelevâncias dos três anos anteriores, com o costumeiro discurso cheio de mensagens e recados para os outros pastores da grei. O autarca da capital achou que também tinha coisas a comunicar (uma impossibilidade ontológica – Medina é capaz de falar mas não de dizer seja o que for que valha a pena ouvir) e os partidos políticos, dentro da tradição, censuraram ou aplaudiram o discurso com o paleio de chacha que usam para estas marés.

Sucede que a assistir à elocução marceliana estava o PM, o presidente da AR, os quatro presidentes dos tribunais superiores e cinco vereadores da Câmara de Lisboa, tudo gente estimável que desperdiçou a oportunidade de não pôr ali os pés.

Ursula não estava nem tinha de estar (coitada – que estopada deve ter sido a reunião de terça com o incontinente Marcelo) mas, se calhasse fazer sentido participar das cerimónias, não compareceria porque, segundo os regulamentos em vigor, se isolou até hoje – diz a própria.

Temos portanto regulamentos em vigor que se aplicam a toda a gente, Frau Ursula incluída, mas não ao nosso Presidente, nem ao nosso Primeiro-ministro, nem ao presidente do Tribunal Constitucional.

Não os censuro. Eles sabem, eu sei, e toda a gente com um mínimo de discernimento percebe que quem fez um teste com resultados negativos não tem, senão por um excesso de cuidado, de se autoisolar à espera de fazer um segundo.

E depois, se as autoridades acham que os direitos constitucionalmente garantidos podem ser torpedeados em homenagem ao cagaço que induziram nas pessoas comuns, não parece excessivo que leis e regulamentos possam sofrer um ligeiro entorse se quem as faz se exime ao seu cumprimento em nome da festa do regime.

Dito de outro modo: quem pode o mais pode o menos. Ursula, provavelmente, não entenderia o raciocínio. Diabo de alemã.

Conselheiro de Estado

jpt, 30.03.20

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1. Num dia indignamo-nos com as declarações de um ministro holandês sobre as finanças do Estado espanhol, em plena crise desta temível pandemia.

2. No dia seguinte, o Professor Francisco Louçã, conselheiro de Estado e vulto-mor da esquerda "urbana" diz-nos, sobre a referida temível pandemia, que "A Alemanha gosta desta situação", pois "beneficia com estas crises". A tal "esquerda urbana" que o subscreve, e tantos deles seus colegas, anuiu pelo silêncio e - imagino, pois sigo confinado - num "o Louçã tem razão, sim senhor ...".

3. No dia seguinte suicida-se Thomas Schafer, ministro das finanças de Hesse, um dos estados da Alemanha Federal, e seu provável futuro ministro-presidente. Pois, e para além de outros hipotéticos problemas pessoais, se encontrava avassalado com os efeitos económico-financeiros desta ... temível pandemia.

Conselheiro de quê? ..

Um acto de justiça e bom senso

Sérgio de Almeida Correia, 16.12.15

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Este homem há muito que devia estar no Conselho de Estado. Português, sério, decente e de pensamento livre. Aliás, só homens com o prestígio e a craveira intelectual de um Adriano Moreira é que deviam estar no Conselho de Estado, qualquer que fosse a sua procedência ideológica. Fico satisfeito pelo escolhido, sobre quem em 2007,  2013 e 2014 escrevi uns breves apontamentos, mas mais pelos portugueses.

O Conselho de Estado

Rui Rocha, 09.12.15

Pois parece-me destituída de qualquer sentido a polémica em redor da representação do Bloco de Esquerda no Conselho de Estado. De acordo com o texto constitucional, na parte que para aqui interessa, este órgão é composto por cinco cidadãos eleitos pela Assembleia da República, de harmonia com o princípio da representação proporcional, pelo período correspondente à duração da legislatura. Pois bem, o que constitui entorse ao princípio constitucional é o entendimento de PS e PSD nesta matéria que tem assegurado a exclusiva representação de quem estes partidos entendem no Conselho de Estado e não uma eventual designação de um conselheiro pelo Bloco. A discussão fundamental é capaz, todavia, de nem sequer ser essa. O que talvez valha a pena questionar é a própria utilidade do Conselho de Estado enquanto tal.

O nefelibata.

Luís Menezes Leitão, 14.05.13

 

Cavaco Silva quer demonstrar ao país que anda completamente nas nuvens. Sabe-se que, apesar da rendição de Portas, a coligação se encontra presa por arames, podendo romper-se a qualquer momento. Vítor Gaspar pode ser muito apreciado pelo Ministro das Finanças alemão, mas não tem qualquer credibilidade a nível interno. A economia via de mal a pior, multiplicando-se as falências e o desemprego. Perante isto o que decide fazer Cavaco Silva? Convoca o Conselho de Estado ao abrigo do art. 146º, nº1, e) da Constituição, pressupõe-se, portanto, que para "aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções, quando este lho solicitar". O Presidente dá-se ao trabalho de explicar qual a questão em que precisa de ser aconselhado. Essa questão é, imagine-se, "Perspetivas da Economia Portuguesa no Pós-Troika, no Quadro de uma União Económica e Monetária Efetiva e Aprofundada”. Descontando o acordês horrível em que os órgãos de soberania decidiram passar a viver, parece, portanto, que o Presidente da República não está nada preocupado com o que se vai passar no país até Junho de 2014, preparando-se assim para entrar em estado de hibernação política até esse momento. Quanto ao Conselho de Estado é convocado com mais de um ano de antecedência para informar as "perspetivas" do país na tal "União Económica e Monetária  efetiva e aprofundada". Mas pode ser que alguém no Conselho de Estado consiga explicar ao Senhor Presidente que, pelo caminho que as coisas tomam, as "perspetivas" são de que a curto prazo nem sequer exista "União Económica e Monetária" quanto mais "efetiva e aprofundada".


Vai ser interessante ver o Conselho de Estado a discutir este tema na actual situação do país. Lembrará os governantes bizantinos que discutiam o sexo dos anjos enquanto os turcos atacavam Constantinopla.

Os conselheiros de Cavaco

Pedro Correia, 13.04.11

 

Cavaco Silva nomeou recentemente os membros do Conselho a que tem direito por prerrogativa constitucional. Manteve quatro que transitaram do seu primeiro mandato em Belém e decidiu substituir o quinto. Este é António Bagão Félix, que foi membro de um dos seus executivos e se tornou entretanto um dos políticos mais próximos de Paulo Portas. Embora não seja filiado no CDS, Bagão Félix preenche uma quota informal deste partido no Conselho de Estado, tanto mais que substitui o democrata-cristão Miguel Anacoreta Correia. Os outros conselheiros (re)designados por Cavaco são Leonor Beleza, Marcelo Rebelo de Sousa, João Lobo Antunes e Vítor Bento. Os dois primeiros da área social-democrata (Leonor Beleza foi ministra de Cavaco e Marcelo chegou a liderar o PSD), os outros dois em representação da chamada “sociedade civil”.

O critério de Cavaco é estreito. E confirma que o actual chefe do Estado perdeu atributos revelados noutros tempos, em que fazia pontes para sectores políticos muito para além do partido que comandou. Falta neste elenco designado por Belém alguém claramente conotado com a esquerda. Cavaco teria revelado rasgo político se pelo menos uma das personalidades que indicou para o Conselho de Estado fosse desta área política – e porque não até próxima do PCP, que não tem qualquer representante directo ou indirecto neste órgão em representação da Assembleia da República?

Não seria pedir de mais a alguém que procura não ser confundido com um líder de facção. Procura sem o conseguir. Por vezes dir-se-ia até que não faz qualquer esforço nesse sentido. É uma indicação clara do que devemos esperar dele neste segundo mandato. Ou do que não devemos esperar.

Empurrado

Pedro Correia, 27.05.09

Há mais de um mês, escrevi aqui que Dias Loureiro não tinha alternativa: devia mesmo demitir-se do Conselho de Estado. O ex-secretário-geral social-democrata demorou demasiado tempo a assumir o gesto que lhe competia. Em boa verdade, não saiu pelo seu pé: foi empurrado pela pressão dos acontecimentos, depois de horas consecutivas de transmissões em directo de uma audição parlamentar em que Oliveira e Costa, seu ex-colega de Governo e de banco, o arrasou sem contemplações. A sua permanência no Conselho de Estado, muito para além do que o bom senso aconselharia, abalou consideravelmente o prestígio deste órgão, que na prática deixou de funcionar, e constituiu uma forma de insustentável pressão sobre o Presidente da República, como já em Dezembro alertei. A degradação da nossa vida democrática não acontece por acaso: acontece precisamente por casos destes.

Obviamente, demita-se

Pedro Correia, 17.04.09

António Capucho vem dizer o óbvio: Dias Loureiro devia demitir-se do Conselho de Estado. Onde a sua permanência inviabiliza, na prática, o funcionamento deste órgão. Além de constituir motivo de profundo embaraço político para o Presidente da República - e, como sublinha Capucho, ser "também um embaraço para as instituições políticas em geral”.