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Delito de Opinião

Assaltar parlamentos

João Pedro Pimenta, 08.01.21

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Ao ver as imagens do "índio" a encabeçar a invasão do Capitólio, só posso pensar que o slogan de Trump era afinal de contas "make America indian again" (desculpem não usar "first nations", como agora se usa em correctopolitiquês, mas realmente não ficava bem).

Aquelas imagens devem ter deixado todas as repúblicas das bananas a rir-se, ou pelo menos a sentir-se vingadas. Aliás isso já se viu através de comunicados da Venezuela. São imagens que esperaríamos que viessem de países assim.

Isto choca mais por ser numa das maiores, mais antigas e mais sólidas democracias liberais, com todos os seus defeitos. Mas já aconteceu antes, sim.

Em França, em 1934, uma massa de antigos combatentes, grupos nacionalistas, tradicionalistas (como na altura pujante Action Française) e fascistas tentou marchar sobre o parlamento, no que resultaram dezenas de mortos e feridos. Anos depois iriam na sua maioria colaborar com a ocupação alemã.

Em 1981, um grupo de militares espanhóis, comandados pelo pitoresco Tejero Molina e o seu chapéu da Guardia Civil, ocupou as Cortes de Espanha, com o intuito de instalar um novo regime militar-franquista, impedindo a tomada de posse do novo governo, e só se renderam quando o Rei Juan Carlos a isso os obrigou.
 
E mesmo em Portugal, em 1975, recorde-se o celebre episódio em que as "forças populares", isto é, alguns milhares de trabalhadores da construção civil, cercaram o parlamento por 36 horas, não deixando os deputados sair nem sequer para comer, excepto os das suas cores políticas. Depois disso, o então primeiro-ministro, Almirante Pinheiro de Azevedo, diria aquele icónico "fui sequestrado, não gosto de ser sequestrado, é uma coisa que me chateia".
 
Escusado será dizer que todas estas tentativas não pretendiam instalar nada de bom e acabaram por ser vencidas pela força das instituições e pela vontade popular, a autêntica, expressa nos votos.
 

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Aprenderão à custa deles

Pedro Correia, 30.11.20

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Como aqui antecipei na sexta-feira, nada de relevante foi debatido no XXI Congresso do PCP, que bem poderia - e deveria - ter sido adiado. Jerónimo de Sousa foi reeleito para um quinto mandato como secretário-geral, função que ocupa há 16 anos, e a resolução política foi aprovada por unanimidade, algo bem revelador do monolitismo comunista. O Comité Central mereceu a aprovação de 98,5% dos congressistas, em votação digna da defunta Albânia vermelha, e o candidato vai-a-todas João Ferreira tomou assento na Comissão Política, sério indício de que é o delfim ungido pela velha guarda.

Não havia pressa nem necessidade de nada disto ter ocorrido no momento em que ocorreu. Invocar a lei de 1986, jamais concebida a pensar numa pandemia, para insistir na realização em 2020 de um congresso partidário em estado de emergência num concelho classificado de alto risco sanitário e em que a própria população local está submetida a recolher obrigatório, é mais do que cinismo ou sonsice: é pura estupidez, que só contribuirá para aumentar ainda mais os índices de rejeição do PCP junto dos portugueses.

 

Os comunistas, entrincheirados numa bolha endogâmica, invocam com sofisma essa lei, que em caso algum os impediria de adiar a reunião magna (como fizeram PS, BE e PSD-Madeira) ou realizá-la por via digital (como fez há duas semanas a Iniciativa Liberal).

Em qualquer dos casos, estaria salvaguardado não apenas o respeito pela letra mas também pelo espírito do diploma de 1986.

 

O problema é que o PCP tenta moldar a realidade às suas teses em vez de proceder em sentido contrário, como seria sensato e curial. Tendo votado contra o estado de emergência, procede como se ele não existisse (privilégio negado ao cidadão comum). Ao insistir em chamar "epidemia" à pandemia, como se o novo coronavírus fosse sarna ou sarampo, faz vibrar de júbilo algum negacionismo militante mas não consegue alterar os factos. Que são teimosos, como ensinava Lenine.

Pelos vistos a recente derrocada eleitoral nos Açores, onde o partido foi riscado da Assembleia Legislativa Regional, não ensinou nada aos comunistas. Acabarão por aprender de maneira ainda mais dolorosa, à sua custa, em todas as eleições que hão-de vir.

Difícil

Pedro Correia, 26.05.18

«O que achou do discurso de António Costa?» Esta é a pergunta que alguns repórteres, em representação de mais do que um canal de TV, fazem nos bastidores do congresso socialista na Batalha aos principais colaboradores do secretário-geral do PS, tanto no partido como no Governo.

Vida de jornalista, de facto, anda difícil por estes dias.

Desafinação

Pedro Correia, 25.05.18

O PS pode andar muito afinado sob a batuta de António Costa. Mas vendo a sessão de abertura do congresso do partido, na Batalha, ninguém diria: duas moçoilas e um mancebo em palco entoam a Grândola, Vila Morena com arrepiante embora convicta desafinação.

Perdoa-lhes, Zeca: el@s não sabem como cantam. Mas no peito dos desafinados também bate um coração.

Congressos tensos e congressos inexistentes

João Pedro Pimenta, 19.02.18

Fouçando de novo em seara alheia, não posso deixar de considerar simplesmente miserável esta "espera" que algumas figuras do aparelho laranja fizeram a Rui Rio no congresso do PSD, com a palma a ser ganha por Luís Montenegro e o seu discurso transbordante de rancor. Ganhou as eleições há menos de um mês e desde então não cessaram de se atirar a ele. Desde o Observador e os 758 artigos sobre o "caciquismo" de Salvador Malheiro (acho que o jornal online esgotou a palavra; louvável devia ser a actuação de Miguel Relvas), incluindo colunistas, como João Marques de Almeida, que depois de algumas crónicas laudatórias confessou fazer parte da equipa de Santana Lopes, até às conspirações de deputados em funções e às exigências desse grandíssimo vulto que é Miguel Pinto Luz (que na sua página de facebook intitula-se "figura pública").

 

O único caso que conheço com vagas semelhanças é o de Ribeiro e Castro à frente do CDS, e mesmo assim ficou aquém. A atitude mais decente seria deixar Rio trabalhar e depois se veria. Até lá, o PSD não passa de um saco de gatos, em que quem estica mais as garras são os derrotados que se acham com direito natural a mandar mesmo contra a opinião das urnas. 

 

Não posso deixar de reparar na diferença abissal entre a cobertura dos grandes e dos pequenos partidos e que ficou à vista nestes dias. O PSD teve direito a um fim de semana inteiro de directos, alteração da programação da TV, debates dirigidos para o próprio recinto, etc. Compreende-se. É o normal e todos queriam saber quais as propostas e as caras que o novo líder da oposição tinha para mostrar. Mas na semana passada houve o congresso do MPT (Partido da Terra, para os mais distraídos), que já tem 25 anos, que tem representação no Parlamento Europeu e que mudava de liderança, e não houve uma notícia nos principais jornais, nem uma reportagem da televisão, por minúscula que fosse, como acontecia antigamente, nem nada de nada. Quem soubesse do evento e o googlasse encontraria uma notícia da TSF e outra do DN da Madeira, e de resto, silêncio sepulcral. Não são só os meios e os militantes que distinguem o sucesso dos partidos: a cobertura jornalística tem também imenso peso. E quando há grupos que são não apenas ignorados mas condenados à inexistência, o discurso de "são sempre os mesmos partidos" tem aí muito por onde questionar.

Congresso do PSD: quatro notas

Pedro Correia, 18.02.18

1. Rui Rio reafirmou a sua convicção de que o PSD é um partido com "matriz social-democrata", ainda que a social-democracia esteja em recuo acelerado um pouco por toda a Europa. Louvo-lhe a coragem política.

 

2. Mal iniciou funções na presidência do PSD, o novo líder já tem adversário interno assumido: Luís Montenegro chegou-se à frente e marcou o território. Vamos ouvir falar com muita insistência nele nos próximos dois anos. Não por ter feito marcação a Rio, mas por ter condicionado a margem de manobra de potenciais rivais. Que serão muitos, num futuro próximo.

 

3. Elina Fraga, sucessora de António Marinho e Pinto como bastonária da Ordem dos Advogados, regista uma progressão meteórica: ascende a uma das vice-presidências do PSD quando quase ninguém sabia que ela era sequer militante do partido. Eis um exemplo de "abertura à sociedade civil". Pena que os militantes, ignorando tal facto, lhe tenham tributado uma sonora vaia quando foi chamada ao palco.

 

4. O grande animador deste congresso foi Pedro Santana Lopes, sempre mais aplaudido do que o novo presidente. Há tradições que não mudam.

PCPês

Tiago Mota Saraiva, 12.10.16

 

É sabido que o PCP, na linguagem usada por quem o representa, tem uma forma de expressão muito própria que não encontra paralelo noutros partidos. Termos como “governo patriótico e de esquerda” são repetidos pelos seus dirigentes de uma forma exacta pelo facto de serem o produto da discussão colectiva e o seu significado estar perfeitamente definido no seio do partido. Todas as palavras contam: “preparar o país para a saída do euro” não quer dizer “saída do euro”.

O que perde em eficácia na comunicação com o seu exterior e na ambiguidade de que tantas vezes se faz a política, ganha na seriedade dos limites e objectivos do que se diz e das palavras que se empregam. Dando mais um exemplo, o PCP não aceita ou utiliza o termo “geringonça”, tanto por ter uma conotação negativa como por o englobar num mecanismo de governo do país do qual, objectivamente, não faz parte. Só por lapso, algum dirigente do PCP referirá a palavra.

Há três semanas foi publicado o projecto de resolução política proposto pelo Comité Central, resultado da discussão ocorrida dentro do partido nos últimos seis meses, e que será debatido e discutido em todas as suas organizações até ao XX Congresso no mês de Dezembro. Em PCPês: “As Teses”.

O documento não é de leitura fácil mas exigia-se que lhe fosse dado maior atenção no espaço público. Afinal, uma qualificada interpretação do que o PCP foi declarando antes das últimas legislativas, quando se referia que tudo faria para “derrotar o governo de direita”, já prenunciava muito do que se veio a passar. Não existindo, em 95 anos da sua história, muitos momentos em que a acção do PCP vá muito além do que está escrito nas suas Teses – e, repito, ainda que o actual documento vá sofrer alterações até ao último dia de Congresso -, ali estão bem claras a forma como caracteriza a actual situação governativa e as iniciativas que deverão ter o seu apoio parlamentar.

 

(publicado a 10/10 no i)

PSD: um congresso em dez nomes

Pedro Correia, 04.04.16

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Carlos Carreiras. Sai do congresso de Espinho com uma missão crucial: será o  coordenador da campanha autárquica laranja, que decorrerá em 2017. É um desafio acrescido para o presidente da Câmara de Cascais num partido com forte implantação autárquica, mesmo após o desaire de 2013 face ao PS de Seguro. Vitórias em praças-fortes como Lisboa poderão prenunciar o regresso do PSD à liderança do poder central.

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Francisca Almeida. É um dos raros rostos da renovação geracional nas estruturas dirigentes do partido. Ex-deputada, apoiante da candidatura de Paulo Rangel em 2010, esta advogada minhota de apenas 32 anos a quem alguns auguram voos mais altos nas fileiras sociais-democratas regressa agora como vogal da Comissão Política Nacional de Passos, eleita por 79,8% dos congressistas.

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José Eduardo Martins. Pode suceder a Passos quando o actual ciclo no partido se esgotar. Enfrenta vários concorrentes - Moreira da Silva, Montenegro e Rangel, por exemplo - e por isso tem de marcar território desde já. Não por acaso, inicia esta semana uma participação regular como comentador da RTP3. Foi ao congresso e fez a única intervenção crítica digna desse nome, escutada com atenção. As grandes corridas começam com pequenos passos.

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José Matos Correia. Deixa uma das vice-presidências da Comissão Política Nacional mas recebe em troca a presidência de um novo órgão do partido: o Conselho Estratégico, um órgão consultivo que funcionará junto do líder social-democrata e por onde passará a definição das principais linhas de orientação do PSD enquanto força de clara oposição ao Executivo de António Costa. Um justo prémio para um dos melhores parlamentares da bancada laranja.

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Maria Luís Albuquerque. É talvez a mais "passista" dos membros da nova direcção política do partido. Iludiam-se os que davam como certo o seu afastamento na sequência das recentes revelações em redor do seu nome. Bem ao seu estilo, Passos elevou-a a uma das vice-presidências do partido - onde a partir de agora há quatro mulheres e apenas dois homens. As notícias do funeral político da ex-titular das Finanças eram manifestamente exageradas.

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Nuno Morais Sarmento. É um eterno candidato a candidato e goza de um restrito mas fiel círculo de adeptos entre os jornalistas políticos. Vai produzindo provas de vida, em  entrevistas aos meios de  informação que lhe garantem presença periódica nas primeiras páginas. Mas primou pela ausência em Espinho, parecendo dar razão àqueles que o acusam de dissonância entre as palavras e os actos.

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Paulo Rangel. Fez aquele que foi, de longe, o melhor discurso do congresso. Dando o tom para o que deve ser a marca dos sociais-democratas na oposição, lançou como bandeira do PSD o tema da mobilidade social como forma de reaproximar o partido das gerações mais jovens. E apelou ao fim da discriminação académica entre cidadãos nos documentos oficiais - começando pelo Diário da República - nesta nação de doutores e engenheiros.

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Pedro Passos Coelho. A agremiação dos "analistas políticos" já profetizou mil vezes a sua derrocada. Sem perceber que ele é incapaz de agir em função de estados de alma: quem aguardar que deitará a toalha ao chão, cedendo o lugar a quem o PS mais deseje no PSD, pode esperar sentado. Sai de Espinho com a liderança incontestada. Mas perdeu uma oportunidade para renovar amplamente o partido: no congresso pouco mais houve do que um jogo de cadeiras.

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Pedro Santana Lopes. Voltou com visível agrado aos tempos em que lhe cabiam as declarações mais sonantes dos conclaves laranjinhas. Menos cáustico do que outrora, na respeitável pele de provedor da Santa Casa da Misericórdia, não resistiu no entanto à tentação de lançar farpas a Pacheco Pereira e Rui Rio enquanto deixava em aberto o cenário do regresso à política activa. Se quiser candidatar-se a Lisboa em 2017 terá sem dificuldades o partido a seus pés.

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Rui Rio. Procurou a quadratura do círculo: influenciar o congresso sem lá comparecer. Antes, com uma entrevista à TSF em que prenunciava uma espécie de bloco central, entre tímidas críticas a Passos. Depois, com um artigo - saído já hoje - no Jornal de Notícias em que se confessa "triste" por ter sido alvo de críticas em Espinho. Recusar falar no lugar próprio foi um erro. Mais um, somado aos que o fizeram ziguezaguear durante tempo de mais ao longo de todo o ano que passou.

E sim, resisti à tentação de utilizar a palavra ergástulo

Rui Rocha, 30.11.14

O Congresso do PS constituía um tremendo desafio. Costa não podia permitir que o partido ficasse refém dos graves acontecimentos mais recentes e que esta reunião magna viesse a tornar-se apenas mais um elo dessa cadeia de acontecimentos. Tinha ainda que demontrar que este novo PS não foi capturado pelos interesses que têm dominado a sociedade portuguesa nos últimos anos. Por motivos pragmáticos, era ainda fundamental que não ficasse cativo da agenda política dos partidos da esquerda mais radical, nem confinado a um espaço ideológico que não lhe permita apelar aos eleitores mais à direita. O país pede um PS que não se vire para si próprio, que não fique aferrolhado a ideias velhas ou pré-concebidas, nem trancafiado nos seus próprios problemas, sob pena de a curto prazo ficar condenado à irrelevância. Um partido enclausurado nunca serve, sequer, os seus próprios interesses.  Qualquer propósito de cegueira perante a realidade deve ser imediatamente detido. É, em qualquer circunstância, imperioso saber resistir à coacção dos media e da opinião pública que exigem acções que, quantas vezes, são irreflectidas. Os dados estão lançados. O futuro dirá se o PS ficou ou não prisioneiro das circunstâncias e se está preso ao passado.

PS em congresso (10)

Pedro Correia, 30.11.14

António Costa falou bem a abrir e a fechar um congresso que pouco teve de empolgante - como era de prever, dadas as circunstâncias. É certo que quase nada detalhou das receitas que preconiza para o crescimento económico do País e a sua reiterada intenção de obter maioria absoluta nas legislativas parece um alvo inalcançável. Mas interpelou com vigor as forças à sua esquerda, exigindo que abandonem o gueto do protesto. Demonstrou sensibilidade social com a surpreendente homenagem às vítimas de violência doméstica. Declarou que continuará a celebrar com orgulho o dia da restauração da independência, que o Governo absurdamente riscou da lista dos feriados nacionais. E sobretudo vincou a sua autoridade, impondo que a questão Sócrates ficasse à margem dos trabalhos e dos discursos.

Este era o principal desafio e acabou por ser ganho - em benefício do partido e, por extensão, da democracia portuguesa. Porque um PS que permaneça órfão ou refém do rasto de Sócrates será incapaz de trilhar com sucesso as rotas do futuro.