Sem travão e com um primeiro-ministro fraco é o desgoverno total
(créditos: RTP/António Pedro Santos)
Todos deverão estar recordados de que no ano passado, poucas semanas depois das eleições legislativas, o PS apresentou a sua lista de candidatos ao Parlamento Europeu, nela fazendo entrar alguns deputados que tinham acabado de assumir funções na Assembleia da República para uma legislatura de quatro anos, no que vi como mais uma violação ostensiva e desavergonhada do contrato eleitoral, em total desrespeito pelo princípio do cumprimento dos mandatos e as promessas efectuadas perante os eleitores.
Escrevi então que "não me passou despercebida a forma tão pouco razoável como Pedro Nuno Santos e o PS violaram o contrato com o eleitorado que nas legislativas de 10 de Março havia votado no partido, convencido de que Marta Temido, Francisco Assis e Ana Catarina Mendes iriam respeitar e cumprir o mandato para que haviam sido eleitos. E na mesma ocasião perguntei: "Se a ideia era candidatá-los nas eleições europeias, então para quê fazê-los eleger para a Assembleia da República? Para depois se fazerem substituir por nulidades que ninguém conhece? Como é possível gente séria e decente estar na política e prestar-se a isto?"
Não há muito tempo, um estudo da Pordata com base em em dados do Eurobarómetro de 2023, concluía que "62 por cento dos cidadãos em Portugal exprimem falta de confiança na Assembleia da República", valor já nessa altura superior em 6 pontos percentuais à média europeia de 56 por cento, mostrando os números que 8 em cada 10 portugueses tendiam a não confiar nos políticos, havendo uma percentagem superior a 70% que acreditava que o sistema politico não permitia, ou só permitia em escassa medida, a influência dos cidadãos.
Estes números eram alarmantes e estou convencido de que se repetissem esse estudo hoje os resultados serão ainda piores.
Sempre tive o ministro Pedro Duarte como um dos poucos com capacidade política no actual PSD, como uma pessoa calma, bem formada, com um discurso articulado e um módico de ponderação e bom senso.
Sucede que essa boa imagem desapareceu completamente depois da conversa que aquele manteve com Vítor Gonçalves no programa Grande Entrevista da RTP, sendo-me difícil compreender como é que políticos profissionais podem ser tão políticamente medíocres, proferindo afirmações como as cândidas que deixou sobre a sua eventual participação na corrida à Câmara Municipal do Porto nas eleições autárquicas do próximo Outono.
Num executivo que o seu primeiro-ministro prometeu ser para mais de quatro anos, dizendo Luís Montenegro na sua tomada de posse que os agentes políticos precisavam "mostrar a sua maturidade e o seu grau de compromisso com a vontade dos portugueses", e em relação ao qual sublinhou estar para durar, é dele próprio e da sua gente mais próxima que saem sucessivos tiros nos pés. Desta vez foi o ministro Pedro Duarte.
Após a medíocre prestação do primeiro-ministro durante o debate da moção de censura apresentada pelo Chega, que já mereceu a alfinetada do Presidente da República, e em que Montenegro parecia apostado em alinhar pelo discurso demagógico, populista e de meias-verdades para não dar as respostas devidas, numa teatralização vitimizadora só comparável àquele número de Cavaco Silva que, irritado com as críticas de um deputado socialista à sua posição em relação ao que aconteceu no BPN, dizia que para se ser mais honesto do que ele seria necessário nascer duas vezes, veio Pedro Duarte prestar um mau serviço a si próprio, à política e aos políticos, cravando mais um prego no caixão da confiança política dos portugueses no seus agentes e no regime.
É inacreditável como perante a situação em que estão os partidos, com o nível de desconfiança nos políticos, e com tudo o que está a acontecer, com a escabrosidade da acusação do processo Tutti-Frutti em todo o lado, com uma mini-remodelação forçada que acabou de ser feita, o ministro Pedro Duarte confesse publicamente o seu desencanto pelas funções que exerce, dizendo que apesar de ter entrado para uma equipa que pretende governar para quatro anos, não se realiza no que faz e está ansioso por sair para se candidatar à Câmara Municipal do Porto, essa sim a sua "cadeira de sonho".
Seria aceitável, por exemplo, que um jogador de futebol, quaquer profissional, ele mesmo, por exemplo, enquanto trabalhador da Microsoft Portugal, desse uma entrevista pública, meses depois de ser contratado por um clube ou uma empresa, e dizer que estava naquelas funções e naquela entidade a fazer o que não gostava e que preferia ir jogar para outro clube ou apresentar-se noutra empresa?
Se desde sempre o seu sonho é ser presidente da Câmara Municipal do Porto, o que qualquer pessoa pode facilmente compreender, por que raio Pedro Duarte aceitou integrar o Governo de Luís Montenegro há menos de um ano? O homem terá noção do que disse e da posição em que se colocou? Se fosse ministro num governo meu seria libertado nesse mesmo dia.
Os calendários eleitorais são conhecidos com antecedência e todos sabíamos que este ano os portugueses voltarão às urnas para escolher os seus representates nas autarquias. Pedro Duarte também sabia e podia ter aproveitado estes meses para se preparar para a corrida. Na posição em que está dentro do partido, com a proximidade que tem a Montenegro e com a sua infuência nas estruturas locais do PSD e na cidade, seria muito fácil ser "imposto" como candidato ao Porto.
Escusava de ter feito este número como ministro, quase como se estivesse a fazer um frete e a ocupar as horas vagas antes de se dedicar a outras actividades mais interessantes do que ser ministro num governo do PSD e de Luís Montenegro.
A posição que assumiu também volta a colocar em xeque o primeiro-ministro que o escolheu, revelando total desprezo pelo discurso oficial, pelo juramento de lealdade efectuado perante os portugueses aquando da sua tomada de posse e um enorme desrespeito pela função governativa e pelos eleitores.
Que garantias terão hoje os eleitores de que os mandatos em democracia são para ser cumpridos? Que confiança se pode ter nestas escolhas? Quem pode confiar em partidos e políticos que se comportam deste modo? Que saúde tudo isto traz à democracia e às instituições? Não será melhor dispensar já Pedro Duarte das suas funções ministeriais, aliviando-o do fardo que carrega? Que ética, já que ele falou nela, é esta? Em que manual se inspirou?