Com excepção de um ou outro site especializado, a passagem de Steve Vai por Portugal (primeiro no Sábado à noite, no CCB em Lisboa, e ontem no Hard Club do Porto) passou despercebida nos meios noticiosos, o que, por si só, é revelador dos critérios e sensiblidades dos jornalistas e editores de Cultura que, muitas vezes, denotam um certo estilo presunçoso e até arrogante de quem só escreve para "elites" ou "amigos" seguidores das tendências urbanas. Steve Vai não é seguramente um produto de tendência, que tenha lugar num dos muitos acontecimentos pseudo-culturais ou festivais da "moda" que, cada vez mais, parecem feiras de activação de marcas, onde, pelo meio, algumas bandas e artistas lá vão tocar (passe o exagero). Seja como for, a julgar pelas audiências, as pessoas parecem gostar. Mas, a questão é precisamente essa: gostar do quê? Do artista ou apenas de uma experiência social com música à mistura? Cada vez mais fica-se com a ideia de que nestes festivais a música deixou de ser o fim último, ou seja, a arte sagrada que exige total atenção e focagem. É tanto o ruído sonoro e visual, são tantas as distrações laterais, que muitas das vezes acabam por desvirtuar aquilo que devia ser uma experiência quase mística entre o público e o artista. Admito que, nos tempos que correm, seja apenas uma minoria a viver e ouvir música dessa maneira, como quem vai a um museu e gosta de estar alguns minutos em silêncio a contemplar um quadro ou como quem vai ao cinema e gosta de estar a ver um filme sem o irritante ruído das pipocas ao lado.
Festivais sempre houve, mas aquilo que dantes era tido como uma espécie de homenagem à música, hoje está a transformado num evento multifacetado. Ainda recentemente no NOS Alive (uma autêntica cacofonia), no tão aguardado concerto dos Radiohead, isso era tão evidente. Para quem conhece minimamente aquela banda, já se antecipava que aquilo não ia correr bem, apesar de esgotadíssimo há meses. A questão é que não era ali o seu espaço, naquela envolvente, com aquele formato. Estranho, aliás, que uma banda como os Radiohead, tão crítica da indústria e tão zelosa da sua arte, "ceda" nesses princípios e se atire para um palco e para um espaço que em nada favorece a sua música. Nesta fase da vida dos Radiohead, pedia-se algo mais intimista, mais fechado, mais técnico, mais virtuoso... Pedia-se arte superior. Provavelmente, para muitos ou até para a maioria dos presentes nos NOS Alive, o concerto foi espectacular, mas aqui estão, provavelmente, a falar mais alto as emoções e as sensações, porque a verdade é que o concerto não foi bom e nem sequer o som estava num nível que considero aceitável. Mas, nestas coisas não há formas correctas ou incorrectas de se ouvir música. Cada um vê e ouve o que quer e como quer. No que me toca, admito que a música é uma arte demasiado importante para que seja desvirtuada quer pelo ambiente que a rodeia, quer pelo próprio artista que a interpreta.
E isto traz-nos novamente a Steve Vai, que é um daqueles músicos que não cede em nada quando se trata de apresentar ao público a sua arte. É daqueles músicos que, apesar de toda a imagem que cultiva à sua volta, quando vai para cima de um palco o que conta é a forma, a técnica, a virtuosidade da sua guitarra e dos músicos que o acompanham. Tornou-se uma figura incontornável na cena musical, sobretudo depois de ter lançado o estratosférico álbum "Passion and Warfare", que agora celebra 25 anos e que, pela primeira vez, o guitarrista apresenta ao vivo. Foram mais de duas horas de guitarradas e de batidas, por vezes, bem pesadas, mas num ambiente limpo de ruído, sem néons ou barraquinhas, sem marcas ou brindes. Eram só os músicos e o público, num palco sem adereços e numa sala feita de propósito para apreciar música e arte. Steve Vai foi ovacionado de pé por duas ou três vezes no Grande Auditório do CCB e no final todos foram para casa com o privilégio de terem assistido a um concerto virtuoso e estrondoso, o que só se podia esperar de um dos melhores guitarristas do mundo. Outro nível, portanto.