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Delito de Opinião

Meteorologia cínica

José Meireles Graça, 14.07.21

Telmo Azevedo Fernandes, um dos fundadores de uma (cada vez menos) discreta organização, de nome Oficina da Liberdade, escreveu há dias o seguinte:

A LUSA diz que vai nascer um jornal digital "Setenta e Quatro", dedicado à investigação, que quer contribuir para reforço da democracia. Esqueceu-se de dizer que o respectivo director é afiliado do Bloco de Esquerda e, dos dois proprietários, um é deputado do BE e o outro a advogada que entregou na PGR uma longa fundamentação a pedir a ilegalização do Chega por revelar uma ideologia racista e fascista.

Pensei até que houvesse incompatibilidade entre a função de deputado e de accionista de um jornal...

Em todo o caso, fica abaixo transcrição dos princípios da entidade proprietária do jornal e foto de um dos accionistas etc. etc.

Lendo o resto, percebe-se que é mais uma folha de couve para a difusão do ideário lunático/gramsciano/troca-tintas do conselheiro frei Anacleto Louçã e sus muchachos. E como o vegetal é neste caso virtual, e supondo que não vai pagar os conteúdos, tratar-se-ia na realidade de um blogue.

Achei isto reconfortante: a ideia de que a blogosfera esteja decadente, suplantada pelas redes dos palpites sumários, em particular o esgoto a céu aberto que é o Twitter, desconsola; e se aos blogues se começar a chamar jornais on-line, nada a opor.

Por mim o assunto ficava por aqui, e nem retive o nome da coisa – com o Aventar, o Entre as Brumas da Memória e alguns poucos blogues mais, a que somo ocasionalmente as colunas de magistrados da opinião esquerdista como o meu estimado Daniel Oliveira, e outros não tão bem atamancados, já estou servido da minha dose hebdomadária de demagogias e demências sortidas, para mascar.

Porém, um amigo exilado com quem falo esporadicamente referiu de passagem o tal jornal, comentando: “Cheira-me que vai ser polígrafo 3”.

O amigo em questão interessa-se tanto ou mais do que eu pela terra que lhe deu o ser, mas não (ainda?) o estatuto que lhe convém pela formação e história de vida, e tem o cinismo (ele diria decerto, e infelizmente com razão, realismo) que às vezes me falta. De modo que arrebitei a orelha, sobretudo quando acrescentou “mas eu na tal carta digital vi menos censura e mais negócio. Criar uma linha bazuca para financiar ‘inovação’ na CS…”

Já escrevi sobre isso. E não me escapou a parte da propaganda bazuquiana sobre o investimento na comunicação social, mas não fiz a ligação. Fez ele: “O objetivo é esse. Impresa já la está. Agora venham mais uns amigos. Vamos ver quanto chove”.

Previsões meteorológicas, já se sabe, não são de fiar. Esta, porém, quer-me parecer que é absolutamente segura.

 

P.S.: Entretanto, o tal pasquim já tem site. Confere.

A carta aberta às televisões e o sindicato dos jornalistas

jpt, 26.02.21

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Será, até estatisticamente, pacífico dizer que as estratégias estatais para enfrentar o Covid-19 neste corrente Inverno foram um fracasso. Estamos confinados, com os custos económicos e sociais gigantescos presentes e futuros. Mas andámos qual "ilha no topo do mundo" devastado pela doença. E isto depois do "milagre que é Portugal", o sucesso (enfim...) da Primavera passada. Um caso óbvio de "tarde piaram" os possidentes. Nesse âmbito o que acontece? Um conjunto de "cidadãos muito respeitáveis" (como são definidos num editorial algo incomodado de um jornal de "referência"), um feixe da "nobreza de toga", por assim dizer, faz uma "Carta Aberta" insurgindo-se contra: a) a extensão dos telejornais (matéria bem antiga, inscrita na concorrência por audiências, como todos sabem); b) o estilo confrontacional dos entrevistadores televisivos (bem, pelo menos já José Sócrates, aquele político que nenhum destes "cidadãos respeitáveis" criticou em carta pública, manipulava pressões políticas, financiamentos públicos e empresariais para afastar alguns destes "confrontacionistas"); c) a tendência para criticar governo e administração pública, que vem sendo dita antipatriótica. E terminam com: d) a denúncia de agendas políticas subterrâneas e inditas, quais "mão invisível", ligadas ao capital privado mas capazes de poluir o serviço estatal, manipuladoras do jornalismo.

Não elaborarei muito sobre este documento. Pois cada cabeça sua sentença. Mas lembrou-me que, em 2018, o peculiar presidente do Sporting Clube de Portugal, dr. Bruno de Carvalho, na efervescência de uma Assembleia-Geral do clube, lançou o repto a associados e adeptos (o agora dito "Universo Sporting") para que não comprassem jornais nem vissem as televisões (ou seja, não lhes consumissem a publicidade). As reacções foram indignadas, em particular da "classe" (ou "corporação") jornalística. O próprio Sindicato de Jornalistas contestou as declarações desse presidente de uma colectividade desportiva considerada instituição de utilidade, dizendo-as um atentado à liberdade de imprensa. Entenda-se bem, o presidente de um clube disse: "não vejam as estações generalistas, não comprem jornais". E o sindicato notou um atentado à liberdade de imprensa. Isabel Nery, da revista Visão e dirigente sindical, anunciou que o Sindicato recorreria às entidades tutelares em defesa dos profissionais do sector, até mesmo juridicamente, soube-se depois. Explicitando que essa é uma posição estrutural do sindicato pois "estamos a falar de desporto mas se estivéssemos a falar de outra coisa qualquer a posição do sindicato seria idêntica".

Passaram três anos. Surge esta posição intrusiva sobre o jornalismo, que intenta cercear e moldar o espírito crítico, de forma muito mais aguda do que fez o peculiar Carvalho havia feito, e até explicitando serem os jornalistas agentes de agendas inditas, falhos de deontologia. Gente galardoada (Carvalho e Horta são prémio APE, Alice Vieira - viúva de Mário Castrim, caramba, a prestar-se a uma coisa destas! - já tem escola com seu nome, Lourenço é oficial superior e Benavente foi governante, como exemplos). Mas muito mais significativo que isso, alguns dos signatários dirigem actualmente instituições estatais ou articuladas com o Estado - que eu saiba pelo menos Bebiano, Silva, Rodrigues e a "directora do Museu do Aljube que não sabe o que é o Gulag", Rato. Ou seja, altos quadros da administração pública e da sociedade civil convocam alterações no livre-arbítrio jornalístico e explicitamente põem em causa deontologia de largos sectores da classe. E exigem a cessação de críticas ao Governo e à Administração Pública. Enquanto especulam sobre interesses clandestinos aos quais os jornalistas estarão algemados.

E que diz o Sindicato dos Jornalistas sobre estas acusações? Nada! Pois o respeitinho pelo governo é muito bonito. Mesmo...

Os méritos da comunicação social

João Pedro Pimenta, 22.12.20

Tenho lido por aí que só agora é que a comunicação social tem dado atenção ao caso Homenyuk, que durante nove meses não se ouviu nada, etc, etc. Lê-se isso nas redes sociais mas também de outras paragens inesperadas, como alguns jornalistas em guerra autofágica contra a própria classe. Nada mais injusto, nesta ocasião.

Pegando nas palavras de um dos responsáveis do que sucedeu, houve quem não ouvisse nada. Porque desde fins de Março que se conhecia o casos e os seus contornos, que se sabia que algo de muito errado se tinha passado com o ucraniano e os agentes do SEF, e tudo isto porque a comunicação social o divulgou. Se o caso não teve mais repercussões é porque as pessoas até agora tinham ligado pouco.

Em lugar de bater sempre na imprensa, que tantas vezes e ao contrário do que se passou agora não cumpre as suas funções, seria bom pensar que talvez as redes sociais não sejam assim tão informativas ou eficazes. Afinal de contas, soube-se disto em fins de Março, quando a pandemia tinha repentinamente surgido e estava tudo em casa. Lembro-me aliás de ter sido o primeiro caso que não o covid-19 a abrir os noticiários em muitos dias. E não foram com certeza os "jornalistas" de smartphone que divulgaram a situação. Algumas pessoas ligaram mais, de certa forma para se libertar do totalitarismo informativo covidiano, mas outras pouco terão ligado. Até agora, quando a viúva do pobre Homenyuk disse "odiar Portugal"(e poderemos nós censurá-la, por muito que nos custe?). Através da comunicação social, claro.

Por isso, culpe-se o SEF, a ANA, o governo que só agora é que resolveu dar uma compensação à família, o ministro Cabrita, o presidente ou outros, mas deixem de se atirar à comunicação social. Há imensas razões e oportunidades para criticá-la. Eu próprio já o fiz, aqui no Delito. Mas ao menos, e ao contrário do que acontece com inumeras páginas manhosas da net, que atraem sempre alguns discípulos hipnotizados, os artigos vêm sempre assinados e podemos saber quem foram os seus autores. Aqui é manifestamente injusto que assaquem as culpas à CS, porque é graças a esta que sabemos os contornos do caso.

Cristina Ferreira a saltitar de televisão paga por todos nós

Pedro Correia, 21.07.20

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Há dois meses, o Governo anunciou a distribuição de um pacote financeiro destinado a apoiar grupos privados de comunicação social em forma de publicidade institucional. Os dois grupos mais apoiados foram a Impresa (da SIC) e a Media Capital (da TVI), que embolsaram praticamente sete milhões do total do bolo, avaliado em 11,2 milhões de euros. Em fatias quase iguais: a Impresa encaixou 3,5 milhões deste financiamento, ficando a Media Capital com 3,3 milhões.

Cada uma gere a verba como bem entende, sem obrigações acrescidas de serviço público. A TVI, imitando os clubes de futebol durante o mercado de transferências, não demorou a usar este dinheiro extra para atrair Cristina Ferreira com um salário milionário e um lugar no Conselho de Administração da empresa, trazendo-a de volta a Queluz de Baixo e causando um rombo à SIC, sua principal concorrente. E promete continuar a fazer uso imoderado deste subsídio governamental: aproveitou para contratar ao exterior dois novos responsáveis pela informação (sem deixar de indemnizar o director cessante, seguramente) e agora até acena com um salário de um milhão de euros a José Rodrigues dos Santos para o tirar da RTP.

 

Tudo isto em tempo de grave crise sanitária, social e financeira, quando faltam recursos para o essencial. «É quase uma afronta o valor pago aos enfermeiros [8 euros por hora] na pandemia», como sublinhava Odília Neves, enfermeira-coordenadora das urgências e cuidados intensivos no Centro Hospitalar Lisboa Central, em entrevista à mais recente edição do Expresso.

Haverá quem seja indiferente a tudo isto, aplaudindo vedetas como Cristina Ferreira, que volta a saltitar de televisão, desta vez à custa dos contribuintes. Eu não encolho os ombros nem calo a indignação: injectar dinheiro dos nossos impostos em empresas privadas de comunicação social para que estas contratem estrelas da pantalha a preço astronómico enquanto pagam salários cada vez mais residuais a quase todos quantos lá trabalham, é algo inaceitável. Com a bênção de um governo capaz de tudo em busca de propaganda.

Uma afronta, para usar a justa expressão de Odília Neves.

O Expresso

jpt, 04.04.20

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Quem me conhece (ou blogo-conhece) saberá que eu abomino Marcelo Rebelo de Sousa mais do que as brigadas do Al Shabaab odeiam as barracas de bifanas e coiratos no Campo Grande em dia de jogo do Sporting. E que quanto a Costa e seus sequazes tenho frémitos de os enviar para a arena do José de Alvalade (o nome é esse mesmo) rodeados de leões.

Dito isto fica a questão: será que nem os idólatras notam o desvario de uma capa destas? Que não é preciso ser tão rasteiro?

Por outro lado é um aviso: vêm aí tempos ainda mais difíceis para a imprensa. Há que garantir que Armando Vara se disponibiliza a deixar as grandes empresas pagarem publicidade. Não é nada mais do que isso.

Inquietações

Diogo Noivo, 25.09.19

No Jornal da Noite de ontem, a SIC apresentou a cabeça de lista do Livre em Lisboa como “mulher, afrodescendente e gaga”. São três características inócuas, absolutamente irrelevantes para aferir a experiência e a competência da pessoa para o exercício de funções públicas. Mas este é o novo normal. A política nacional – e não só – parece içar os seus candidatos com base em atributos e especificidades de uma irrelevância olímpica.

Ao reduzirem os candidatos a caricaturas, partidos e comunicação social contribuem para os males da democracia. E, claro, depois andam às aranhas para perscrutar as causas da abstenção e do crescimento eleitoral de retóricas simplistas.

O esgoto estatal

jpt, 01.12.18

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Um antigo presidente de um clube desportivo é sujeito a um interrogatório, no âmbito de uma investigação ampla, ainda em curso. Depois o Estado (uma sua secção, chamada "ministério público") entrega as gravações desse interrogatório à televisão estatal e autoriza-a a transmiti-las: aqui, um programa da RTP com excertos das declarações de Bruno de Carvalho, anunciando a sua reprodução como autorizada pelo tal "ministério público".

Decerto que há um qualquer quadro legal que permite isto, safando os funcionários públicos e fazendo medrar esta mentalidade. Mas isto é inqualificável. O estado do Estado é um descalabro. Uma cloaca a céu aberto, onde engorda esta gente.

O Mundo Às Avessas

Francisca Prieto, 30.11.16

Há um par de anos, a Associação Italiana de Pessoas com Síndrome de Down produziu este filme, com jovens de toda a Europa, como resposta a uma carta que tinha recebido de uma futura mãe grávida, a quem tinham diagnosticado Trissomia 21 no feto.

Recentemente, a Alta Autoridade Para a Comunicação Social Francesa proibiu a passagem do filme por considerar que era ofensivo para mulheres que tivessem abortado bebés com Trissomia 21.

Este é talvez o filme mais realista que já vi sobre o assunto. Não doura a pílula, não diz que é fácil. Limita-se a dizer que ter um filho com Trissomia 21 não é o fim do mundo. E que, apesar das dificuldades, podemos hoje esperar que estas pessoas tenham vidas relativamente normais.

Não compreendo como é que num país onde se grita por toda a parte que se é Charlie, se censura um filme que mostra o lado bom da moeda de uma situação que parece a priori tão difícil.

Esta censura amordaça o direito dos jovens com Trissomia 21 de gritarem que são felizes. Diz-lhes que a sua felicidade pode magoar mulheres que tenham abortado pessoas como eles. Manda-os serem deficientes lá no cantinho deles, sem fazer muito estrilho.

Se isto não é o mundo virado ao contrário, vou ali e já venho.

 

 

 

Critérios... er, jornalísticos?

José António Abreu, 13.08.16

Ontem, a RTP1 abriu o telejornal com os incêndios. Depois passou para os últimos dados do INE sobre a evolução da economia portuguesa. A TVI também abriu o noticiário das 20 horas com os incêndios. E depois também passou para os últimos dados do INE sobre a evolução da economia portuguesa. Por seu turno, a SIC abriu o noticiário com os incêndios. Depois fez intervalo. Depois continuou com os incêndios. Depois passou para a peregrinação a Fátima. Depois para um alcoolizado apanhado em contramão na A22. Depois para os protestos dos lesados do BES. Depois para os Jogos Olímpicos. Depois para a abertura do campeonato nacional de futebol. Depois para a presença de Paulo Bento no Olympiakos. Depois para reportagens turísticas em São Miguel e no Porto. Depois para o Festival Sol da Caparica. Depois para a previsão meteorológica. E depois Rodrigues Guedes de Carvalho desejou-nos boa noite e bom fim-de-semana.

Dicionário de português, versão jornal Público, Largo do Rato

José António Abreu, 16.09.15

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Apoiar é sinónimo de exigir.

 

Notas.

1. Ironicamente, revelando um Passos prudente e sensato e mantendo vivos os esforços de desculpabilização de Sócrates (não excluir a hipótese de ter sido ele a cedê-la ao Público), a carta beneficia um e outro. Para Costa, fica o habitual papel de número dois do amigo de Carlos Santos Silva.

2. Ah, dirão alguns, Passos pode não ter exigido a vinda da Troika mas desejava-a. Creio que, dispondo da escolha, ele teria preferido governar sem tutelas mas, na verdade, não faço ideia. Sei é que, em 2011, eu desejava a vinda da Troika. Como desejarei uma intervenção tão rápida quanto possível da polícia se assistir a um crime ou do INEM perante um acidente grave.

3. Devia haver assuntos mais merecedores do principal título da primeira página de um jornal dito «de referência». Notícias, talvez.

Das saudades da «asfixia democrática»

José António Abreu, 15.09.15

Ao caso Sócrates pode responder-se com a teoria que o próprio tem avançado: perseguição política. (Na situação dele, é compreensível; que tantos outros socialistas «ilustres» usem o argumento mostra bem como estão habituados a que o sistema de Justiça seja controlável.) O caso GES pode tentar justificar-se com desejo de vingança, tão alinhado com o governo socialista Ricardo Salgado se revelou. Fica mais difícil atribuir o caso dos Vistos Gold e a constituição como arguido do ex-ministro Miguel Macedo a manobras governamentais. Na verdade, por muitos defeitos que possam apontar-se a este governo, tudo indica que, no que respeita à corrupção, o sistema de Justiça funciona hoje bastante melhor do que nos tempos dos governos PS. O mérito do actual governo pode até não passar da nomeação de uma Procuradora Geral da República à altura das responsabilidades do cargo (outras medidas, como a reorganização do mapa judiciário, são aqui pouco relevantes) mas hoje investiga-se e preparam-se acusações sem que os magistrados envolvidos sejam penalizados ou forçados a destruir meios de prova. Os socialistas, claro, não gostam disto nem que se fale disto. Por isso fazem estardalhaço quando um programa televisivo pretende debater o sistema de Justiça e a actuação do Ministério Público. Por isso se mostram escandalizados - uma especialidade da esquerda - quando Paulo Rangel diz o que, no fundo, toda a gente pensa.

E grande parte da comunicação social dá-lhes cobertura. Uma agremiação curiosa, a comunicação social e os seus comentadores mais ou menos profissionais. Tanto quanto se percebe, não houve por parte do actual governo qualquer tentativa séria para a controlar. Miguel Relvas, ainda ministro, telefonou para o Público ameaçando com represálias no caso da publicação de uma notícia e o marido da ministra das Finanças ameaçou por sms «ir aos cornos» a um seu ex-colega do Diário Económico, numa reacção tão destrambelhada que se tornou anedota (e que lhe valeu até agora um termo de identidade e residência), mas não foram instaurados processos por delito de opinião nem parecem ter sido montados esquemas para, em conluio com grupos económicos privados, comprar canais de televisão ou jornais, de modo a controlar-lhes a linha editorial. Na RTP (um problema mais adiado do que resolvido, que os cidadãos pagam todos os meses), o governo instituiu um modelo de gestão independente, similar ao da BBC, que resultou na nomeação para o conselho de administração de gente tão alinhada com Passos e Portas como Nuno Artur Silva. E, no entanto, a maioria da comunicação social (começando pelos órgãos de dois grupos pretensamente capitalistas - Sonae e Impresa) e dos comentadores apoia claramente o PS, ainda que António Costa, embalado pelo facto de uma postura agressiva lhe ter valido - de acordo com esses mesmos comentadores - a vitória no debate com Passos, mostre no vídeo acima como existe em cada socialista um «animal feroz» prestes a saltar sempre que alguém faz as perguntas certas. (OK, talvez não em Guterres.) Pelo que das duas, uma: ou imensos jornalistas e comentadores sofrem de síndrome de Estocolmo e têm saudades dos anos em que eram maltratados (o que, configurando uma condição médica, tem que se desculpar - mas, por favor, procurem tratamento) ou estão de tal modo comprometidos ideologicamente (e talvez socialmente, que Passos sempre foi um outsider nesta coisa tão importante dos círculos bem-pensantes - e quiçá apenas por isso o GES não tenha sido salvo) que merecem não apenas a pressão que um eventual governo socialista venha a aplicar sobre eles no futuro como o crescente desinteresse que a generalidade do público, fora da histeria das redes sociais ou das acções de campanha, parece revelar pelas «informações» e opiniões que transmitem.

«Coligação apresenta pouco programa e muito medo»

José António Abreu, 30.07.15

Houve uma época em que eu comprava e lia o Público. Fazia-o pelas notícias, pelas críticas a livros, discos, filmes, peças de teatro e exposições, pelas colunas de opinião. Hoje, não o compro e raramente o leio, mesmo online. Julgo que continua a ter críticas a livros, discos, filmes, peças de teatro e exposições. Tenho a certeza de que continua a ter colunas de opinião. Parece-me é que quase já não tem notícias.

Jornalismo (ou talvez: «jornalismo»)

José António Abreu, 01.07.15

Por esta razão não houve lugar a réplica ou contraditório, apesar de algumas das afirmações o exigirem. O texto final foi manuscrito por José Sócrates, datilografado fora da cadeia e regressou às suas mãos para sucessivas revisões. A versão definitiva acabou por chegar ontem, ao fim da manhã.

TSF, sobre a «entrevista» a José Sócrates realizada em conjunto com o DN. Duas questões: foi mesmo ele quem escreveu o texto? E quantos exemplares do jornal foram comprados pelos seus amigos e familiares?

Chamam-lhe informação...

José António Abreu, 22.02.15

Há pouco mais de uma hora, no Jornal da Tarde, a TVI noticiou que Fernando Alonso sofreu um acidente esta manhã, nos treinos para o Grande Prémio de Espanha. Isto quando o campeonato de Fórmula 1 ainda nem começou (trata-se de uma sessão de testes de pré-temporada). Talvez seja preferível os canais de televisão generalistas limitarem-se a falar de futebol, tema para o qual parecem dispor de várias centenas de especialistas.

O mundo em que vivemos

José António Abreu, 29.08.13

Convém ter presente que em Portugal, como em muitos outros países, sempre ocorreram incêndios. Em 1980, por exemplo, arderam mais hectares do que em 2008 (44.251 contra 17.565). Mas é verdade que, ao longo das últimas duas décadas, a tendência foi de subida, tanto ao nível de número de incêndios (na década de 80 apenas em 1989 ocorreram mais de 10.000 enquanto na primeira década deste século apenas em 2008 o valor ficou abaixo de 20.000) como da área ardida (duas vezes acima dos 100.000 hectares na década de oitenta, quatro na de noventa, seis na de 2000), tendo-se registado picos de destruição em 2003 (recorde de área ardida: 425.839 ha) e 2005 (recorde de número de incêndios: 35.824 e segundo valor mais elevado de sempre de área ardida: 339.089 ha). Isto enquanto os meios de detecção e combate eram progressivamente reforçados e a formação dos bombeiros melhorada. Explicações para o aparente contra-senso? Ouve-se diariamente falar no interior cada vez mais desertificado, na alteração de espécies plantadas (com o crescimento das áreas de eucaliptal), nas florestas por limpar, em comportamentos negligentes. Serão factores importantes. Mas permitam-me acrescentar mais dois. O primeiro não ajudará a explicar o aumento (a  menos que se adopte uma perspectiva decididamente maquiavélica) mas talvez ajude a explicar a inexistência de diminuição. É tão politicamente incorrecto que, tivesse eu algum senso, esperaria pelo final da «época de fogos» (fantástica designação, que por um lado parece tentar empurrar os incêndios para uma normalidade similar à «época balnear» mas por outro contém um horror implícito, como que antecipando épocas ainda piores: a «época oficial das mortes na estrada», por exemplo, ou a «época dos afogamentos em massa») antes de o abordar, ou, se tivesse ainda um pouco mais de senso (o nível adequado às noções do politicamente correcto), nem sequer o abordaria. É, no entanto, muito simples: como noutras áreas, por incompetência e por interesses, do investimento efectuado nem sempre terão saído os resultados esperados. A prevenção dos incêndios e o combate aos mesmos são uma realidade com bastante que elogiar (acima de tudo, a abnegação de tantos voluntários) mas também são um negócio, um emprego para muita gente e um universo de hierarquias, jogos de poder, interesses cruzados e aparências. Nem sempre se terá comprado o equipamento mais adequado. Nem sempre se terá ministrado a formação mais útil. Nem sempre a competência terá sido premiada. Nem sempre o dinheiro terá chegado onde era suposto chegar. Nem sempre se terá funcionado de acordo com regras de sensatez financeira e operacional. Adoptando a tal visão maquiavélica, talvez até se possa acrescentar que nem sempre terá existido interesse em que os incêndios deixassem de assustar a população e, mais importante (mas uma coisa decorre da outra), os responsáveis políticos que assinam a maioria dos cheques (passatempo para um fã de teorias de conspiração: tentar estabelecer uma relação entre as épocas de cortes orçamentais e o valor da área ardida).

O segundo factor gera menos polémica. Muita gente já o referiu mas (desta feita, compreensivelmente) também é pouco abordado nos meios de comunicação social. Trata-se da histeria televisiva, inexistente há vinte e tal anos. Do mesmo modo que noticiar suicídios tende a fazer com que ocorram novos suicídios, o espectáculo televisivo das chamas, do fumo, do medo, da impotência, opera simultaneamente como prémio e incentivo aos pirómanos.  Há pouco mais de vinte anos somente existia a RTP e os incêndios ocupavam dois ou três minutos de um noticiário que demorava meia hora. Há pouco mais de trinta, as chamas nem sequer tinham cor. Hoje, as televisões dedicam aos incêndios mais de meia hora de cada serviço noticioso (alongado para hora e meia) e mostram aos pirómanos, com som, cor, transpiração, desespero, a grandiosidade dos seus actos. O que fazer? A única solução credível passaria pela auto-regulação e isso significa que dificilmente algo mudará. Continuaremos lamentando e protestando, horrorizados (mas também mais do que ligeiramente fascinados), diante dos televisores. O mundo em que vivemos é o mundo em que vivemos.

O «controverso»

José António Abreu, 05.03.13

No Jornal da Noite da SIC Notícias, a propósito da passagem de 60 anos sobre a morte de Stalin:

O papel de Stalin na História continua a ser controverso. A imagem é utilizada nas celebrações que marcam o fim da Segunda Guerra Mundial mas os opositores defendem que Stalin foi responsável pela prisão, tortura e morte de milhares de pessoas.

E Hitler, claro, só é um monstro segundo meia dúzia de judeus vingativos.