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Delito de Opinião

Assim medra a novilíngua

Pedro Correia, 18.05.20

 

O novo normal que nos espera

Recuperação da economia: o "novo normal"

O novo normal nos hotéis e unidades de enoturismo

O novo normal em educação

A pandemia e o "novo normal" da distopia

 

Vivemos no reino dos eufemismos. Passamos o tempo a inventar expressões para não ferir susceptibilidades alheias. A cada passo que se dá, em cada calhau onde se tropeça, logo surge alguém aos berros, reivindicando reparação pública. 

De repente, a linguagem comum encheu-se de interditos. Patrulhas ideológicas fiscalizam a todo o momento o que dizemos, condicionando a comunicação verbal, lançando anátemas sobre inúmeros vocábulos de uso corrente e assumindo-se como poder fáctico, enquanto polícia do pensamento. 

Assim nasce e medra a novilíngua - cheia de contorcionismos semânticos, cada vez mais desligada da realidade. O mais recente é também o mais ridículo: "novo normal". Dois adjectivos que alguns pretendem elevar a substantivo. Para ocultar o significado, que é de teor oposto. 

A moda pegou - e eis que esta aberração lexical já vai sendo papagueada de boca em boca, até por jornalistas credenciados na condução de telediários. Numa espécie de mote destes tempos de linguagem fofinha e neutra, politicamente correcta: se a realidade perturba, logo se inventa um suave antónimo para a designar. 

O que em nada altera os factos, na sua evidência iniludível. Anormal. Bastam sete letras.

Complicar o que é simples

Pedro Correia, 23.03.19

Temos a mania de complicar o que é simples. O que logo se detecta na linguagem comum. Reparo tantas vezes na expressão "bom dia para si", hoje de uso corrente, como se um claro e belo "bom dia" não bastasse como saudação. Ou na quantidade de vezes que alguém, em diálogo connosco ou perorando na pantalha, inicia uma frase com esta inútil bengala retórica, insuflada de pleonasmos bem à lusitana: "Na minha opinião pessoal..."

Sempre tive a sensação de que o desdobramento das frases em inúteis partículas vocais é inversamente proporcional àquilo que se sente. O que vale para a expressão oral funciona também para a escrita. Quando dava formação a estagiários no jornalismo, recomendava-lhes esta regra: nunca usem palavras com mais de dez caracteres em títulos. Há que simplificar o que parece complicado. No nosso idioma, o essencial fica quase sempre dito em vocábulos de escassas letras: luz, lua, dom, mar, mágoa, ler, cor, água, som, ar, dor, dar, ver, rio, calor, frio, flor, sol, amor. 

Tanto se fala em mudar, reformar, transformar: comecemos por alterar o modo como falamos. Toda a verborreia é dispensável. Libertemo-nos dela, como um acto higiénico. 

Fake News? A opinião de Vitorino Nemésio

jpt, 12.11.18

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O meu amigo Luís Alvarães acaba de partilhar estas declarações de Vitorino Nemésio, proferidas na época em que se preparava a sua nomeação para director de O Século, algo que acabou por abortar, talvez também por causa da entrevista em que as proferiu.

 

Hoje impera a informação. Informação moderna, caminhando mesmo no sentido da informática, ciência que, a partir da termodinâmica, abarcou o próprio boato como objecto. É uma informação quantificada.” (Vitorino Nemésio, entrevista à revista Flama, 1973).

 

O Luís, para além da pertinência da partilha - será interessante compará-la com as opiniões que defendem que Bolsonaro, Trump et al negam o preceito "Não há nada novo sob o Sol" - teve ainda a gentileza de me enviar a digitalização da entrevista. Quem tiver curiosidade em lê-la encontra-a aqui - preferi não a deixar neste blog pois as imagens ocupam algum espaço de ecrã e não quero aborrecer algum passante mais apressado.

Os “jogadores” da política

Alexandre Guerra, 11.12.17

“Todos os políticos são, em certa medida, jogadores em relação aos acontecimentos. Tentam prever o que vai acontecer para se posicionarem do lado certo da história.” A frase é de Boris Johnson, antigo mayor de Londres e actual ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, que, numa entrevista recente à Fox News, considerou o Presidente americano uma "grande marca mundial" em termos políticos, enaltecendo as capacidades de comunicação de Donald Trump e a eficácia dos seus tweets matinais, por mais “indisciplinados” que possam ser. E se há alguém que percebe de indisciplina enquanto ferramenta de comunicação, é precisamente Boris Johnson, que fez sempre dessa característica um factor poderoso na sua afirmação enquanto político dentro do próprio sistema. Indisciplinado, irreverente, turbulento, Johnson tem feito do choque constante, da provocação permanente, a sua forma de estar na política.

 

Aquele seu cabelo desgrenhado não é um acaso, é um activo comunicacional que “casa” com a imagem que pretende que a opinião pública percepcione dele. Da mesma forma que o charuto de Churchill (de quem Johnson é admirador e a quem dedicou uma excelente biografia de onde foi retirada a citação do início) foi mais um elemento importante na construção da sua imagem enquanto estadista, já que aquele “adereço” representava o espírito do aventureirismo romântico, quase ingénuo, associado aos tempos gloriosos passados na Guerra da Independência de Cuba, em 1895. E à medida que os anos evoluíram, o charuto passou a ser também um símbolo de poder e autoridade. São, aliás, raras as vezes em que o antigo primeiro-ministro aparecia publicamente sem o charuto. A este propósito, algumas histórias que se contam à volta das exigências de Churchill para poder satisfazer o seu vício (também comunicacional) são totalmente disparatadas, mesmo para os tempos da altura. Provavelmente, umas serão mito, outras nem tanto. Seja o charuto de Churchill, o cabelo de Johnson ou as meias de Justin Trudeau (que, intencionalmente, reflectem a jovialidade quase infantil do primeiro-ministro canadiano), são elementos que resultam, em parte, de uma combinação entre aquilo que é genuíno nos políticos e uma dimensão encenada, fazendo parte de uma certa liturgia comunicacional e que parece cativar, cada vez mais, os eleitores.

 

Verdade seja dita que muito antes da ascensão ao estrelato político desta nova vaga de líderes “pop” e populistas, que se enquadram nas novas tendências sociais de um público-alvo cada vez mais urbano e em "rede", já Boris Johnson cultivava a imagem de um político disruptivo na forma de se apresentar, fazendo questão de se fazer transportar em bicicleta pelas ruas de Londres, naquele seu ar de aparente descontração, numa cena tipo hipster, ainda muito antes do revivalismo desta tendência. Quando se tornou mayor da City, há quase dez anos, a sua imagem rompia com tudo aquilo a que estávamos habituados a ver num político de topo. Quase que parecia um ser exótico, para não dizer excêntrico, embora estivesse longe de ter a exposição mediática internacional que alcançaria mais tarde.

 

Se, hoje em dia, o "número" da bicicleta é irrelevante e as meias coloridas de Justine Trudeau já são quase um acontecimento mainstream na comunicação política, há uns anos poucos seriam os políticos que ousariam fugir ao figurino instituído para os chefes de Estado e de Governo. Aliás, até há bem pouco tempo, quem, no seu perfeito juízo, ousaria prognosticar que a França viria a ter um Presidente abaixo dos 40 anos? Ou que a Áustria elegeria o jovem Sebastian Kurz, com apenas 31 anos, para a chefia do Governo, onde, numa imagem de campanha, apareceu sentado em cima de um espalhafatoso todo-o-terreno Hummer numa pose que faria inveja a qualquer rapper de Compton? Ou que Trump, o multimilionário da melena ridícula que apresentava o “The Apprentice”, viria a sentar-se na Sala Oval? Ou que em Portugal um Presidente pudesse vir a ser quase tão popular como Cristiano Ronaldo?

 

São figuras de liderança que, de uma maneira ou de outra, são disruptivas. Não necessariamente na forma de fazer política, mas na maneira de comunicar e “enfeitar” essa política. Nalguns casos, o conteúdo até pode não trazer nada de novo, porém, o “embrulho” em que a mensagem é oferecida à opinião pública é completamente diferente, é apelativo, é vendável (a tal “brand” de que Boris Johnson fala).

 

A experiência diz que parte dessa forma de estar em política tem origem na natureza intrínseca de cada um, mas a outra parte é fruto de um trabalho orientado para determinados fins comunicacionais. Virtuosos ou não. O problema é que quanto melhor é o “jogador” político, mais dificuldades o cidadão terá em perceber o que é genuíno e o que é encenação. Esses dois factores estão sempre presentes e o que as pessoas vêem é um produto final, um personagem político que lhes despertará determinados sentimentos e emoções, porque em comunicação política é a percepção (e não a realidade) o que mais importa.

Táxi escondido com o rabo de fora

Diogo Noivo, 05.01.17

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Na segunda-feira, dia 2, o Observador deu grande destaque a um trabalho de fundo sobre a precariedade laboral na Uber. Um dia depois, dia 3, o mesmo jornal publica uma notícia onde se refere que os taxistas exigem nova reunião com o Governo, se queixam dos “ilegais” (leia-se Uber e Cabify), e alertam para a “revolta” que sentem. Por outras palavras, o primeiro texto debilita a reputação da Uber e o segundo, publicado 24 horas depois, dá nota da força dos taxistas. Pura coincidência, certamente.
Mas – hipótese académica – admitamos que não é uma coincidência. Partindo deste princípio, não é difícil encontrar nestas duas notícias o reflexo de uma campanha de comunicação contra a Uber. Em primeiro lugar, depois do desastre calamitoso que foi a última manifestação de taxistas, o sector do táxi precisa de enfraquecer o opositor e, por outro lado, de abrir espaço mediático para a sua causa (um espaço que tem estado fechado em virtude das alarvidades feitas e ditas durante a última manifestação, muitas das quais visaram jornalistas). Estas duas notícias, e em particular a sua sequência, servem estes objectivos na perfeição. Em segundo lugar, os taxistas precisam de mudar o terreno de jogo. Explico-me: até agora, o debate público Táxis versus Uber deu-se sempre no âmbito do serviço prestado ao consumidor. Ora, neste campeonato a Uber ganha 10 a 0. Por isso, os táxis têm que levar o debate para outro lado. Por exemplo, para o lado das condições laborais, um assunto intimamente relacionado com a lei e com a fiscalização, algo que (surpresa!) vai ao encontro da narrativa dos taxistas. Mais uma vez, estas duas notícias - sobretudo a primeira - cumprem o serviço.
Voltemos à realidade. A hipótese académica que aqui desenhei é um disparate. Se o sector do táxi mete as condições laborais na arena de combate dá um tiro no pé. E uma campanha contra a Uber tão óbvia no conteúdo, na forma e no timing seria de tal forma amadora que é mau demais para ser verdade. Só pode ser fruto de coincidência. Se não for, os taxistas têm um estratega de comunicação para demitir.

Comunicação Política da boa

Diogo Noivo, 21.09.16

O País Basco vai a votos este domingo. O Partido Popular divulgou um vídeo de campanha que é original, inteligente, bastante provocador, mas educado, com o intuito de apelar aos votantes do Ciudadanos.

 

Não perdeu pela demora. O Ciudadanos respondeu com um vídeo igualmente bom e contido nas formas.

Um dia, espero que mais cedo do que tarde, Portugal terá comunicação política assim.  

A paixão do jornalismo no News Museum

Alexandre Guerra, 26.04.16

“É a maior experiência de Media e Comunicação da Europa.” É desta forma que o News Museum se apresenta no seu site e posso garantir, porque tive o privilégio de o visitar antes de ser inaugurado na noite de 24 para 25, que não é exagero. Aliás, conta quem sabe, este novo espaço dedicado à história do jornalismo e comunicação é bastante superior àquele que já existe há alguns anos em Washington. Na verdade, da parte dos responsáveis do News Museum, houve um cuidado em inovar e apresentar algo diferenciado ao que já existia. O resultado é simplesmente surpreendente, numa mistura muito bem conseguida entre o conteúdo e a forma.

 

Este projecto teve o contributo de vários profissionais da comunicação, nomeadamente de grandes referências do jornalismo em Portugal, de meios de comunicação social, e envolveu, seguramente, um investimento de muitos milhares de euros e o recurso a “know how” e software desenvolvido de raiz por algumas das empresas do grupo LPM Comunicação.

 

O News Museum representa um marco importante em Portugal a vários níveis. Não apenas pelo projecto em si, que é simplesmente obrigatório para quem gosta de jornalismo e comunicação e para quem cultiva o conhecimento da história e da sociedade contemporâneas, mas também porque materializa a visão daquilo que, como eu falava com alguém durante a visita, é um projecto inédito de gestão de reputação e notoriedade. Algo a que em Portugal não estamos habituados a ver por parte do sector privado, já que, normalmente, tudo o que é criado em termos de oferta do conhecimento à sociedade ou é feito à “sombra” do Estado ou é desenvolvido por empresas que durante décadas foram monopolistas e que hoje se apresentam como “privadas”, e quase que têm uma obrigação moral de servir a comunidade para além dos serviços que “cobram”.

 

O News Museum não surge de qualquer obrigação empresarial, mas sim de uma espécie de filantropia misturada com um legítimo interesse próprio. Embora tenha sido concretizado por uma equipa específica, é a Luís Paixão Martins que se deve a sua criação, o mesmo que há cerca de trinta anos trouxe para Portugal conceitos e metodologias de comunicação insitutucional para o mundo económico, empresarial e, mais tarde, político. A verdade é que houve um antes e um depois do LPM no que à disciplina das “public relations” em Portugal diz respeito. Tornou-se num dos homens mais relevantes da comunicação institucional em Portugal, se não o mais importante, construindo uma reputação sólida e uma empresa de sucesso, e hoje dá corpo àquilo que é, sobretudo, um monumento vivo e interactivo à paixão do jornalismo.