O comentário da semana
«A mensagem do cristianismo foi a revolução mais revolucionária de todas»
Crucificação Branca, de Marc Chagall (1933), um libelo anti-totalitário
«Nem engenharia social inflamada por cartilhas ideológicas nem por cartilha de espécie nenhuma: bem pregou Cristo a evidente lógica da irmandade básica dos homens e da impossibilidade de servir ao mesmo tempo o deus dinheiro e o deus amor ao próximo, fazendo mesmo milagres para não ser apenas mais um profeta na sua terra, que ninguém escuta; bem se esforçou Paulo por explicar, com absoluta clareza, que não há diferença entre judeu e gentio, escravo ou senhor, homem ou mulher, pois todos são um em Cristo.
A mensagem de Cristo foi sem dúvida escutada e compreendida, pois que resistiu até hoje. Mas, logo desde o início, inquinada pelo tal "cerne da natureza humana", que a impediu, e continua a impedir, de florescer como a Verdade anunciada.
Uma mensagem que constituiu, na minha opinião, a revolução mais revolucionária de todas, e cujos valores, de forma manifesta, vieram fundamentando o progresso humano. Há que distinguir os valores cristãos em sentido absoluto da religião que, bem de acordo com a "natureza humana", se impôs num papel de intermediário ritualista, de que nunca mais saiu. É como a "ditadura do proletariado" do marxismo: de fase transitória, passou a ser o fim em si mesmo da revolução.
E Cristo não é a Inquisição ou os orfanatos de má memória: Cristo é a fraternidade, solidariedade e igualdade que as outras revoluções iriam apresentar como suas. Mas não são os anões que trepam aos ombros dos gigantes outra conhecida característica da "natureza humana"?
De qualquer maneira, estou em crer que é às revoluções de índole humanista, começando pela do cristianismo, que devemos o progresso que, apesar de tudo, conseguimos ir alcançando. Muito devagar, estupidamente devagar, com legiões de sacrificados, estupidamente sacrificados, mas avançando: se não tivéssemos progredido em termos de fraternidade, solidariedade e igualdade, nem saberíamos falar de direitos, liberdades e garantias, que estão normalizados no nosso quotidiano de "ocidentais"- apesar de termos que os defender com unhas e dentes, se quisermos mantê-los e desenvolvê-los. A "natureza humana" é, por definição, contra-revolucionária, no sentido de egoísta, belicosa e anti-progressista. Por mais que tenha, nunca nada lhe chega e tudo lhe é devido.
Cada revolução teve o seu papel nesse lento progresso, sempre alguma coisa útil deixou na História comum, apesar das tragédias dos povos e das distorções das ideologias originais, de que se destaca a inicial, a do cristianismo. E terá sido esta, gigante a cujos ombros as outras treparam, a ideologia revolucionária que deixou as marcas, os valores, que continuam a orientar-nos, por imperfeitamente praticados que (ainda) sejam.
Da nossa leitora Gracinha. A propósito deste meu texto.