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Delito de Opinião

O comércio digital também acaba

João Campos, 04.04.23

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Ontem, o Pedro deixou aqui um texto muito interessante sobre o declínio do comércio local e da coesão dos bairros, fenómenos acelerados nos últimos anos pela proliferação de plataformas de comércio online com serviços de estafetas precários. Mais do que interessante, é um texto pertinente: o comércio local é fundamental para a vitalidade dos bairros e para a manutenção de uma certa ideia de vida comum. De sociedade, se quisermos, a uma escala talvez mais reduzida, mas nem por isso menos importante. Comentei que, tendo crescido numa aldeia e vivendo há praticamente duas décadas em Lisboa, sempre me encantou o anonimato da grande cidade, mas nem por isso deixo de apreciar e de frequentar o comércio local sempre que posso. Até porque me recordo de quão mais movimentadas eram as ruas da aldeia há trinta anos, quando havia mais comércio, e mais variado, de portas abertas para a rua.

Dito isto, o comércio online - não as plataformas proletarizadas de que o Pedro falava, mas as verdadeiras lojas online - tem o seu lugar próprio, e é muitíssimo conveniente. E não é eterno - também no digital as lojas vêm e vão, e deixam um vazio quando desaparecem. Muito a propósito, recebi hoje com tristeza o anúncio de um vazio digital enorme, com a notícia de que o Book Depository vai encerrar no final de Abril.

É o mercado a funcionar, dirão alguns. Deve ser. A Amazon valeu-se da sua dimensão para adquirir uma empresa concorrente, manteve-a enquanto deu jeito, e quando decide fazer cortes (os accionistas devem estar menos ricos, desgraçados), deita-se fora o serviço, lixa-se quem lá trabalha, e os consumidores ficam com menos uma alternativa. Que belo mercado, sim senhor. Fazem falta mais leis anti-concentração e a promover a concorrência, é o que é.

Na biblioteca pessoal cá de casa, posso dizer sem exagero que centenas de livros vieram do Book Depository. Aliás, julgo até que a primeira recomendação para esta loja online me foi dada aqui no Delito (talvez pela Ana Vidal?). Na altura estava órfão da Livraria Tema, no terceiro piso do Colombo, onde era possível encomendar livros vindos dos Estados Unidos a preços muito simpáticos. Foi lá que comprei os meus primeiros títulos em inglês de ficção científica, alguns dos quais só é possível encontrar hoje em circuitos de segunda mão. Mas tudo o que é bom dura pouco, e naquele canto do terceiro piso, junto aos cinemas, estará hoje uma loja qualquer que nunca frequentei, e que provavelmente jamais frequentarei. A Tema encerrou algures entre 2011 e 2012 (creio que o último livro que lá comprei foi um trade paperback de A Game of Thrones, de George R. R. Martin, poucos meses antes de estrear a série na HBO), e nessa altura precisei de encontrar uma alternativa para literatura alternativa.

Cheguei a comprar alguns títulos na FNAC, sobretudo da colecção SF Masterworks da Gollancz, e volta e meia ainda trago de lá um livro ou outro, mas convenhamos: a selecção da FNAC é fraquíssima em literatura fantástica, banda desenhada (aqui tem melhorado, mas ainda assim) ou livros mais especializados. E a concorrência não é melhor: a Bertrand não conta para o totobola, as livrarias mais pequenas não oferecem grande diversidade (para mim, pelo menos), e a loja online WOOK, salvo erro da Porto Editora, ainda está muito longe de ser ideal. Na banda desenhada em particular temos excelentes lojas em Lisboa - a BD Mania, a Kingpin Books, entre outras mais pequenas. Frequento-as amiúde, e é raro sair de lá sem trazer alguma coisa, nem que seja dois dedos de conversa - de facto, um dos melhores aspectos das livrarias físicas especializadas é terem livreiros também especializados, com os quais podemos ter óptimas conversas e obter excelentes sugestões. Mas a banda desenhada é cara, e nem sempre é fácil às lojas físicas competirem com os preços praticados no online, sobretudo quando os orçamentos andam mais apertados.

Houve um breve período, algures entre 2010 e 2012, no qual compras na Amazon britânica de valor superior a £28,00 tinham portes grátis para Portugal; eu e a Ana aproveitámos bem esses tempos. Mas isso depressa acabou, e daí para cá o Book Depository, que a mesma Amazon comprou e que agora extingue, passou a ser o fornecedor de eleição. Preços convidativos, página Web muito amiga do utilizador, serviço de entrega irrepreensível, resposta rápida e eficaz nas raras ocasiões em que houve algum problema - melhor que isto é difícil. Vivemos na nossa casa actual há quase seis anos, e o carteiro já nos conhece pelas entregas habituais de livros. O último que me trouxe foi este cuja fotografia deixo aqui abaixo: a edição nova, em capa dura, de The Many Deaths of Laila Starr, uma história espantosa de Ram V maravilhosamente ilustrada pelo nosso Filipe Andrade (a ver ser num destes dias dedico algumas linhas a este livro, mas fica já a sugestão).

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"Ainda cabem aí livros?", pergunta o carteiro de vez em quando, a rir, quando lhe abrimos a porta. Ainda caberão decerto alguns, mas daqui para a frente as encomendas serão diferentes. Já o imagino a perguntar, daqui a alguns meses, "então não têm comprado livros?" Quem me dera, meu caro. Quem me dera. Não será fácil encontrar um substituto à altura.

Enfim, vou aproveitar para fazer uma última encomenda do Book Depository.

Trocar o real pelo digital

Não há democracia verdadeira sem comércio de bairro

Pedro Correia, 03.04.23

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A relação cada vez mais desumanizada das pessoas com o espaço onde moram, sobretudo nas grandes cidades, acentua-se à medida que nelas proliferam os estafetas para todo-o-serviço. Gente que vem de fora, muitas vezes oriunda das periferias mais precárias de Bombaim, Calcutá, Daca, Catmandu ou Carachi, assegura a relação entre o comércio e os domicílios burgueses que por cá vão restando. A pandemia afugentou muitos de nós das ruas - alguns, mais velhos ou mais propensos à solidão, encerram-se quase como reclusos nos domicílios. Enquanto o pequeno comércio de bairro, tantas vezes pedra angular das relações de proximidade, encerra a um ritmo galopante neste país em que todos os dias há 14 restaurantes a fechar de vez

Dominam as "grandes plataformas" impessoais, sem rosto nem nome, manobradas do estrangeiro. Instauram um mandamento dos novos tempos: tudo deve processar-se por via digital. O que era outrora cenário distópico torna-se realidade. E muitos de nós somos coniventes, talvez convictos de que embarcamos na última carruagem de um admirável mundo novo. O mundo em que um paquistanês sem identidade, igual a qualquer outro, acaba por ser um dos nossos raros pontos de contacto com a rua.

 

Não vejo "progresso" algum nisto: só vislumbro retrocesso. Proletarização da sociedade, precarização dos laços humanos, troca do real que agrega pelo digital que segrega.

Daí aplaudir quem rema contra a corrente. Pessoas como o Henrique Raposo, que escreve estas admiráveis linhas na mais recente edição do Expresso:

«O declínio do comércio local não é apenas um problema do Excel da economia e do Estado, é um problema social no sentido mais profundo da palavra "social": o que está em causa é a própria ideia de sociedade que é feita no dia-a-dia na rua. Se compram tudo online, as pessoas estão a matar-se enquanto "vizinhos" da rua, estão a definir-se apenas como "consumidores" do mercado e como "contribuintes" do Estado. Eu não vivo nem do mercado nem no Estado, dois meros instrumentos; eu vivo na minha rua. Quando valorizam apenas o comércio online ou as grandes superfícies comerciais, essas naves espaciais que sugam a energia das cidades, a cultura e a política do nosso tempo estão mesmo a matar o velho conceito de bairro. E sem o bairro tocquevilliano não há democracia nem na América nem na Europa. Ou seja, a desmaterialização do comércio também é a desmaterialização da democracia. Ruas sem lojas e cafés de pequenos proprietários são ruas inseguras, para começar, e tristes, para acabar. Ou não se pode falar com os vizinhos porque há medo ou porque há uma enorme aridez e solidão.»

Assino por baixo.

É da China? Não, obrigado

Pedro Correia, 15.09.22

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Entro na farmácia vizinha, onde costumo abastecer-me de produtos triviais, e peço uma caixa com 50 máscaras cirúrgicas: as que tinha de reserva chegaram ao fim.

Mas faço um pedido expresso: quero máscaras feitas em Portugal, recuso comprar produtos importados da China. 

A simpática farmacêutica vai ao interior do estabelecimento e traz-me duas caixas com aspecto diferente, mas nenhuma delas corresponde ao meu pedido: «Diz aqui que foram fabricadas em Xangai.»

Agradeço, mas recuso. E saio de mãos a abanar.

Sucede cena semelhante noutra farmácia cá do bairro. 

Só à terceira me abasteço enfim do que pretendo. Um conjunto de máscaras cirúrgicas feitas em Portugal.

Deste modo, enquanto consumidor, apoio a indústria portuguesa e contribuo para a manutenção de postos de trabalho no meu país.

 

Gostaria de ver mais compatriotas igualmente exigentes nestas questões, nada irrelevantes. Como fizemos na década de 90, quando recusávamos comprar produtos made in Indonésia. Em defesa activa da causa de Timor.

Neste caso com uma agravante a que não podemos fechar os olhos: grande parte dos produtos que a China comunista coloca nas rotas mundiais do comércio decorre da exploração de trabalho escravo, sem direitos laborais, sociais ou ambientais de qualquer espécie. 

 

Em 2020, o Instituto de Estratégia Política da Austrália, prestigiado grupo de reflexão, publicou um longo relatório em que denunciava a existência de escravidão do povo uigure, servindo as cadeias de produção de 83 multinacionais do Ocidente através dos seus fornecedores e subcontratados chineses. Marcas como a Adidas, a Lacoste, a Nike e a Zara beneficiam deste sistema iníquo. 

Como o eurodeputado francês Raphaël Glucksmann denunciou no seu livro-manifesto Carta à Geração que Vai Mudar Tudo, «esta globalização liga-nos a um crime contra a humanidade praticado noutro lado do mundo enquanto fazemos as nossas compras, aqui em nossa casa».

Campos de internamento, violações sistemáticas, campanhas em massa de esterilização, remoção forçada de órgãos, apagamento sistemático da sua língua e da sua cultura: toda esta repugnante repressão tem devastado o povo uigure, que comete o pecado de ter traços étnicos, idioma e religião diferentes da esmagadora maioria da população chinesa.

 

Não somos consumidores passivos: somos cidadãos esclarecidos e mobilizados contra as injustiças. Temos a obrigação moral e cívica de banir dos nossos mercados todos os produtos que sejam fruto da escravidão

Há que começar por algum lado. Pelas máscaras, por exemplo. Não podemos ficar indiferentes a isto.

Eu não fico.

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 14.05.22

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Neste 14 de Maio celebramos O Dia Mundial do Comércio Justo

"O Comércio Justo visa o pagamento adequado dos produtos aos produtores desfavorecidos e excluídos dos países em vias de desenvolvimento do Sul.
Os produtores e participantes do comércio justo – organizações não-governamentais sem fins lucrativos e importadores – acordam o preço justo previamente. Este inclui um prémio que permite aos mesmos produtores investir nos sistemas de produção, em melhores condições de trabalho e no respeito ambiental.
O importador compra parte da produção, possibilitando rendimentos mais elevados e a descoberta de novos mercados externos, para evitar a dependência de um só comprador. A relação contratual duradoura entre as partes garante a estabilidade dos rendimentos dos produtores e o planeamento da sua actividade a médio e longo prazo.
O Comércio Justo favorece ainda a criação de novos processos produtivos. São vários os produtos de Comércio Justo, desde têxteis, a artesanato, instrumentos musicais a produtos alimentares comuns em Portugal tais como café, arroz, chá, chocolate, cacau, especiarias e compotas."

Sustentabilidade e respeito pelas diversidades e pelos direitos humanos, principalmente agora que a recuperação económica dos estragos provocados a nível mundial pela pandemia, vão dificultar mais as interacções comerciais.

 

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Comemoramos também a 14 de Maio O Dia Mundial das Aves Migratórias 

"O Dia Mundial das Aves Migratórias celebra-se duas vezes por ano, no segundo sábado de Maio e Outubro. 

O seu objectivo é destacar a necessidade de preservação destas aves e o seu habitat, assim como incrementar a consciencialização global sobre as ameaças que as afectam. Esta comemoração inspira pessoas e organizações em todo o mundo para o debate do tema da poluição do plástico e o seu nefasto efeito na vida das aves migratórias.

O Dia Mundial das Aves Migratórias celebra a ligação dos seres humanos com as mesmas, através do seu canto e dos seus voos que anualmente rasgam os nossos céus deslocando-se entre os seus ambientes de reprodução e de alimentação. Serve o mesmo para realçar a importância de trabalharmos juntos, além fronteiras, para as proteger.

As duas datas foram proclamadas como Dia Mundial das Aves Migratórias em 2006 pelo Secretariado do Acordo sobre Conservação de Aves Aquáticas Migratórias da África-Eurásia em colaboração com o Secretariado da Convenção sobre Conservação das Aves Aquáticas Migradoras da África-Eurásia."

É sempre com algum arrebatamento que notamos a chegada das andorinhas, arautos da primavera e nidificadoras por excelência. 

Este ano a chegada da Primavera passou despercebida, mas não a migração das Aves-do-Estífalo-da-Tundra, hediondas criaturas aladas, carniceiras e destruidoras, que alimentavam os seus sequiosos vícios com a carne dos homens, mulheres e crianças dizimados à sua passagem.

Dizia-se que o seu poder e envergadura poderia tapar o sol e que as suas penas afiadas e feitas de aço destroçavam  impiedosamente tudo por onde passavam. O seu extermínio poderá ser trabalho de semideus, moroso e paciente, mas se pararem as cargas de flechas e lanças contra bestas de aço, as terras e as gentes nunca recuperarão a sua liberdade de ser e de dizer.

Que nunca mais alguém tenha ser um dano colateral numa investida migratória de predadores, monstros sanguinários cujos indefensáfeis ataques cegos não têm previsão , nem no espaço nem no tempo.

 

( Fotos Google)

Guerras de tarifas

João André, 18.06.18

Há um aspecto curioso desta guerra de tarifas que trump está a iniciar: ele provavelmente ganhá-la-à a não ser que os democratas ganhem a maioria no Congresso em Novembro. Note-se, não acredito em guerras de comércio/tarifas e penso que só há perdedores absolutos, mas em termos relativos os EUA irão quase de certeza vencer este conflito.

 

A questão é que os EUA são o país mais poderoso do mundo, com a maior economia do mundo e com a maior capacidade de absorver estes choques. Irão certamente sofrer (as tarifas irão causar estragos nos EUA, como noutros países) mas os outros países sofrerão mais. Quando a poeira assentar, o que veremos serão provavelmente situações piores da parte de todos os países, mas menos no caso dos EUA, que têm um mercado interno que lhes permitirá repôr os produtos perdidos (mesmo que a custos mais elevados e de forma menos eficiente).

 

Ou seja: os países perderão todos nesta guerra de tarifas, mas perdendo menos (provavelmente muito menos) que os outros, os EUA acabarão por reforçar a sua posição dominante no panorama económico mundial. O risco que correm - além de perdas em termos não-relativos - é que o resto do mundo deixe de depender deles. No longo prazo os EUA poderão acabar por perder, mas nessa altura Trump já terá o segundo mandato no papo...

Após um ano de retórica, Trump "ataca" a China com máquinas de lavar

Alexandre Guerra, 23.01.18

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Foto:Reuters/Jonathan Ernst 

 

A notícia passou quase despercebida, mas esta segunda-feira o Presidente Donald Trump tomou a primeira medida concreta que dá corpo à retórica agressiva que tem proferido durante o último ano contra a liberalização do comércio internacional. A retirada dos EUA do Acordo Transpacífico (TPP) e o anúncio da revisão da sua participação no NAFTA foram sinais importantes e reveladores do caminho que a nova administração queria seguir, mas não foram mais do que isso, sinais. Pelo menos, até agora. Trump, em plena ressaca da crise do “shutdown” e com os holofotes mediáticos apontados para a guerra entre democratas e republicanos, anunciou que vai aumentar as tarifas de importação para máquinas de lavar e painéis solares. Estas medidas afectam, principalmente, países como a China e a Coreia do Sul e, segundo conselheiros citados pelo New York Times, outros produtos, como aço e alumínio, poderão vir a ser alvo de semelhante medida. Trump parece ter sido sensível ao “lobby” de empresas norte-americanas, como a Whirlpool (máquinas de lavar) ou a Suniva e a SolarWorld Americas (ambas de painéis solares). Os números revelados são muito significativos. Por exemplo, no primeiro ano, as primeiras 1,2 milhões de máquinas importadas sofrerão um acréscimo de 20 por cento nas respectivas tarifas, subindo para 50 por cento sobre todos os equipamentos comprados ao estrangeiro acima daquele número. A partir do terceiro ano, os valores descem para 16 por cento, no primeiro caso, e 40 por cento, no segundo. Quanto aos painéis solares importados, sofrerão um aumento de 30 por cento, um valor que cairá para 15 por cento no quarto ano.

 

Se aquelas empresas têm motivos para celebrarem, o sentimento não parece ser unânime na indústria da energia solar nos EUA, receando que estas medidas tornem o mercado menos competitivo. Também os ambientalistas temem que o aumento dos painéis solares comprometa o investimento da população nestas soluções. Além disso, são evidentes os potenciais efeitos nocivos que estas medidas podem ter no comércio internacional e nas relações de confiança entre os principais actores mundiais. Pequim e Seul já demonstraram o seu desagrado e ameaçam recorrer à OMC, no entanto, não anunciaram, para já, qualquer represália. Trump passou da retórica aos actos, naquilo que considera ser a concretização do seu lema: “America First”. Ora, aquilo que Trump não parece estar a ver é que, num primeiro momento, estas medidas até poderão beneficiar algumas empresas americanas e galvanizar uma parte do eleitorado, sobretudo aquele mais ligada à indústria pesada americana, mas, a médio prazo, os efeitos serão contraproducentes para a economia americana. A História, aliás, tem demonstrado que as economias crescem muito mais quando se abrem ao exterior do que quando se fecham com medidas restritivas.

Isso é dos livros, mas sobre essa matéria, Donald Trump não deverá estar muito ciente daquilo que é verdadeiramente benéfico para a América.

Uma consequência inesperada do comércio online?

João André, 20.08.13

Estes dois artigos da Economist demonstram o potencial que as vendas online podem trazer ao comércio. No caso em concreto, mostram que a tendência de perda de rendimentos que a internet acarretou (o nosso João Campos tem alguns excelentes posts sobre o assunto, ler 1, 2, e 3) começam a ser compensados com os novos modelos de negócio e as oportunidades de ajustamento da oferta que a internet (e especialmente os dispositivos móveis) têm trazido.

 

A Economist fala no fecho de muitas das "brick and mortar shops", ou seja, as lojas tradicionais, com existência real, dentro de um edifício. Com o seu fecho e a sua substituição pelas amazons do nosso mundo online ou mesmo pelas versões online das cadeias tradicionais, há um aspecto que fica por tratar: o que acontece aos espaços deixados agora vazios? É que se as lojas estão a fechar, ficam a sobrar muitos metros quadrados em locais centrais e extremamente atraentes.

 

Isto já sucedeu no passado, claro, com a saída de indústrias do centro das cidades (ou com as cidades a deslocarem-se para onde as indústrias existiam) e a abertura desses espaços para o imobiliário ou o comércio. Depois, com o surgimento dos centros comerciais ou das grandes superfícies (megalojas, retalho, etc), muitas lojas pequenas foram fechando. Agora, até as grandes superfícies vão sendo ameaçadas. Que se faz ao espaço que for libertado?

 

Esta é uma questão essencialmente política. Poderá, por um lado, ser guardado para o comércio (haverá sempre necessidade de lojas com existência física, pelo menos no futuro próximo). Por outro é espaço que poderia ser usado pelos governos (locais, regionais ou estatais) para evitar um regresso à especulação imobiliária (em Portugal poderia ser usado para promover o mercado de arrendamento) ou para dinamizar certas partes da cidade (a exemplo do que foi feito em Nova Iorque com o Meatpacking District).

 

Claro que não tenho uma bola de cristal para adivinhar o futuro, mas sei que haverá sempre soluções para quaisquer mudanças de paradigma. Aquele que a internet causou no comércio começa a ser absorvido e as suas vantagens começam finalmente a sobrepor-se aos problemas. Só que mudanças de paradigma podem causar avalanches. Uma consequência potencial poderia ser uma mudança completa da paisagem urbana. Só o futuro o dirá.

Do sempre iminente fim do malogrado comércio tradicional

José Maria Gui Pimentel, 10.10.11

Foi ontem transmitida, no Jornal da Noite da SIC, uma reportagem sobre os antigos comerciantes de Lisboa, na qual foi amplamente vendida a tese, que já não é nova, de que as grandes superfícies comerciais (esses demos!) têm vindo estragar o negócio aos pequenos comerciantes. Implícita nesta tese está a ideia de que a culpa, por assim dizer, é também dos consumidores (esses vendidos!) que desprezaram o comércio tradicional e acorreram aos centros comerciais, apenas por razões de conveniência, esquecendo as fidelidades antigas. Este tipo de postura sempre me irritou profundamente. E se é relativamente compreensível nos comerciantes mais velhos, já não o é nas gerações mais novas, que deveriam ter uma mente mais aberta, mas que também patrocinam essa ideia.

A respeito desta questão, importa ter em mente, fundamentalmente, dois aspectos. Por um lado, a ideia de concentrar os diferentes comércios num espaço comum, não tendo existido sempre, já não é propriamente nova. Aliás, estes agora denominados antigos comerciantes (ou algo do género) já representam essa escola. Toda a zona comercial compreendida entre a Baixa e o Bairro Alto é (ou era) exemplo disso. Por outro lado, bastaria a estes comerciantes tradicionais da baixa (e de outros bairros circundantes) subir a Rua do Carmo em direcção ao Chiado para ver lojas permanentemente cheias, beneficiando das inúmeras pessoas que ali trabalham ou passam durante a semana. De resto, até bastaria andarem alguns metros para verem aquelas lojas na baixa que – tendo-se adaptado à mudança dos hábitos – têm hoje uma clientela regular. Com efeito, se os centros comerciais têm algumas vantagens evidentes, as zonas comerciais tradicionais têm também os seus atractivos, que, se bem capitalizados, podem render até mais, como creio que o futuro próximo vai demonstrar.

Para isso é preciso que as pessoas procurem os clientes, em vez de se refugiarem numa postura reactiva, e que tenham a humildade de perceber que, se calhar, o serviço que oferecem não é superior, mas sim inferior, ao da concorrência.