O comércio digital também acaba
Ontem, o Pedro deixou aqui um texto muito interessante sobre o declínio do comércio local e da coesão dos bairros, fenómenos acelerados nos últimos anos pela proliferação de plataformas de comércio online com serviços de estafetas precários. Mais do que interessante, é um texto pertinente: o comércio local é fundamental para a vitalidade dos bairros e para a manutenção de uma certa ideia de vida comum. De sociedade, se quisermos, a uma escala talvez mais reduzida, mas nem por isso menos importante. Comentei que, tendo crescido numa aldeia e vivendo há praticamente duas décadas em Lisboa, sempre me encantou o anonimato da grande cidade, mas nem por isso deixo de apreciar e de frequentar o comércio local sempre que posso. Até porque me recordo de quão mais movimentadas eram as ruas da aldeia há trinta anos, quando havia mais comércio, e mais variado, de portas abertas para a rua.
Dito isto, o comércio online - não as plataformas proletarizadas de que o Pedro falava, mas as verdadeiras lojas online - tem o seu lugar próprio, e é muitíssimo conveniente. E não é eterno - também no digital as lojas vêm e vão, e deixam um vazio quando desaparecem. Muito a propósito, recebi hoje com tristeza o anúncio de um vazio digital enorme, com a notícia de que o Book Depository vai encerrar no final de Abril.
É o mercado a funcionar, dirão alguns. Deve ser. A Amazon valeu-se da sua dimensão para adquirir uma empresa concorrente, manteve-a enquanto deu jeito, e quando decide fazer cortes (os accionistas devem estar menos ricos, desgraçados), deita-se fora o serviço, lixa-se quem lá trabalha, e os consumidores ficam com menos uma alternativa. Que belo mercado, sim senhor. Fazem falta mais leis anti-concentração e a promover a concorrência, é o que é.
Na biblioteca pessoal cá de casa, posso dizer sem exagero que centenas de livros vieram do Book Depository. Aliás, julgo até que a primeira recomendação para esta loja online me foi dada aqui no Delito (talvez pela Ana Vidal?). Na altura estava órfão da Livraria Tema, no terceiro piso do Colombo, onde era possível encomendar livros vindos dos Estados Unidos a preços muito simpáticos. Foi lá que comprei os meus primeiros títulos em inglês de ficção científica, alguns dos quais só é possível encontrar hoje em circuitos de segunda mão. Mas tudo o que é bom dura pouco, e naquele canto do terceiro piso, junto aos cinemas, estará hoje uma loja qualquer que nunca frequentei, e que provavelmente jamais frequentarei. A Tema encerrou algures entre 2011 e 2012 (creio que o último livro que lá comprei foi um trade paperback de A Game of Thrones, de George R. R. Martin, poucos meses antes de estrear a série na HBO), e nessa altura precisei de encontrar uma alternativa para literatura alternativa.
Cheguei a comprar alguns títulos na FNAC, sobretudo da colecção SF Masterworks da Gollancz, e volta e meia ainda trago de lá um livro ou outro, mas convenhamos: a selecção da FNAC é fraquíssima em literatura fantástica, banda desenhada (aqui tem melhorado, mas ainda assim) ou livros mais especializados. E a concorrência não é melhor: a Bertrand não conta para o totobola, as livrarias mais pequenas não oferecem grande diversidade (para mim, pelo menos), e a loja online WOOK, salvo erro da Porto Editora, ainda está muito longe de ser ideal. Na banda desenhada em particular temos excelentes lojas em Lisboa - a BD Mania, a Kingpin Books, entre outras mais pequenas. Frequento-as amiúde, e é raro sair de lá sem trazer alguma coisa, nem que seja dois dedos de conversa - de facto, um dos melhores aspectos das livrarias físicas especializadas é terem livreiros também especializados, com os quais podemos ter óptimas conversas e obter excelentes sugestões. Mas a banda desenhada é cara, e nem sempre é fácil às lojas físicas competirem com os preços praticados no online, sobretudo quando os orçamentos andam mais apertados.
Houve um breve período, algures entre 2010 e 2012, no qual compras na Amazon britânica de valor superior a £28,00 tinham portes grátis para Portugal; eu e a Ana aproveitámos bem esses tempos. Mas isso depressa acabou, e daí para cá o Book Depository, que a mesma Amazon comprou e que agora extingue, passou a ser o fornecedor de eleição. Preços convidativos, página Web muito amiga do utilizador, serviço de entrega irrepreensível, resposta rápida e eficaz nas raras ocasiões em que houve algum problema - melhor que isto é difícil. Vivemos na nossa casa actual há quase seis anos, e o carteiro já nos conhece pelas entregas habituais de livros. O último que me trouxe foi este cuja fotografia deixo aqui abaixo: a edição nova, em capa dura, de The Many Deaths of Laila Starr, uma história espantosa de Ram V maravilhosamente ilustrada pelo nosso Filipe Andrade (a ver ser num destes dias dedico algumas linhas a este livro, mas fica já a sugestão).
"Ainda cabem aí livros?", pergunta o carteiro de vez em quando, a rir, quando lhe abrimos a porta. Ainda caberão decerto alguns, mas daqui para a frente as encomendas serão diferentes. Já o imagino a perguntar, daqui a alguns meses, "então não têm comprado livros?" Quem me dera, meu caro. Quem me dera. Não será fácil encontrar um substituto à altura.
Enfim, vou aproveitar para fazer uma última encomenda do Book Depository.