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Delito de Opinião

Khamenei em Bogotá

jpt, 21.06.25

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Não trato aqui de opinar sobre a já velhíssima polémica relativa a Israel. Nem sobre a recente deriva a propósito de Gaza (já disse o pouco que me ocorre). Nem sobre o conflito (guerra mesmo) entre Irão e Israel, menos ainda discorrendo sobre os respectivos projectos políticos. Pois são questões complexas. E apesar de muitos opinarem, e com veemência, sobre o assunto, estou ciente de que a minha opinião nada conta - se contasse para algo faria um relatório e vendê-lo-ia. Nem sobre as questões geoestratégicas que acompanham tudo aquilo. E sobre estas para quê aflorar o papel do Catar?, se os meus compatriotas andam encantados com o Vitinha, o Nuno Mendes, o João Neves e até o Gonçalo Ramos do clube da bola caterense… E o da Arábia Saudita, se idem com o Bernardo Silva e o Rúben Dias, já para não falar do outro Rúben, o Neves, e - acima de tudo - o Cristiano Ronaldo, nesse arquipélago futebolístico saudita? Não há dúvida, as “relações públicas” do Golfo têm muito sucesso por cá. Ou seja, à primeira vista até parecerão caras - milionárias mesmo, como o reafirma a imprensa desportiva - mas, pensando bem, são “marketing” político barato.

Venho apenas deixar uma breve memória. Em 2023 pude viajar pela Colômbia. A minha estada coincidiu com a afamada Feira do Livro de Bogotá, e fui visitá-la. Um certame enorme, e muito popular. As instalações que acolhiam as editoras colombianas (e hispânicas) eram vastíssimas, apenas as percorri sem vasculhar, até porque não iria comprar livros - aquela malfadada questão do peso da bagagem em viagens aéreas. Lateralmente havia o pavilhão do país convidado, naquele ano o México, que se apresentou com uma bela e rica representação.

E um outro pavilhão temático continha várias representações nacionais. Entre outros a Espanha e o Brasil, com pavilhões surpreendentemente despojados - fiquei mesmo estupefacto ao vê-los. Algo que ainda mais sublinhou o meu apreço pela instalação portuguesa - que, por coincidência visitei no dia 25 de Abril, como se comprova pela minha pobre fotografia, a qual não faz jus à excelência do que ali estava composto. A nossa representação era uma cuidada organização conjunta da cátedra de Estudos Portugueses Fernando Pessoa da Universidade dos Andes e da Embaixada de Portugal. 2023 era um ano de centenários de escritores portugueses, p. ex. Eduardo Lourenço, Eugénio de Andrade, Mário Cesariny, Mário-Henrique Leiria e Natália Correia. As suas obras estavam ali bem alinhadas, em publicações portuguesas. Tal como uma larga presença de edições colombianas de escritores portugueses - traduções, publicadas por julgo que três editoras locais, que presumo tenham vindo a ser algo induzidas pela dinâmica da referida cátedra. E estavam também conferencistas convidados, que pude ouvir: os professores Leonor Simas-Almeida e Onésimo Teotónio de Almeida (o qual eu havia conhecido um quarto de século antes em Maputo), e o excelente escritor (e também professor) moçambicano João Paulo Borges Coelho.

Enfim, eu que tenho a defeituosa tendência para resmungar (e até rosnar) diante de quase tudo, fiquei mesmo muito bem impressionado. Ufano até, em arremedo patriótico. É certo que tinha amiga na organização, provocando-me uma predisposição simpática. Mas, “juro, sinceramente, palavra de honra…” (como consta em célebre canção moçambicana) não era apenas o “amiguismo” a falar. Pois a “banca” portuguesa estava mesmo boa…

E tudo isto, já antigo, vem a propósito de quê? Pois ladeando o nosso estaminé, escassas dezenas de metros afastada, estava a banca iraniana, com as mesmas dimensões. Por lá passei claro. Estanquei, deliciado com o denotativo de tudo aquilo. Pois nos escaparates e estantes constavam apenas múltiplos exemplares de … dois livros. As edições em espanhol de uma biografia do aiatola Khamenei e de uma das suas obras. Estavam ali quatro homens, sem qualquer visitante, no típico fato-e-gravata - que noutros contextos se diria de apparatchiki. Tendo-me eu aproximado logo um deles veio ter comigo, cortês, indagando-me quem era eu e o que ali fazia. Lá me expliquei, mas nisso algo constrangido e assim deixando ficar o telefone no bolso, desprezando a minha verdadeira vontade de fotografar a peculiar representação bibliográfica nacional naquela grande Feira Internacional - e por falta dessa fotografia até agora não fizera este postal, percebendo-o coxo por falta de ilustração abrangente.

Entretanto o evidente “controleiro” - e percebendo que eu não iria comprar os livros - deu-me este pequeno folheto (que acima reproduzo), basto laudatório do “Gran Sabio y Referente Islámico”… Lembro-me de dali ter saído num breve meneio de cabeça, pois diante de tamanho anacronismo. Denotativo, como já disse…

Enfim, repito-me, é este postal um elogio deste Israel, até destes EUA, um apupo a este Irão? Não, é mesmo um raisparta tudo isto.

(Postal também no meu "O Pimentel")

 

Acerca da Venezuela

jpt, 03.08.24

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(Bogotá, frente ao consulado da Venezuela, 2.8.2024. Fotografias de Pedro Sá da Bandeira)

O regime de Chavez e seu avatar Maduro prolonga o estertor, na fraude eleitoral, sequestro de opositores, repressão generalizada. Governos de diferentes tendências na sua região repudiam os acontecimentos, da Argentina ao Chile, entre Uruguai, Costa Rica ou Peru. Aflitos com a degenerescência do gigantesco vizinho, exaustos com os contínuos fluxos de refugiados venezuelanos, outros governos à esquerda da região tergiversam, empurram a situação para "negociações". Fá-lo o México, sempre no sonho de grande potência regional para sul, também a Colômbia, onde um frágil e fragilizadíssimo presidente Petro se mascara em laivos de vínculos ideológicos, fá-lo até o Brasil, onde o tão típico Silva se aprestou a sufragar a fraude maduriana, para logo matizar, prestando-se à rábula "negociadora". Por cá na Europa há ainda quem defenda Maduro - às escâncaras o nosso PCP brejnevista, os "Podemos" vizinhos, e mais alguns proto-brigadistas Europa afora, para além do húngaro Orban, que alguns intelectuais fascistas tanto vão louvando.

Hoje sairá o povo à rua na Venezuela - se as "revolucionárias" forças de segurança deixarem. E alhures também. Deixo aqui eco de pequena manifestação  já ontem ocorrida em Bogotá, congregando venezuelanos ali refugiados. Hoje, sábado, muitos mais sairão, em associação com as manifestações no seu país. E serão acompanhados pelos colombianos, pois a oposição não só os apoia, repudiando o "silêncio" inactivo de Petro, como cavalgará a situação para contestar o actual poder.  

As fotografias são do meu querido amigo Pedro Sá da Bandeira - veterano fotorepórter do "Record" e da "Lusa", entre outros, trota-mundos, e que agora vive em Bogotá, calcorreando aquela região. Sempre de máquina em punho.

Divagações nas Delongas

jpt, 16.05.23

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“Um verdadeiro triunfo!, esta minha vinda à Colômbia”, concluí eu ontem à noite (já longa). Pois a Iberia fez por mim - e quero desconfiar que a pedido de forças sociais relevantes - o que a TAP se recusou a fazer pelo presidente Marcelo em Maputo: adiou o voo Bogotá-Madrid, atrasando-me o regresso à Pátria Amada, soube-o cerca de meia-hora depois do horário previsto para a partida.

Disso avisou a sala de embarque bem preenchida. Logo a mole viajante se foi levantando em busca de informações. Aí começou o Show Iberia, tantos traços culturais activados - quiçá resquícios da pujante mente imperial que fermentou a Invencível Armada (aérea?) - e tão vistosos que até ressuscitaram o meu saudoso “olhar distanciado”. Pois a segunda informação emitida foi a convocatória para que todos se sentassem!, escolar reprimenda recebida com audível desagrado pela moldura humana…

Seguiram-se duas horas, entrando-se já neste dia seguinte, de silêncio substantivo polvilhado de comunicações vácuas. Mas o interessante é que a Iberia - no aeroporto internacional de Bogotá, num voo para Espanha, com passageiros de várias nacionalidades - passou a comunicar apenas em castelhano. Diante do caos esqueceram-se do habitual bilinguismo das companhias aéreas… Passada uma hora daquilo, distraída no meu “broken english” a traduzir aquele efectivo silêncio a suíços, alemães, franceses e algum etc. que incluía até… colombianos, lá fui aconselhar os proto-desvairados funcionários que seria de regressarem às informações em inglês. Para compreender que os pobres não estavam em abissais e linguísticas reclamações “hispânicas” ou “indígenas”, quais activistas do CES da Lusa Atenas. Mas que apenas vão tão pouco pujantes na língua dos gringos como sigo eu…!

Enfim, lá seguimos para um hotel. O que implicou tornar a passar pelo controlo de fronteiras, em fila escoltada pelas tão atrapalhadas assistentes da Iberia. Um rancoroso agente invectiva-me em busca do carimbo de saída com que o meu passaporte deveria ter sido brindado horas antes. “Não sei”, digo-lhe três vezes. Na quarta vez que me pergunta o mesmo, do porquê de estar eu ali sem carimbo de saída, espadachando o meu passaporte na minha cara, digo-lhe no meu ridículo portunhol “não sei, é o seu trabalho, tem de saber como eu estou aqui assim!”. Irrita-se, tira-me da fila, entrega-me a duas dessas assistentes Iberia, e enquanto punhados me ultrapassam estas vasculham-me o documento, clamando - tornando-se assim ainda mais feiosas do que são, nisso mérito delas, não ganharam o emprego devido ao palmo de cara e ao punho de mama… - “ser minha responsabilidade” tudo aquilo. Entretanto esgotado um magote de passageiros o fascista junta-se às tais desengraçadas, conversam sobre mim e de súbito tomam consciência do que já lhes narrara: o passaporte é electrónico, passa incólume aos colecionáveis carimbos. O arvorado sorri e passa-me o documento, para que eu siga. 

Mas estou cansado e agora aborrecido com o destratamento. Por isso esqueço-me que estes controleiros fronteiriços são desconfiáveis - não mataram os nossos, ali mesmo nas vizinhanças de minha casa, um azarado tipo apenas porque lhe faltava um qualquer carimbo, apesar dele ser “louro e de olhos azuis”, assim dos nossos favoritos, como dizia o esquerdista Pacheco Pereira nos seus dias putinescos? Enfim, esqueço-me desse âmago ferino, e digo-lhe “porque não me deu esse sorriso antes, para quê tudo isto?”. De novo, lesto, se apropria do meu passaporte, invectiva-me “estás tomado?”, nem percebo, só depois na sua insistência, “estás tomado!!”, compreendo que me diz bêbedo. Ombreia com o par de jarras da Iberia e anuncia que eu ficarei ali, que vai chamar a polícia devido ao meu estado. Não estou bêbedo mas fico estupefacto, mais até com as cabrinhas Iberia (feiosas, não recordo se já o disse), ali tão ciosas em chatear o passageiro. Fico calado, presumo que tenha arqueado a sobrancelha (dizem-me ser-me gesto habitual), constato que nenhum deles porta identificação. Logo, logo, sem mais, me devolve o documento e eu sigo - “amanhã uso o livro de reclamações, espanhóis de merda…” -, mas um bocado alquebrado: na fronteira de chegada uma oficial tentou ser simpática e disse-me “velho”, à partida o seu colega quer ser antipático (e consegue) e chama-me “bêbedo”. Será melhor não voltar cá, sabe-se lá que mais avançarão.

Enfim, quase 5 horas depois da hora da borregada partida lá aporto ao hotel, feito coito de desiludidos. Enquanto espero por um verdadeira ceia leio as novas de Lisboa. Rio-me: Sousa Pinto, em tempos o agitado inventor das “causas fracturantes” agora tornado xuxu dos salões do centro bem-pensante, encantados com a verve do homem em avatar crítico, associou-se a outros da mesma laia (gente com o desplante de militar no PS), invocando o “fascismo” “inadmissível” da centena de tipos do CHEGA que se manifestaram no Largo do Rato, sede do sindicato socialista. Nas redes sociais vários, até não-PS, concordam. 

Estou cansado, esfomeado. E, repito, aborrecido com os maus-tratos, e percebo-me burguesote, nisso saudoso do quando até parecia um jovem aprumado, assim imune a estas cenas. Por tudo isso descarrego, desabafo, e para todas eles encomendo desgraças, dolorosas. Há pouco mais de um ano, na sequência dos dislates russófilos emanados do PCP aquando da invasão da Ucrânia, umas dezenas de manifestantes, entre os quais ucranianos, acorreram à sede daquele partido manifestando-se contra as suas posições. Na época vieram estes “comentadores” e estes “redessociólogos” gemer qualquer “inadmissibilidade”? É a malta do CHEGA desagradável? É.Mas para se manifestarem avessos às Leitão Marques e aos Silva Pereira onde o deverão fazer? Em Quelimane….? Mas se for contra o PCP toca de acorrer à Soeiro Pereira Gomes?

Acordo cedo e avanço para a leitura de um artigo sobre a história da Antropologia portuguesa, coisa de italianos. Para além das laudas ao nosso “progressismo político” actual lá vem o regurgitar do discurso socialista: o enquadramento histórico (em texto de 2023) anuncia o colonialismo português como um projecto do Estado Novo, malévolo. Os autores são estrangeiros, estarão a ecoar o que se lhes disse. Mas mais uma vez lá vem o elidir da essência colonialista do nosso republicanismo, da I República, de como tudo isso nos conduziu à I Guerra Mundial - é um esquecimento que é um aldrabismo (o discurso de Marcelo Rebelo de Sousa no centenário do Armistício é um monumento protocolar dessa mistificação).

No fundo trata-se do óbvio: naquele meio intelectual, do tal “progressismo político”, o relevante é apupar o padre António Vieira e salvaguardar os antecedentes do PS, o qual distribui empregos e financiamentos. 

Interrompo a leitura, irritadíssimo. Desço à recepção onde me avisam que talvez siga hoje à noite. O meu problema é que os filtros acabaram e é difícil comprar mais - fuma-se pouco por aqui, escasseia a venda de tabaco. Os bogotanhos devem pensar que há coisas mais relevantes do que fumar à porta dos restaurantes. Se calhar há… Vou à rua fumar, terceiro cigarro com o mesmo, e último, filtro, um nojo. Despreocupado com o regresso. Pois de facto, constato, para todos os outros é igual a que horas ou em que dia viajarei eu. É verdade. Mas assim rebelo-me contra este meu declive, até depressivo, num “estás tomado?!”.

Regresso ao quarto, onde perorava o insuportável sotaque da Annanpour. No caminho uma empregada trata-me, como aqui o têm feito, por Señor Taveira, sorrio com gosto à tão rara alusão ao apelido do meu avô materno - oficial do 28 de Maio que não era mais colonialista do que os seus irmãos e cunhados mais velhos, também militares, que antes haviam partido, patrióticos, para a guerra na Flandres. Mas pronto, a minha irritação se calhar deve-se a ter lido ontem um (até fraco) “Abril e Outras Transições”, no qual o Cutileiro resmungara, en passant, a mistificação da I república, como acima de tudo, culmina com aquilo de uma educação universitária (sumamente altaneiro remete-a para Oxbridge) se definir por ser aquilo que torna alguém capaz de identificar “when a man is talking rot”… Não que eu tenha estudado por aí além mas atrasos nos vôos dão para estas… divagações.

Avanço, uma matrona simpática, nariz arrebitado atraente, companheira de vôo - a quem eu, na véspera ajudara com as malas, como se nada fosse - retoma a conversa comigo. Almoçaremos juntos, eu para dentro a recordar um conto de Cortazar no "Todos os Fogos o Fogo", que li em Salema aos 14 anos (um engarrafamento na auto-estrada, passados poucos dias as pessoas já se organizaram em comunidades, e até casais se fazem, de súbito o trânsito começa a fluir e tudo se desfaz na debandada). Ainda assim "fiz conversa" quase duas horas, um recorde de décadas. 

No regresso quarto, aqui, outra me trata por Senhor Taveira. E de súbito o tão raro tratamento atira-me para 35 anos antes: no Hospital Militar, a que acorreram para ver se me via livre da tropa, fui recebido por uma senhora, que então me parecia até decana, secretária de um qualquer Coronel ou General Médico. Olhou distraidamente para os meus documentos e tratou-se por "Taveira". Eram ainda os tempos do escândalo dos filmes e talvez também por isso disse-lhe "Eu não sou Taveira, sou Teixeira".

Ao que a Senhora me respondeu, dando-me a maior lição na vida, e que tantas vezes esqueço: "Taveira somos todos!".

(Talvez avance hoje. Se daqui a bocado encontrar o sacana da fronteira pago-lhe uma cerveja. E claro que não reclamarei das hospedeiras, ou lá como se lhe chama. Mau mesmo é o estado deste filtro, após 5 cigarros. Fedorento, afianço).