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Delito de Opinião

a ver se me ralo

Patrícia Reis, 11.11.17

Há muitos anos, aprendi com a Inês Pedrosa, e depois com outras pessoas, que é muito fácil levar porrada quando se escreve publicamente, se dá rosto e nome, se tem opiniões e, enfim, estamos disponíveis para as partilhar. Não se trata de ganhar palmadinhas nas costas, disse-me ela, o que é importante para ti, pode ser para outras pessoas. E depois falou-me da porrada que iria levar, da quantidade de fel que as pessoas destilam, e tantas vezes no anonimato, mas que isso não tinha qualquer importância.

A Inês é minha irmã e poucas pessoas têm levado pancada como ela. Vive com uma dignidade incrível, uma cabeça genial, uma capacidade excepcional de ser excepcional. É uma lição para mim. Há quase trinta anos que aprendo com ela e, muitas vezes (mesmo muitas vezes!), concordamos que discordamos, mas respeitamos a opinião de cada uma. Ela continua a levar porrada de forma idiota por pessoas que não pretendem construir nada, apenas destruir. E eu estou na mesma situação.

E serve o presente texto para dizer que podem continuar a ser assim, a ver se me ralo. Creio que ela tão pouco se rala. Tragam lá os vossos archotes e as vossas acusações, o vosso moralismo e preconceitos, descrevam a minha ignorância ou o que vos aprouver, vivemos em democracia, podem fazê-lo à vontade, mas depois não me digam que serve para estimular debates, porque a troca de ideias implica respeito e o respeito implica educação e a educação implica elegância. Na minha opinião, claro.

Divagações de praia 2

Teresa Ribeiro, 29.08.15

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O meu pai era um homem de hábitos. As suas rotinas eram cultivadas com cuidados de jardineiro e nem as férias lhe alteravam o seu modo de vida circular, feito de perpétuos regressos. De manhã, praia, à tarde mata, à noite a esplanada no centro da vila. Parava no mesmo café, de preferência sentado à mesma mesa, para ser atendido pelo empregado do costume e sempre, sempre na Caparica, a praia da sua vida, que conheceu eram os dois tão novos. Ele ainda com a barba mal semeada, ela também uma mocinha púbere, de beleza selvagem, com dunas a perder de vista e uma mata cerrada onde consta que os foragidos da cadeia da Trafaria se iam esconder para nunca mais serem vistos.

O seu conservadorismo extremo exasperava-me, o amor pela rotina confundia-me. Mas como tantas vezes acontece com os filhos, nem sequer tentava percebê-lo. Gostava de coleccionar tudo: moedas, selos, canetas, isqueiros, agendas, cinzeiros, búzios, caixas de fósforos, canivetes, porta-chaves, canecas, miniaturas de monumentos, postais. Sim, era um exagero. Aquele prazer em ter revelava um Tio Patinhas obcecado não por dinheiro, mas pelo acto de colectar em si mesmo. Como se tivesse medo que algo lhe fugisse, que as coisas lhe fugissem.

Infantilizou-me. Em vez de me emendar, esforçava-se para que eu perpetuasse os disparates que dizia em pequena. Fez o mesmo com os netos. Era uma forma de nos reter, de iludir a passagem do tempo para continuar a ter-nos como só se têm as crianças.

Quando eu viajava, sofria. E se o avião caísse? E se o mundo me tragasse? Não percebia a minha paixão por viagens. Dizia que para viajar bastava-lhe passar os olhos pela colecção de postais. Numa ocasião regressou mais cedo de uma viagem de serviço a Paris, que não conhecia, só porque estava de chuva e não tinha levado chapéu. Um excêntrico, o meu pai.

Tinha cinco anos quando o meteram num navio. Fez Luanda-Lisboa na companhia de uma estranha. Nesse tempo não se tentava explicar nada às crianças. Deixou para trás os pais, os irmãos e a terra onde nascera sem perceber o que se estava a passar. Havia uma razão plausível, mas não a conheceu em tempo útil.

Foi esta a sua viagem inaugural. Dos cafezais a perder de vista para um apartamento do bairro das colónias, em Lisboa. Só voltaria a ver os pais aos 18 anos e Angola muito mais tarde, já adulto. 

Nunca me falou, nunca falava disto, soube-o pela minha mãe. Há cinco anos, quando um avc lhe fez as malas e lhe deu uma guia de marcha para não mais voltar, na consulta da urgência, quando lhe perguntaram "onde mora?", respondeu: "No Uíge".

Faria este mês 87 anos.

Divagações de praia

Teresa Ribeiro, 08.08.15

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Na infância o tempo, se formos a ver, é bem preenchido. Há muitas coisas, todas novas ou pelo menos não suficientemente velhas, que nos distraiem. Quando somos pequenos o vagar sente-se, mas não incomoda, ao passo que na adolescência, se os planetas não se alinham segundo as nossas expectativas pode ser uma tragédia quando sobra demasiado tempo para pensar.

Desperdicei-o tanto na adolescência. Eu agora tão ciosa dele e nessa época como eu o esbanjava, a sonhar acordada. Mão na mão de artistas de cinema, a treinar beijos fogosos na curva dos cotovelos, a esconder-me do mundo, amuada, quando um amor não me correspondia. Ao contrário dos dias intermináveis da infância, passados serenamente num andar de Lisboa sem vista para o Tejo, os da adolescência consumiam-me de impaciência. Queria tanto e tudo e tão depressa, que era um sofrimento ter de esperar daquela maneira pela vida.

Passei metade da adolescência nos cafés a armar, de SG Filtro nos dedos e bica escaldada  na mesa, a antecipar cenas de filmes que não vinham. Sitiada por miúdos borbulhentos que ainda se entretinham a fazer concursos de arrotos, ou gente demasiado adulta para me compreender, fui a princesa da torre, desdenhosa e chata - uma "desinfeliz", como dizia a minha mãe, só para me arreliar - até ao dia em que finalmente percebi que o tempo era um bem escasso.

Foi então que decidi. Da janela deitei a longa trança que entretecera durante esses anos perdidos de tertúlias parvas, planos fugazes, consumições gratuitas e foi por ela mesmo que desci. Descobri pouco depois que, não sendo uma estrada de tijolo amarelo, a realidade tinha a grande virtude de poder ser vivida e que afinal melhor que beijar Warren Beatty ou o não menos distante galã do meu bairro, era trocar de pastilha elástica com o Chico. Mas só eu sei o que andei para aí chegar!

Rainha por um dia

Ana Vidal, 06.08.14

 

Hoje fui tomar um café à Vila, para espairecer e andar um bocado. Nesta altura do ano Sintra é dos turistas, um formigueiro deles a perguntar-nos tudo, a fotografar-nos à porta de casa como se nós, indígenas, fôssemos assim uma espécie de hobbits a sair dos nossos cogumelos com telhas. Mas uma destas, juro, nunca me tinha acontecido. No largo do palácio, entre mil outros turistas, vejo um casal com um filho adolescente, todos de ar ansioso e olhar fixo na escadaria da porta principal. Quando me aproximo, perguntam-me (num castelhano com sotaque) a que horas saem... os reis de Portugal! Ok, estão a brincar, claro... entro na onda e respondo, com o mesmo ar sério, que só aos sábados os reis saem à rua para cumprimentar os seus súbditos. Aproveito e pergunto de onde são: Manizales, Colômbia. Insistem, estão ali à espera para tirar "una foto con los reyes" para levar para casa e mostrar aos pais respectivos, a quem prometeram a façanha. De repente, perante os olhares desolados, percebo que estão a falar a sério. Explico-lhes que tenho imensa pena mas Portugal já não é uma monarquia há mais de um século. E é então que a mulher, mais espevitada e recusando render-se à evidência (temos sempre uma solução de recurso, nós...), pede-me que tire uma fotografia com eles como se fosse... a rainha. Olhem, não sei se me comoveu a delicadeza de não quererem decepcionar dois casais de velhotes lá na Colômbia, ou se me aterrorizou a ideia de represálias (sei lá se eles pertencem a algum cartel de Medellin), só sei que alinhei no disparate: fiz a minha melhor pose aristocrática - queixo levantado, um sorriso meio condescendente e uma mão magnânima sobre o ombro do rapazinho - e lá foram eles com o seu recuerdo real, todos contentes. Voltei para casa com um passo mais elegante, evitando a custo acenar aos passantes e pensando com os meus botões que Luísa de Gusmão tinha toda a razão: mais vale ser rainha por um dia que duquesa toda a vida.

IPO

Ana Vidal, 19.07.13

Olho as pessoas à minha volta e sinto-me em casa. Desta vez não é por mim que franqueio o portão, não há hesitação ou angústia que me tolham os passos. Mas será sempre por mim que voltarei. Uma estranha nostalgia faz-me correr a revalidar o cartão, expirado há anos, que comprova a pertença e me dá a ilusão de uma garantia de segurança. De salvação. Quem por cá passa ou mora algum tempo sabe do que falo: fica-se íntimo, solidário, cúmplice de uma espécie de partilha desesperada que nos une para o resto da vida, valha esse prazo o que valer. Já quase não há caras familiares mas todas as caras são demasiado familiares. É meu pai o velho rabugento que mede forças com a cadeira de rodas, zangado com o mundo. É minha irmã a mulher magra, ainda coquette, que olha furtivamente em volta e ajeita a peruca loira, na esperança de que passe por cabelo verdadeiro. É minha filha a menina de olhar triste que brinca à sombra de uma árvore, lenço de cores berrantes amarrado a cobrir a ausência dos caracóis sedosos. Também eu já caminhei sem destino por estas ruas, sufocando nas entranhas um medo irracional. O maior pesadelo não é a dor física, é o terror. Também a mim já pareceram hostis estes muros, inóspitos estes bancos de jardim. Já fui aquela mulher que vejo agora no bar, agarrada à chávena de café como ao último e supremo prazer a que tem direito. Já me aturdi com a vozearia dos lamentos nas salas de espera. Para calá-los já fui bobo da corte, com graças estafadas para exorcizar fantasmas e arrancar sorrisos a quem se sente no corredor da morte, transido pelo medo e pela dor.  Já deixei lágrimas, suspiros e sorrisos nestes corredores, primeiro sombrios, depois esperançosos, finalmente libertadores. O tempo é sábio, esbate as mágoas e deixa-nos só as boas memórias. Foi aqui que aprendi a ler nas entrelinhas, a interpretar olhares mais do que palavras, a fintar as trevas, a saber esperar. Foi aqui que encontrei a maior condensação de humanidade que alguma vez me foi dado conhecer. Foi aqui que me questionei sobre o sentido da vida, o sentido da morte, e foi aqui que olhei ambas de frente. Estas paredes puseram-me à prova e revelaram-me o melhor de mim. Como posso sentir por elas alguma coisa que não seja gratidão?

Something tweed

Ivone Mendes da Silva, 05.08.12

(A silly season é o que é não adianta. Com a maioria dos leitores a banhos e uma preguiça que me faz perder algum decorum que não me fazia mal nenhum, repristino um texto em que volto às frioleiras de roupas, sapatos e afins. É o último, prometo.)



 

Quando estava, há pouco, a pendurar um casaco no armário, dei por mim a meditar sobre a predominância de casacos de tweed sobre outras peças de vestuário. É bem certo que será melhor meditar, - e então se for em francês! - sobre a guerra, o mal e fim da história, mas cada um medita sobre o que tem no armário. Dei-me conta de que os casacos de tweed me têm acompanhado sempre, tanto na solenidade de alguns momentos como na pressa das manhãs dos dias úteis. Eu gosto de me vestir para as ocasiões por mais insignificante que a ocasião seja. Quem diz vestir, diz calçar: se não estiver com uma pressa desmesurada, passo por casa para trocar de sapatos antes de uma ida inadiável ao supermercado. Andar de saltos agulha entre as promoções dos iogurtes e a prateleira dos detergentes revela, além de mau-gosto, falta de juízo. Por razões práticas, claro, pois quem já empurrou um carrinho de compras em cima de uns saltos a sério, ao fim de um dia, sabe do que falo.

Voltemos, então, ao tweed que hoje se me afigurou como um símbolo, ou, se calhar, um talismã a que me agarro volta não volta.

Isto dos símbolos em matéria de vestuário também é engraçado. Quando casei pela primeira vez, decidi que queria um vestido de noiva curto. Na altura, não tinha ainda  a minha D. Anita, a minha costureira que, há  quase 30 anos, cose tudo aquilo que eu visto. Já se sentou, pacientemente,  no sofá a meu lado a ver um Hitchcock e a tirar apontamentos sobre um casaco que eu queria e, com a minha incapacidade para desenhar, não conseguia reproduzir no papel; já costurou um longo vestido de baile em veludo vermelho que usei num dos bailes de finalistas dos meus alunos e que guardo religiosamente na esperança de o deixar de herança  a neta que saia a mim. Ora bem e recapitulando, não foi fácil encontrar o vestido de noiva que eu queria, mas lá o desencantei, de cambraia e rendas, um ar antigo, com uma saia que dançava à volta dos joelhos e um decote generoso. Eu tinha vinte e poucos anos e vivia a glória de me sentir um desafio. A minha mãe reprovou o decote e uma das minhas tias veio, pressurosa, com dois alfinetes-de-ama minúsculos, prender qualquer coisa nos ombros de modo a reduzir o espaço visível do meu colo. Durante a cerimónia, parece que o noivo, muito alto, continuava, apesar dos propósitos impeditivos da minha tia, a ter uma vista privilegiada sobre o referido colo. Eu, em quem subsiste, malgré moi, uma certa forma de pensamento mágico, cumpri o que a tradição determina: something old, something new, something borrowed, something blue. Usei umas luvas antigas, um pulseira emprestada, um lacinho azul de cetim, discretamente algures, e tudo o resto era novo.

O vestido foi-se desfazendo nas peças de teatro da escola do meu filho, para que as amiguinhas dele, acrescentados os devidos acessórios, fizessem de princesa, de fada, de senhora, e acabou, por ponderosas razões que não vêm agora ao caso, num caixote do lixo.

O casamento, esse acabou na Conservatória de um Registo Civil. Ora é aí que surge um dilema de vestuário: que deve vestir a requerente num divórcio, tanto mais que teria de ir dali directamente para  uma representação protocolar? Bem, pois foi um casaco de tweed sobre a pele, pérolas, saia e meias pretas. Quando lá cheguei, a atencioso advogado que representava o requerente elogiou-me o aprumo, mas disse que o acto não carecia de tais requisitos na indumentária. Expliquei que, saída dali, iria ouvir a oração de sapiência de uma abertura solene de aulas. Penso que estive bem vestida, tanto de um lado como de outro.

Quando casei pela segunda vez, ainda pensei em tweed mas era Abril e o tempo começava a aquecer. Usei um discreto robe-manteu, azul, que combinava bem com o casaco muito Quartier Latin do noivoE, como há coisas que são o que são e não adianta, já que o vestido era azul e novo, usei uns brincos antigos e pensei que os cartões que tinha na carteira eram, no fundo, um empréstimo do banco e que cumpriam a requisito do something borrowed. Ah, e continuei a respeitar um conselho da minha avó: "Casem com homens bonitos porque compõem muito uma cerimónia de casamento."

O vestido não foi parar ao caixote do lixo. Além de poder ser usado em ocasiões diversas, as amigas do meu filho já não fazem teatro e, mesmo que o fizessem, nem sei bem que personagem conseguiriam ser dentro dele.

Quando me abeirei do segundo divórcio, entendi que não precisaria de me preocupar com a indumentária, pois nem a ocasião nem as circunstâncias estavam imbuídas de tanto pathos como as do primeiro acto mas, pelo sim pelo não, usei um casaco comprido de tweed e uma écharpe num encarnado profundo, um rosso veneziano, porque o requerente gosta de Tintoretto e eu achei que era um gesto simpático.

E uns brincos de pérolas porque, se muitas coisas mudam em mim, outras permanecem iguais.

Prémio Europa Nostra 2012

Leonor Barros, 01.06.12

 

 

O restauro dos seis órgãos da magnífica e absolutamente única Basílica do Palácio Nacional de Mafra foi galardoado com o Prémio Europa Nostra 2012. Se o orgulho matasse já me tinha dado uma coisinha. Os meus Parabéns ao mestre organeiro Dinarte Machado, por tudo e pela humildade e simplicidade em pessoa. Há tão poucos assim.

Subsídios para uma teoria do direito ao pessimismo

Ivone Mendes da Silva, 23.10.11

A minha linha de pensamento é a do pessimismo moderado. Eu diria, até, bastante moderado. Acontece que uma tremenda constipação, ou gripe ou qualquer coisa do género, vem sempre acentuar, com escuro e sombra, a minha weltanschauung.

A coisa torna-se tão complicada que, em adormecendo, é fatal sonhar com Böcklin. Estão a ver aquele quadro de Arnold Böcklin, A Ilha dos Mortos? (Tenho de aprender a colocar aqui imagens). Sonho sempre com esse quadro, em qualquer uma das suas versões. E sou eu quem vai embrulhada numa mortalha pelas águas do esquecimento a caminho da morte. Provavelmente, isto terá cura, bastará ir ao médico e perceber o que me atinge quando uma constipação me atinge. Eu acho os médicos excelentes companhias para se beber um café e conversar um pouco, agora visitá-los no exercício da sua profissão já é coisa que evito. São demasiado generosos: a pessoa chega lá com uma dor e eles, solícitos, descobrem logo mais umas quantas nas zonas adjacentes. Adiante. Ontem, fui assolada numa constipação galopante.

A meio da tarde, toca a campainha. Eram umas senhoras de uma religião qualquer. Na semana anterior tinham passado por cá a querer dar-me conta de todos os motivos que existem para a felicidade e para a esperança. Procuro sempre ser diplomática nestas questões. Disse-lhes que estava ocupada e que na próxima semana, talvez, as pudesse ouvir. Pontuais, voltaram ontem. Eu continuei ocupada, e ocupada por uma constipação que não me deixava espaço para teologias.

Final da tarde, supermercado. Precisava de fruta e queria passar pela livraria adjacente em demanda da tradução, numa edição bilingue, de poemas de Emily Dickinson feita por Jorge de Sena que já vira por lá. Pois é, só que até chegar onde pretendia, atravessei corredores e estantes cheios de livros cujos títulos queriam obrigar-me a ser optimista, a olhar a vida com olhos esperançosos, a despertar energias positivas e outras bizarrias do género.

Saio de lá e encontro uma amiga que, rapidamente, diagnostica que estou muito em baixo. Claro: eu, já no meu estado normal, não sou nada que se aproveite quanto mais de nariz fungante, olhos lacrimejantes e olheiras indisfarçáveis. Nem me deu tempo de lhe chamar a atenção para o meu estado clínico, de imediato, levantou voo numa prelecção sobre a importância do pensamento fofinho num mundo desumanizado, ou qualquer outra coisa dentro dessa linha, porque, a certa altura, deixei de a ouvir.

Consegui, finalmente, chegar junto dos dióspiros enquanto tentava encetar um raciocínio. Há uma agressão permanente, feita de forma pouco subtil, ao ser pessimista. No meu caso, enfim, há um pessimismo transitório. Um pessimismo que, quer parecer-me porque também não sei tudo a meu respeito, vive das circunstâncias, mormente da minha apetência pela exposição às correntes de ar porque o fresquinho sabe tão bem. Mas, e quem é intrinsecamente pessimista? Não terá direito à fruição da descrença e da amargura sem ser permanentemente questionado pelos teóricos do vamos-ser-todos-felizes, armados de frases feitas?

Num café à beira da estrada...

Carlos Barbosa de Oliveira, 25.02.10

Depois de ouvir  Paulo Rangel (e o seu mandatário Mário David) denegrir o nome de Portugal  no PE e depois da intervenção miserável de MFL, ontem, num almoço com a câmara de comércio luso- francesa, pergunto-me qual será a vantagem para o povo português de trocar o PS pelo PSD.
A pergunta ganha mais sentido quando falo com esta gente alentejana e estremenha, alheia ao que se vai passando na AR (com excepção da cena circense de uma t-shirt protagonizada por um tipo que gosta de escrever sobre palhaços). Para além dos problemas que vai sentindo no bolso e no estômago, o que preocupa esta gente não são as discussões sobre quem governa, mas sim se o modo como governa  lhes assegura um futuro melhor. 
Paro num café de estrada quando a noite começa a cair. Há rostos fixos no televisor, sorvendo as imagens da tragédia da Madeira. São rostos de desalento, onde está estampada a solidariedade com a dor dos madeirenses. Quando o pivot começa a falar do caso Face Oculta e das audições na AR, os homens  pedem cervejas e voltam a jogar às cartas. As  mulheres saem em debandada.  Sou agora o único atento ao televisor. Ouço alguém dizer atrás de mim. “Isto agora já só vai dar notícias para os gajos de Lisboa”.
Pois é…  a maioria dos “gajos de Lisboa” ainda não percebeu a origem e os interesses que se escondem por trás  dos  ataques ao PS e a Sócrates.
 

Uma lição de vida

Carlos Barbosa de Oliveira, 10.02.10

Ontem, numa dessas escolas da vida cujas portas se escancaram para quem quiser entrar, aprendi uma lição que não vou esquecer, porque sempre é melhor estar avisado para as surpresas  que podemos encontrar nas curvas apertadas que se nos deparam no caminho.
Resumindo, a lição foi esta:
Se, numa empresa, um teu colega se disfarçar de cliente e, sob a capa do anonimato, enviar uma  carta para o chefe e outros colegas a caluniar-te, isso é liberdade de expressão.

Se estiveres à conversa com um grupo de colegas, em tua casa ou à mesa do café e, com frontalidade, lhes disseres que não concordas com a estratégia  deles, isso é traição. Logo, a tua frontalidade deve ser alvo de crítica.
A gente aprende cada coisa na vida!
Na próxima semana vou a uma escola chinesa. Não vou lá para denegrir os portugueses. Espero, apenas, aprender lições sobre liberdade de expressão.
Até lá, fico com esta belíssima crónica de um Mestre. Com ele, sim, aprendi grandes lições de vida. Para ele, a democracia e a liberdade de informação nunca foram apenas um jogo de bastidores.

Recordar é viver

Carlos Barbosa de Oliveira, 05.02.10

Os jornais também servem para avivar a memória. Principalmente de uns quantos que a usam com filtro selectivo,  por onde apenas  passa a informação que o neurónio partidário  regista.
Noutro local onde a canalha anónima e heterónima, que à falta de argumentos recorre à difamação  e à calúnia, não entra  (não sou  tão magnânimo  como alguns companheiros do DO  e corto o pio  a quem  não se sabe comportar  e recorre sistematicamente à calúnia)  já aludira a dois dos casos que aqui são recordados. Esta crónica lembra mais uns quantos, sendo  a sua leitura especialmente  aconselhada a todos aqueles que reduzem a democracia e a liberdade de expressão a uma questiúncula futebolística.  Não creio que o seu comportamento mude, mas sempre lhes fará bem a leitura para perceberem como são ridículos.

Já agora, também podem ler o Vasco Pulido Valente


Adenda:  O maior erro de quem pretende manter o anonimato é utilizar, na escrita, frases que são a sua imagem de marca na oralidade. Outro,  é deixar vestígios que permitam seguir-lhe o rasto, até ser identificado.  

Fábricas de estrelas

Carlos Barbosa de Oliveira, 10.01.10

A propósito deste post da Ana, escrevi um comentário aludindo ao facto de muitas estrelas do mundo do desporto e do espectáculo terem sido sujeitas, pelos pais, a trabalhos forçados para atingirem o estrelato. Falei do caso específico do ténis feminino, onde abundam os exemplos  de pais tiranos que condicionam o futuro dos filhos em prol da sua própria vaidade. Poderia também ter feito referência aos regimes de Leste, onde o Estado fabricava estrelas – nomeadamente na ginástica, natação e atletismo.
Hoje, ao ler na “Pública” excertos da biografia deste homem, fui obrigado a reflectir sobre outras questões, que seriam pertinentes, não se desse o caso de vivermos numa sociedade onde a ideia de lucro parece tudo justificar.

A verdadeira "silly season" (revisited)

Carlos Barbosa de Oliveira, 22.12.09
 
Detesto o mês de Dezembro. Dias curtos, frios e chuvosos significam, para mim, a antítese da felicidade. Diria mesmo, a antítese da Vida...
Depois há aquela euforia da época natalícia, quando rostos com esforçados sorrisos de plástico transportam sacos a abarrotar de prendas, num frenesim patético. E há as "Festas" que tantas vezes me fazem lembrar o palhaço que procura enganar a tristeza que lhe vai na alma, com uma piada que faça sorrir uma criança.