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Delito de Opinião

Mitch e Cam, perdoem-lhes que não sabem o que fazem

Marta Spínola, 14.03.14

Há umas horas deixei fugir um post que não pertencia aqui, peço desculpa. Está reparado e o post no devido lugar. 

Comentei eu há dias que gostava de poder fazer posts não políticos aqui no Delito e logo o post seguinte aborda uma questão política. Não a politizarei no entanto. Falo da co-adopção entre casais do mesmo sexo, não aprovada hoje. 

Não que eu seja chamada ao assunto, mas não tenho problema em assumir que sou a favor, sendo que acho que devia mesmo estar entre os direitos das crianças ter duas pessoas responsáveis por si. Mas adiante que não era isso que eu queria cá deixar. 

Costumo referir Cam e Mitch, o casal de Modern Family que tem uma filha adoptiva. É claro que eu não sei - nem sei se no guião constará - em que condições está adoptada a Lilly, nem é por isso que os menciono. Costumo dizer que se toda a gente os conhecesse, repensaria as suas convicções sobre o assunto. Porque há muita gente que funciona assim, se simpatiza na tv, mais facilmente simpatizará na vida. Conheço pessoas que pensariam "tal qualmente" assim, juro. As mesmas que perante o chumbo dirão "ainda bem, é melhor assim. Faz-me um bocadinho de confusão ainda, sabes?".

 

São estas pessoas que me fazem sentir a Mafalda na tira em que a Susaninha, que esteve a ler títulos de jornais horrendos, diz "Sabes, estive a ler como sou boazinha".

Obrigada TC

Patrícia Reis, 19.02.14

Tribunal Constitucional chumbou o putativo referendo relativo à co-adopção. Tenho um casal amigo, gay, que adoptou um miúdo maravilhoso. Interrogo-me se os meninos da jota do psd pensavam que, com o referendo, estas crianças entregues a casais gays seriam devolvidas, tipo objecto da Fnac. Nestes tempos tão estúpidos, haja algum bom senso.

Não me comprometam

Sérgio de Almeida Correia, 29.01.14

 

Das decisões possíveis sobre a borrada que o PSD aprovou relativamente à co-adopção e à adopção por casais homossexuais, o Presidente da República optou pela mais cómoda: enviar o assunto para o Tribunal Constitucional. Ao fazê-lo, em vez de pura e simplesmente rejeitar o que lhe foi enviado, Cavaco Silva dá o sinal de que admite contemporizar com tal borrada, matando de vez o instituto do referendo. Não podendo despachar para "consideração superior" a apreciação política do que lhe foi proposto, atirou para os senhores juízes o ónus da apreciação jurídica, como se esta se pudesse sobrepor àquela e aliviar as suas dores. Ainda que lhe desse jeito confundir o seu papel com o do órgão de fiscalização da constitucionalidade, isso jamais acontecerá. A opinião pública não é tão estúpida quanto normalmente a pintam. No fim, o espírito de funcionário voltou a impor-se. E, com este, o Presidente da República assumiu definitivamente o estatuto de Américo Thomaz da democracia.

Brincadeira de garotos

Pedro Correia, 21.01.14

 

O volte face no Parlamento que levou à suspensão do processo legislativo sobre a co-adopção para dar lugar a uma proposta de referendo sobre o mesmo tema criou a percepção, junto da opinião pública, de que cabe hoje aos oito deputados da Juventude Social-Democrata a definição da linha política no PSD. Isto só pode ocorrer por quebra de autoridade do líder do partido, agravada pelo défice de coordenação política no Governo.

Pedro Passos Coelho anda obcecado com as finanças públicas, desvalorizando tudo o resto, o que abre um espaço de desproporcionado protagonismo aos jotinhas. Os resultados estão à vista: a táctica predomina sobre a estratégia e a aposta em irresponsáveis efeitos mediáticos de curto prazo sobrepõe-se aos sérios desígnios de longa duração, criando problemas de credibilidade política e de coesão interna bem patentes na chuva de declarações de voto que se seguiram à votação parlamentar da passada sexta-feira, da qual o PSD saiu mais desunido do que entrou. E com o seu património de respeito pela liberdade individual seriamente afectado pela absurda imposição da disciplina de voto numa questão em que os deputados devem obedecer apenas à sua consciência.

 

Alguém imaginaria, no longo consulado de Cavaco Silva como líder laranja, que este cedesse a iniciativa à JSD então chefiada por Passos Coelho em questões de especial relevância política?

É óbvio que não.

E a atenção de Cavaco não se dispersava menos pelas questões económicas do que sucede com o actual primeiro-ministro. Só não havia o défice de liderança que hoje existe no maior partido do Governo.

 

Tão lamentável como tudo o resto foi a luz verde dada no interior do PSD à proposta de referendo sem a existência de consultas prévias ao parceiro de executivo, contrariando a letra e o espírito do acordo que originou a coligação. O CDS pôde assim lavar as mãos deste imbróglio, deixando os sociais-democratas isolados na sua incompreensível obstinação de abortar um processo legislativo, pouco antes da respectiva votação em sede parlamentar, para desencadear um referendo que nunca constou do seu programa eleitoral.

Algo ainda mais surpreendente por vir de um partido que foi vinculando Portugal a sucessivas etapas da construção europeia sem nunca ter auscultado os portugueses em referendo, como se impunha.

 

Este episódio trouxe ainda à superfície alguns dos piores vícios da democracia portuguesa, bem patentes nas reacções de pura hipocrisia de certos deputados sociais-democratas que se mostraram contra a proposta de referendo na Assembleia da República sem antes terem apresentado qualquer objecção na reunião da Comissão Política Nacional laranja que deu parecer unânime à iniciativa.

 

É fácil prever o desfecho de tudo isto: Cavaco Silva - no uso da prerrogativa que lhe é concedida no artigo 115º da Constituição da República e no artigo 34º da Lei Orgânica do Referendo - inviabilizará o referendo, gesto que lhe valerá os aplausos generalizados da esquerda e de alguma direita genuinamente liberal sem custos políticos de qualquer espécie, pondo fim a esta espécie de brincadeira de garotos que nos diz muito sobre aquilo em que o PSD se transformou.