O volte face no Parlamento que levou à suspensão do processo legislativo sobre a co-adopção para dar lugar a uma proposta de referendo sobre o mesmo tema criou a percepção, junto da opinião pública, de que cabe hoje aos oito deputados da Juventude Social-Democrata a definição da linha política no PSD. Isto só pode ocorrer por quebra de autoridade do líder do partido, agravada pelo défice de coordenação política no Governo.
Pedro Passos Coelho anda obcecado com as finanças públicas, desvalorizando tudo o resto, o que abre um espaço de desproporcionado protagonismo aos jotinhas. Os resultados estão à vista: a táctica predomina sobre a estratégia e a aposta em irresponsáveis efeitos mediáticos de curto prazo sobrepõe-se aos sérios desígnios de longa duração, criando problemas de credibilidade política e de coesão interna bem patentes na chuva de declarações de voto que se seguiram à votação parlamentar da passada sexta-feira, da qual o PSD saiu mais desunido do que entrou. E com o seu património de respeito pela liberdade individual seriamente afectado pela absurda imposição da disciplina de voto numa questão em que os deputados devem obedecer apenas à sua consciência.
Alguém imaginaria, no longo consulado de Cavaco Silva como líder laranja, que este cedesse a iniciativa à JSD então chefiada por Passos Coelho em questões de especial relevância política?
É óbvio que não.
E a atenção de Cavaco não se dispersava menos pelas questões económicas do que sucede com o actual primeiro-ministro. Só não havia o défice de liderança que hoje existe no maior partido do Governo.
Tão lamentável como tudo o resto foi a luz verde dada no interior do PSD à proposta de referendo sem a existência de consultas prévias ao parceiro de executivo, contrariando a letra e o espírito do acordo que originou a coligação. O CDS pôde assim lavar as mãos deste imbróglio, deixando os sociais-democratas isolados na sua incompreensível obstinação de abortar um processo legislativo, pouco antes da respectiva votação em sede parlamentar, para desencadear um referendo que nunca constou do seu programa eleitoral.
Algo ainda mais surpreendente por vir de um partido que foi vinculando Portugal a sucessivas etapas da construção europeia sem nunca ter auscultado os portugueses em referendo, como se impunha.
Este episódio trouxe ainda à superfície alguns dos piores vícios da democracia portuguesa, bem patentes nas reacções de pura hipocrisia de certos deputados sociais-democratas que se mostraram contra a proposta de referendo na Assembleia da República sem antes terem apresentado qualquer objecção na reunião da Comissão Política Nacional laranja que deu parecer unânime à iniciativa.
É fácil prever o desfecho de tudo isto: Cavaco Silva - no uso da prerrogativa que lhe é concedida no artigo 115º da Constituição da República e no artigo 34º da Lei Orgânica do Referendo - inviabilizará o referendo, gesto que lhe valerá os aplausos generalizados da esquerda e de alguma direita genuinamente liberal sem custos políticos de qualquer espécie, pondo fim a esta espécie de brincadeira de garotos que nos diz muito sobre aquilo em que o PSD se transformou.