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Delito de Opinião

Aquilo aconteceu mesmo?

João André, 09.08.14

 

Um mês mais tarde, volto ao momento do último mundial de futebol que mais perdurará na memória colectiva. Daqui por 4 anos estaremos a perguntar se alguém repetirá aquele resultado. Daqui por 8 anos perguntar-nos-emos se a dor terá diminuído. Daqui por 16 anos falaremos no jogo que trará a vingança. Daqui por 32 escrever-se-à, no momento da final, que é o momento de exorcisar a memória, a dor e a humilhação.

 

Não será possível. Aquilo não sucedeu senão num momento de alucinação colectiva. Um,... dois, três-quatro-cinco; ...; seis, ..., sete; ... um? Foi certamente um exercício de virtuosismo técnico durante a transmissão. Dentro de meses seremos informados que George Lucas e James Cameron testaram um novo sistema de realidade virtual em directo e que o verdadeiro jogo foi decidido apenas no prolongamento. Ou que a Glaxo-Smith-Kline fez o melhor product placement na história da publicidade demonstrando os efeitos secundários do seu medicamento que cura o cancro. O que saberemos é que não existiu aquele resultado. Não importa quantas pessoas o jurem a pés juntos.

 

Vi o jogo - ou o embuste - num bar na Alemanha. Eu tinha escolhido o meu lado. Ou melhor, o lado a que me opunha, com o seu vilão de pantomina. Deveria ter sido o meu primeiro sinal de alarme. No final do jogo escolheu-se o sósia de Sideshow Bob como o principal responsável, mas nos primeiros 20 minutos de jogo o lado esquerdo da defesa aparentava ser território de outro personagem de cartoons: Will E. Coyote. E os atacantes, fossem eles quem fossem, eram o nosso Roadrunner preferido, aprintando com gusto em direcção ao infinito, com todo o espaço do deserto à sua disposição. Avançando, rindo e tendo tempo para despachar uns bip-bip irónicos. Ou seriam, se não falássemos de gente profissional, que não queria humilhar tanto.

 

A minha escolha do bar foi simples: tinha wlan grátis e eu precisava dela para fazer uma chamada por skype. Comecei-a por volta dos 5 minutos de jogo e foi interropida aos 11 pelos primeiros festejos. No pasa nada, é só barulho, continuemos, mesmo que com um olho na chamada e outro no ecrã gigante. Aos 23 minutos nova interrupção e aos 24 outra. Decidi parar a chamada porque havia algo de estranho a suceder. Aos 26 minutos volta ao mesmo. Ou seria de facto o mesmo? Era igual ao anterior. Repetição? Não pode ser, a informação não deixa dúvidas. Mais uns minutos e os festejos acontecem pela quinta vez. Mas não são verdadeiramente festejos porque os alemães ainda não tinham parado os anteriores e, como nos filmes em que os gags se sucedem, a certa altura pouco mais que um sorriso há, devido à exaustão.

 

A meio havia uma certa sensação de estranheza. Havia quem quisesse ir para casa. Não havia forma de dar a volta e certamente que o resto nunca corresponderia às expectativas do que se tinha visto. Outros apostavam num colapso ainda mais prolongado e falta de piedade: a coisa iria para dois dígitos. O Facebook e o Twitter estavam cheios de piadas. Algumas eram obviamente recicladas, outras eram simplesmente óbvias ("muda aos cinco e acaba aos dez"...). Claro que ninguém arredou pé. Havia uma necessidade de confirmação colectiva do milagre. Era como um milagre do sol testemunhado por muitos mas ao contrário. Aqui tinha mesmo sucedido mas ninguém parecia acreditar nele.

 

A segunda parte começou com uma tentativa de mudar as coisas. Não sei, ninguém sabia, se eles acreditavam na reviravolta ou queriam somente salvar o orgulho (creio que eles próprios o saberiam, seria apenas instinto). Insistia-se no flanco esquerdo que tinha sido a razão da destruição na primeira parte e desta vez as cavalgadas suicidas eram melhor ancoradas. Ia resultando, mas era também um pouco fogo de vista. Os alemães estavam tranquilos (talvez de mais) e o triplo jogador mais recuado chegava para as falhas de concentração.

 

No bar crescia a frustração e a irritação. Queriam mais. Via-se que apesar de estar melhor, se estava a um erro de novo desmoronar. Havia uma certa passividade no ataque. Já se estavam a poupar para a final, indicavam alguns, mas sempre sem esconder uma irritação. Todos queriam o título, mas aquele era o momento de fazer algo mais, de deixar uma marca que fugisse ao estereótipo da eficácia dos títulos anteriores, que acabara ofuscada pelo brilhantismo de duas gerações e pelo péssimo mês de Junho de 1990.

 

A certa altura há um que se liberta, fica livre e, isolado, atira ao lado. Enorme "ooohhhh" colectivo e frustração absoluta. É como se tivesse perdido a oportunidade de decidir o torneio. Há irritação, fúria mesmo. Coloco a mão no ombro de um alemão numa mesa vizinha e faço-lhe ver a realidade do resultado (sê-lo-ia mesmo?, real?). Sorriu embaraçado, como se tomasse consciência do ridículo.

 

O último festejo proporciona uma espécie de libertação. Os anteriores tinham resultado de simplicidade e eficácia (ai os clichés), de qualidade geral mais que de brilhantismo individual. O final proporcionou o momento que outros podem relembrar no jogo. Um momento de beleza. Já mesmo no fim, quando a concentração falha no último momento, a sensação é curiosa, quase de alívio. Há um ou outro que arrisca dizer a palavra "consolação", mas engole-a rapidamente. Não é uma consolação, é essencialmente uma certa patina de realidade na alucinação. O hiper-competitivo triplo jogador está furioso mas é quase o único. Para todos os outros é necessário ver tal golo para que a realidade assente. É o momento de pausa antes do fim que torna o apito final inútil.

 

No fim do jogo há sorrisos no bar, mas são quase redundantes. Havia medo de ver um jogo ir a prolongamento. A diferença horária é grande e isso obrigaria a ir para a cama depois da meia-noite, uma hora mais tardia na Alemanha que em Portugal. Nas ruas há uns carros a apitar, mas respeitosamente e sem enorme entusiasmo. O resultado não assentou bem, não é verdadeiramente real. Há quem comente que no dia seguinte irão ser informados que se tratava de um grupo de sósias e que é necessário repetir tudo. Toda a gente sabe que é piada, mas ninguém se ri verdadeiramente. É como se fosse possível. Se sete-a-um-ao-Brasil-no-Brasil-nas-meias-finais-do-mundial é possível, então o conceito de realidade modifica-se. Num país onde os filósofos nacionais são venerados, a noção de realidade é mais que uma definição, é uma necessidade.

 

Estou para sair quando alguém comenta que se bateu o recorde de golos em mundiais. Toda a gente se olha entre si e sorri embraçada. Quando surgiu o golo decisivo toda a gente festejou duplamente: a vantagem alargada e o marco histórico. Com a avalanche que se seguiu o momento ficou esquecido. A realidade desse momento ficou diluída naquele momento de embaraço. No país onde a culpa do Holocausto é ensinada e cultivada até à exaustão, este massacre assumiu outros contornos. Se Nélson Rodrigues chamou ao Maracanazo o momento Hiroxima do Brasil, este terá sido o Holocausto. Tal como no anterior, os alemães comuns tiveram dificuldades em acreditar nele.

 

Aquilo aconteceu mesmo?

 

PS - este texto foi inspirado por este. Incentivo a sua leitura, tal como outros textos do mesmo autor. É sempre mais que apenas futebol.

Mundial no sofá (15)

João André, 11.07.14

O jogo para atribuição dos 3º e 4º lugares (JATEQL) é um aspecto curioso dos mundiais. Existirá provavelmente apenas para "encher chouriços", vender mais uns bilhetes e aumentar o custo dos direitos televisivos. Nalguns países chamam-lhe "jogo de consolação", noutros "pequena final". Regra geral as equipas que o jogam têm muito pouca vontade de o fazer. Depois de perderem 7-1 (Brasil) ou nos penaltis (Holanda), acredito que haja pouca vontade de adiar as férias.

 

Por outro lado é muitas vezes dos jogos mais interessantes que se podem ver num mundial. Depois das fases de grupos, as equipas tendem a fechar-se mais (um golo significa muitas vezes a eliminação) e os jogos tornam-se menos interessantes. No JATEQL as selecções não têm nada de especial a perder, pelo que decidem jogar com suplentes não utilizados. Estes, podendo finalmente jogar pela primeira vez no mundial, esforçam-se mais que os titulares e dentro de uma certa liberdade táctica que acaba por lhes ser concedida pelos treinadores. O resultado acaba por ser normalmente um jogo interessante.

 

Claro que o elemento de motivação continuará a ser importante. A equipa mais motivada ganha quase sempre. Quando ambas estão igualmente motivadas então ganha aquela que, no papel, é melhor. Entre o jogo do Brasil e Holanda ficará por saber se Scolari deixará os suplentes jogar e em que estado anímico estes estarão. Dos holandeses não espero muito entusiasmo. Estarão já a pensar nas férias e na final que não atingiram. Os brasileiros poderão muito bem ter um apoio completo do público e embarcar para uma vitória.

 

Não creio que as tácticas venham a ser muito importantes, especialmente se jogadores menos utilizados jogarem de início. Terão obviamente importância, mas apenas relativa. A motivação decidirá mais. E aqui, repito, vejo o Brasil a ter vantagem. Afinal de contas, ainda estão em casa.

Mundial no sofá (13)

João André, 09.07.14

 

Alemanha 7 - 1 Brasil

 

Escrever o resultado acima é um exercício estranho, algo surreal. É o tipo de resultado que imaginaríamos Dali a colocar num hipotético quadro com futebol em pano de fundo, num hipotético filme sobre futebol de Buñuel ou num hipotético poema de Llorca.

 

Analisar o jogo é difícil, uma vez que vimos uma tempestade perfeita. Os alemães foram perfeitos técnica e tacticamente, foram impiedosos e brutais. Os brasileiros foram um desastre nos mesmos aspectos e poderiam ter saído com mais, muitos mais, golos sofridos (e mais umas expulsões ainda cedo na primeira parte).

 

O primeiro aspecto, o táctico, e onde eu creio que o Brasil perdeu o jogo. A Alemanha, como escrevi várias vezes, jogou sem ala esquerda. Por outro lado tinha uma ala direita que assustava: não só Lahm andava por esses lados como também era o território de Müller e tinham o apoio frequente de Khedira. Misteriosamente, em vez de dar ordens à sua equipa que canalizasse o ataque pelo lado direito, Scolari parece ter decidido o oposto: deu ordens a Marcelo que avançasse sem medo.

 

No papel a ideia não era disparatada. Atacando e pressionando o lado direito alemão seria uma forma de o manter sossegado e as subidas de Marcelo podiam então compensadas por Luís Gustavo. Na realidade foi um desastre de proporções inacreditáveis. Lahm aguentou firme, recebeu apoio de Khedira e Müller e, com Luís Gustavo deslocado para a esquerda, Schweinsteiger e Kroos ficaram à vontade tendo pela frente apenas Fernandinho. O resto foi diversão, com os comentários no Facebook ao intervalo a serem suficientes para uma antologia.

 

Três notas extra apenas:

 

1. Thiago Silva demonstrou com a sua ausência que não é o defesa mais espectacular que é importante. É o outro, o mais calmo, concentrado e inteligente. A parceria Puyol/Piqué já o tinha demonstrado vezes sem conta. Para quem precise de mais material basta ver jogos italianos entre 1985 e 2000, especialmente com Baresi, Nesta, Costacurta, Maldini ou Cannavaro. Está lá tudo.

 

2. A ausência de Neymar não fez muita diferença. Já não tinha feito muito nos últimos jogos e não faria muito neste. O resultado, com ele e Thiago Silva, não seria tão desnivelado, certamente (o mesmo jogo amanhã não seria tão desnivelado), mas não mudaria muito. Já as constantes referências a ele apenas relembraram a equipa que estava sem o talismã. Aqui Scolari terá ido longe demais com o jogo psicológico.

 

3. Kroos ainda não renovou pelo Bayern de Munique. Quer 12 milhões por ano, o mesmo que recebem Lahm e Müller. O Bayern oferece 7. Pelo que temos visto neste mundial, se ele sair do clube, aquele que lhe pagar 12 provavelmente ficará convencido que ficou com a pechincha do século.

Mundial no sofá (11)

João André, 06.07.14

 

Brasil 2 - 1 Colômbia

 

Lamento imenso a lesão de Neymar: porque é relativamente grave, porque nos priva de um dos melhores (e mais excitantes) jogadores do mundo e porque desvia a atenção do resto do jogo. A falta foi dura e faltou o amarelo para Zuñiga, sem qualquer dúvida. Também não foi pior (se bem que sem dúvida mais azarada) que muitas que sofreu James Rodriguez. Fernandinho, especialmente, descobriu a forma para fazer faltas repetidamente sem ver o amarelo. Poderia ter visto uns 3. Dois por fazer faltas repetidamente e outro por uma falta duríssima sobre James Rodriguez que só por sorte não o deixou a ele lesionado. Thiago Silva foi outro a quem foi poupada uma expulsão, dado que fez uma falta que tinha que dar amarelo ainda antes daquela asneirada com Ospina.

 

E repetiu-se o que eu tinha esperado. A táctica de Scolari do ponto de vista defensivo foi fazer faltas sobre Rodriguez e vigiar Cuadrado de perto. Este, sem o serviço de Rodriguez, torna-se muito menos influente. Espantou-me que Pekerman tivesse esperado tanto tempo para fazer entrar Quintero quando este poderia ter libertado Rodriguez de tanta atenção brasileira (ou beneficiado dela). Foi pena isto, porque pela primeira vez neste mundial Scolari decidiu atacar. E fê-lo pelo caminho mais simples: deixou de enfiar Óscar no flanco e este passou a exercer muito mais influência no jogo. A entrada de Maicon também foi decisiva para isto (Óscar deixou de ter de passar o tempo a servir de pronto-socorro a Daniel Alves), além disso ofereceu um duelo fabuloso: Maicon-Armero.

 

No geral o Brasil conseguiu ser melhor, embora com enorme ajuda da arbitragem (como tem sido norma neste mundial). Sem Neymar, fica por saber se Scolari regressa ao que conhece (porrada neles) ou opta por arriscar, deixando Fred no banco e fazendo entrar Bernard e Willian, deixando Hulk como ponta de lança móvel. Gostaria imenso de ver esta alternativa, mas bem posso esperar sentado - no sofá.

 

 

 

Alemanha 1 - 0 França

 

Löw surpreendeu-me. Não esperava que decidisse colocar Lahm à direita e fizesse entrar Khedira. Fazendo-o ajudou a neutralizar o meio campo francês e reduziu as possibilidades de ataque pela esquerda francesa. Com a entrada de Griezmann Deschamps fez um favor aos alemães. Griezmann foi constantemente batido em força e experiência pelos alemães e Valbuena ficou dividido entre andar pela esquerda para o ajudar ou ir para a direita para dar equilíbrio à equipa. Não optar por Sissoko, especialmente ao longo do jogo, tornou-se ainda mais estranho considerando que a Alemanha mantinha apenas Özil e Höwedes no lado esquerdo. Esta opção era também estranha uma vez que Klose alinhava a ponta de lança e precisa de serviço, especialmente a partir das alas, para ser efectivo.

 

O resultado foi um jogo pouco interessante. A Alemanha era forte no flanco onde a França era fraca. A França não aproveitava o flanco onde a Alemanha poderia ser atacada. Sempre que Valbuena descaía para a direita, o resultado é que a França ficava sem elemento de ligação entre meio campo e ataque. Na batalha do meio campo, a qualidade e versatilidade do trio de Kroos, Khedira e Schweinsteiger acabava por fazer a diferença perante Cabaye, Pogba e Matuidi.

 

No fim, um simples golo de bola parada bastou para fazer a diferença. Depois disso houve simples equilíbrio. Um jogo aborrecido e uma vitória merecida da Alemanha que marca assim encontro com o Brasil.

 

 

Holanda 0 - 0 Costa Rica

 

O jogo mais desequilibrado dos quartos de final acabou por ser o único que foi a penalties. A Holanda avançou para um sistema de 4-3-3, sabendo que a Costa Rica apresentava pouco perigo no meio campo e canalizava o seu jogo pelos flancos através dos laterais ofensivos Gamboa e Díaz. Optando por alas clássicos, van Gaal obrigou-os a ficarem em posições mais defensivas e reduzia a ameaça ofensiva costa-riquenha. A única solução passava por bolas longas para Joel Campbell e Bryan Ruiz, as quais eram facilmente defendidas pelos centrais holandeses.

 

No ataque, os holandeses foram aproveitando a defesa alta costa-riquenha e colocando imensas bolas nas costas para Depay e van Persie. Na segunda parte a defesa costa-riquenha acertou com o timing de subida e usou melhor a armadilha do fora de jogo. Não fossem no entanto os muitos falhanços de van Persie e a exibição de Navas e o jogo teria acabado por volta dos 65 minutos da segunda parte.

 

Os costa-riquenhos, no entanto, souberam manter a calma, defender heroicamente a acabaram por merecer a ida aos penalties. Aqui eu esperava que a confiança costa-riquenha levasse a melhr perante a frustração holandesa, mas uma combinação de excelentes penalties e do trabalho de Tim Krul deu a passagem aos holandeses. Vale a pena realçar a decisão de van Gaal em colocar Krul para os penalties. Krul é um especialista e a decisão deu também confiança aos marcadores holandeses. Funcionou e van Gaal cimentou ainda mais a sua aura de melhor treinador e táctico deste mundial.

 

 

Argentina 1 - 0 Bélgica

 

Tive pena pelos belgas, mas não segui decentemente o jogo, por isso não o comentarei. Fora isso, estou curioso por ver o jogo com a Argentina.

Mundial no sofá (10)

João André, 03.07.14

Antevisão dos quartos de final, parte 1.

 

Alemanha - França

 

Este é o duelo que vai ser mais interessante. É o único entre duas equipas que se preocupam mais com jogar futebol do que em interromper o adversário. Será também o duelo mais imprevisível do ponto de vista táctico. Deschamps tem alternado a composição do meio campo de acordo com o adversário. Contra a Nigéria jogou num híbrido de 4-3-3 e 4-3-1-2 que não resultou até Griezmann entrar. No jogo contra a Alemanha não imagino Griezmann a jogar de início, mas é muito provável que Deschamps aposte em Moussa Sissoko para apoiar o lado direito e permitir as subidas de Débuchy. Do lado esquerdo deverá apostar nas subidas de Matuidi e, talvez, de Evra, que provavelmente não terá alas fixos que o ocupem. Além disso, um meio campo Sissoko, Pogba e Matuidi, apoiados pelos passes e posicionamento mais defensivo de Cabaye, terá enorme flexibilidade táctica.

 

Do lado alemão a grande questão passará pelo nome do jogador para ocupar o lado direito da defesa. Hummels deverá regressar depois da gripe que o impediu de jogar contra a Argélia (outros jogadores estarão neste momento com sintomas) e fica por saber se Löw opta por recolocar Boateng do lado direito ou se prefere fazer entrar Khedira e recolocar Lahm (Boateng deverá sempre jogar, seja onde for). A opção mais provável, assumindo que Hummels está bem, será um regresso ao estilo habitual, com Boateng na direita e Lahm no meio campo. Se assim for, e se Schweinsteiger jogar de início, o meio campo alemão bem se poderá ressentir da falta de força física, sendo que o tipo de arbitragem terá grande influência (será à inglesa ou parará o jogo por tudo e por nada?).

 

Pessoalmente vejo este jogo como acabando com uma vitória francesa que só exibições individuais fantásticas dos alemães poderão evitar. Se assim for, Löw perderá certamente o lugar.

 

Brasil - Colômbia

 

Um jogo para os românticos. O eterno Brasil contra a cinderela deste mundial. O problema é que este Brasil não é nenhum representante do "jogo bonito". O onze inicial brasileiro será desconhecido (entra Paulinho?, Fernandinho?, Ramires?) mas a táctica será óbvia: interromper o jogo com faltas sempre que a bola chegue aos pés de (especialmente) James Rodriguez e Cuadrado. Depois é uma questão de a dar a Neymar e esperar que ele resolva. Uma outra questão táctica será a de saber se Scolari jogará com Neymar na esquerda ou pelo centro. Na esquerda ele daria liberdade a Óscar (que está visivelmente cansado) e poderia controlar melhor as subidas dos laterais (essenciais para dar largura ao jogo de uma Colômbia em 3-5-2). No centro ele segue a táctica habitual de Scolari para o mundial e Óscar, que é melhor a defender, terá como missão ser mais defensivo. Uma alternativa seria a entrada de Willian, que trabalha imenso e está em forma, mas Scolari não gosta muito de se desviar dos planos que tem (eu prefiro dizer que é teimoso).

 

Gostaria de prever uma vitória da Colômbia e espero que assim seja, mas as tácticas de Scolari (que têm tido algum apoio de árbitros um pouco caseiros) e o apoio do público, bem como a presença de Neymar, poderão mudar as coisas.

Mundial no sofá (8)

João André, 30.06.14

Vi pouco futebol nos últimos dias, mas fica aqui a reflexão, especialmente sobre a saída de Portugal.

 

Portugal - Gana

Tacticamente, do meu ponto de vista, Paulo Bento não fez grandes asneiras. No papel Veloso seria a melhor opção para o lado esquerdo da defesa, de forma a poder subir no corredor e fazer cruzamentos de pé esquerdo e tentar aproveitar a fraqueza dos centrais ganeses. As suas subidas seriam compensadas pelo posicionamento de Ruben Amorim, que cobriria as suas costas. No lado direito João Pereira não precisaria de subir tanto, uma vez que Nani seria um extremo teoricamente mais clássico. William Carvalho funcionaria como médio mais recuado, como segurança defensiva (Quinito chamou em tempos a essa posição "líbero do meio campo").

 

No papel nada a apontar, o problema é que o futebol se joga no campo. Veloso estava obviamente sem ritmo, Nani não existiu durante 85 minutos (cada vez que passava a bola correctamente eu suspirava de alívio) e João Pereira também não anda bem. Aqui se viu a falta que Coentrão fez à equipa, tal como um segundo lateral para quem o pé esquerdo seja mais que para correr. Também se viu que Éder deve ser solteiro, bom rapaz e é esforçado, mas quem lhe viu qualidades de ponta de lança deveria passar pelo oculista. Igualmente que Varela deveria ter começado a ser titular ao segundo jogo, uma vez que em 30 minutos (bem espremidos entre 3 jogos) fez mais que Nani.

 

Isso quanto às escolhas e à táctica. Já quanto a Ronaldo, sinceramente, não lhe aponto nada. Falar-se-á mais do cabelo que do futebol, mas a verdade é que a quem aparece a 50% e ainda se esforça como ele se esforçou não se pode pedir muito mais. Tal como não se lhe pode pedir que seja o líder verdadeiro da equipa. Não o é, não tem temperamento para tal. Entreguem já a braçadeira a Moutinho, Patrício, William ou outro qualquer. Retirem esse peso a Ronaldo. É como se pedissem a Bruno Alves que se mexesse ou se concentrasse sem falhas por 90 minutos. Não funciona.

 

Habituemo-nos a isto. O próximo europeu não deve estar em causa, até porque será mais difícil a não qualificação. Mas as vacas emagreceram e muito.

 

Outras notas

Scolari continua o mesmo de sempre. Equipas unidas e com grande espírito, mentalidade de cerco, táctica básica e fé em um ou dois jogadores para resolver, e de resto porrada neles. Neste mundial ele beneficia disso, porque ninguém quer despachar o Brasil demasiado cedo. Mas, muito a contragosto, tenho que apontar que Scolari não tem sorte. Parece, mas não tem. Quem tem sorte tantas vezes e em momentos tão importantes não é sortudo: é alguém que procura esses acasos felizes. Nisso, tem muito mérito.

 

Tenho pena que o Chile tenha saído. Gostei do futebol deles, cheio de energia, feito de pressão e crença que podem derrotar qualquer um. Gostei do treinador, que corre tanto para cima e para baixo na área técnica que deve deixar um sulco no chão. Tenho pena que tenham saído.

 

Espero que se comece a notar que a Holanda não é das equipas mais interessantes do mundial. Poderão ganhar, mas a táctica pouco mais é que uma actualização mais sofisticada da de há 4 anos. Reconhecer que não tem uma boa defesa e compensá-la, porrada nos adversários para quebrar o ritmo e fé em Robben. Este é o facto decisivo: sem Robben a Holanda estaria já fora. As duas principais diferenças entre a Holanda e Portugal são Robben vs Ronaldo e Juventude vs Veterania. Claro que isso em muito deve a van Gaal.

 

Grécia está fora: é pena, gosto dos tipos, mesmo que o futebol seja chato. Costa Rica continua mais uma ronda: é agradável, mas a defesa subida deles deverá ser um gelado para o Robben nos quartos de final.

 

Hoje joga a Alemanha e não deverá ser desta que a Argélia exorciza 1982 e Gijón. No entanto ando à espera do momento em que a Alemanha impluda por causa de guerras internas entre jogadores. Está divertido: a Holanda faz o papel de Alemanha e a Alemanha de Holanda. O mundo de pernas para o ar: o mundial é no hemisfério sul.

Mundial no sofá (6)

João André, 22.06.14

E pronto, Portugal joga hoje. Não vi o jogo EUA-Gana por isso não posso fazer análises tácticas. Klinsmann não é dado a grandes tácticas, mas é excelente na motivação e preparação física. Os EUA têm alguns belos jogadores (Michael Bradley ou Clint Dempsey) e são muito dinâmicos. Se Portugal jogar a pastar como no primeiro jogo, o resultado não será bonito. Teremos que esperar para ver. Sei que não verei o jogo: não tenho televisão em casa e neste momento ando sem internet. Verei o resultado pela manhã.

 


 

O jogo de ontem demonstrou uma Alemanha muito permeável pelas alas. Löw levou mais laterais (Grosskreutz e Durm) mas não tem confiança neles, prefere os centrais. Fica sem largura e sofre contra jogadores energéticos e rápidos. O Gana, com mais experiência e calma, poderia ter vencido o jogo. Os alemães ainda são um dos favoritos, mas não impressionam. O jogo com Portugal acabou por ser tão simples que camuflou as deficiências existentes. Valha o sempiternamente anti-vedeta Miroslav Klose.

 


 

Entre os favoritos apenas a França me impressionou. Num mundial de velocidade e força, Matuidi, Pogba, Sissoko, Giroud, Benzema e Valbuena têm-se sentido como peixes na água. Falta-lhes um médio defensivo mais posicional, mas se Varane se mantiver bem e os laterais não cometerem erros, a França parece-me ser, até agora, o mais forte dos favoritos.

 


 

Não quero que a Nigéria seja eliminada. Não serão muito interessantes, mas têm o guarda-redes mais subvalorizado do torneio: Vincent Enyeama. Fosse ele mais alto (tem apenas 1,82 m) e europeu/sul-americano e seria sem dúvida considerado um dos melhores do mundo. Outro do género é o costa-riquenho Keylor Navas. Nos dias bons, é intransponível. Nos maus, até Diana Ross marcaria. Ainda no assunto da diversão, fiquemo-nos por Joel Campbell. Forte, rápido (joga em fast-forward), habilidoso e com excelentes decisões. O Arsenal tem ali uma jóia.

 


 

A Argentina desilude? Não faz mal. Tem Messi.

 


 

Tenho saudades de Ibrahimovic. Falta-me alguém com o seu carisma para este mundial ser ainda melhor. Mas tem sido extremamente divertido de ver.

Mundial no sofá (5)

João André, 20.06.14

 

E ao segundo jogo, nem uma semana decorrida, os campeões do mundo vão para casa. O Pedro apresentou uma razão para isso: a falta de sede de vitória. É uma observação crucial mas que me parece redutora. Claro que o Pedro concordará comigo quando eu digo que existiu uma combinação de efeitos, mas mesmo a simplificação com a falta de ambição não chega.

 

Vejamos: o estilo de futebol espanhol, o tiki-taka, é baseado na retenção de bolas e no passe curto entre os jogadores a meio campo. Esta é a explicação rápida. Mas é também um estilo de jogo que depende do passe rápido; da noção constante da própria posição da dos colegas; e depende aí do movimento constante sem bola, de forma a criar linhas de passe simples. O Pedro tem toda a razão quando refere a falta de desejo. Sem essa vontade de ganhar, de jogar com intensidade, os passes tornam-se preguiçosos e a movimentação mais lenta. Isso viu-se contra a Holanda. Outro factor que pesa imenso é a idade. Xavi e Xabi Alonso não estão novos e isso torna os minutos que levam nas pernas ainda mais pesados que no passado. Além disso parece óbvio que a condição física especialmente dos jogadores do Barcelona decaiu depois da saída de Guardiola, primeiro, e Villanova, depois.

 

O problema poderia ter sido parcialmente resolvido com sangue novo e outras tácticas. Infelizmente algum do sangue novo ficou lesionado (Thiago, Jesé Rodriguez) ou não foi seleccionado (Isco, Carvajal, Ander Herrera). Já do lado das tácticas, a única modificação feita por del Bosque foi a introdução de Diego Costa. Este parecia ser a resposta aos problemas da equipa espanhola, mas não chegou a ter tempo de se adaptar a um estilo completamente diferente daquele que jogou ao longo da época (possessão em vez de contra-ataque).

 

A renovação de que fala o Pedro foi sendo feita de fase final para fase final. De 2008 para 2010, a Espanha adicionou Busquets, Pedro, Piqué, Navas, Llorente, etc. Para o Euro 2012 a Espanha surgiu com um estilo diferente (efectivamente um 4-3-3-0) e adicionou Silva, Alba ou Mata à equipa. Para este mundial adicionou Azpilicueta (que não foi um upgrade em relação ao fiável Arbeloa) e Diego Costa. Certo que no banco estava, por exemplo, Koke, mas este sabia que a sua participação seria reduzida.

 

Por outro lado, depois da guerra qualquer um é general. Não era difícil de perceber a lógica de del Bosque ao confiar na velha guarda que tanto lhe deu a ganhar. Foi um erro, sem dúvida, mas é prematuro falar na morte do tiki-taka, tal como tenho lido e ouvido por muito lado. Uma das razões para esses comentários, para além da eliminação da Espanha, é o declínio do Barcelona e a forma como o Bayern foi destroçado pelo Real Madrid este ano. O problema desses comentários é que não percebem o oposto: o Bayern de Munique foi este ano destroçado não por tiki-taka a mais mas por tiki-taka a menos. No próximo ano poderemos estar certos que Guardiola vai fazer subir os níveis de posse de bola. Por outro lado, a adopção do estilo de retenção de bola por parte de tantas equipas (o próprio Chile, a Itália, o Liverpool e o Manchester City em Inglaterra) demonstram que este é o estilo preferido do momento. O facto de haver antídoto não é de espantar: as tácticas mudam ao longo dos tempos e os sistemas evoluem constantemente para poderem neutralizar os adversários e poderem acrescentar armas ao arsenal.

 

A Espanha vai certamente continuar a ser uma favorita em Europeus e Mundiais. Prontos para entrar estão Koke, de Gea, Javi Martinez, Illarramendi, Isco, Herrera, Thiago, Deulofeu, Jesé, etc. E ainda se manterão Busquets, Piqué, Ramos, Alba, Fábregas, Iniesta, Costa, Silva, Mata e, talvez, Casillas, que em dois anos não desaprendeu de ser guarda-redes. Xavi poderá não ter sido necessariamente o melhor jogador da história da selecção espanhola (em termos de puro talento outros poderão reclamar também o manto), mas foi sem dúvida o mais importante. Por estes dias em que o seu tempo chega ao fim, seria uma homenagem muito pobre ao seu contributo tentar apagá-lo. Especialmente quando tantos há que estarão prontos a demonstrar que a luz de Xaci ainda os guiará pormuito tempo.

 

Da minha parte, e mesmo reconhecendo que considerei muitas vezes o futebol espanhol como chato, deixo a minha homenagem. Obrigado Espanha. Obrigado Xavi. Pelo futebol e pela nova forma de o pensar.

 

Contributos para uma boa degustação futebolítica (1)

João André, 12.06.14

 

Agora que o CMF está para começar, quero deixar as minhas expectativas mais a sério. Não serei sistemático, escreverei apenas sobre aquilo que me apetecer e não tentarei manter uma frequência mínima. Tudo dependerá da minha disponibilidade. A única coisa que irei tentar é deixar algumas reflexões sobre a EDTN® e os seus adversários. O texto acabará longo, por isso quem quiser ler que clique aí nesse "ler mais" sff.

 

Contributos para uma boa degustação futebolítica (intróitando)

João André, 10.06.14

Como especialista encartado em todos os aspectos respeitantes a essa ode à geometria dinâmica polvilhada pelo anarquismo individualista de vértices estrategicamente posicionados de forma a obter flutuações incisivas nas estruturas opostas a que a gente vil chama de futebol (e a que sua classe abaixo no que à degustação desta poesia em movimentos coordenados chama de soccer), decidi, como não poderia deixar de ser, explicar de forma determinante e, quiçá, especulante, alguns dos aspectos mais arcanos que assolam os conjuntos de jovens - e seu mais experientes amestradores - que se encontraram nesse kumbaiá quadrienal a que se convencionou chamar - de forma muito simplista - de Campeonato do Mundo de Futebol. Ou, de forma mais repugnante, Campeonato do Mundo Fédération Internationale de Football Association (abreviemos de forma muito mundana para CMF). Bleerghh, preciso de uma pastilha de menta...

 

Bom, comecemos as análises pelo invisível, ou seja, pelos praticantes do "jogo bonito" (marketing, marketing) que por infortúnios vários - virilidade de co-praticantes da mesma actividade que num momento específico envergavam cores alheias; falta de virilidade própria em momentos diversos; dificuldade de outros co-praticantes e concidadãos em acompanhar colectivamente os desempenhos individuais de determinadas individualidades - não poderão encontrar-se no pleno exercício das suas excepcionais capacidades técnicas e físicas em Terras de Vera Cruz de forma a serem acompanhados ao pormenor no espaço de noventa minutos (mais o tempo de desconto que o filho da mãe do árbitro for comprado para dar).

 

A lista de elementos não presentes no CMF (menta, menta...) poderia preencher um panteão do nosso Zeitgeist futebolístico. Melhor, dois panteões, já que um dos elemantos necessitaria de um panteão unicamente para si, para o seu ego e para protecção das demais divindades - Zlatan Ibrahimović, esse dourado filho de Ibrahim que por si só teria levado Dante a escrever uma nova Divina Comédia mas com duas estrofes, na qual a primeira descreveria a tragédia e na segunda explicaria simplesmente que Zlatan, o Ibra, se teria encarregue do problema.

 

Entre os outros poderíamos ter uma lista de grandes jogadores: Valdés, Bale, Reus, Falcao, Lewandowski, Strootman, Montolivo, Thiago, Gündogan, van der Vaart e, obviamente, Carlos Manuel Figueira Lopes dos Santos, vulgo Camané, lateral direito da selecção da Rua do Passal em Mangualde.

 

Já em relação à nossa EDTN (® - José Navarro de Andrade, o cheque segue no correio no parazo de 5 dias úteis), eu teria as seguintes observações a fazer:

- tá bem que o tipo é lagarto, mas a época do Adrien Silva não mereceria uma chamadita? O Cédric talvez também, mas é boche por nascimento e isso seria suspeito para o dia 16. Além disso faz sentido dizer que se tem a polivalência do André Almeida, mesmo que sirva para pouco mais que aquecer o banco e trazer o sumo nos jogos de poker.

- o Éder deve ser muito bom rapaz, mas que faz ele ali? A EDTN vive e morre em função do Ronaldo e ter avançados só para que o Ronaldo, o nosso menino gelado (de gel, para cabelo) possa correr e marcar. Pontas de lança para marcar golos? Pensam que somos ingleses?

- dos outros, eu teria levado o Danny. É bom rapaz, é bom jogador, fala um português esquisito e é mais criativo que metade do meio campo português.

- O Miguel Veloso é ucraniano ou russo? Urge descobrir isso antes de saber se pode jogar.

 

Cosiderações mais sérias seguir-se-ão em medida da disponibilidade temporal e internetial.