Está de chuva
O mês de Outubro foi o quarto mais chuvoso em Portugal desde 1931. Não vi que fosse título em lado nenhum.
Interrogo-me quantas manchetes suscitaria se tivesse sido o quarto mais seco destes últimos 92 anos.
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O mês de Outubro foi o quarto mais chuvoso em Portugal desde 1931. Não vi que fosse título em lado nenhum.
Interrogo-me quantas manchetes suscitaria se tivesse sido o quarto mais seco destes últimos 92 anos.
Somos invadidos, a ritmo crescente, por charlatães que invocam a ciência como patamar supremo de autoridade, sem admitir discussão. Quem ousar um esboço de dúvida é brindado com dois rótulos: fóbico ou negacionista. Desqualificações que põem logo fim a qualquer debate. Quem duvida das teses enunciadas é corrido a pontapé para o terreno pantanoso da patologia ou da equiparação moral aos que recusam a evidência do Holocausto nazi.
E no entanto, como sabemos, é precisamente com a dúvida que a ciência avança. Foi sempre no confronto com teses adversas que o ser humano deu os tais pequenos passos que geraram os grandes saltos da Humanidade - da descoberta do heliocentrismo à teoria da relatividade, da lei da gravidade terrestre à alunagem de Armstrong e Aldrin em Julho de 1969.
Os meios de comunicação de massas, privilegiando quem grita mais alto e é capaz de semear o pânico com maior desenvoltura, dão palco aos tais pantomineiros que invocam a ciência como pretexto para a berraria enquanto os cientistas verdadeiros ficam fora dos holofotes.
Todos recordamos as previsões do "apagão universal" que ocorreria no ano 2000 - a maldição milenar que já sobressaltara almas mais crentes no ano 1000 da nossa era, em suposta expiação de múltiplos pecados pessoais e colectivos. Quando os factos desmentiram as teorias, nenhum alarmista foi convocado à sala para prestação de contas. Vários deles já andavam então a prever novas catástrofes.
Sempre assim foi, sempre assim será.
A diferença é só de escala: os de agora têm palco planetário. E continuam sem permitir discussão: isso beliscaria a sua putativa aura de autoridade. São herdeiros directos daqueles que em tempos mais recuados chamavam "ciência" ao pensamento mágico enquanto sopravam as trombetas do Apocalipse. Aqueles que na edição da Newsweek de 28 de Abril de 1975 anunciavam o advento iminente de uma «nova Idade do Gelo»: havia comprovado registo de acréscimo de neve no Hemisfério Norte - e logo se deu um arriscado salto para a tese geral.
Dar voz a «credenciados especialistas» muitas vezes redunda nisto. No início de 1914, o reputado analista político britânico Henry N. Norman publicou no Guardian um ensaio que concluía: «Creio que não haverá mais guerras entre as seis grandes potências.» Sabemos o que aconteceu nesse mesmo ano.
No seu livro The Population Bomb que foi best seller em 1968, um biólogo da Universidade de Stanford, Paul Ehlirch, garantia em tom desesperado: «Perdemos a batalha para alimentar a Humanidade.» Antevendo uma década seguinte em que «centenas de milhões de pessoas morrerão de fome.» Tese já enunciada noutro best seller, dado à estampa em 1967: Famine 1975! America decision: Who will survive?, dos irmãos William e Paul Paddock - um agrónomo, o outro diplomata. Mencionando a Índia e o Egipto entre «as nações sem esperança» do mundo subdesenvolvido. Erraram: até ao fim do século, a quantidade média de calorias ingeridas por pessoa no mundo aumentou 24%.
Devemos acautelar-nos contra o suposto argumento de autoridade, que detesta ser refutado por teses opostas. Em regra, esse é o caminho seguido não por cientistas mas por embusteiros. E que nos conduz não à iluminação, mas à ignorância. Recorrendo quase sempre à mais primária das vias: o medo.
Nesta matéria, como noutras, aplaudo o que escreve Mike Hume no seu livro Direito a Ofender: «Numa sociedade livre e civilizada, nenhum debate devia ser dado por encerrado. Mesmo no campo da ciência. O cepticismo e o questionamento de tudo continuam a ser as bases do método científico. E essa abertura torna-se muito mais importante quando passamos à arena intensamente contestada do debate político acerca do futuro da sociedade.»
Além de ser um imperativo de cidadania e liberdade, é também uma garantia adicional de não andarmos tanto à mercê da chusma de charlatães que por aí pululam.
Tudo chega ao fim: o Verão também. Aliás, se virmos bem, em termos mediáticos o Verão já terminou há vários anos. Passou a ser designado como «onda de calor» - designação da moda. Três palavras em vez de uma para significar o mesmo. Complicar tornou-se lema dominante no discurso jornalístico. Nada refrescante, convenhamos.
Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana
Reparem nas notícias.
Nunca há fogos nos países do terceiro mundo. Nunca arde nada na Índia. Nem na China. Nem na África do Sul. Nem no Irão. Muito menos na Rússia. Ainda menos no Brasil, agora que está lá Lula da Silva (com a ajuda do amigo José Sócrates) a estancar o desmatamento na Amazónia.
Incêndios florestais? Só no sinistro "Ocidente". Na Europa Ocidental, onde vivemos. E, claro, na tenebrosa América do Norte.
Isto não é informação. É ideologia.
Alguns vão atrás, convencidos de que é a verdade. Mas já questionava o velho Pilatos muitos antes de figurar no Credo cristão: «O que é a verdade?»
A temperatura não existe. ou melhor, existe, mas é uma medida da energia de um sistema. Quanto maior a energia de um sistema, mais a temperatura pode subir, desde que esse sistema se mantenha constante. Se o sistema puder mudar, a temperatura pode manter-se inalterada. Uma forma de pensar nisto é através de diluição de algo que esteja ao lume. Se adicionarmos mais água a uma temperatura mais baixa, a temperatura da água ao lume reduz-se. Outra forma seria pensar no aquecimento de um gás. Se se permitir que o gás a ser aquecido se expanda, ou seja, se "estenda" por um volume maior, a temperatura não mudará. O oposto, como é óbvio, também é verdade: se comprimirmos um gás sem o aquecermos, a temperatura aumentará, porque aumentará também a interacção entre as moléculas do gás. A temperatura é assim uma forma de medir a actividade termodinâmica de um sistema, como se podem usar os testes Pisa para avaliar um sistema de ensino.
Porquê referir isto? Porque quero falar de Aquecimento Global (AG) mas para o fazer preciso de começar por explicar que "aquecimento global" é apenas uma forma de olhar para fenómenos termodinâmicos na nossa atmosfera à escala... bem, global.
Nota prévia antes de continuar a ler este longo post. Nos comentários não aceitarei ataques às ideias de Aquecimento Global, a sua origem antropogénica ou aos seus efeitos nas Alterações Climáticas. Estes são hoje factos científicos e não estou para aceitar negacionistas. Todos os comentários nesse sentido serão apagados. Quem quiser discordar comigo na análise em si, pode fazê-lo, mas não vou debater se a realidade é real.
O que é o Aquecimento Global?
Quando falamos em AG estamos a referir-nos ao aumento das temperaturas médias que se tem verificado por todo o planeta ao longo de sensivelmente o último século e meio. Quando falamos em temperaturas médias estamos a falar em todas as temperaturas que são medidas ao longo de todo o dia, em todos os dias do ano, em milhares de localizações distintas por todo o planeta. Todas estas medidas são somadas, divididas pelo número de medições e lá temos a temperatura média (hoje em dia será simultaneamente mais complexo e mais simples mas manterei as explicações a um nível mais básico). Por exemplo, se medirmos a temperatura em Lisboa, Faro e Porto em 3 momentos distintos do dia teremos um total de 9 medições as quais podem ser adicionadas e divididas por 9 para dar um valor médio. Se fizermos o mesmo para os 18 distritos (do continente) e por hora, seriam 432 pontos por dia e fazendo o mesmo para todos os concelhos e também por hora ao longo do ano estaríamos a falar em quase 2,7 milhões de medições.
A importância de fazer estas ressalvas tem a ver com a necessidade de olhar para lá de "estamos há uma semana com calor, prova de AG" ou "se há AG como explicam este frio?". Haverá sempre temperaturas extremas numa e outra direcção, mas em si mesmas não significam nada (embora tomadas em conjunto até sejam indicação de AG, mas já lá chego). Seria o mesmo que ver um eucalipto no Pinhal de Leiria e propôr a mudança de nome do mesmo.
O Aquecimento Global é real e está perfeitamente documentado. Há hoje muito poucas pessoas que se deêm ao trabalho de o negar. Haverá quem proponha razões alternativas (de forma séria ou nem por isso) mas o aumento das temperaturas a nível global é indesmentível. Para facilitar a compreensão, podem olhar para o vídeo abaixo, que apresenta de forma visual esta evolução.
Se damos então por aceite que as temperaturas estão a aumentar, porque razão se está isto a passar? Como já toda a gente saberá, o principal culpado é o dióxido de carbono, CO2 na sua notação química. O CO2 é um gás com efeito de estufa, tal como muitos outros, mas para entender o que isso quer dizer precisamos de compreender o conceito de efeito de estufa. Como sabemos, a principal fonte de calor para o nosso planeta é o Sol. A radiação solar chega ao nosso planeta especialmente na forma de ultravioleta e luz visível e aquece as moléculas que com ela interagem (parte da energia é reflectida de volta ao espaço). Esta radiação aumenta a energia dos objectos (aqui objectos é tudo desde moléculas a montanhas e oceanos) e estes depois libertam parte dessa energia na forma de radiação infravermelha, menos energética que a ultravioleta e visível.
Ora, as moléculas de gases tendem a absorver radiação em comprimentos de onda distintos, ou seja, em partes específicas do espectro. A ragião na qual o CO2 se especializa é precisamente na zona da radiação infravermelha, o que significa que o CO2 tem tendência a absorver a radiação que deixa o nosso planeta e, em condições normais, voltaria ao espaço. Note-se que não é a única molécula que o faz. A água, muito mais presente na atmosfera, tem também o mesmo efeito de estufa, tal como metano ou ozono e muitos outros. E ainda bem que assim é. Sem o efeito estufa destes gases, o nosso planeta não teria uma temperatura média por volta dos 14 ºC mas uma temperatura média inferior a 0 ºC e a Terra parecer-se-ia então mais com Europa, o satélite de Júpiter, que com este globo azul.
Ao longo da História do planeta, as concentrações destes gases mudaram muito na nossa atmosfera. Há múltiplas razões para isso, algumas internas (vulcanismo, geologia) e outras externas (ciclos de Milankovitch - ou Milanković - que determinam a quantidade de radiação solar a que o nosso planeta está exposto e causam efeitos na biosfera que levam a mudanças na composição da atmosfera). Só que estas variações habitualmente ocorrem ao longo de milhões de anos. Para a escala de tempo que nos interessa, a de seres humanos, a concentração destes gases com efeito de estufa tem estado mais ou menos constante ao longo dos últimos 12 mil anos, especialmente no caso do CO2, que se manteve entre as 260 e 270 partes por milhão (ppm) na atmosfera. Isto é, até cerca de meados do século XIX.
Por essa altura, como se sabe, começou a Revolução Industrial, que foi alimentada graças às reservas de carvão - primeiro - e petróleo - posteriormente - que foram sendo encontradas no nosso subsolo. Carvão e petróleo são compostos de carbono que quando queimados na presença de oxigénio formam dióxido de carbono entre outros compostos (a química é como uma criança em idade pré-escolar, uma desarrumada). A partir do início da Revolução Industrial, as necessidades de energia explodiram o que levou a uma explosão do consumo de carvão e petróleo e à libertação de CO2 para a atmosfera. Isto levou a um círculo virtuoso no efeito que a ciência e tecnologia tiveram na sociedade e vicioso no efeito que as inovações daí resultantes tiveram na atmosfera. Um exemplo: o aumento de indústria permitiu um aumento de eficiência na agricultura, o que levou a uma redução na mão de obra necessária para a mesma e aumento na produção de produtos alimentares. Isso levou a um aumento da mão de obra disponível para a indústria, o que exacerbou o efeito inicial e levou a um aumento da população - coajudado pelas melhorias científicas no combate às doenças. Tivemos então necessidade de descobrir melhores formas de produção na agricultura o que permitindo a descoberta do processo de Haber-Bosch para fixação de azoto para fertilizantes, processo o qual exigiu o uso de grandes quantidades de energia. E etc.
Evolução da concentração de CO2 ao longo dos últimos 40 mil anos. Medidos a partir de gelo do Árctico e do Observatório de Mauna Loa.
A concentração de CO2 na atmosfera explodiu assim, dos sensivelmente 270 ppm em 1880, até aos 410 ppm actuais. Normalmente o nosso planeta controla o nível de CO2 através do ciclo de carbono, onde o CO2 que é libertado por processos naturais (decomposição, respiração, processos geológicos ocasionais ou regulares de baixa intensidade) é compensado pela absorção através de fotosíntese (terrestre ou aquática) e sequestro no subsolo (como quando matéria orgânica fica enterrada). Historicamente houve momentos ocasionais em que o planeta libertou mais CO2 que aquele que era habitualmente absorvido, tipicamente através de vulcanismo, ou outros em que a fotosíntese foi comprometida a nível global devido a catástrofes repentinas (como supervulcões ou impactos de asteróides) ou mais progressivas (como mudanças climáticas causadas por mudanças geográficas, por exemplo o fecho do istmo do Panamá).
No entanto, a queima de combustíveis fósseis - os tais que resultaram do sequestro de matéria orgânica no subsolo ao longo de milhões de anos e subsequente transformação em carvão, petróleo ou gás natural - acabou por causar um desequilíbrio no ciclo de carbono que não pôde ser compensado no curto período de tempo que passou desde que a industrialização em massa começou. Aliás, olhando para o gráfico acima até se pode ver um ligeiro aumento na concentração de CO2 desde há 6-7 mil anos até sensivelmente o século XIX, o qual é atribuído por muitos ao surgimento das civilizações humanas, que dominaram o fogo e foram desflorestando partes do planeta. Claro que tais acções terão no máximo causado um ligeiro aumento na concentração de CO2, e que, sendo muito gradual, ajudaria a Natureza a equilibrar tal aumento.
Nota: o último máximo glacial teve lugar há cerca de 20-26 mil anos, um período que terá começado há cerca de 33 mil anos e a "deglaciação" (as minhas desculpas pela tradução canhestra de deglaciation) há cerca de 19-20 mil anos. Estas datas são muito fluidas, devido a estes momentos terem começado em períodos diferentes no globo. O importante a reter é como isto se reflecte também nos níveis de CO2 no ar. Não falarei sobre as origens da glaciação, mas note-se que no período do máximo glacial o nível do mar reduziu-se bastante e grande parte da superfície do planeta, sobre terra ou água, foi coberta por gelo que é, na maior parte das vezes, opaco. Isto terá reduzido a fotosíntese mas também a respiração, resultando (ou reforçando) a queda nos níveis de CO2. Já agora, essa queda do nível da água do mar também permitiu a criação de uma ponte terrestre entre a Ásia e a América e a migração de humanos para esse continente. De notar também que ainda vivemos num período glacial, ou seja, ainda estamos numa Idade do Gelo. Isto porque ter gelo de forma permanente nos pólos ou a altitudes relativamente baixas não é comum na história do nosso planeta. Ou seja, a história da humanidade existe num período glacial.
Resumindo: CO2 é um gás com efeito de estufa e fundamental para manter a temperatura no planeta mais alta do que seria sem ele. Ao longo dos últimos 150 anos temos enviado mais CO2 para a atmosfera que aquele que o nosso planeta pode remover, levando a um aumento da concentração do CO2. Isto tem levado a um aumento da temperatura média global até aos cerca de 1,2 ºC mais que no período pré-industrial e que terá certamente alguma influência num planeta que tem existido num estado de era glacial desde que os seres humanos modernos surgiram.
Alterações Climáticas
Como acima falei no conceito de Aquecimento Global (AG), tenho agora que falar no conceito de Alterações Climáticas (AC). Enquanto AG se refere a um efeito termodinâmico como referi acima, AC refere-se ao efeito que tal aquecimento tem no clima em geral. Antes de mais é necessário distinguir entre Clima e Tempo (no sentido metereológico, claro). O primeiro equivale a uma muito extensa floresta, enquanto que o segundo equivale mais a uma árvore, bosque ou a um pequeno sector na dita floresta. Quando adicionamos "Global" a Clima, então as escalas mudam completamente e o próprio termo deixa de fazer sentido. Não existe "Um Clima" global, antes uma colecção de climas mais localizados, mesmo que muito mais (e às vezes menos) extensos que uma região de um país. Um Clima também descreve uma dinâmica, enquanto que o Tempo descreve um momento. Podemos ter microclimas causados por montanhas, vales, lagos ou desertos e que se estendem por áreas comparativamente reduzidas. O Tempo, por sua vez, é uma descrição das condições num período e geografia reduzidos.
Usando estas definições podemos então olhar para a relação entre AG e AC. Como indiquei acima, o aumento de temperatura global médio no período industrial é de 1,2 ºC. Como comentei no início do post, a temperatura não existe por si mesma, sendo antes uma indicação da energia de um sistema. Assim sendo, é possível fazer uma estimativa de quanta energia é necessário adicionar à atmosfera do nosso planeta para aumentar a temperatura média em 1,2 ºC. Aqui, e como gosto de experimentar coisas novas que me poupem trabalho porque sou algo preguiçoso, recorri ao novo e famoso ChatGPT para me simplificar a tarefa. Pelos seus cálculos, e sabendo uma estimativa do volume e massa totais da atmosfera, bem como a sua capacidade calorífica em J/kg.ºC - Joules por kilograma e graus Celsius (um valor de 1 J/kg.ºC significa que 1 Joule de energia irá elevar em 1 ºC uma quantidade de 1 kg do material em causa) - podemos multiplicar a massa da atmosfera pelos 1,2 ºC e chegar a um valor de 6,6 x 10^21 Joules adicionados à atmosfera terrestre por acção da industrialização do planeta [para explicação: dado que o sistema de edição de texto do SAPO Blogs não me permite usar a notação habitual de potências, usarei o conceito de 10^x para o descrever. Para quem não esteja acostumado a isto, 10^x é um "1" com um número de zeros igual ao valor de x. Assim, 10^2 é 100, 10^0 é 1 e 10^20 é um 1 com 20 zeros.]. Para dar uma perspectiva, é um valor equivalente a 15 vezes o consumo global de energia em 2019 (ou para sermos apocalípticos, 110.000.000 - 110 milhões - de bombas equivalentes à de Hiroshima). Note-se que este valor refere-se ao aumento de energia na atmosfera, mas não à energia que nós próprios libertámos com o consumo de combustíveis fósseis (e outras actividades). A essa energia também se adiciona a energia que, como explicado acima, deixou de ser libertada para o espaço (mais uma fonte para dados sobre energia).
Se hoje deixássemos de aumentar as nossas emissões (ou seja, se mantivessem ao nível presente, o chamado "Net Zero"), é provável que a temperatura aumente a um ritmo de 0,2 ºC por década, chegando a cerca de 1,5 ºC em 2050. [Não encontro a fonte de onde retirei este valor. Este outro artigo fala num aumento total de 0,3 ºC mas baseia-se num artigo de 2010, quando os modelos era muito menos robustos e quase não levavam em conta outros factores]. Esse aumento corresponderia a cerca de 8,25 x 10^21 J de energia mais que nos níveis pré-industriais e um aumento de 1,65 x 10^21 J de energia nos próximos 27 anos. Ou seja, imaginemos que estaríamos a rebentar 27.500.000 (vinte se sete milhões e meio) de bombas de Hiroshima, ou um milhão de bombas de Hiroshima por ano (sem os efeitos de radioactividade, claro).
Qual a importância desta energia então? Bom, o problema é que o nosso planeta não é homogéneo. Os sistemas complexos têm o hábito de querer homogeneizar tudo ainda mais que burocratas em Bruxelas. Isso significa que zonas que estão quentes tentarão "ir" para zonas frias, mas como isso só é possível movendo massas de ar, quando o fazem também "empurram" as massas de ar dessas zonas frias, que depois podem ir para onde não se espera. É em parte (e de forma extremamente simplificada) que um aquecimento da atmosfera no Ártico pode levar a temperaturas muito baixas em zonas onde isso não se esperaria, por empurrar o ar mais frio para Sul. Outras complicações ocorrem quando os oceanos são levados em conta. O valor de energia que referi acima corresponde apenas ao aumento de energia na atmosfera necessário para chegar aos 1,2 ou 1,5 ºC. Mas os oceanos também absorvem energia, e em maior quantidade que a atmosfera (porque são muito massivos e porque a água tem grande capacidade absorção de calor, para não falar na vida, que também absorve a sua parte). Isso significa que a energia libertada foi provavelmente maior que aquela que apontei acima (para valores mais sólidos teria de se falar com especialistas em climatologia).
Isso significa que não só a atmosfera aquece, mas também que os oceanos estão a aquecer. Aliás, sem o efeito moderador dos oceanos, o aumento de temperatura teria sido provavelmente muito superior (note-se: é também por isso que as estações tendem a "mostrar-se" mais tarde que a data em que começam, porque os oceanos ou absorvem parte do calor extra da nova estação ou compensam o arrefecimento libertando parte do seu calor da estação anterior). Mas isso significa também que a temperatura dos oceanos aumenta o que, além de diversos efeitos na vida aquática, tem duas imediatas consequências: aumenta a evaporação de água e perturba a circulação termoalina. Vamos explicar estes conceitos e seus efeitos.
A evaporação é mais simples de compreender, como é claro. A temperatura aumenta, a água evapora mais facilmente e assim introduz-se mais vapor de água na atmosfera. Isto tem dois efeitos: a humidade aumenta e a quantidade de nuvens também. A influência destes dois factores é complicada de determinar, mas a humidade poderá ser a mais importante (isto é avaliação pessoal). As nuvens sobem à atmosfera e, sendo compostas de cristais de gelo, aumentam o albedo (uma medida de capacidade de reflexão de luz, servindo para "medir" quão branca uma superfície é) do nosso planeta. Isso faz com que mais energia solar seja reflectida de volta ao espaço e ajuda a diminuir o aquecimento. Por outro lado, a humidade tem o efeito contrário: o vapor de água é também um gás com efeito de estufa e o seu aumento na atmosfera levará a que mais calor que chegue ao planeta fique preso na atmosfera em vez de ser irradiado de volta ao espaço. Por outro lado, nuvens são passageiras e podem formar-se menos em temperaturas mais elevadas. A humidade total não muda significativamente, dado que efeitos de redução (saturação e chuva) levam a que a água chegue ao solo ou oceanos de onde se voltará a evaporar. (por isso a minha observação pessoal que o efeito de humidade contribui mais para o aquecimento que as nuvens para o arrefecimento). Claro que a humidade e nuvens não se dispersam igualmente por todo o planeta, pelo que mais água e nuvens levarão a um aumento, potencialmente brutal, da precipitação em determinadas zonas.
Representação da circulação termoalina.
Já a circulação termoalina é mais complexa. Refere-se a uma circulação da água nos oceanos causada por diferenças de densidade da água a profundidades distintas. Há aqui alguns aspectos a reter. À medida que a água arrefece, a sua densidade aumenta. À medida que água é retirada ao oceano, seja por evaporação ou congelação, a água líquida que fica no oceano tem uma salinidade maior e fica igualmente mais densa. Isto, juntamente com ventos e outros fenómenos, é responsavel pela circulação termoalina, a qual se pode resumir (de forma extremamente simplificada) da seguinte forma. A água que vem do equador e trópicos, quente e à superfície do oceano, segue na direcção dos pólos. À medida que se aproxima dos pólos vai arrefecendo devido à diferença de temperatura e evaporação (a evaporação causa uma baixa de temperatura do líquido que evapora, chama-se a isso arrefecimento por evaporação). Isto faz com que a água fique mais densa (temperatura mais baixa e salinidade mais elevada) e vai assim afundando para o fundo do oceano. A isto acrescem fenómenos extra relacionados com o congelamento da água, mas estes são complexos e não entrarei por aí. À medida que afunda, esta água vira em direcção ao equador e trópicos e volta a aquecer e a ascender, numa troca com a água mais quente e menos densa acima.
O processo descrito acima, que como disse simplifiquei enormemente, permite transportar enormes quantidades de calor e equilibrar o clima no planeta. A forma como se distribui é fortemente responsável pelo facto de o Porto e Nova Iorque terem climas bastante distintos apesar de estarem sensivelmente à mesma latitude. A circulação termohalina transporta a água mais quente mais perto da Europa que da América do Norte, pelo que acaba por influenciar os climas nos dois continentes.
Só que também aqui pode haver problemas. O AG está a causar um aumento das temperaturas em todo o lado, especialmente em certas regiões. uma delas é o Ártico, que está assim a derreter mais que normalmente seria o caso. Isto não causa o problema que a maior parte das pessoas poderá imaginar: o nível das águas do mar não aumenta significativamente porque o gelo no círculo polar ártico está na sua grande maioria a flutuar na água, pelo que se derreter não causará aumento do nível da água (não contabilizo aqui a Gronelândia). Só que esse gelo é de água essencialmente pura, a qual iria então diluir as águas ao redor e assim perturbar a circulação termoalina. Isso sucederia porque ao introduzir água pura no oceano e diminuir a salinidade da água, iria impedir que a mesma afundasse da mesma forma. Isso poderia levar a uma perturbação das correntes o que mudaria completamente a forma como o calor é transportado pelos oceanos. Isto pode parecer pouco, mas deixo um exemplo da sua importância. Há cerca de 3 milhões de anos, o Istmo do Panamá fechou, eliminando a circulação entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Isto causou enormes perturbações no clima a nível global, tendo possivelmente sido responsável por uma desertificação de grandes partes de África, levando a que certas regiões passassem de florestas a savanas e outras ficassem completamente desertificadas. Uma teoria é que tais modificações climáticas e do terreno terão levado a que as florestas de que dependiam os nossos antepassados desapareceram levando a que tivessem que se adaptar (evoluíssem) para uma posição mais erecta e assim iniciassem o percurso que levou ao Homo sapiens (isto seria apenas uma contribuição para essa evolução, tais adaptações nunca resultariam de apenas um tipo de pressão ambiental).
E isto é só a introdução.
Sistemas complexos e mudanças metereológicas
Em qualquer sistema, as dinâmicas são tais que o sistema procura o equilíbrio. Este equlíbrio pode ser muito simples ou mais complexo. Se abrirmos as portas e janelas de nossa casa, aquecida, o sistema atmosférico rua-casa irá mudar de forma a criar um novo equilíbrio, no qual a temperatura e pressão é igual em todo o lado. A casa arrefecerá e a rua irá aquecer, mesmo que de forma insignificante (devido à grande diferença de volumes). Quando temos um sistema em equlíbrio, não devemos no entanto pensar que o mesmo se manterá sempre em equilíbrio ou que perturbações no equilíbrio levarão a ajustes simples. Quanto mais complexo o sistema, mais probabilidades há para variações fortes ou inesperadas devido às muitas interdependências entre os factores (temperatura influencia pressão que influencia volume, que influencia circulação de ar, que influencia evaporação, etc...). Este tipo de reacções, onde as consequências de uma variação ou perturbação são inesperadas ou não proporcionais à dita perturbação podem indicar não-linearidade do sistema, ou seja, não há relação directa entre a acção e a reacção (uso aqui linguagem o mais simples possível para descrever conceitos que são essencialmente matemáticos e que não domino suficientemente). Um exemplo de um sistema que parece não-linear aos nosso olhos é o conceito de drifiting com automóveis: quando um carro faz uma curva em grande velocidade e começa a deslizar com as rodas traseiras. O instinto de um condutor é de virar o volante na direcção da curva para endireitar o carro, mas isto apenas resulta num pião. A solução passa por virar o volante na direcção oposta à curva e deixar o carro continuar a deslizar enquanto completa a curva. Conceito explicado de forma interessante e acessível aqui.
Visualização de um exemplo de perturbação do equilíbrio de um sistema (aqui unidimensional, por isso numa linha) retirado daqui. Note-se como o ponto de equçíbrio pode ser encontrado de novo (a linha recta no meio) mas pode não ser estável.
Voltando a sistemas complexos, quando a perturbação não só é introduzida no sistema como continua a ser introduzida, as consequências podem ser bastante inesperadas. A contínua emissão de gases de efeito de estufa para a nossa atmosfera é um exemplo de um sistema complexo (a nossa atmosfera, o clima, os oceanos, o planeta em si) a ser alterado por uma perturbação constante (e crescente) ao longo de um período de tempo muito longo (as emissões). Neste caso, pode até acontecer que, se amanhã deixássemos de emitir gases com efeito de estufa, o sistema não encontrasse um novo ponto de equlíbrio senão ao fim de períodos de tempo muito longos, certamente mais que vidas humanas. Poderíamos até encontrar pontos semelhantes ao nosso equilíbrio anterior (relativamente ao ciclo de carbono) mas que não estivessem em equilíbrio, porque as perturbações levaram a outras modificações no sistema que contribuem para uma convergência do sistema muito mais difícil e longa que aquela que seria possível sem a perturbação. No nosso caso, isto pode acontecer graças a pontos de inflexão na Natureza. Alguns deles são:
Para ser claro: não é certo que os pontos referidos acima venham a suceder e há estudos que apontam para a sua improbabilidade, mas a comunidade científica identificou estes e vários outros pontos de inflexão que podem não só perturbar o complexo sistema que é o clima global como inclusivamente acelerar e alimentar essa perturbação. Um exemplo de uma perturbação que poderia levar a uma consequência oposta refere-se à circulação termoalina. Tal como se comenta de forma canhestra no filme The Day After Tomorrow, a perturbação da circulação (como referi acima) poderia reduzir o transporte de água mais quente para os pólos e assim causar uma queda de temperatura no hemisfério norte, levando assim a uma glaciação mais semelhante aos últimos picos de glaciação (mas não em dias, como no filme, antes em séculos). Não é claro se isso realmente aconteceria (a circulação termoalina e a sua influência no clima é um outro sistema tão complexo que não o compreendemos completamente), mas essa possibilidade existe definitivamente.
Este é apenas um dos aspectos que aponta para como a evolução de sistemas complexos e perturbações ao equílibrio nos mesmos podem parecer um contrasenso. Um aquecimento global leva a um arrefecimento localizado mas vasto, por exemplo. Nalgumas zonas as chuvas aumentam e noutras o clima fica mais seco. Há várias consequências imprevistas quando conduzimos uma experiência não monitorizada num sistema complexo, como é o caso da industrialização contínua (ainda hoje prossegue) do nosso planeta no meio de uma atmosfera e uma hidrosfera que mal compreendemos. A isto ainda acrescem outros pormenores que à partida não consideraríamos. Um exemplo pode ser o aumento de chuvas que leve a uma desertificação de certas regiões. Isto pode suceder se, numa região cuja geografia, geologia, fauna e flora, estão habituadas a um determinado padrão de precipitação, o clima mudar de forma a que esta precipitação aumente ou, alternativamente, se concentre em períodos de tempo mais curtos. Neste caso, chuvas mais intensas poderiam causar um lavar dos solos mais intenso que o habitual, assim removendo a camada superior dos mesmos (que albergará a maior parte dos nutrientes necessários para as plantas) e assim cause uma diminuição da cobertura verde. Os animais acabam igualmente por desaparecer (morrendo ou migrando) o que exacerba o problema ao perturbar ainda mais o equilíbrio (animais consomem plantas e pestes, introduzem nutrientes no solo, ajudam com a polinização, etc). O desaparecimento de plantas também retira capacidade de retenção de água ao solo e na ausência de raízes saudáveis, deixa igualmente de proteger essa camada superior de solo. Ao fim de algum tempo, a região poderá ter mais chuva, mas reter menos água e vegetação, assim ficando mais desertificada (note-se que a desertificação por seu turno provavelmente reduziria depois a precipitação na região).
De certa forma, podemos pensar de forma extremamente simplificada e grosseira no nosso clima como se fosse um anel elástico em volta de um dedo e o qual esticamos com o outro. Esticamos um pouco e depois relaxamos, esticamos e relaxamos, de forma contínua e sem parar. É um ritmo constante e existe algum equilíbrio. Contudo, a perturbação pode ser se começarmos a esticar mais mas a relaxar menos. A tensão no elástico cresce e até pode acontecer partir ou escapar do nosso dedo. A direcção que tomaria seria impossível de prever apenas saberíamos que o equlíbrio deixaria de existir. O mesmo acontece, mas em ordens de grandeza extraordinariamente maiores, com o clima. É por isso que termos dias frios no Verão ou mesmo toda uma estação de Verão ou Primavera mais fria que o habitual não nega um aquecimento global. Pode até ser uma confirmação do mesmo.
A árvore e as florestas
Note-se que embora um qualquer extremo meterológico (calor, frio, inundações, secas) possa estar ligado ao AG e às AC, não quer dizer que o possamos dizer. Temos vindo a ver as notícias sobre fogos, inundações ou outros eventos e os comentários, frequentemente precipitados, de jornalistas sobre estarem ligados às AC. Isto é precipitado porque não podemos dizer, de forma inequívoca, que um evento específico não teria lugar sem o despejar massivo de gases com efeito de estufa na atmosfera. Aquilo que podemos frequentemente fazer é apontar para um aumento da frequência ou intensidade de eventos extremos como indicação das AC. Aqui não falamos de ver tais tendências (aumento de frequência e intensidade) e usarmos esse argumento para defender um ponto de vista. Essas tendências eram esperadas pelos cientistas há já muito e seriam previsíveis por qualquer pessoa que compreenda sistemas complexos.
Estes extremos em si mesmos são obviamente um problema grave, mas não são sequer toda a história. Um dos seus efeitos é que podem em si mesmos ampliar o problema em si. Secas podem fazer desaparecer reservas de água como lagos que ajudam a um arrefecimento localizado e suportam vegetação. O aumento de temperaturas diminui a cobertura de gelo em glaciares que ajuda a reflectir luz do sol e reduzir temperaturas. Tempestades costeiras podem ajudar a erodir as próprias costas e a fazer desaparecer protecções naturais contra o mar.
Pegando neste último aspecto, há ainda que notar que aparentes pequenas variações em certos parâmetros (como uma subida de cerca de 20 cm do nível do mar desde 1880) podem ter consequências muito piores do que pensamos. A Natureza, não costuma funcionar de forma gradual, antes tende a absorver mudanças até atingir a sua capacidade máxima de o fazer e depois reagindo de forma mais intensa. Isso significa que um aumento do nível do mar de 20 cm pode parecer pouco, mas dado declive muito gradual de muitas zonas costeiras (como praias), a perda de terreno pode ser muito mais grave. A regra geral é dizer que cada 1 cm que o nível do mar sobe causa a perda de 1 m de praia (com variações acima ou abaixo destes valores, dependendo da situação). A perda de 20 cm significa então a perda de 20 m de praia. Se isto parece pouco, consideremos outros aspectos: a perda de praia também aumenta a erosão e a intrusão de água salgada no subsolo; torna o terreno sobre o qual erguemos as nossas construções menos firme e assim arriscamos maiores danos estruturais entre outros riscos. Pior ainda são as variações. O nível da água do mar não é constante, como qualquer pessoa que vê marés sabe. É antes uma medida média, como a da temperatura. As marés mudam o nível e as estações do ano também. Quando existem tempestades, o nível da água pode ser vários metros mais elevado, o que é amplificado ainda mais quando existe uma subida da água do mar pré-existente.
Neste caso temos então na nossa analogia uma dependência entre as árvores (episódios isolados) e a floresta (a multiplicidade de tais incidentes) no sentido que embora não possamos identificar Alterações Climáticas através de episódios localizados no tempo e no espaço, podemos com enorme margem de segurança apontar para um aumento destes episódios como indicativos das AC. Ainda mais, tais episódios têm o potencial de amplificar as tendências globais, seja de forma directa, seja de forma mais indirecta, para não falar nos efeitos cumulativos de tais episódios no planeta.
A direcção a tomar
É neste momento que os leitores esperarão o meu comentário sobre energias renováveis, racionalização do uso de energia (vulgo: melhorar a poupança da mesma) ou até mesmo uma diatribe contra um mundo moderno que dá prioridade a desenvolvimentos económicos predadores do sistema global em que vivemos. Nenhum destes pontos estará errado e longe da minha mente. No entanto tenho uma visão diferente e mais fatalista: penso que nada funcionará e que estamos a caminho da catástrofe climática e que não vamos conseguir evitá-la de forma nenhuma.
Comparação dos custos de energia por tipo e por região para 2020 (fonte aqui).
Antes de mais uns pontos sobre o que fazer para mitigar esta situação ou, se possível, revertê-la. As tecnologias para geração de energia existem. As energias fotovoltaica e eólica estão hoje bem estabelecidas e perfeitamente competitivas, com um custo por MWh consistentemente competitivas com, ou abaixo dos, de combustíveis fósseis, mesmo sem contribuições de subsídios ou benefícios fiscais. À medida que se vai aumentando a capacidade instalada, estes custos continuarão a cair, assim como com a melhoria da tecnologia disponível (incluindo a reciclagem dos materiais para produção de moinhos e painéis). A estas tecnologias acrescem outras como a geotérmica, o biogás, a hídrica ou o nuclear. Não sou um adepto da energia nuclear, mas vejo o risco para o clima como sendo várias ordens de magnitude superior ao risco da energia nuclear, desde que devidamente gerida e actualizada de um ponto de vista tecnológico. Energia das marés está no entanto ainda a vários anos de distância e o mesmo se pode dizer, mas de forma ainda mais certeira, sobre a fusão nuclear. Note-se que o uso de combustíveis fósseis é inevitável no curto (e talvez também médio) prazo, dado que demorará ainda algum tempo até que se consiga instalar suficiente capacidade de geração de energia a partir de fontes renováveis para substituir as actuais centrais.
Outras medidas necessárias estão no campo da racionalização do uso de energias. São as medidas que, a nível privado e doméstico, passam por coisas como isolamento térmico ou uso de bombas de calor em casa. Também na indústria há muitas medidas que se podem tomar e que existem há já muito e só não são tomadas de forma mais diversificada porque exigem investimentos. Estes passam pela recuperação de recursos na produção, uso de tecnologias alternativas ou melhoramentos dos equipamentos e processos para reduzir o uso de energia. Em alguns casos até podem passar por questões logísticas onde produtos são transportados para a frente e para trás por questões logísticas (um exemplo real que conheço: uma bebida que é produzida numa fábrica, transportada em tanques para outra onde se enchem as latas e transportada de volta à primeira para as latas serem colocadas nos packs de 6 ou 12 para venda).
Teríamos outras opções ainda que passam por questões como o uso de fontes de energia alternativas para o transporte (baterias, e-combustíveis, hidrogénio, etc) ou mudanças nos hábitos pessoais (diminuição de consumo de carne, uso de transportes públicos ou bicicletas, redução no consumo de outros produtos como roupas). Até mesmo aceitar que os nossos efluentes, após tratados, sejam reutilizados e recolocados na nossa rede de distribuição de água seria importante para reduzir o desperdício de recursos. Estes aspectos exigem em grande parte uma mudança de mentalidade que não se consegue de forma fácil e exigiriam medidas pouco populares para serem alcançadas (proibições não fariam sentido, mas medidas populares como impostos também não seriam fáceis de implementar).
Há ainda opções como tentar reverter a presente situação, como com a descarbonização da atmosfera, seja de forma natural através de mais áreas verdes que absorvam o CO2; através de medidas tecnológicas para remover o CO2 e depois o usar (em químicos ou e-combustíveis) ou sequestrar; ou até mesmo através de geoengenharia como as ideias para arrefecer o planeta usando alguma forma de redução da exposição solar ou promoção de crescimento de fitopláncton nos nossos oceanos. É muito possível que uma combinação destas e outras soluções venham a ser necessárias para ajudar a reduzir a temperatura - ou no mínimo limitar o seu aumento - mas estamos longe de as conseguir, seja por motivos económicos, práticos ou devido à incerteza das mesmas.
Ao mesmo tempo vemos que o mundo continua a consumir cada vez mais energia e continua a ser mais fácil para a maioria das empresas e países reverter para as tecnologias mais antigas como carvão ou gás do que optar por soluções renováveis. Em parte isto deve-se a conservadorismo de empresas e engenheiros, mas igualmente devido à pressão exercida por grupo de interesse na indústria fóssil para manter o status quo da forma mais longa possível. Onde as indústrias renováveis não têm ainda a mesma eficiência é no lobbying, onde as indústrias de combustíveis fósseis levam um século de avanço e sabem como manipular os políticos e os eleitorados, inclusivamente criando imagens "verdes" das suas próprias indústrias para disfarçar as sua políticas reais e falam em opções tecnológicas que, parecendo apoiar uma descarbonização da economia, na realidade perpetuam a mesma (basta olhar para o conceito do "hidrogénio azul").
O futuro
Sei que isto soa fatalista quando olhamos para tantos avanços nas últimas duas décadas, mas a realidade é que não avançamos depressa o suficiente. Penso que iremos viver num mundo cada vez mais quente e onde o aumento de temperatura irá acelerar constantemente. Isto porque os modelos climáticos que vemos e que referem consenso são conservadores. Para que se entenda: um consenso de 1,0-2,5 ºC, por exemplo, não corresponde a uma maioria de opinião ou sequer a um aceitar de toda a gente que esses valores são os mais prováveis. Um exemplo com 3 cientistas diferentes seria dos seguintes intervalos: 1,0-3,0 ºC; 3,0-5,0 ºC; 1,5-2,5 ºC. Aquilo com que o três cientistas concordariam é que o planeta aqueceria no mínimo 1,0 ºC e pelo menos poderia chegar aos 2,5 ºC. Mesmo o que previria o intervalo entre 3 e 5 ºCaceitaria um mínimo destes valores. O consenso acabaria assim por ser o valor menor.
Por isso creio que os aumentos serão maiores. A cada dia se descobrem novos dados que apontam para um reforçar do ciclos de feedback no clima, onde consequências do aumento das temperaturas amplificarão esse efeito (descrevi alguns acima). Os modelos também são por força conservadores por não poderem integrar todos os dados possíveis, em grande parte devido à complexidade dos modelos matemáticos e em parte devido à capacidade de computação disponível. À medida que os modelos melhoram e os computadores aumentam a sua capacidade de processo, vamos vendo novos dados, a maioria dos quais tendem a rever os aumentos de temperatura para cima. Uma vez que ainda mal estamos no início do processo de descarbonização da economia, que há pouca vontade política para forçar estados, empresas e público e tomar as medidas necessárias e que as empresas do status quo continuam a beneficiar de apoios e a poder influenciar a narrativa, tudo isto me faz pensar que o futuro não é verde. É muito escuro.
As consequências serão enormes. A agricultura será provavelmente a mais clara vítima à medida que certas regiões que alimentam grande parte do planeta deixem de o conseguir fazer devido às alterações climáticas. A tecnologia ajudará, mas mesmo esta contribuirá para a libertação de CO2 e acredito que não avance depressa o suficiente para compensar uma aceleração do deteriorar das condições. Depois teremos os deslocados do clima, pessoas que fugirão das águas que subirão, de terrenos que não suportem as suas construções, de economias que cairão ou chegarão mesmo a colapsar por não serem possíveis com as mudanças climáticas. Também teremos muitos que irão simplesmente ansiar por um clima mais ameno e onde não haja risco de vida por saírem de casa para ir buscar a pouca água disponível à única fonte da região. Ainda veremos as migrações de fauna e flora, que levarão doenças a zonas onde elas não existiam e reduzirão a presença de animais e plantas que sempre fizeram parte da região. Tudo isto aumentará a tensão entre regiões e países, que lutarão por acesso a recursos e para evitarem serem invadidos por refugiados climáticos ou sequer para manterem as suas posições priveligiadas.
Note-se, isto não acontecerá amanhã ou no próximo ano, antes ao longo de décadas. Creio que nasci numa das últimas décadas de acalmia climática que as novas gerações irão sofrer muito. É uma visão pessimista e não sei como explicar o quanto desejo estar errado. Mas sinto não o estar.
PS - este texto foi escrito durante um relativamente longo período de tempo. Por isso o estilo pode mudar ao longo do mesmo, devido à diferente perspectiva de como o escrever que terei tido em diferentes dias. Peço a vossa tolerância para tais falhas.
«São Pedro goza de um estatuto de imunidade que está acima das responsabilidades.»
António Costa, então presidente da Câmara de Lisboa, reagindo a cheias na capital
Os especialistas em prever alterações climáticas justificam as suas chocantes falhas de antevisão da chuva torrencial em Lisboa, no fim da tarde de quarta-feira, devido... às alterações climáticas.
Pela mesma lógica, prevejo desde já que os reputados técnicos do IPMA irão continuar a falhar previsões. Socorrendo-se sempre da mesma desculpa. Como uma rábula do Ricardo Araújo Pereira em sessões contínuas.
Vale a pena acompanhar com atenção as previsões do Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Eu nunca perco uma.
Em Setembro, puseram-nos de prevenção: vinha aí um Outono quente e seco: «Vai voltar a verificar-se uma conjugação de anomalia positiva na temperatura e negativa na precipitação.»
Soaram os alarmes, desataram os badalos do catastrofismo milenarista, já nos imaginávamos como beduínos entre camelos nas areias do deserto.
Afinal era rebate falso. A chuva desse início de Outono «foi 158% superior à normal». Mais: este foi «o quarto Setembro mais chuvoso» do século em Portugal.
Em Outubro, as previsões voltaram a acertar ao lado: choveu imenso. A tal ponto que, segundo o próprio IPMA, esse período «correspondeu a 123% do valor da norma climatológica 1971-2000».
E em Novembro? Todos sabemos como foi. Mas nada melhor do que registar o vocabulário científico. Ei-lo, com a devida vénia ao mesmo instituto público: «A situação de seca meteorológica desagravou-se em Portugal continental.» Eufemismo que significa: choveu durante quase todo o mês. Dois meses de chuva até «conseguiram transformar a cor de Portugal visto a partir do espaço».
Poiso o guarda-chuva, dispo a gabardina e recordo com alguma melancolia o boletim meteorológico do final do Verão que parecia formulado pelo Professor Karamba: «Outono será mais seco do que devia. A seca veio para ficar.»
E apetece-me deixar uma singela recomendação ao IPMA: prognósticos, a partir de agora, só no fim.
«Estamos numa auto-estrada para o inferno climático com o pé no acelerador.»
António Guterres, secretário-geral da ONU
O JPT já tinha mencionado neste post, mas estas novas “acções climáticas” têm-se multiplicada de forma particularmente aberrante. Já havia uma líder espiritual, Greta Thunberg, que sabia melhor como governar os povos do que todos os líderes eleitos, conforme se viu naquela reunião da ONU, que a tantos deixou embevecidos (apesar da própria já estar a crescer nalguns aspectos). O seu exemplo de não ir à escola tem feito escola, se me permitem o contrassenso.
Há dias, num especial creio que da RTP, assisti a um conjunto de jovens “activistas” e às suas ideias para aplacar a crise climática. Diziam os frequentadores do ensino secundário que iam fazer jornadas de greve às aulas e exigiam nada menos que a proibição de uso de combustíveis fósseis, imediatamente. Em paralelo, diziam que se o Mundo não tinha futuro, então de nada lhes servia aprender, daí a greve às aulas. E também que o voto era uma coisa desnecessária, que mais importante para a cidadania era “o activismo de rua”. E quando surgiam os seus nomes, reais ou “de guerra”, aparecia também por baixo, à laia de profissão, a palavra “activista”.
Isto preocupou-me, confesso. Sei que dementes, seitas e figuras auto-messiânicas sempre as houve. Como a natureza humana não muda de um século para o outro, a actualidade não havia de ser diferente. A diferença é que a comunicação e as formas de propaganda são hoje infinitamente maiores. E permitem que qualquer grupelho radical espalhe as suas mensagens com o beneplácito de algumas instituições.
Devo desde já dizer que não sou um céptico de mudanças climáticas (embora pense que as previsões a longo prazo são problemáticas e que o homem não é necessariamente o seu único causador) e muito menos da protecção do ambiente. Fiz parte de várias associações ambientalistas e das listas do MPT, justamente o único partido ecologista português sem radicalismos urbanos. Por isso mesmo, sei que as ideias mais nobres redundam normalmente em fanatismos aberrantes. É o caso.
Temos, portanto, jovens do ensino secundário a fazer o elogio da ignorância, da não aprendizagem e da recusa da democracia, ou pelo menos a defender uma espécie de “democracia de rua”. Coisas tão importantes, como o direito ao voto e à escolaridade, pelas quais tantos se bateram, são postas de lado por imberbes que têm tudo por adquirido. Talvez por isso alguns atentam contra obras de arte com perguntas estúpidas como “o que é que vale mais, este quadro ou o ambiente”, como se fossem comparáveis e a destruição da arte de alguma forma ajudasse o clima, mas perguntar isso seria demasiado complicado a semelhantes amibas. E também querem acabar de imediato com os combustíveis fósseis, ou seja, parar por inteiro a sociedade. Como se deslocariam? Como se aqueceriam? Quem lhes traria os seus produtos vegan? “Ah, mas para se deslocarem há as bicicletas, as trotinetes e o metro”. Brilhante, da parte de quem vive nas cidades com alguma dimensão. Vão perguntar aos agricultores de Trás-os-Montes ou do Alentejo se não se querem deslocar dessa forma. Transportar produtos agrícolas de trotinete em Vimioso deve ser espectacular. E também lhes podiam relembrar que existe uma penosa guerra na Ucrânia que está a conduzir a uma crise energética, económica e financeira. Não se terão dado conta disso? Talvez fosse bom olhar para fora da bolha.
Ainda um efeito nefasto destas novas seitas climáticas: o fanatismo vai levar muitos a afastar-se e a recusar práticas mais favoráveis ao ambiente. Numa altura em que pululam as teorias da conspiração de toda a ordem, já se fala da farsa do ambientalismo”, do “great reset climático”, etc. Esta gente, com as suas acções cretinas que apenas prejudicam, ou visam prejudicar, a vida de tantos, só vai dar mau nome à ecologia, afastando potenciais defensores criando novos inimigos e polarizações. Um enorme tiro de canhão no pé. E, no entanto, são razões de magna importância, que não mereciam ser prejudicadas pelos fanáticos climáticos sem mais nada para fazer (ou por oportunistas conhecidos para fazer aproveitamente político, mal começam a fazer misturas com o anticapitalismo, antiracismo, etc). Mas, quem sabe, mais do que proteger o ambiente, a ideia deles seja mesmo causar polarização extrema, ainda mais. Parece que está na moda. E agora noto que utilizei uma palavra, “ecologia", que passou de moda. E é pena, grande pena.
Os canais de televisão que passam meses a fio soltando angustiados sinais de alarme sobre a «seca severa» ou a «seca extrema» em Portugal são os mesmos que, ao fim de um banal dia de chuva, desatam a aludir ao «mau tempo» - precisamente como sinónimo de clima chuvoso.
Voltou a acontecer ontem. Sem qualquer surpresa minha, devo confessar. Devia haver limites à hipocrisia, nem que fosse no plano atmosférico e em nome da mais elementar coerência jornalística. Mas pelos vistos não há.
Está cientificamente demonstrado: o medo é dos ingredientes que colam mais as pessoas aos ecrãs. E nada suscita tanto medo como as catástrofes naturais. Isto reflecte-se nos telediários portugueses, quase despojados de notícias fora do perímetro nacional. O que sucede no resto do mundo só nos aparece à frente quando ocorrem cheias, ciclones, sismos, maremotos, avalanches, erupções, tufões, trovoadas, secas extremas. Sobretudo se ocorrer nos EUA. Nos últimos dias, algumas horas de chuva intensa em Nova Iorque mereceram mais destaque nos noticiários cá do burgo do que o assassínio do Presidente do Haiti.
O alarmismo fomenta audiências. E nada melhor – ou pior – para ampliar o alarmismo do que falar do clima. Vivemos apavorados pelas condições atmosféricas. É um medo irracional, fomentado pelo pensamento mágico de pseudo-cientistas com lugar cativo nos meios de comunicação. O tema recebe prioridade absoluta na hierarquia informativa, chegando a inverter o paradigma da notícia: em vez de ser o homem a morder o cão, aqui é mesmo o cão a morder o homem. Destaca-se o mais banal, conferindo-lhe aura de sensação.
Há frio no Inverno e calor no Verão? Isso acontece nos Estados Unidos, pátria suprema das teorias da conspiração? É garantido que terá destaque, o Presidente assassinado no Haiti pode ser empurrado para o fim da linha. Noutros tempos, mais serenos e com menos histeria à solta, só seria novidade se fosse ao contrário: Inverno tórrido e Verão gelado.
À nossa escala, com o tépido estio que nos vai calhando, para desespero dos alarmistas de turno, não há notícia climática digna desse nome. Mas se for preciso dá-se um jeito: é preciso manter os espectadores grudados ao rectângulo televisivo.
Aconteceu quarta-feira da semana passada, à hora do almoço, na RTP. Às 13.23, surgiu o aviso, proclamado em voz solene: “Prepare-se para o calor. O Verão chega em força esta semana. Em algumas regiões do país as temperaturas podem chegar aos 40 graus.” Se o Artur Albarran ainda pontificasse em antena acrescentaria: “O drama, a tragédia, o horror!”
Era apenas um teaser – como agora se diz na gíria mediática, sempre pronta a acolher qualquer americanismo linguístico. Dezasseis minutos depois, o que parecia escaldante tornou-se temperado: “As temperaturas começam a subir hoje e podem chegar aos 40 graus no fim de semana em Évora e Beja. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera diz que não está prevista uma onda de calor, mas o tempo quente vai manter-se em todo o território continental. (…) Alguns sites de meteorologia falam de uma onda de calor, mas o IPMA garante que não.”
Reparem: bastou que os tais sites não especificados aludissem a uma putativa “onda de calor” para a expressão vingar, mesmo com desmentido formal da autoridade científica. E logo uma jovem repórter compareceu numa aldeia alentejana, interrogando uma senhora sobre tão magna questão. Ouviu esta resposta: “Toda a vida apanhei calor, apanhei sol. Na hora dos 30 graus, estou eu em casa.”
Não havia notícia, mas havia sabedoria antiga. A repórter ficou a ganhar. E nós também.
Texto publicado no semanário Novo
Como será do conhecimento geral, na semana passada a Alemanha, a Bélgica e a Holanda sofreram chuvas intensas que levaram a inundações causando imensos danos e várias mortes. Estas inundações foram bastante intensas também na região onde vivo, sul de Limburg, onde fica Maastricht. Felizmente nada sucedeu no meu caso. O rio Maas subiu bastante, o passeio pedonal alo lado do rio ficou inundado, mas isto é também a intenção da sua existência, dado que existe mais uma barreira antes que atinja a rua. O local onde vivo fica a cerca de 50 metros do rio, mas o único risco que corri foi uma inundação da garagem pública onde deixo o carro.
Não foi assim em todo o lado. Em Maastricht 3 bairros tiveram que ser evacuados por receio de inundações depois de um dique ter ficado com um buraco. Segundo entendo, acabou por não haver problemas e as pessoas puderam regressar a casa depois de menos de 24 horas. Um pouco mais a norte houve outras roturas de diques que causaram inundações de algumas aldeias, onde os danos foram mais substanciais. Perto de Maastricht, em Valkenburg, uma vila muito popular para turismo na Holanda, o rio subiu imenso e inundou parte da localidade, causando danos a muitos cafés, restaurantes, lojas e várias residências.
Claro que isto não foi nada comparado com a Alemanha e Bélgica. Na Bélgica uma amiga teve as águas a parar a 10 metros de casa. Outra família de amigos teve de evacuar por dois dias enquanto esperavam. Felizmente voltaram para casa sem mais que um pequeno filme de água na garagem, sem danos importantes. Na Alemanha, uma colega teve sorte na aldeia onde vive porque tem a casa numa elevação, mas ficou sem água, luz e gás por 3 dias. E foi quem teve sorte, pois vários vizinhos ficaram sem casa. Ela tem agora em casa dela uma família de amigos, incluíndo um bebé de 10 meses, que ficou na prática sem casa, dado que a água rompeu pela parede do 1º andar e levou quase tudo, inclusive os que havia nos quartos. Várias pessoas morreram, presas nas caves e garagens (a tentar salvar pertences) e muitas outras estão desaparecidas (certamente que haverá mais mortes). Outro colega está desde quinta feira a "viver" num pavilhão porque a água atingiu metro e meio no rés do chão e ainda não recuou o suficiente.
E há ainda as muitas pessoas que morreram noutras zonas da Bélgica e, especialmente, da Alemanha. Parte do problema foi que o sistema de prevenção e comunicação não funcionou (as autoridades irão diagnosticar as falhas durante meses) e não se tomaram as medidas necessárias a tempo. Algo que não se pode dizer com certeza é que estas chuvas foram resultado das alterações climáticas. Houve vários aspectos que tiveram que suceder para estas chuvas acontecerem da forma que aconteceram, nomeadamente a acumulação de humidade no ar, a permanência das nuvens sobre uma região deliminatada durante muito tempo, etc, mas é impossível, pelo menos para já, dizer com elevado grau de certeza que estas cheias específicas foram resultado das alteações climáticas (AC) causadas pelo aquecimento global (AG).
Isto é porque certos eventos não podem ser relacionados especificamente com certas causas. Da mesma forma que não se poderá necessariamente apontar uma estrada deteriorada como causa de um acidente (o condutor poderá não tomar atenção, o carro poderá ter travões em mau estado, poderá haver excesso de velocidade e/ou álcool, um acontecimento imprevisto, etc), um evento meteorológico não pode ser apontado como consequência de uma situação climática. No entanto há já muito que se apontam chuvas intensas mais fortes e frequentes (causando inundações) como uma das consequências das ACs. Há várias causas, mas uma delas é que o aumento das temperaturas levará a um aumento evaporaçã e da capacidade do ar para absorver humidade, o que faz com que quando as chuvas sucedam, sejam mais intensas. Este mês de Junho foi o mais quente na Holanda desde que há registos.
Aquilo que esta situação está a fazer pensar é que as consequências que os cientistas previram para começar por meio do século XXI não estarão já a aparecer. Sejam estas chuvas na Europa, sejam as ondas de calor na América do Norte e norte da Rússia. Isto poderá indiciar que o complexo sistema que é o clima da Terra já estará desestabilizado o suficiente para causar já eventos extremos. Isto é algo que é comum ver em sistemas complexos, sejam eles de que tipo forem. Quanto maior for o sistema, maior pode ser a variação em relação ao ponto equíibrio quando este desaparece. Isto poderá estar agora a acontecer. Durante muito tempo, os oceanos absorveram grande parte do calor e do CO2 que foram gerados pela nossa actividade. Se atingiram a sua capacidade máxima de absorção, a energia poderá agora estar a ser libertada novamente e, se isso suceder, teremos talvez os chamados feedback loops em que cada nova consequência poderá ampliar o problema (exemplo: derretimento de permafrost na tundra canadiana ou siberiana libertando metano que vai exacerbar o efeito de estufa).
Vi várias vezes duas opiniões qeu acabam no mesmo: i) que a catástrofe deveria ter sido evitável, e ii) que estas situações não deveriam acontecer em países desenvolvidos (como Alemanha, Bélgica e Holanda). Que a catástrofe poderia ser evitável, parece claro. Acidentes podem sempre aocntecer, mas melhor coordenação evitaria pelo menos a perda de vidas e talvez muitos dos danos. Já que estas situações não deveriam acontecer nos países desenvolvidos é mais complicado. A Natureza acaba sempre por poder sobrecarregar quaisquer medidas que tomemos. A Holanda, mesmo com a sua maravilha de engenharia que são as Deltawerken, poderá um dia ser esticada para lá do seu limite. Não é preciso ir para o Burundi ou as Honduras para descobrir desastres naturais. E, co o caminho que o planeta está a seguir, esses serão cada vez mais parte do dia a dia.
No final do mês de Junho de 1962, esteve um calor de rachar em Lisboa. Como comprova este relato de primeira página do Diário de Notícias sobre esse início da época estival, faz agora 59 anos.
«Ontem, primeiro domingo de Verão, Lisboa ficou deserta e as praias estiveram à cunha...», titulava o jornal na edição de 25 de Junho, ao estilo peculiar daquela época. Era um jornal de grande formato e com títulos quilométricos.
Na foto principal via-se a praia de Carcavelos, repleta de banhistas.
«O lisboeta aligeirou o traje, abriu as janelas de par em par, sorveu gelados e refrigerantes», especificava o jornal.
Reparo nisto e penso: que diferença em relação ao que se passa nestes dias. O Verão entrou tristonho e enevoado, com aguaceiros, quase a imitar Outono.
E no entanto em 1962 ainda não tinha sido "inventado" o aquecimento global, ao contrário do que sucede agora.
Lembram-se do "risco de seca severa e extrema" que ainda há pouco nos gritavam ao domicílio de telediário em telediário? Lembram-se dos desesperados alertas para as "barragens em mínimos históricos de água", entre outras mensagens de igual teor apocalíptico?
Foi há pouco tempo. Trombeteado pelos mesmos órgãos de informação que agora lançam uivos de advertência contra o "mau tempo". E o que é afinal o "mau tempo"? Simplesmente a boa e velha chuva invernal, acompanhada do inevitável e velho frio e por vezes da pura, alva e velha neve. Tudo próprio da estação. A mesma chuva pela qual as tais trombetas do Apocalipse imploravam para encher barragens e pôr fim à seca.
Um final feliz é uma chatice quando se desespera por cliques em tempo de escassez. Não de chuva, mas de leitores e audiência.
Um dia hei-de perguntar a alguém com muito mais experiência e muito mais memória do que eu - ao professor Galopim de Carvalho, por exemplo - se o fim da Idade do Gelo, há 12 mil anos, também se deveu às emissões de metano e dióxido de carbono.
A Time escolheu Greta Thunberg como pessoa do ano. Penso que ela não liga muito a isso e que se ligar será só pela forma como irão falar da sua causa.
Haverá muitas pessoas, incluindo neste blogue, que menorizarão a escolha. Falarão em como ela é obcecada, ou que devia ir para a escola, ou que isto ou aquilo.
A única coisa que lembro é: começando por se sentar no passeio com um cartaz, esta miúda de dezasseis (16!) anos colocou milhões de jovens envolvidos numa causa que lhes é importante: o seu futuro. Falou com líderes políticos, económicos e discursou, fluentemente, nas Nações Unidas. Conseguiu ainda atrair o ódio dos ogres políticos deste mundo (sim, como Trump ou Bolsonaro - os Putins ou Kims são piores).
Para quem ainda lhe cause urticária o que Thunberg conseguiu, deixo a pergunta: e tu, o que fizeste aos 16 anos?
Raio de chuva, raio de frio: ela e ele não desgrudam. Andamos há dois meses nisto. Só vejo uma vantagem: por estes dias continuamos sem ouvir alarmantes prédicas sobre o «risco de seca extrema» nem inflamados pregões de alerta contra o «aquecimento global».
Os pregadores devem estar à lareira, de mantinha nos joelhos. Zeus os conserve assim. Para sossego deles - e nosso.
Ela - Gostaste de ver a Greta em Lisboa?
Ele - Não. Esta Greta não tem garbo.
Ela - Ela é determinada e fofinha. Gosto muito dela. Miúda voluntariosa e bem intencionada. Luta por uma causa que devia ser de todos.
Ele - Eu vejo-a como uma ignorante que se destaca por faltar à escola.
Ela - Incomoda e mobiliza os outros jovens para uma causa justa.
Ele - Apela aos miúdos para fazerem greve às aulas a pretexto da defesa do clima. Assim é fácil ser popularíssima. Qual o miúdo que não sonha ser liderado e manipulado por alguém assim?
Ela - A Greta não sabe o que é ser falso ou dissimulado ou manipulador. Ela é genuína, autêntica.
Ele - O problema nem é ela, mas os oportunistas que a manipulam para se tornarem "celebridades". Como estes velejadores ricaços que lhe deram boleia durante semanas no Atlântico e deliram por terem "milhões de seguidores" nas redes sociais. E os políticos que se vergam à miúda porque assim ficam bem vistos nos meios de comunicação.
Ela - O que ela diz e faz só pode incomodar negacionistas como tu e quem se sente posto em causa como cidadão por não fazer nada ou quem é de direita e imagina que os activistas pró-ambiente são todos de esquerda. Ela é um exemplo para os da geração dela, que vivem alheios a tudo e todos, sempre ligados ao telemóvel.
Ele - Os alarmistas como tu podem achar muito gracinha, mas o lugar de uma miúda como ela é na escola, na universidade. Tem de aprender, estudar, investigar. Aos 16 anos ninguém dá lições ao mundo.
Ela - A geração dela é que levará em cheio com as consequências das alterações climáticas. Portanto tem toda a legitimidade para se manifestar pois quem está no poder não faz nada. Ou não faz o suficiente. Que moralidade tem alguém para criticar a causa destes miúdos? Em última análise estão a lutar pela vida.
Ele - Quem lutou e luta pela vida não é a Greta: é a Malala, que arriscou tudo na defesa do direito das miúdas paquistanesas em frequentar as escolas quando eram perseguidas ou até mortas por quererem instruir-se. Ela levou em 2015 o Governo a aprovar a primeira lei que reconhecia o direito universal à educação lá no país. Foi gravemente ferida, esteve quase à morte, mas não desistiu. Enquanto a Malala defende as meninas nas aulas, a Greta quer tirá-las de lá. Se admiro uma, não posso admirar a outra.
Ela - Que argumento mais manipulador e demagógico! Assim não dá para manter uma discussão com pés e cabeça.
Ele - Deixemos então de discutir. Queres vir ao cinema comigo? Apetecia-me ver O Irlandês.
Ela - Não está no cinema, só dá para ver na Netflix. Vai ser o meu programa para esta noite, mas sem ti. Passa bem.
Raio de chuva, raio de frio: ela e ele não desgrudam daqui desde o início do mês. Só vejo uma vantagem: por estes dias não ouvimos alarmantes prédicas sobre o «risco de seca extrema» nem inflamados pregões de alerta contra o «aquecimento global».
Os pregadores devem estar à lareira, de mantinha nos joelhos. Zeus os conserve assim. Para sossego deles - e nosso.