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Delito de Opinião

Fake-Indie?

jpt, 25.04.25

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"Indie", no rock ou no cinema e até mais longe, significava algo independente, "rebel, rebel", escapando-se aos ditames dos mercados, económicos e até ideológicos. Às vezes, diante de obras assim anunciadas percebe-se que o termo também se tornou um "pin", mera publicidade para nichos, assim ordinário, quinquilharia de loja de recuerdos, dessas máscaras do tráfico de neo-coolies. Outras vezes nada disso, surge gente a "rasgar", alguma depois alcochoando-se no mainstream, outra mais arisca, seguindo os seus rumos. E também aos seus protectores - os públicos, mais do que tudo; patrocinadores/mecenas; produtores - se presume alguma "rebeldia", um incómodo não confrontacional que seja, diante dos constrangimentos das dominantes tendências, o mercado mainstream.
 
Estava eu no comboio, em viagem pitoresca. E recebi uma mensagem de confrade bloguista, que me julgava conhecedor do trabalho referido - o filme Balane 3, que o realizador Ico Costa fez em Inhambane, Moçambique. Mas desconheço, o realizador e o seu trabalho, parcialmente feito naquele país.  Informava-me da suspensão da apresentação do filme no festival Indie Lisboa. Devido a num sítio da internet ter sido publicada uma carta aberta anónima, denunciando-o como culpado de violência doméstica.
 
Não faço a mínima ideia se isso é verdade. Quem vê filmes não vê corações tal como quem vê caras não os vê. E eu nem sequer aos filmes ou à cara de Carreira vi. Mas há uma denúncia? Investigue-se. Julgue-se, se houver suspeitas fundamentadas. E sentencie-se, consoante as conclusões obtidas. Mas um festival aprestar-se a retirar os seus filmes devido a isto?
 
Se um escritor for acusado de plágio é curial retirar-se o(s) livro(s) de circulação, até se aquilatar da veracidade do caso. Mas se for acusado de bater no vizinho ou caluniar alguém? Vai-se às livrarias e recolhem-se os livros? Se uma loja vende produtos falsificados ou roubados será normal ser encerrada. Mas se o seu dono é acusado de não pagar impostos ou pontapear um polícia, encerra-se-lhe o estabelecimento? Se um empresário atropela um transeunte numa passadeira deverá ser detido, julgado (e condenado!!!). Mas ainda o pobre peão está nas "Urgências" a tratar das (espero que apenas) escoriações e já está uma brigada a fechar a empresa, "até ordens em contrário"?
 
E um festival que se diz "indie" faz uma aleivosia destas? Os seus organizadores não sabem apartar as coisas, tantos as jurídicas como - e o que é ainda mais inadmissível - as relativas à liberdade criativa? Gentes arvoradas em "indie" que se comportam até pior do que os organizadores das quermesses das paróquias, aflitos com o "parece mal"? Subjugadas aos itens de uma agenda "correcta" - "interseccional", dirão os teóricos da tanga -, que sobrevaloriza, sublinha, histeriza, determinadas questões (género e sexualidade; identidade - e concomitante dita racialização) diante de outras?
 
Sem rodeios, basta entrar numa reunião "indie" de "lisboa" para perceber a mole sociológica e sua mundividência mainstream. "Bem-pensantes" de "boas-causas", já encanecidos imaginam-se como de "esquerda" - e hoje, 25.4, irão "à Avenida". E vêem-se como se "indie" fossem mas tratam-se apenas de meros índios de reserva, acobertados com os restos deste casino que é o Estado. Amodorrados em constante powwow, qu'entre eles é que se sabe das coisas, desalienados julgam-se, sendo os "outros" vis exploradores "extractivistas" ou coisa parecida.
 
Mostra-se assim o festival um fake-indie, amarrado ao mainstream político do "correctismo". E, deste modo paradoxal, é de contestar qualquer subsídio ou facilidade estatal que se lhe dê. E apupar as fundações - algumas também bem entrelaçadas com o tal Estado - que lhes dão uns trocos ou favores para irem andando. A troco do "respeitinho". Que fazer, repito? Ser indie, contra estes servis. 

"Ice Merchants" em exibição

João Campos, 19.02.23

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"Ice Merchants", a curta-metragem de animação de João Gonzalez que tem encantado o público em festivais de cinema por todo o mundo e que se tornou na primeira obra de produção portuguesa a ser nomeada para um Óscar - na categoria de Melhor Curta de Animação -, pode por estes dias ser vista em salas de cinema de Norte a Sul, em sessões de curta duração. E se merece ser vista em sala, esta animação lindíssima e emocionante, exemplo perfeito da vitalidade e da qualidade de dois formatos cinematográficos frequentemente menosprezados pelo nosso público - a curta, e a animação (quem conhece sabe que temos trabalhos de altíssima qualidade nestes campos). Vão ver, pois vale a pena - a qualidade da animação e do enredo não deixarão ninguém indiferente.

Editor Contra, de Luís Alvarães

jpt, 23.11.22

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É ético, pois requerido, que amanhã entre a Pátria em pousio, todos nós no dever de seguirmos "concentrados na selecção", assim no empenho comum de que os Nossos venham a regressar das (luxuosas) areias arábicas com o místico - e regenerador - "caneco", qual Graal actual. A rota começará às 16 horas, num temível embate com os ferozes ganeses, sempre protegidos pelos seus ímpios manipanços. Cruzado esse Cabo, e se assim nos acudirem São Jorge e o Grande Engenheiro Santos, nos dias seguintes esperam-nos outras tormentas impostas por acoitadas hostes nórdicas, dinamarquesas, alemãs, belgas. Ou, pior ainda, pela maldosa vizinha, esta vil peçonha espanhola.

Mas apesar da grandeza da Missão há indulgência para que entretanto.nos ausentemos desse dadivoso estupor frenético, nisso simularmos o normal quotidiano - desde que o façamos apenas por breves momentos, que não abalem ou mesmo rompam a comunhão que nos engrandece lusos.

E o primeiro desses momentos autorizados ocorre já amanhã, logo após a conclusão do glorioso episódio dos das "Quinas" - às 19 horas na Cinemateca Nacional é estreado o filme "Editor contra", de Luis Alvarães, centrando na vida do peculiar editor Fernando Ribeiro de Mello (haverá quem logo o associe à editora Afrodite - até pelo recente livro de Pedro Piedade Marques que lhe foi dedicado).

Ou seja, e para os da Grande Lisboa: jogo terminado, cinzeiros despejados, vasilhame apartado, restos dos víveres guardados. E ala que se faz tarde, que o Metro ou qualquer bolt ou uber (n)os colocará na Cinemateca a tempo.

E depois do filme poderemos regressar à Nação televisiva, congregando-nos nos comentários à patriótica demonstração dos nossos bem-amados "Quinas".

Sita

jpt, 26.06.22

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António de Macedo (1931 - 2017)

João Campos, 05.10.17

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É muito provável que o cinema português não o saiba, já que o votou ao esquecimento prematuro, mas com a morte de António de Macedo perdeu um dos seus mais talentosos, mais ousados, e mais originais cineastas. Tive o privilégio de conhecer pessoalmente antes de descobrir a sua obra - era presença assídua no Fórum Fantástico, tanto como convidado como na qualidade de espectador, e ouvi-lo era sempre um privilégio pela lucidez, pelo humor, pelas histórias mirabolantes que contava. Só mais tarde encontrei a literatura fantástica que escreveu e os filmes que realizou enquanto lhe foi possível. Há cerca de um mês vi na Cinemateca a sua primeira longa-metragem, Domingo à Tarde (1965), adaptada do romance de Fernando Namora; mas guardo especial memória de descobrir o assombroso O Princípio da Sabedoria (1975) há poucos anos, numa sessão memorável.

 

No ano passado, o DocLisboa encerrou com Nos Interstícios da Realidade, ou o Cinema de António de Macedo, um documentário realizado por João Monteiro, do Motelx, sobre o papel fundador de António de Macedo no "Cinema Novo" e sobre a forma como foi sendo afastado e esquecido. Deverá ser exibido dentro de pouco tempo em salas de cinema de todo o país, após a ante-estreia de ontem na Cinemateca, e não o poderia recomendar mais. Entre o documentário e as homenagens dos últimos anos, é possível que a obra de António de Macedo seja resgatada ao esquecimento e que ocupe o seu lugar merecido na história do cinema português. Já era tempo.

 

António de Macedo faleceu hoje, aos 86 anos.  

Apneia

jpt, 21.04.13

Só hoje vejo este "O Barão", de Edgar Pêra. Se eu pensasse que o Pêra, que é um tipo que eu não encontro para aí há 20 anos, serve para representar algum colectivo que me seja mais ou menos vizinho, ou dele emane, este filme seria a forma de me reconciliar com essa qualquer entidade, com a qual a amargura dos anos passados talvez me tenha azedado o amor. Mas não penso isso, até porque me vão dizendo que o homem não mudou muito e nisso não se terá amarfanhado, e ainda bem que assim é. Porque o filme é sumptuoso, iluminado. E dele. E arrebata-me. Uma apneia, avassaladora. Não sobre a qualquer coisa que me dizem os ecos escritos, mas sobre a vida, o poder. E, acima de tudo, a paixão. Fico, agora, já depois, exausto. Da tal apneia. Reconciliado com qualquer coisa. Com o cinema, talvez. Com a grandeza humana, com toda a certeza, essa que produz coisas destas.

(Nuno Melo, extraordinário)

 

(Leonor Keil, diva)

A vida que não mudou

José Navarro de Andrade, 30.12.12

 

A dada altura de “Mudar de Vida” de Paulo Rocha, eis a figura compostíssima da Dra. Maria Barroso descalça, com um molho de lenha à cabeça, sofismada pela boca a fazer biquinho por via da boa dicção aprendida na escola do Teatro Nacional de Amélia Rey Colaço.

Esta imagem poderá resumir todos os equívocos do Cinema Novo português.

Também Portugal, nos anos 50, teve o seu cinéma de papa, só que em vez de ser enfatuado e burguês como o da França modelar, era enfatuado e neo-realista como a Seara Nova. A isto queriam os moços formados no IDHEC obstar com desassossego cinéfilo, e desembraçarem-se do naturalismo a favor do realismo, da pompa cultural em benefício do ar da rua, das peripécias do enredo pelo rigor subjectivo dos factos (uma frase que só é paradoxal para quem não viu “À Bout de Souffle”).

A história é de quem a vence e tão retumbante foi a vitória do Cinema Novo que ainda hoje, passado meio século, o cinema português vai-se fazendo e pensando em torno do seu eixo programático. Ficou assim para o cânone que “Belarmino” (1964) de Fernando Lopes e “Os Verdes Anos” (1963) de Paulo Rocha, constituem pedras basilares e inamovíveis da cinematografia nacional. Mas se o primeiro parece ainda hoje perfeito e consonante com o que dele se pedia, já em “Os Verdes Anos”, se o conseguirmos ver sem a gravidade sacerdotal em que o velaram, há ali qualquer coisa que não bate certo – o quê?

O que é, revela-se então em “Mudar de Vida” (1966) e mais cabalmente na cena acima referida. Não é a inverosimilhança, porque em cinema isso é um dom e não um pecado, mas é a impressão de uma realidade não experimentada, abstracta e consumada como um arquétipo, em suma: desvitalizada. Fica-lhe um mérito nada pequeno, que ter a mais bela banda sonora de sempre feita em Portugal, dedilhada por Carlos Paredes.