Monumental (1951-1984): imponente mas malogrado cineteatro
Percorro ruas e avenidas de Lisboa e vou-me lembrando dos cinemas que existiam ainda não há muitos anos espalhados pela cidade. Quase todos desapareceram já, devorados pelos novos hábitos de consumo, que nos mandam recolher a casa e olharmos a vida e os filmes pelo quadradinho da televisão.
Na Avenida de Marquês de Tomar, atrás da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, existiu em tempos o cinema Berna: abriu em 1970, com uma fita que fez “estrondoso sucesso”, como então se dizia: Borsalino, com Jean-Paul Belmondo e Alain Delon. Outros tempos, outros hábitos: a filmografia francesa arrastava multidões.
Outro cinema estreado por essa altura com uma película falada em francês foi o Satélite, ali ao Saldanha, espécie de irmão mais novo do imponente mas malogrado cineteatro Monumental - onde, em criança, Mary Poppins me deslumbrou. Coisas da Vida, assim se chamava a fita inaugural do Satélite, com Romy Schneider e Michel Piccoli. Esteve cerca de um ano em cartaz, algo impossível nos dias que correm.
E havia o Apolo 70, atracção máxima no drugstore do mesmo nome, na Rua Júlio Dinis, ao Campo Pequeno: vi lá um dos filmes da minha vida: Apocalypse Now, de Francis Coppola.
Apolo 70 (1971-1990): esteve muito na moda, mas mal chegou à idade adulta
No Império – outro cinema que fechou, situado na Alameda Afonso Henriques, vi em estreia Encontros Imediatos do Terceiro Grau, de Steven Spielberg. Inesquecível.
Nostalgia e cinefilia são dois vocábulos que caminham a par: por mim, associo antigos cinemas de Lisboa a filmes que jamais passarão de moda. No Camões, perto da praça do mesmo nome, vi a Lolita, de Stanley Kubrick. No Caleidoscópio, em pleno jardim do Campo Grande, chorei a rir com Uma Noite na Ópera, dos Irmãos Marx, e empolguei-me com Intriga Internacional, de Alfred Hitchcock.
Ligarei sempre o Berna a outro filme de Spielberg, Os Salteadores da Arca Perdida, e a uma película que na altura me encantou e jamais revi: Bem-Vindo, Mr. Chance, do malogrado Hal Ashby. No Satélite, vi A Regra do Jogo, de Jean Renoir. No Mundial (às Picoas), E Tudo o Vento Levou. No São Luiz (ao Chiado), vibrei com o Correspondente de Guerra, de Hitchcock. E recordo como se fosse hoje a Guerra das Estrelas, de George Lucas, em estreia no ecrã gigante do Monumental.
Cinema Alvalade original, inaugurado em 1953 na Avenida de Roma
No Estúdio, sala associada ao Império, esteve em exibição durante mais de um ano uma fita do Botsuana que fez furor: Os Deuses Devem Estar Loucos. Não a perdi, claro. Nem Kramer Contra Kramer no City Cine (Picoas), Um Cadáver de Sobremesa no Terminal (em plena estação ferroviária do Rossio, outro enorme sucesso de bilheteira na estreia deste cinema, em 1976), o francês Uns e os Outros no Star (na Avenida Guerra Junqueiro) e A Semente do Diabo no Xenon (na Avenida da Liberdade).
Sem esquecer o mítico Quarteto, onde assisti a filmes atrás de filmes – do Expresso da Meia Noite (1978) até Babel (2006). Ou o Alfa (na Gago Coutinho), onde vi Os Pássaros, de Hitchcock. Sem esquecer o Estúdio 444, na Defensores de Chaves; o Pathé (antigo Imperial), a Arroios; o Roxy (antigo Lys), na confluência da Almirante Reis com a Rua dos Anjos; o Aviz e o Ávila, na Duque de Ávila (assisti lá, na habitual terceira fila a contar do ecrã, a Vontade Indómita, de King Vidor, com Gary Cooper); o Castil, na Rua Castilho; o Fonte Nova e o Turim, na Estrada de Benfica; o ABCine, na Praça de Alvalade; o Roma, na avenida homónima; o Cine 222, na Avenida da Praia da Vitória; o Cinebloco, na 5 de Outubro; o Europa, em Campo de Ourique; o Zodíaco, na Rua Conde Redondo; o 7.ª Arte, junto ao viaduto dos comboios de Entrecampos; e o Cine AC Santos, num espaço comercial da Avenida da Igreja (onde vi A Morte de um Apostador Chinês, de John Cassavetes).
E, claro, havia o Eden, nos Restauradores: recordo-me ali da antestreia de um filme português em grande estilo, ao jeito de uma gala de Hollywood - A Vida É Bela?, de Luís Galvão Teles, com Nicolau Breyner no principal papel.
Do outro lado da Avenida, era o Condes: vi lá Serenata à Chuva e A Rainha Africana, entre outros clássicos. Mais acima, o Tivoli (onde apreciei o delirante Doutor Estranhoamor, de Kubrick) e o São Jorge, vocacionado para produções britânicas (uma das últimas a que ali assisti foi O Paciente Inglês).
Entre os meus favoritos, durante anos, contava-se o Londres, na Avenida de Roma, que chegou a ter as cadeiras mais confortáveis das salas de Lisboa: vi lá em estreia A Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen, ainda com Mia Farrow como protagonista. Também o King, inicialmente chamado Vox, que acompanhei mesmo até encerrar por absoluta falta de investimento e manifesta falta de espectadores. Volver e Los Abrazos Rotos, de Pedro Almodóvar, foram dois dos últimos filmes que ali me cativaram. Nunca os esquecerei.
Nimas, de 1975: um dos raros sobreviventes da era do cinema com porta para a rua
Destes espaços autónomos que nos proporcionaram tantas horas de prazer restam muito poucos. Praticamente só o Alvalade, com traça alterada mas ainda resistente, na garbosa Avenida de Roma, o Nimas – inaugurado em 1975, na Avenida 5 de Outubro, com um filme que permaneceu largos meses em cartaz: Chove em Santiago. E o centenário mas renovado Ideal (que também já se chamou Camões), na Rua do Loreto.
Nada garante que não venham a fechar também num prazo curto.
Lisboa é uma cidade que descura a sua memória cultural. E que parece ter deixado de gostar de cinema. Agora o que está a dar são as pipocas.