Sydney Pollack: regresso aos clássicos
Por muito que isso hoje nos pareça quase impossível, nesta era em que se veneram os efeitos especiais por computador, houve uma geração de cineastas que acreditou profundamente no trabalho dos actores e valorizou ao máximo a arte da representação.
Foi a geração a que pertenceu Sydney Irwin Pollack (1934-2008).
Ele sabia bem o que era ser actor: os seus primeiros passos em Hollywood foram dados como intérprete de filmes e séries televisivas. Como aconteceu com Arthur Penn, Sidney Lumet, Clint Eastwood, Mike Nichols e Woody Allen, entre vários outros cineastas que começaram por ser actores.
No caso de Pollack, representar foi uma verdadeira escola: chegou até a subir às tábuas da Broadway, entre aplausos generalizados, em peças como A Stone for Danny Fisher (ao lado de Zero Mostel). Na televisão, ficou memorável o seu desempenho na adaptação de Por Quem os Sinos Dobram, de Ernest Hemingway (realizada em 1959 por John Frankenheimer). Já atrás das câmaras, ainda em televisão, ganhou experiência como realizador de episódios de Ben Casey, Alfred Hitchcock Hour e Bob Hope Presentes the Chrysler Theatre. Esta última série valeu-lhe um Emmy em 1996.
Na era da TV, sentia-se em Pollack a nostalgia da idade de ouro do cinema. Na linha dos cineastas clássicos, ele estava à vontade nos mais diversos géneros – do drama à comédia, do melodrama ao filme de acção. Em duas dezenas de longas-metragens,
foi um dos cineastas que devolveram aos espectadores o prazer de olhar, associando entretenimento a obra de arte – lição dos pioneiros que fora esquecida por alguma da geração intermédia.
Contrariando também as tendências dominantes à época, os seus filmes foram veículos para o desempenho quase sempre brilhante da mais diversa gama de actores: ele sabia tirar o melhor partido de cada um. Começando por Robert Redford, que dirigiu em sete películas. Mas também Dustin Hoffman (Tootsie), Paul Newman (A Calúnia), Jane Fonda (Os Cavalos Também se Abatem), Barbra Streisand (O Nosso Amor de Ontem), Faye Dunaway (Os Três Dias do Condor) e Tom Cruise (A Firma).
O olhar de Pollack devolve-nos também a confiança na condição humana contra o cinismo dominante na nossa época. Era liberal na tradição americana: acreditava nas virtualidades do indivíduo e na capacidade de regeneração das instituições – também aqui seguindo a linhagem clássica de Hollywood.
Continuou a representar (vimo-lo no cinema, em filmes como Maridos e Mulheres, de Woody Allen, O Jogador, de Robert Altman, ou De Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick, e até na televisão, em alguns episódios dos Sopranos) e destacou-se ainda como produtor (de muitos dos seus filmes, começando por Os Cavalos Também se Abatem, e também de películas como Os Fabulosos Irmãos Baker, O Talentoso Mr Ripley, Iris, O Americano Tranquilo, Cold Mountain ou Michael Clayton).
Hollywood tratou-o bem: nomeou-o três vezes para o Óscar – por Os Cavalos Também se Abatem (1969), Tootsie (1982) e África Minha (1985). Ganhou com este último: 11 nomeações, sete estatuetas (melhor filme, realização, argumento adaptado, fotografia, direcção artística, som e partitura original de John Barry).
“I haard a faaarm in Aaafreekar” – a frase de abertura tornou-se instantaneamente uma das mais famosas do cinema neste inesquecível melodrama inspirado na vida da escritora dinamarquesa Karen Blixen que Orson Welles e David Lean já haviam planeado transpor para a tela.
Alguma crítica torceu o nariz, aludindo ao excesso de sotaque de Meryl Streep e à ausência de sotaque de Robert Redford. Mas o público aderiu sem reservas. Pollack foi, de resto, um cineasta que sempre teve melhor relação com o público do que com a crítica: é a sina de muitos grandes autores.
O Nosso Amor de Ontem (The Way We Were (1973), outro melodrama, recebeu vaias de muitos críticos, mas os espectadores aplaudiram a inesperada química no ecrã entre Katie Morosky (Streisand) e Hubbell Gardiner (Redford).
Como se tinham rendido ao desempenho de Jane Fonda em Os Cavalos Também se Abatem – retrato impiedoso da América de grande depressão que acabou por ser o primeiro filme norte-americano exibido na TV soviética. E viriam a adorar Tootsie, genial comédia sobre a identidade sexual e a fama televisiva, com um Dustin Hoffman em estado de graça.
Tootsie era o nome que chamavam a Dustin em miúdo – e foi dele a ideia para baptizar a personagem e o filme, inicialmente intitulado Would I lie to you?
É curioso lembrar os dez filmes preferidos de Pollack: Casablanca (Michael Curtiz); O Mundo a seus Pés (Orson Welles), O Conformista (Bernardo Bertolucci); O Padrinho II (Francis Ford Coppola); A Grande Ilusão (Jean Renoir); O Leopardo (Luchino Visconti); Era uma vez na América (Sergio Leone); O Touro Enraivecido (Martin Scorsese); O Sétimo Selo (Ingmar Bergman) e O Crepúsculo dos Deuses (Billy Wilder).
Escolhas de um cineasta versátil que ainda em vida se tornou um clássico.