Frases de 2025 (32)
«O Chega, para sobreviver como partido, tem de mudar profundamente. E não é com André Ventura.»
Gabriel Mithá Ribeiro, ex-deputado do Chega, ontem à SIC N após romper com o partido
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«O Chega, para sobreviver como partido, tem de mudar profundamente. E não é com André Ventura.»
Gabriel Mithá Ribeiro, ex-deputado do Chega, ontem à SIC N após romper com o partido


Ontem à tarde acompanhei, em dois canais de notícias, debates pós-eleitorais com vários comentadores a analisar as autárquicas. Em ambos o Chega "venceu" por maioria absoluta. Nenhum outro teve sequer um tempo de antena aproximado.
O debate da SIC Notícias durou 26 minutos. Período em que o Chega foi mencionado 52 vezes (uma a cada 30 segundos), deixando todos os outros a larga distância. O segundo foi o PS (24 vezes) e o PSD fechou o "pódio" (12 vezes). Os restantes? Bloco de Esquerda seis vezes, AD cinco, CDS três, PCP uma.
O debate da CNN Portugal durou 19 minutos. Com domínio ainda mais esmagador do partido de André Ventura: mencionado 44 vezes. Aqui também o PS em segundo (18 vezes). Depois o BE com sete, o PSD com apenas três. A conta completou-se com singelas menções à AD e ao Livre: uma cada.
Nada mais.
Assisto, perplexo, a este frenesim comentadeiro em torno do Chega nos mesmos canais que passam o tempo a "denunciá-lo". Atracção e repulsa em simultâneo, com incompreensível desproporção face a outras forças políticas.
Ouvindo estes debates, dir-se-ia que Ventura foi o grande triunfador destas autárquicas em que afinal perdeu cerca de 800 mil votos na comparação com as legislativas de 18 de Maio e venceu em apenas três municípios, perdendo nos restantes 305. Dez vezes abaixo da marca que previu.
Em número de presidências de câmara, o Chega estacionou em sexto - atrás do PSD (135), do PS (128), dos movimentos independentes (20), da CDU (12) e do CDS (7). Contrariando em toda a linha o que Ventura anunciara poucos dias antes do escrutínio: seria «impensável» ficar abaixo de comunistas e centristas. Mas ficou.
Não pode queixar-se, porém. Nos canais de notícias, os comentadores continuarão infatigavelmente a falar dele e do seu partido - dando-lhe palco, dando-lhe gás. Como se vencesse em toda a linha, mesmo quando perde. Como se os outros quase nem existissem, mesmo quando ganham.
Nos intervalos, a tribo comentadeira queixa-se do "extremismo" e do "populismo". Que vão medrando precisamente com o prestimoso auxílio destes canais.

Encerra hoje a campanha eleitoral para as autárquicas do próximo domingo. Ignorada em larga medida pela generalidade dos órgãos de informação, que adoptaram a mesma grelha editorial aplicada às eleições para a Assembleia da República. Vigora a lei do menor esforço: as equipas de reportagem seguem a agenda diária dos "líderes", mesmo sabendo que nenhum deles é candidato a lugar algum neste escrutínio. Estão em Vinhais, Alcobaça ou Alhos Vedros integrados na comitiva dos caudilhos partidários como se caminhassem numa rua de Lisboa. Não fazem qualquer pergunta de âmbito local ou regional: só se interessam pela politiquice nacional.
Toda a campanha foi percorrida por temas laterais. Desde a ardilosa travessia mediterrânica da doutora Mortágua até ao famigerado "caso Spinumviva" - enésima intromissão do Ministério Público em campanhas eleitorais, repetindo o sucedido em Março. Na altura o tiro saiu-lhes pela culatra: a AD ampliou o elenco parlamentar e o PS sofreu a mais humilhante derrota da sua história. Faltam 48 horas para sabermos se isto vai repetir-se, desta vez no plano autárquico.
Agora que tanto se fala em populismo, aqui fica o sucinto balanço desta campanha em que foi notória a falta de sintonia entre o país mediático e o país real. Tanto o manifesto desinteresse dos jornalistas pelo Portugal profundo como a crescente politização dos órgãos de investigação criminal apenas contribuem para o aumento das forças populistas que uns e outros dizem desprezar.
André Ventura certamente agradecerá: desta vez nem precisou de protagonizar nenhum psicodrama hospitalar para levar a água ao seu moinho. A desvalorização do carácter local e regional desta campanha beneficia o Chega, menos implantado no terreno do que as forças políticas tradicionais. E a instrumentalização de jornais e televisões pelas habituais fontes anónimas do Ministério Público contaminou fatalmente o debate político, induzindo a noção de que a "roubalheira" é endémica neste país carente de uma falange salvadora contra a "impunidade".
Depois não se queixem.

Grita contra o amiguismo, berra contra o nepotismo, clama contra o compadrio. Carregando sempre nos decibéis, como se fôssemos todos surdos.
E afinal quem acaba ele de escolher para putativo "ministro da justiça" do governo-fantasma? O seu padrinho de casamento. Não terá encontrado ninguém melhor lá na agremiação. Amiguismo e compadrio, ora pois. Daquele que corre para ser Presidente da República e primeiro-ministro ao mesmo tempo. Daquele que acusa outros de andar atrás de "tachos".
Gabriel Mithá Ribeiro, que ficou a conhecê-lo, define-o em poucas palavras no momento em que se desvincula do grupo parlamentar do Chega: Ventura é «limitado pela intuição» e tem «discurso de taberneiro».
Digno afilhado de tal padrinho: estão muito bem um para o outro.
Ou seja, com esta história dos hambúrgueres, Ventura transformou a imagem de um Presidente tagarela e meio gagá, num Presidente simpático e bem visto, até pela esquerda. Os memes que se vêem, nas redes sociais, são todos muito generosos com Marcelo Rebelo de Sousa. Como se fosse ele o autor de um humor fino e descontraído. E isto, vindo de vários quadrantes políticos. É obra!

A política faz estranhos companheiros de percurso. Um antigo fiel escudeiro do inenarrável Bruno de Carvalho no Sporting foi escolhido para candidato do Chega à Câmara Municipal de Lisboa por um antigo fiel escudeiro do imprestável Luís Filipe Vieira no Benfica.
A clubite partidária une agora o que o fanatismo futebolístico separava. Mas nada garante que eles vivam felizes para sempre.

Há dias vi referências a algo de que nunca ouvira falar: um debate televisivo feito em Janeiro na estação Now entre um jota PS, Bruno Gonçalves, e a ascencional jovem do CHEGA, Rita Matias. Essa recuperação deve-se a ter ali a deputada chamado “ratos” aos socialistas e aos imigrantes, dos quais considera necessário limpar Lisboa. Neste tipo de debates - a que alguns chamam "comentários" - aos participantes pouco importam os oponentes, pois o relevante é-lhes animar as hostes próprias que os tele-acompanham. É notório neste caso: vi a reprodução parcial deste debate no canal youtube do CHEGA onde, a este propósito, abundam exaltantes elogios a Matias...
Sobre políticos muitas vezes recorro a termos muito mais desabridos do que esse “ratos” - em especial se aludo às figuras gradas do PS de Sócrates e Costa. Mas eu não sou figura pública e muito menos um político eleito. E, mais importante, uso esse léxico “viril” em momentos privados (e, muito, em monólogos).
Essa necessária distinção “público” / “privado” não ancora apenas na dita “boa educação”. Deve-se também a que o vocabulário desabrido usado por políticos em público não só esvazia o debate - o que até pode ser um objectivo. Mas, acima de tudo, porque acicata ânimos desbragados. E foi isso que quis fazer a jovem turca deputada, na televisão reduzindo a "ratos" os seus opositores socialistas.
Mas muito pior é chamar "ratos" aos tendencialmente desvalidos que andam para aí como imigrantes pobres. O jota PS que ali se lhe opunha a Matias logo convocou a memória da retórica nazi. O que é um erro! Sim, há uma similitude lexical e semântica. Como tão bem mostra o célebre “Maus” de Art Spiegelman - ainda que seja evidente que nem Matias nem os seus pares o leram ou lerão. Mas é um erro estratégico, pois o mote de associar CHEGA ao nazi-fascismo está estafado, não funciona. Pois não é credível àqueles que são sensíveis à argumentação contestatária daquele partido. Ou seja, gritar “fascistas” aos do CHEGA serve apenas para conforto próprio dos invectivadores, não para sucesso na interlocução, dialogante ou confrontacional. Aliás, como se viu nestes últimos anos, isso só tem alimentado o crescimento do partido de Ventura.
Mas há um facto a lembrar, talvez mais útil para esta oposição: o mais competente genocídio da história foi o que aconteceu no Ruanda em 1994. Foi um fartar vilanagem. Num mês e meio houve cerca de 800 000 mortos: hutus massacraram tutsis, também hutus "moderados" e quem mais aparecesse. A maioria assassinada à catanada por milícias e populares exaltados. Para agitar essa gigantesca turba hutu foram os tutsis insultados de “baratas", um equivalente a estes “ratos” de Matias.
Não afirmo que o CHEGA queira matar os imigrantes à catanada (ou com foices e ancinhos - até porque já poucos usam alfaias). Mas os seus dirigentes usam estes termos para acicatar os ânimos, exaltando os exaltáveis. Matias et al são verdadeiros hutus…! Querem deixar as franjas de incultos lusos em “ponto de rebuçado”, tornar a sua grunhidão latente em activa… E avivam as cloacas morais dos letrados - cinquentões, sexagenários, septuagenários, doutores, directores, trota-mundos. Aperaltados. Esses que agora, ao invés dos anos que já nos passaram, durante os quais eram mais cuidadosos, estão férteis em “bocas” e insultos, falam (e até escrevem) sobre “pretos” e “monhés” sem pejo e com acinte - e noto-o eu, com isso enjoado apesar de nada “politicamente correcto” e após duas décadas de Moçambique onde o uso dos termos é mais usual, contextualizado. Se assim estão estes “sôs dôtores” como estarão os populares extremados, os morcões holiganescos?
Enfim, estes tipos do CHEGA não são fascistas, é preciso ter consciência disso. São, a Matias e os outros, é uns g’andas hutus!
(Postal no "O Pimentel")

André Ventura hoje no seu melhor: enquanto Rui Paulo Sousa, um dos principais deputados do seu partido, discursava na tribuna da Assembleia da República, durante o debate do programa do XXV Governo Constitucional, ele falava aos jornalistas, do lado de fora da sala das sessões, anunciando uma iniciativa parlamentar qualquer.
Este homem não cumpre os mínimos, nem para os dele. Que falta de chá.

Na morte de Eduardo Gageiro convido quem me leia a visitar o mural de Facebook do Miguel Valle de Figueiredo. Pois agora ele recolocou um magnífico retrato (verdadeira homenagem) que de Gageiro fez, em plenas comemorações do 25 de Abril, em 2024.

Gageiro foi muito (muitíssimo) mais do que o “fotógrafo de Abril” - e, entre tanto trabalho, fez um espantoso manancial de fotografias que não sendo “etnográficas” deliciam qualquer antropólogo. Mas noto que dele só tenho este livro-catálogo de uma sua exposição comemorativa, “25 Textos de Autores Portugueses Sobre Fotos de Abril” (Festa do Avante, 1999) - herdei-o do meu pai, que enquanto pôde não falhou uma Festa.
(Nem gosto muito do livro. Pois se aprecio um ensaio sobre uma fotografia, já torço o nariz a esta tendência, recorrente, de fazer ombrear imagem com um texto alusivo. Ou seja, as boas fotografias desnecessitam de serem atravancadas com palavreado, aceitam - no máximo - uma legenda significativa. Mas entendo o propósito, então o da celebração dos 25 anos da revolução, congregando algumas das mais conhecidas fotografias da época e dizeres e sentimentos de autores “camaradas e amigos” do fotógrafo.)

E uso a morte de Gageiro e as suas fotografias para falar do (meu) quotidiano. Há poucos dias, em roda alargada de esplanada, uma amiga recente, mais-nova, de súbito perguntou-me em quem voto eu. Resmunguei mudo “raisparta, ando eu a blogar sobre o assunto e nem os amigos me lêem…”. E respondi-lhe. Aduzindo um assim legítimo porque recíproco “e tu, votas em quem?”. Para ser surpreendido - pelo parco saber que do seu contexto tenho e, ainda mais, por ser ela uma mais-nova - pelo seu “voto PCP”. Devo ter esbugalhado os olhos pois ela quis justificar a opção. Cortei-a cerce, “hei, o meu pai era o Camarada Pimentel, foi-o até à morte…”. Ou seja, avancei, “votas PC? Ok, discordamos. Eu salto na cadeira é com os do BE - e não por razões ideológicas, morais ou racionais, é mesmo fisiológico…”.
Nisso o seu namorado, também meu mais-novo, simpático que eu mal conheço, avançou “eu votei no CHEGA”. E eu aí devo ter arqueado a sobrancelha, até pela surpresa da disparidade entre eles. E como tal também ele se quis justificar num “votei como protesto contra isto, contra estes tipos”. Tudo bem, cada um como cada qual, inflecti, para que não nos puséssemos ali a discutir política. Pediram-se mais umas cervejas e fomos para outros temas.
Mas fiquei com o episódio, a matutar. Por um lado, porque demonstra a superficialidade destas “identidades políticas” que as minorias sobre-politizadas continuam a brandir. Pois duas pessoas seguem imunes ao histrionismo dos comentadeiros, às arengas militantes, e nisso vão-se amando - ou, pelo menos, gostando - tendo planos conjuntos, de curto, médio ou longo prazo, isso é lá com eles, divertem-se, carnal e socialmente, partilham-se. E, entretanto, cada um vota no oposto do outro. Sem qualquer problema. Magnífico.
Por outro lado, foi-me o episódio comprovativo. O voto no CHEGA é muito isto, não ideológico ou “preconceituoso” ou “intolerante”. É o protesto contra “o estado a que isto chegou”, para glosar o capitão de Abril.
Mas o problema - e foi isso o que eu me eximi de resmungar com o mais-novo, e escrevo-o agora, talvez ele me venha a ler o postal - é que esse voto de protesto alimenta um partido cujos dirigentes e muitos militantes abominam estas fotografias. E tudo o que significam.
São os que se dizem “deputados da Nação”, chorosos do Estado Novo. Irados contra o apear da imagem de Salazar (magnífico momento de Gageiro, se encenado ou não pouco importa), pois ao ditador apondo virtudes. Revanchistas contra as liberdades individuais - de facto crentes na necessidade de amordaçar, alguns que sejam, até algemar se possível. Saudosistas do colonialismo, vendo traição na justeza histórica. E que votando nesta gente, por protesto contra estes trastes que entretanto vão mandando, mais eco lhes é dado. Mais capacidade de influenciarem outros, de lhes inculcarem as suas abjectas ideias.
Que assim se vão disseminando. É agora notório que no país democrático do grande Rui Manuel Trindade Jordão, de Shéu Han, de Gil, de Oceano, de Éder, de tantos outros, vitoriosos ou não, célebres talentosos, esquecidos medianos, desconhecidos medíocres, surgem agora - como nunca antes - nas catacumbas da internet bramidos contra “negros” nas selecções desportivas nacionais. Pois, para essa escumalha, antes menor e menos ruidosa, o “preto” não é digno de nos representar. Há que os esconder, pelo menos, a esses tais. Ou até escorraçar. E o voto “de protesto” anima, alimenta, esta cáfila asquerosa.
E - mesmo sendo hoje - não nos chega a arte do Nuno Mendes para opor a tal gente. Ou a garra dos putos Sub-17. Pelo contrário, ira-os ver “pretos” com sucesso.
Será para isso adequado voltar às fotografias de Gageiro. Que nos mostrou como “povo” daquelas maneiras. E também como “povo” querendo paz (contra os malvados do “Império”) e liberdade (contra os melifluos da “Nação”). E nisso virar costas a esta gentinha. Que é verdadeiro “Lixo Branco”, como dizem lá nos EUA.

( Resha'im Arurim (Maldita gente má) - é uma imprecação celebrizada do folhetim televisivo Shtisel.)
Consciente de que o bater das minhas asas de borboleta não iria amainar o furacão em Israel, prometi-me não blogar sobre aquilo. Deixei apenas o postal “Are you out of your fucking mind?” em 4.11.23, face à desvairada reacção israelita ao miserável atentado sofrido. Ponto final parágrafo.
Mas posso falar sobre Portugal. Neste nosso país, atrapalhado por várias coisas, entre as quais a estridente cacofonia dos mariolas comentadeiros - alguns deles germinados na velha "blogosfera" mas não só - ainda há um ou outro "intelectual público" que justifica seguir. Entre esse reduzido núcleo realça-se António Barreto, que segue qual nosso "fio-de-prumo" - e cujos textos de opinião em jornal são sempre transcritos no blog Sorumbático.
Após estas eleições lembrei-me dele, por duas razões de curto prazo:
1. A primeira pois na véspera da votação ele publicara no “Público” este “Lembretes”. No qual sublinhou que durante a campanha nenhum partido elaborara sobre política externa, denotando a vacuidade em que vegetam, concluo eu…
Nesse texto foi cristalino sobre a situação em Israel. E não lhe foi preciso embrulhar-se com um cachecol a la palestiniano:
“Os movimentos Hamas, Hezbollah, Estado Islâmico ou Daesh, Hutis e outros grupos terroristas, assim como alguns Estados da região, seguramente o Irão e parte do Iémen, declaram expressamente que lutam pela liquidação do Estado de Israel e pela expulsão dos Judeus ou Israelitas da região. Nunca o esconderam. Nunca usaram subterfúgios ou metáforas. Por isso Israel tem todo o direito e dever de lutar pela sua vida e pela sobrevivência. Após as agressões de 7 de Outubro de 2023, Israel decidiu justamente retaliar. Tratava-se de punir os agressores, recuperar os reféns e sobretudo derrotar o Hamas. Ao fazê-lo, Israel decidiu também agredir apoiantes do Hamas, seja o Líbano e o Irão, seja o Iémen e a Síria, ou ainda o Hezbollah e outros terroristas. A ofensiva israelita atingiu dimensões e natureza totalmente desproporcionadas, configurando mesmo uma intenção deliberada para eliminar todas as expressões políticas dos palestinianos na região, em particular na Cisjordânia e em Gaza. As cidades arrasadas e mais de 50.000 palestinianos mortos configuram um massacre de população absolutamente inaceitável que nem sequer o argumento de sobrevivência de Israel justifica. Outros meios e outras acções haveria para atingir os mesmos fins. (…)”.
Isto é-me mais significativo após as eleições. Quanto tantos (e até eu) resmungam(os) contra o enorme painel de deputados eleitos do CHEGA, justificadamente previstos como desprovidos de bom-senso e cultura, e até de educação, que lhes permita exercer funções políticas com um mínimo de pertinência.
Ora acontece que entre os milhares das minhas ligações-FB (os ditos “amigos”) consta um deputado do PSD, Carlos Reis, que decerto não será excêntrico ao sentir geral das suas hostes. Este, em plena campanha eleitoral, fez-se publicar um longo e enfático ditirambo dedicado a Israel e seu rumo actual. Fazendo "tábua rasa” de quaisquer preocupações humanitárias ou políticas. Certo que concede dever Israel atentar nas condenações internacionais que vem sofrendo, mas… deriva para considerar que tem aquele país muitas justificações para o que anda a fazer. E não deixa de arrolar, em prol da política israelita, vários argumentos entre os quais - sabe-se lá porquê - os peculiares padecimentos dos homossexuais nos países vizinhos (talvez não em Gaza, pois aí estão mesmo é a ser bombardeados). É esta uma pobreza de irreflexão e de insensibilidade. E foi elevada a parlamentar.
Enfim, esta é a qualidade e a mundividência do pessoal político que nós elegemos. E em vez de andarmos a querer lapidar (ou mesmo “a matar” como clamava um comentadeiro televisivo) os do CHEGA seria melhor educar os dos partidos democráticos. Ou seleccioná-los melhor.

2. A segunda razão é por ter visto esta semana na RTP os dois episódios do documentário “Rumo à Liberdade” de António Barreto. (Podem ser vistos na RTP Play: 1 (52 minutos); 2 (55 minutos). O primeiro apresenta o estado do país no ocaso do Estado Novo. O segundo é sobre a revolução de 1974 e o processo subsequente. Um programa excelente. Um registo pausado, texto equilibrado - não é um panegírico celebratório -, bela selecção de arquivo filmíco.
Diante desta mole de um 1 milhão e 300 mil votantes na auto-reclamada “direita” - de facto uma extrema-direita polvilhada de explícitos saudosistas do Estado Novo e do Império colonial - não se a deve reduzir a uma amálgama de “fascistas”.
Mas seria positivo mostrar-lhes a miséria e a vilânia, a repressão, a corrupção, a ignomínia colonial que reinavam no país - dissecadas no primeiro episódio deste documentário. Pois é dessa infecta situação de que esses seus deputados CHEGA agora eleitos têm saudades. Como o mostram nos seus estuporados, anacrónicos, revanchistas clamores contra os “abrileiros”.
O país não melhorará com essa tralha de gente, esta “Maldita Gente Má”. E também não com a gritaria falsária do “isto são 50 anos de corrupção”, um “dantes é que era bom”. Ir por aí (como tantos estão a ir) não será mais do que isto:

Mas será que as gerações mais novas terão paciência para pausados documentários com episódios de cerca de uma hora?
Quando um líder de um partido sabe que está rodeado de incapazes, sente que é preciso dizer ao país que num eventual governo liderado por si, os seus membros serão "nomes que não se pautarão pela sua militância partidária, mas pela sua competência". Entendo-lhe a necessidade.


Eis uma pequena amostra do que foi espalhado em Portugal há 45 anos visando o presidente do PSD (e depois primeiro-ministro) Francisco Sá Carneiro, acrescidos de inscrições nas paredes em que o insultavam das mais diversas formas - até ao dia da sua trágica morte, a 4 de Dezembro de 1980.
Se quiser adaptá-los a Luís Montenegro, para prosseguir a actual campanha de difamação, André Ventura precisa, porém, de pagar direitos de autor ao Partido Comunista.

André Ventura mandou espalhar este cartaz um pouco por toda a parte. Equipara Luís Montenegro - que não está indiciado por delito algum - a José Sócrates. Apontando ambos como os rostos da «corrupção» neste meio século em Portugal. (Mas porquê só meio século? Não houve corrupção durante a ditadura?)
Além do desprezo pelo regime saído da Constituição de 1976 patente neste escarro visual, que as papoilas saltitantes do Chega vêm reproduzindo nas suas contas do Instagram e do Tik Tok, isto comprova algo que já sabíamos: o antigo vereador do PSD na Câmara Municipal de Loures não olha a meios para atingir os fins.
Estou convicto, porém, que neste caso o feitiço se vira contra o feiticeiro: funciona ao contrário. Em primeiro lugar, por ser flagrante aldrabice. Em segundo, por tornar ainda mais imperioso o cordão sanitário ao Chega que Montenegro estabeleceu há um ano, quando declarou «não é não». Finalmente, por deixar de mãos atadas os raros que no partido laranja sustentavam uma aproximação à direita extremista: depois disto, tal cenário esfuma-se de vez.
Conclusão: Ventura deu um enorme tiro no pé. Ou noutra parte do corpo, talvez ainda mais dolorosa. Consequência de não haver ninguém por lá com coragem para lhe dizer o óbvio: coisas destas servem apenas para que ele vá resvalando ladeira abaixo. Com o maior índice de rejeição de um líder partidário na democracia portuguesa.


Não se governa com moralismos, mas sim com pertinência decisória. Na política os discursos moralistas são sempre escalfetas para acalentar tendências ditatoriais - fascistas, comunistas -, colhendo acéfalos apoios naquilo "assim é que é!" (ou seja, "assim é que deve-ser!"). De resto, em todos os partidos, movimentos, ideologias e crenças há gentes muito diferentes, cada um de nós com suas "públicas virtudes, vícios privados", nisso mais ou menos avessos aos "valores" e "princípios" propagandeados pelas forças políticas a que aderimos. Há nestas contradições uma diferença fundamental - quando uma organização política que se suporta em retórica moralista se contradiz institucionalmente (como agora na mariolice do BE com os seus empregados) é um fenómeno diferente de que quando membros individuais de uma força política têm actos avessos à retórica dos grupos que integram.
Ainda assim este caso do deputado Pardal Ribeiro do CHEGA - deputado municipal mas também integrante da candidatura à Assembleia da República - é politicamente avassalador. Nada tenho contra a prostituição. Desde que o prostituído seja dotado de total livre-arbítrio - e nisso incluo que não o faça constrangido por míseras condições de vida e falta de expectativas. Quanto à clientela, enfim... julgo uma tristeza, entre a desgraça pessoal e a extrema falta de tino haverá uma infinitude de motivos para levar alguém a pagar para ter sexo. Mas não é no caso pessoal que me centro - apesar do meu (malvado, confesso-o) sorriso, pois ver um ex-presidente da Associação Nacional de Toureiros nestes patéticos maus lençóis recorda-me o que sempre achei da estética da "Festa Brava", pois aqueles ademanes, roupas justas e berloques parecem-me, desde a juventude, uma coisa muito ... a la Rocky Horror Show, para não dizer outra coisa.
Mas ainda assim é impossível não convocar como o CHEGA cresceu, no vozear de falsidades, de exageros, de verdadeiros maldades dizendo malvados todos os outros, invectivando-os, invectivando-nos, como ladrões, corruptos, criminosos, imorais, até doentes. Ou, pelo menos, como acéfalos complacentes. E por isso Ventura e sua trupe tanto gritam contra ciganos, defensores da homossexualidade, muçulmanos, imigrantes, etc. E contra todos aqueles que tenham tendências ou ideias diversas dos que "os de Ventura" têm. Expulsar uns, prender outros, castrar aqueloutros, clamam.
E se esses discursos não são "aquilo que é preciso dizer", como tantos se deixam encantar, ainda menos o são quando quem os grita é esta tropa fandanga. Agora demonstrada à evidência por um mariola que rouba malas e vende os seus conteúdos por via postal através do parlamento, outro que sai a fazer felações a um miúdo de 15 anos em troca de 20 euros! O CHEGA, Ventura, Mithá Ribeiro e quejandos, são isto. Um bando de energúmenos que bolçam javardices e falsidades. E que convocam para junto de si tudo o que venha à rede, queira "aparecer", "trepar"... Aquilo não é um partido, é um escarrador.
A ver se os compatriotas - zangados, por razões que serão legítimas - entendem isso. E "castram" estas venturices.

Já aqui o disse, julgo ser injusto crucificar um partido devido a um radical desvio de um dos seus militantes, até deputados, e ainda mais se isso não se prende minimamente com os princípios e propostas políticas desse movimento. Mas a situação do deputado Miguel Arruda é tão excêntrica, patética mesmo, que o humor grassou. Da torrente de piadas recebidas aquela com a qual mais me ri foi esta, coincidente com a vaidade de Ventura por ter sido convidado para a posse de Trump...
Mas para além da evidente inocência dos seus (ex-)pares partidários diante do abstruso comportamento do deputado açoriano, o caso levanta uma interrogação. Sobre o substrato dos critérios de recrutamento e selecção dos dirigentes (e até militantes) do partido em questão - e, secundariamente, também dos outros -, em especial neste CHEGA que tanto se projecta através de discurso moralista e invectivador. Pois tendo agora o deputado Arrruda aparecido em várias entrevistas torna-se evidente que não se trata de um ardiloso camuflado, em busca de esconsos objectivos. É evidente que o homem não mostra ser o que afinal é, tão ridículo. Mas evidencia ser descabido - isto mesmo descontando que o ouvimos já a posteriori, conhecedores do seu desvario real. Mas ainda assim... Quem confraterniza politicamente com alguém assim, quem aceita e escolhe para postos elevados um perfil daqueles?
É impossível conhecer as pessoas, e os políticos, a priori? Até certo ponto é, mas não totalmente. Eu ilustro isto com um episódio, nestas croniquetas do quotidiano. Há dias eu e um amigo fomos a uma pequena actividade de cariz partidário ocorrida no nosso bairro. Ambos sexagenários, aqui crescidos, para cá regressados já maduros (até um pouco "tocados"). Ambos - tal como tantos outros fregueses - sempre refilando contra a inaceitável junta de freguesia, de socialistas pejada (desde 1980), gente tão abstrusa que o próprio PS encetou a sua pré-campanha eleitoral para a câmara de Lisboa retirando-lhes a confiança política, mas - atenção - sem nessa desconfiança abarcar a actual presidente Rute Lima, apesar das broncas tão noticiadas.
Enfim, tendo sabido daquele encontro anunciado como dedicado a questões de freguesias, incluindo a nossa, lá fomos. Para ver e ouvir, e talvez dizer algo - veteranos que daqui somos, repito. Era afinal um muito mais pequeno encontro do que antevíramos. Mas fomos acolhidos pelo contingente presente, alguns bons fregueses saudavelmente disponíveis para uma intervenção de cidadania, e dois dirigentes (locais?, nacionais?) do partido em questão. Dito isto, eu e o meu amigo, que íamos só assistir, excitámo-nos e estivemos horas a desbobinar uma sabatina sobre os Olivais, passado e presente. E em estereo... A determinado momento os dirigentes tiveram de se ir embora, o que não nos cortou a verve. Enfim, já a desoras para dia de semana lá concedemos descanso aos nossos vizinhos e todos nos despedimos, com simpatia mútua (espero...). Entrámos no carro, o Manel ao volante, e ao mútuo "eh pá!, o que é que achaste?!" coincidimos, em imediata exclamação, no vernáculo profundo sobre um dos dirigentes e no adjectivo suspeitoso sobre o outro. E desatámo-nos a rir, dada a nossa coincidência, tão imediata, epidérmica mesmo, diante dos verdadeiros políticos. Dois "maduros", nós, até já "tocados", repito... "Mas gente boa, estes nossos vizinhos...", "sim, muito!". E o Manel meteu a primeira e fomos comer uma sopinha...
Ora, e dito isto, o CHEGA não tem quem escolha as pessoas, quem as perceba? Ou tem, e é daquilo que procura?

A Constituição consagra (artº 37º) o direito à liberdade de expressão do seguinte modo:
Este artigo é para ser lido à luz do artº 18º, que reza assim:
Isto deveria ser, no que toca à liberdade de expressão, suficiente. Mas o Parlamento sofre de diarreia crónica. Tanta que o Código Penal, que consagra actualmente (artº 240º) o crime de incitamento ao ódio e à violência, já sofreu, desde 1995, 63 (!) alterações, ao sabor de modas de pensamento, maiorias políticas circunstanciais e correcções de asneiras. Uma pessoa um pouquinho desalinhada, assim como eu, se se lembrar de emitir o juízo de que o cantor Marco Paulo, recentemente falecido, nunca cantou nada que valesse a pena ouvir, deverá ter a preocupação de verificar primeiro se não estará já previsto o crime de ofensa ao gosto musical do povo que os parlamentares servem, caso em que este ignoto escriba se veria no transe de ser frito em lume brando pelo MP, e provavelmente ser condenado a fechar a matraca e a um estágio de pelo menos seis meses no Limoeiro, tudo com pena suspensa dada a ausência de condenações anteriores e a pertença à terceira idade.
Este crime não está (fui verificar) previsto. Mas está uma formulação prolixa e vaga onde cabe tudo (não transcrevo porque aquele artigo é extenso), ou quase, que consista no exercício do direito de opinião quando esta ofenda um grupo social que seja reconhecidamente diferente pela sua origem, costumes, religião e mais 170 marcas distintivas, incluindo a “expressão de género”, seja lá isso o que for.
Dá pano para mangas. Tanto que se o MP quiser achar que o bronco do líder parlamentar do Chega quis incitar à prática de assassínios extrajudiciais de imigrantes ou negros; ou que o líder Ventura deseja premiar essas execuções com medalhas: pode propor ao Tribunal uma pena de 6 meses até 5 anos – dois anos e meio, vá, que é para não haver acusação de exagero e por ser a primeira vez.
Nadamos em plena burrice. Porque a crueldade e a violência daquelas declarações (mais outra consignada no X, entretanto apagada, de um deputado ou assessor – não fui repescar porque não tenho apetência para remexer no lixo) não traria votos e, provavelmente, afastaria alguns. Os quais, assim, não apenas recolhem ao redil chegano como é provável que outros se lhes juntem por verem o que está por trás desta cortina justiceira: a oportunidade de ganhar nas secretarias dos tribunais o que foi perdido nas urnas.
Não podemos razoavelmente esperar que as instâncias judiciais declarem com solenidade: resolvam lá as vossas desinteligências, que diferendos políticos não são da nossa alçada. Porque vemos em países como os EUA, o Reino Unido ou a Alemanha que nuns, à boleia precisamente destas legislações com fundo woke, se decidem em tribunal delitos de opinião e noutros, à boleia de uma completa judicialização dos conflitos, se dirimem em tribunal questões de legitimidade política.
Pacheco Pereira, o conhecido intelectual esquerdista, tem às vezes o mérito de não ser completamente alinhado. E no Princípio da Incerteza defendeu apaixonadamente a liberdade de expressão da opinião nos mais amplos termos, com base na Constituição americana e nas práticas em tal matéria daquele país. Sem porém ir ao ponto a que deveria ter chegado: defender a liberdade de responsáveis do Chega proferirem dislates ofensivos é defender a nossa liberdade de dizermos coisas acertadas. Porque só são isso (acertadas) do nosso ponto de vista, que pode ser ou não o das minorias de hoje, que são as maiorias de amanhã, ou ao contrário.
Vamos ter rodilhices jurídicas completamente inúteis porque constitucionalistas ponderosos virão, com a força dos respectivos galões, dizer que é assim, enquanto outros igualmente cheios de autoridade dirão que é assado. E, se a polémica se instalar, ir-se-ão repescar aquelas inúmeras vezes em que o responsável fulano disse morras a classes de pessoas (do lado do Bloco há disso avonde), para não falar de insultos na praça pública a responsáveis: Passos Coelho, por exemplo, deve estar a fruir a sua imensa fortuna, tantas as vezes que lhe chamaram ladrão.
Costuma tudo aportar com atraso à nossa costa. E às vezes gente ingénua e de rectas intenções julga que, quando a estupidez espante, seremos poupados. Mas não.

Se durante a passada semana a Grande Lisboa esteve dedicada aos "desacatos" - essa censória inovação semântica, a querer evitar os termos adequados, como "motim" ou "tumulto" o seriam -, eu estive orientado para outros assuntos, até porque por cá a conversa foi isto do "então aqui nos Olivais não se passa nada? Isto já não é o que era...", semi-jococo lamento do tempo que passa, a vida que escorre.
Mas mesmo assim ainda deu para me espantar com esta notícia. A fazer lembrar, claro, o cromo - verdadeiro meme - das (não tão velhas assim) licenças de uso de acendedores e isqueiros, anacrónico proteccionismo da fosforeira nacional, com certeza...
Mas é um sorriso triste. Sim, os demagogos do CHEGA querem ser acendedores, incendiários. Sim, as práticas de polícias - ou até mesmo a cultura policial dominante - poderão ser criticáveis, desde que analisáveis. Mas os verdadeiros incendiários são estes juristas, juizes e quejandos. Os códigos não permitem prender preventivamente os deliquentes que praticam este tipo de crimes? Remetem-nos para casa, à espera das calendas gregas, que será quando os tribunais os atenderão. Mas não lhes coloquem estas risíveis sanções, insultuosas para nós-vulgo. Incendiários? Provocadores? São os juízes, apatetados. E os legisladores, distraídos, inertes.