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Delito de Opinião

Não cumpre os mínimos

Pedro Correia, 17.06.25

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André Ventura hoje no seu melhor: enquanto Rui Paulo Sousa, um dos principais deputados do seu partido, discursava na tribuna da Assembleia da República, durante o debate do programa do XXV Governo Constitucional, ele falava aos jornalistas, do lado de fora da sala das sessões, anunciando uma iniciativa parlamentar qualquer.

Este homem não cumpre os mínimos, nem para os dele. Que falta de chá.

Na Morte de Eduardo Gageiro

jpt, 07.06.25

Na morte de Eduardo Gageiro convido quem me leia a visitar o mural de Facebook do Miguel Valle de Figueiredo. Pois agora ele recolocou um magnífico retrato (verdadeira homenagem) que de Gageiro fez, em plenas comemorações do 25 de Abril, em 2024.

Gageiro foi muito (muitíssimo) mais do que o “fotógrafo de Abril” - e, entre tanto trabalho, fez um espantoso manancial de fotografias que não sendo “etnográficas” deliciam qualquer antropólogo. Mas noto que dele só tenho este livro-catálogo de uma sua exposição comemorativa, “25 Textos de Autores Portugueses Sobre Fotos de Abril” (Festa do Avante, 1999) - herdei-o do meu pai, que enquanto pôde não falhou uma Festa.

(Nem gosto muito do livro. Pois se aprecio um ensaio sobre uma fotografia, já torço o nariz a esta tendência, recorrente, de fazer ombrear imagem com um texto alusivo. Ou seja, as boas fotografias desnecessitam de serem atravancadas com palavreado, aceitam - no máximo - uma legenda significativa. Mas entendo o propósito, então o da celebração dos 25 anos da revolução, congregando algumas das mais conhecidas fotografias da época e dizeres e sentimentos de autores “camaradas e amigos” do fotógrafo.)   

E uso a morte de Gageiro e as suas fotografias para falar do (meu) quotidiano. Há poucos dias, em roda alargada de esplanada, uma amiga recente, mais-nova, de súbito perguntou-me em quem voto eu. Resmunguei mudo “raisparta, ando eu a blogar sobre o assunto e nem os amigos me lêem…”. E respondi-lhe. Aduzindo um assim legítimo porque recíproco “e tu, votas em quem?”. Para ser surpreendido - pelo parco saber que do seu contexto tenho e, ainda mais, por ser ela uma mais-nova - pelo seu “voto PCP”. Devo ter esbugalhado os olhos pois ela quis justificar a opção. Cortei-a cerce, “hei, o meu pai era o Camarada Pimentel, foi-o até à morte…”. Ou seja, avancei, “votas PC? Ok, discordamos. Eu salto na cadeira é com os do BE - e não por razões ideológicas, morais ou racionais, é mesmo fisiológico…”.

Nisso o seu namorado, também meu mais-novo, simpático que eu mal conheço, avançou “eu votei no CHEGA”. E eu aí devo ter arqueado a sobrancelha, até pela surpresa da disparidade entre eles. E como tal também ele se quis justificar num “votei como protesto contra isto, contra estes tipos”. Tudo bem, cada um como cada qual, inflecti, para que não nos puséssemos ali a discutir política. Pediram-se mais umas cervejas e fomos para outros temas.

Mas fiquei com o episódio, a matutar. Por um lado, porque demonstra a superficialidade destas “identidades políticas” que as minorias sobre-politizadas continuam a brandir. Pois duas pessoas seguem imunes ao histrionismo dos comentadeiros, às arengas militantes, e nisso vão-se amando - ou, pelo menos, gostando - tendo planos conjuntos, de curto, médio ou longo prazo, isso é lá com eles, divertem-se, carnal e socialmente, partilham-se. E, entretanto, cada um vota no oposto do outro. Sem qualquer problema. Magnífico.

Por outro lado, foi-me o episódio comprovativo. O voto no CHEGA é muito isto, não ideológico ou “preconceituoso” ou “intolerante”. É o protesto contra “o estado a que isto chegou”, para glosar o capitão de Abril.

Mas o problema - e foi isso o que eu me eximi de resmungar com o mais-novo, e escrevo-o agora, talvez ele me venha a ler o postal - é que esse voto de protesto alimenta um partido cujos dirigentes e muitos militantes abominam estas fotografias. E tudo o que significam.

São os que se dizem “deputados da Nação”, chorosos do Estado Novo. Irados contra o apear da imagem de Salazar (magnífico momento de Gageiro, se encenado ou não pouco importa), pois ao ditador apondo virtudes. Revanchistas contra as liberdades individuais - de facto crentes na necessidade de amordaçar, alguns que sejam, até algemar se possível. Saudosistas do colonialismo, vendo traição na justeza histórica. E que votando nesta gente, por protesto contra estes trastes que entretanto vão mandando, mais eco lhes é dado. Mais capacidade de influenciarem outros, de lhes inculcarem as suas abjectas ideias.

Que assim se vão disseminando. É agora notório que no país democrático do grande Rui Manuel Trindade Jordão, de Shéu Han, de Gil, de Oceano, de Éder, de tantos outros, vitoriosos ou não, célebres talentosos, esquecidos medianos, desconhecidos medíocres, surgem agora - como nunca antes - nas catacumbas da internet bramidos contra “negros” nas selecções desportivas nacionais. Pois, para essa escumalha, antes menor e menos ruidosa, o “preto” não é digno de nos representar. Há que os esconder, pelo menos, a esses tais. Ou até escorraçar. E o voto “de protesto” anima, alimenta, esta cáfila asquerosa.

E - mesmo sendo hoje - não nos chega a arte do Nuno Mendes para opor a tal gente. Ou a garra dos putos Sub-17. Pelo contrário, ira-os ver “pretos” com sucesso.

Será para isso adequado voltar às fotografias de Gageiro. Que nos mostrou como “povo” daquelas maneiras. E também como “povo” querendo paz (contra os malvados do “Império”) e liberdade (contra os melifluos da “Nação”). E nisso virar costas a esta gentinha. Que é verdadeiro “Lixo Branco”, como dizem lá nos EUA.

Maldita Gente Má

jpt, 25.05.25

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Resha'im Arurim (Maldita gente má) - é uma imprecação celebrizada do folhetim televisivo Shtisel.)

Consciente de que o bater das minhas asas de borboleta não iria amainar o furacão em Israel, prometi-me não blogar sobre aquilo. Deixei apenas o postal “Are you out of your fucking mind?” em 4.11.23, face à desvairada reacção israelita ao miserável atentado sofrido. Ponto final parágrafo.

Mas posso falar sobre Portugal. Neste nosso país, atrapalhado por várias coisas, entre as quais a estridente cacofonia dos mariolas comentadeiros - alguns deles germinados na velha "blogosfera" mas não só - ainda há um ou outro "intelectual público" que justifica seguir. Entre esse reduzido núcleo realça-se António Barreto, que segue qual nosso "fio-de-prumo" - e cujos textos de opinião em jornal são sempre transcritos no blog Sorumbático.

Após estas eleições lembrei-me dele, por duas razões de curto prazo:

1. A primeira pois na véspera da votação ele publicara no “Público” este “Lembretes”. No qual sublinhou que durante a campanha nenhum partido elaborara sobre política externa, denotando a vacuidade em que vegetam, concluo eu…

Nesse texto foi cristalino sobre a situação em Israel. E não lhe foi preciso embrulhar-se com um cachecol a la palestiniano:

Os movimentos Hamas, Hezbollah, Estado Islâmico ou Daesh, Hutis e outros grupos terroristas, assim como alguns Estados da região, seguramente o Irão e parte do Iémen, declaram expressamente que lutam pela liquidação do Estado de Israel e pela expulsão dos Judeus ou Israelitas da região. Nunca o esconderam. Nunca usaram subterfúgios ou metáforas. Por isso Israel tem todo o direito e dever de lutar pela sua vida e pela sobrevivência. Após as agressões de 7 de Outubro de 2023, Israel decidiu justamente retaliar. Tratava-se de punir os agressores, recuperar os reféns e sobretudo derrotar o Hamas. Ao fazê-lo, Israel decidiu também agredir apoiantes do Hamas, seja o Líbano e o Irão, seja o Iémen e a Síria, ou ainda o Hezbollah e outros terroristas. A ofensiva israelita atingiu dimensões e natureza totalmente desproporcionadas, configurando mesmo uma intenção deliberada para eliminar todas as expressões políticas dos palestinianos na região, em particular na Cisjordânia e em Gaza. As cidades arrasadas e mais de 50.000 palestinianos mortos configuram um massacre de população absolutamente inaceitável que nem sequer o argumento de sobrevivência de Israel justifica. Outros meios e outras acções haveria para atingir os mesmos fins. (…)”.

Isto é-me mais significativo após as eleições. Quanto tantos (e até eu) resmungam(os) contra o enorme painel de deputados eleitos do CHEGA, justificadamente previstos como desprovidos de bom-senso e cultura, e até de educação, que lhes permita exercer funções políticas com um mínimo de pertinência.

Ora acontece que entre os milhares das minhas ligações-FB (os ditos “amigos”) consta um deputado do PSD, Carlos Reis, que decerto não será excêntrico ao sentir geral das suas hostes. Este, em plena campanha eleitoral, fez-se publicar um longo e enfático ditirambo dedicado a Israel e seu rumo actual. Fazendo "tábua rasa” de quaisquer preocupações humanitárias ou políticas. Certo que concede dever Israel atentar nas condenações internacionais que vem sofrendo, mas… deriva para considerar que tem aquele país muitas justificações para o que anda a fazer. E não deixa de arrolar, em prol da política israelita, vários argumentos entre os quais - sabe-se lá porquê - os peculiares padecimentos dos homossexuais nos países vizinhos (talvez não em Gaza, pois aí estão mesmo é a ser bombardeados). É esta uma pobreza de irreflexão e de insensibilidade. E foi elevada a parlamentar.

Enfim, esta é a qualidade e a mundividência do pessoal político que nós elegemos. E em vez de andarmos a querer lapidar (ou mesmo “a matar” como clamava um comentadeiro televisivo) os do CHEGA seria melhor educar os dos partidos democráticos. Ou seleccioná-los melhor.

Imagem de Rumo à Liberdade

2. A segunda razão é por ter visto esta semana na RTP os dois episódios do documentário “Rumo à Liberdade” de António Barreto. (Podem ser vistos na RTP Play: 1 (52 minutos)2 (55 minutos). O primeiro apresenta o estado do país no ocaso do Estado Novo. O segundo é sobre a revolução de 1974 e o processo subsequente. Um programa excelente. Um registo pausado, texto equilibrado - não é um panegírico celebratório -, bela selecção de arquivo filmíco.

Diante desta mole de um 1 milhão e 300 mil votantes na auto-reclamada “direita” - de facto uma extrema-direita polvilhada de explícitos saudosistas do Estado Novo e do Império colonial - não se a deve reduzir a uma amálgama de “fascistas”.

Mas seria positivo mostrar-lhes a miséria e a vilânia, a repressão, a corrupção, a ignomínia colonial que reinavam no país - dissecadas no primeiro episódio deste documentário. Pois é dessa infecta situação de que esses seus deputados CHEGA agora eleitos têm saudades. Como o mostram nos seus estuporados, anacrónicos, revanchistas clamores contra os “abrileiros”.

O país não melhorará com essa tralha de gente, esta “Maldita Gente Má”. E também não com a gritaria falsária do “isto são 50 anos de corrupção”, um “dantes é que era bom”. Ir por aí (como tantos estão a ir) não será mais do que isto:

La cigarra que vota al insecticida, una fábula política brasileña aplicada  a España

Mas será que as gerações mais novas terão paciência para pausados documentários com episódios de cerca de uma hora?

Sugestões de novos cartazes ao Chega

Pedro Correia, 02.04.25

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Eis uma pequena amostra do que foi espalhado em Portugal há 45 anos visando o presidente do PSD (e depois primeiro-ministro) Francisco Sá Carneiro, acrescidos de inscrições nas paredes em que o insultavam das mais diversas formas - até ao dia da sua trágica morte, a 4 de Dezembro de 1980.

Se quiser adaptá-los a Luís Montenegro, para prosseguir a actual campanha de difamação, André Ventura precisa, porém, de pagar direitos de autor ao Partido Comunista.

Este cartaz é um enorme tiro no pé

Pedro Correia, 26.03.25

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André Ventura mandou espalhar este cartaz um pouco por toda a parte. Equipara Luís Montenegro - que não está indiciado por delito algum - a José Sócrates. Apontando ambos como os rostos da «corrupção» neste meio século em Portugal. (Mas porquê só meio século? Não houve corrupção durante a ditadura?)

Além do desprezo pelo regime saído da Constituição de 1976 patente neste escarro visual, que as papoilas saltitantes do Chega vêm reproduzindo nas suas contas do Instagram e do Tik Tok, isto comprova algo que já sabíamos: o antigo vereador do PSD na Câmara Municipal de Loures não olha a meios para atingir os fins.

Estou convicto, porém, que neste caso o feitiço se vira contra o feiticeiro: funciona ao contrário. Em primeiro lugar, por ser flagrante aldrabice. Em segundo, por tornar ainda mais imperioso o cordão sanitário ao Chega que Montenegro estabeleceu há um ano, quando declarou «não é não». Finalmente, por deixar de mãos atadas os raros que no partido laranja sustentavam uma aproximação à direita extremista: depois disto, tal cenário esfuma-se de vez.

Conclusão: Ventura deu um enorme tiro no pé. Ou noutra parte do corpo, talvez ainda mais dolorosa. Consequência de não haver ninguém por lá com coragem para lhe dizer o óbvio: coisas destas servem apenas para que ele vá resvalando ladeira abaixo. Com o maior índice de rejeição de um líder partidário na democracia portuguesa.

Astérix na Lusitânia

jpt, 07.03.25

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Recebo isto via Whatsapp e julgo que é um gozo, montagem. Mas parece que não, é mesmo uma publicação feita pelo deputado Ventura, professor universitário, antigo comentador futebolístico, candidato presidencial - e presumível futuro cabecilha da candidatura parlamentar do partido a que preside.
 
Que um partido tenha um deputado meio-maluco, que rouba malas e vende a roupa assim obtida? Enfim, é sintoma de alguma falta de critérios de selecção, talvez "dores de crescimento" rápido. Que tenha um dirigente que bebe até aos 2,3 ao balão? É grave - é o mais grave de tudo, entenda-se bem, muito mais do que "empresas de imobiliário" - mas é algo incontrolável pelos seus pares, "acontece nos melhores partidos". Que tenha um deputado que paga 20 euros a um rapazola para lhe chupar o pirilau? É uma desgraça!, pobre homem, que raio de vida, mas sabe-se bem, "acontece nas melhores famílias".
 
Agora que um partido tenha um presidente que se presta a estas figuras? Francamente, só mesmo o Chega! Que coisa...
 
(Chamem lá o Astérix e o Obélix)

Não CHEGA já?

jpt, 06.02.25

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Não se governa com moralismos, mas sim com pertinência decisória. Na política os discursos moralistas são sempre escalfetas para acalentar tendências ditatoriais - fascistas, comunistas -, colhendo acéfalos apoios naquilo "assim é que é!" (ou seja, "assim é que deve-ser!"). De resto, em todos os partidos, movimentos, ideologias e crenças há gentes muito diferentes, cada um de nós com suas "públicas virtudes, vícios privados", nisso mais ou menos avessos aos "valores" e "princípios" propagandeados pelas forças políticas a que aderimos.  Há nestas contradições uma diferença fundamental - quando uma organização política que se suporta em retórica moralista se contradiz institucionalmente (como agora na mariolice do BE com os seus empregados) é um fenómeno diferente de que quando membros individuais de uma força política têm actos avessos à retórica dos grupos que integram.

Ainda assim este caso do deputado Pardal Ribeiro do CHEGA - deputado municipal mas também integrante da candidatura à Assembleia da República - é politicamente avassalador. Nada tenho contra a prostituição. Desde que o prostituído seja dotado de total livre-arbítrio - e nisso incluo que não o faça constrangido por míseras condições de vida e falta de expectativas. Quanto à clientela, enfim... julgo uma tristeza, entre a desgraça pessoal e a extrema falta de tino haverá uma infinitude de motivos para levar alguém a pagar para ter sexo. Mas não é no caso pessoal que me centro - apesar do meu (malvado, confesso-o) sorriso, pois ver um ex-presidente da Associação Nacional de Toureiros nestes patéticos maus lençóis recorda-me o que sempre achei da estética da "Festa Brava", pois aqueles ademanes, roupas justas e berloques parecem-me, desde a juventude, uma coisa muito ... a la Rocky Horror Show, para não dizer outra coisa.

Mas ainda assim é impossível não convocar como o CHEGA cresceu, no vozear de falsidades, de exageros, de verdadeiros maldades dizendo malvados todos os outros, invectivando-os, invectivando-nos, como ladrões, corruptos, criminosos, imorais, até doentes. Ou, pelo menos, como acéfalos complacentes. E por isso Ventura e sua trupe tanto gritam contra ciganos, defensores da homossexualidade, muçulmanos, imigrantes, etc. E contra todos aqueles que tenham tendências ou ideias diversas dos que "os de Ventura" têm. Expulsar uns, prender outros, castrar aqueloutros, clamam.

E se esses discursos não são "aquilo que é preciso dizer", como tantos se deixam encantar, ainda menos o são quando quem os grita é esta tropa fandanga. Agora demonstrada à evidência por um mariola que rouba malas e vende os seus conteúdos por via postal através do parlamento, outro que sai a fazer felações a um miúdo de 15 anos em troca de 20 euros! O CHEGA, Ventura, Mithá Ribeiro e quejandos, são isto. Um bando de energúmenos que bolçam javardices e falsidades. E que  convocam para junto de si tudo o que venha à rede, queira "aparecer", "trepar"... Aquilo não é um partido, é um escarrador. 

A ver se os compatriotas - zangados, por razões que serão legítimas - entendem isso. E "castram" estas venturices.

Quem escolheu o deputado das malas?

jpt, 26.01.25

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aqui o disse, julgo ser injusto crucificar um partido devido a um radical desvio de um dos seus militantes, até deputados, e ainda mais se isso não se prende minimamente com os princípios e propostas políticas desse movimento. Mas a situação do deputado Miguel Arruda é tão excêntrica, patética mesmo, que o humor grassou. Da torrente de piadas recebidas aquela com a qual mais me ri foi esta, coincidente com a vaidade de Ventura por ter sido convidado para a posse de Trump...

Mas para além da evidente inocência dos seus (ex-)pares partidários diante do abstruso comportamento do deputado açoriano, o caso levanta uma interrogação. Sobre o substrato dos critérios de recrutamento e selecção dos dirigentes (e até militantes) do partido em questão - e, secundariamente, também dos outros -, em especial neste CHEGA que tanto se projecta através de discurso moralista e invectivador. Pois tendo agora o deputado Arrruda aparecido em várias entrevistas torna-se evidente que não se trata de um ardiloso camuflado, em busca de esconsos objectivos. É evidente que o homem não mostra ser o que afinal é, tão ridículo. Mas evidencia ser descabido - isto mesmo descontando que o ouvimos já a posteriori, conhecedores do seu desvario real. Mas ainda assim... Quem confraterniza politicamente com alguém assim, quem aceita e escolhe para postos elevados um perfil daqueles?

É impossível conhecer as pessoas, e os políticos, a priori? Até certo ponto é, mas não totalmente. Eu ilustro isto com um episódio, nestas croniquetas do quotidiano. Há dias eu e um amigo fomos a uma pequena actividade de cariz partidário ocorrida no nosso bairro. Ambos sexagenários, aqui crescidos, para cá regressados já maduros (até um pouco "tocados"). Ambos - tal como tantos outros fregueses - sempre refilando contra a inaceitável junta de freguesia, de socialistas pejada (desde 1980), gente tão abstrusa que o próprio PS encetou a sua pré-campanha eleitoral para a câmara de Lisboa retirando-lhes a confiança política, mas - atenção - sem nessa desconfiança abarcar a actual presidente Rute Lima, apesar das broncas tão noticiadas

Enfim, tendo sabido  daquele encontro anunciado como dedicado a questões de freguesias, incluindo a nossa, lá fomos. Para ver e ouvir, e talvez dizer algo - veteranos que daqui somos, repito. Era afinal um muito mais pequeno encontro do que antevíramos. Mas fomos acolhidos pelo contingente presente, alguns bons fregueses saudavelmente disponíveis para uma intervenção de cidadania, e dois dirigentes (locais?, nacionais?) do partido em questão. Dito isto, eu e o meu amigo, que íamos só assistir, excitámo-nos e estivemos horas a desbobinar uma sabatina sobre os Olivais, passado e presente. E em estereo... A determinado momento os dirigentes tiveram de se ir embora, o que não nos cortou a verve. Enfim, já a desoras para dia de semana lá concedemos descanso aos nossos vizinhos e todos nos despedimos, com simpatia mútua (espero...). Entrámos no carro, o Manel ao volante, e ao mútuo "eh pá!, o que é que achaste?!" coincidimos, em imediata exclamação, no vernáculo profundo sobre um dos dirigentes e no adjectivo suspeitoso sobre o outro. E desatámo-nos a rir, dada a nossa coincidência, tão imediata, epidérmica mesmo, diante dos verdadeiros políticos. Dois "maduros", nós, até já "tocados", repito... "Mas gente boa, estes nossos vizinhos...", "sim, muito!". E o Manel meteu a primeira e fomos comer uma sopinha...

Ora, e dito isto, o CHEGA não tem quem escolha as pessoas, quem as perceba? Ou tem, e é daquilo que procura?

O ladrão de malas

jpt, 23.01.25

Pode-se gostar ou não do CHEGA - eu não gosto, aquilo é uma imunda mistela, de boçais composta. Mas rebaixar um partido devido a um seu membro com esconsos problemas psicológicos é uma via tipicamente... CHEGA. E gozar o próprio paciente - numa era em que os "Acordados" nos vetam chamar cego, perneta ou zarolho a alguém - é tão boçal como os do ... CHEGA.
 
Como em tantas outras matérias, Hergé - homem bem à frente do seu tempo (apesar dos "Acordados" o abominarem) - ensinou-nos sobre isto

Criminalização da burrice ou a burrice da criminalização*

José Meireles Graça, 01.11.24

A Constituição consagra (artº 37º) o direito à liberdade de expressão do seguinte modo:

  1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
  2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
  3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.
  4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.

Este artigo é para ser lido à luz do artº 18º, que reza assim:

  1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
  2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
  3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

Isto deveria ser, no que toca à liberdade de expressão, suficiente. Mas o Parlamento sofre de diarreia crónica. Tanta que o Código Penal, que consagra actualmente (artº 240º) o crime de incitamento ao ódio e à violência, já sofreu, desde 1995, 63 (!) alterações, ao sabor de modas de pensamento, maiorias políticas circunstanciais e correcções de asneiras. Uma pessoa um pouquinho desalinhada, assim como eu, se se lembrar de emitir o juízo de que o cantor Marco Paulo, recentemente falecido, nunca cantou nada que valesse a pena ouvir, deverá ter a preocupação de verificar primeiro se não estará já previsto o crime de ofensa ao gosto musical do povo que os parlamentares servem, caso em que este ignoto escriba se veria no transe de ser frito em lume brando pelo MP, e provavelmente ser condenado a fechar a matraca e a um estágio de pelo menos seis meses no Limoeiro, tudo com pena suspensa dada a ausência de condenações anteriores e a pertença à terceira idade.

Este crime não está (fui verificar) previsto. Mas está uma formulação prolixa e vaga onde cabe tudo (não transcrevo porque aquele artigo é extenso), ou quase, que consista no exercício do direito de opinião quando esta ofenda um grupo social que seja reconhecidamente diferente pela sua origem, costumes, religião e mais 170 marcas distintivas, incluindo a “expressão de género”, seja lá isso o que for.

Dá pano para mangas. Tanto que se o MP quiser achar que o bronco do líder parlamentar do Chega quis incitar à prática de assassínios extrajudiciais de imigrantes ou negros; ou que o líder Ventura deseja premiar essas execuções com medalhas: pode propor ao Tribunal uma pena de 6 meses até 5 anos – dois anos e meio, vá, que é para não haver acusação de exagero e por ser a primeira vez.

Nadamos em plena burrice. Porque a crueldade e a violência daquelas declarações (mais outra consignada no X, entretanto apagada, de um deputado ou assessor – não fui repescar porque não tenho apetência para remexer no lixo) não traria votos e, provavelmente, afastaria alguns. Os quais, assim, não apenas recolhem ao redil chegano como é provável que outros se lhes juntem por verem o que está por trás desta cortina justiceira: a oportunidade de ganhar nas secretarias dos tribunais o que foi perdido nas urnas.

Não podemos razoavelmente esperar que as instâncias judiciais declarem com solenidade: resolvam lá as vossas desinteligências, que diferendos políticos não são da nossa alçada. Porque vemos em países como os EUA, o Reino Unido ou a Alemanha que nuns, à boleia precisamente destas legislações com fundo woke, se decidem em tribunal delitos de opinião e noutros, à boleia de uma completa judicialização dos conflitos, se dirimem em tribunal questões de legitimidade política.

Pacheco Pereira, o conhecido intelectual esquerdista, tem às vezes o mérito de não ser completamente alinhado. E no Princípio da Incerteza defendeu apaixonadamente a liberdade de expressão da opinião nos mais amplos termos, com base na Constituição americana e nas práticas em tal matéria daquele país. Sem porém ir ao ponto a que deveria ter chegado: defender a liberdade de responsáveis do Chega proferirem dislates ofensivos é defender a nossa liberdade de dizermos coisas acertadas. Porque só são isso (acertadas) do nosso ponto de vista, que pode ser ou não o das minorias de hoje, que são as maiorias de amanhã, ou ao contrário.

Vamos ter rodilhices jurídicas completamente inúteis porque constitucionalistas ponderosos virão, com a força dos respectivos galões, dizer que é assim, enquanto outros igualmente cheios de autoridade dirão que é assado. E, se a polémica se instalar, ir-se-ão repescar aquelas inúmeras vezes em que o responsável fulano disse morras a classes de pessoas (do lado do Bloco há disso avonde), para não falar de insultos na praça pública a responsáveis: Passos Coelho, por exemplo, deve estar a fruir a sua imensa fortuna, tantas as vezes que lhe chamaram ladrão.

Costuma tudo aportar com atraso à nossa costa. E às vezes gente ingénua e de rectas intenções julga que, quando a estupidez espante, seremos poupados. Mas não.

* Publicado no Observador

Incentivos aos "desacatos"

jpt, 29.10.24

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Se durante a passada semana a Grande Lisboa esteve dedicada aos "desacatos" - essa censória inovação semântica, a querer evitar os termos adequados, como "motim" ou "tumulto" o seriam -, eu estive orientado para outros assuntos, até porque por cá a conversa foi isto do "então aqui nos Olivais não se passa nada? Isto já não é o que era...", semi-jococo lamento do tempo que passa, a vida que escorre.

Mas mesmo assim ainda deu para me espantar com esta notícia. A fazer lembrar, claro, o cromo - verdadeiro meme - das (não tão velhas assim) licenças de uso de acendedores e isqueiros, anacrónico proteccionismo da fosforeira nacional, com certeza...

Mas é um sorriso triste. Sim, os demagogos do CHEGA querem ser acendedores, incendiários. Sim, as práticas de polícias - ou até mesmo a cultura policial dominante - poderão ser criticáveis, desde que analisáveis. Mas os verdadeiros incendiários são estes juristas, juizes e quejandos. Os códigos não permitem prender preventivamente os deliquentes que praticam este tipo de crimes? Remetem-nos para casa, à espera das calendas gregas, que será quando os tribunais os atenderão. Mas não lhes coloquem estas risíveis sanções, insultuosas para nós-vulgo. Incendiários? Provocadores? São os juízes, apatetados. E os legisladores, distraídos, inertes.

Não acerta uma

Pedro Correia, 10.07.24

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Ventura com Orbán: diz-me que aliados escolhes, dir-te-ei quem és

 

Desde que fez um brilharete nas legislativas de 10 de Março, conseguindo eleger um grupo parlamentar com 50 deputados, André Ventura tem andado em evidente desatino. Não acerta uma.

O mais recente disparate protagonizado pelo líder do Chega foi a súbita mudança de família eleitoral. Decidiu abandonar a bancada da Identidade e Democracia, trocando-a pelo novíssimo grupo Patriotas Pela Europa, que tem como figura tutelar o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. 

Problema: Ventura tomou esta iniciativa no dia em que Orbán abraçava em Moscovo o agressor da Ucrânia, agindo como cavalo de Tróia do ditador russo na União Europeia. Não podia haver pior ocasião para pôr o Chega a reboque do partido governamental da Hungria. «Um passo extraordinariamente perigoso para a Europa», como sublinhou El Mundo em editorial.

Quatro dias depois, os russos bombardearam Kiev, destruindo grande parte do maior hospital pediátrico ucraniano. Numa vaga de ataques que causaram pelo menos 38 mortos, incluindo quatro crianças. Novos quadros de horror, somados a tantos outros nesta criminosa violação do direito internacional que se prolonga há 29 meses.

Agora é oficial: Ventura, amigo do melhor amigo de Putin no espaço comunitário. Parceiros no Parlamento Europeu, cúmplices e compinchas, enquanto a Ucrânia sangra e sofre. 

Diz-me que aliados escolhes, dir-te-ei quem és.

A mãe dolorida e o circo mediático

Pedro Correia, 25.06.24

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Sempre considerei que o caso das gémeas convoca o pior do voyeurismo conjugado com o pior da inveja social.

Se alguém merece ser criticado não é seguramente a empresária Daniela Martins, mãe dolorida que tudo fez para proteger duas filhas em risco de vida, aceitando agora comparecer numa sessão de cinco horas em comissão parlamentar de inquérito num país que alguns dizem não ser dela. Mesmo sendo descendente de quatro avós portugueses. Nossa compatriota, portanto.

Esta senhora apedrejada no "tribunal da opinião pública" - o mais injusto dos tribunais - marcou presença no mesmo local onde já pontificou, como líder parlamentar, um antigo deputado acusado de assassinar há década e meia outra portuguesa residente no Brasil, permanecendo este crime impune até hoje.

Isto sim, devia suscitar escândalo nacional. Mas não suscita.

 

Apetece perguntar: enquanto Daniela Martins enfrentava deputados de várias cores ideológicas e respondia com dignidade ao acintoso André Ventura na Assembleia da República, onde estava o pai das gémeas? Sumiu-se, saiu de cena.

Onde estava o amigo "portuga" de São Paulo, filho do Presidente e suposto instigador da cunha hospitalar? Fora de palco, em silêncio completo, pecando por falta de comparência e desrespeito à Casa da Democracia.

De repente os homens eclipsam-se, só resta ela. Criticada até por ter cumprido o dever cívico de atravessar o Atlântico e submeter-se a um interrogatório em que não faltaram parlamentares quase aos gritos.

 

Vi, ouvi, reflecti. E concluo que só ela esteve bem nesta história ainda com vários ângulos por esclarecer.

Sem esquecer as meninas, que não têm culpa de padecerem de uma doença rara e grave. Expostas num circo mediático que as reduz a um rótulo depreciativo ("gémeas luso-brasileiras") pelos mesmos jornalistas que, quando dá jeito, enaltecem as supostas virtudes da "lusofonia" e aludem ao visionário universalismo de Camões. Renegam na prática tudo quanto proclamam com vibração hipócrita, soando a falso do princípio ao fim.

Derrotado em 3091 freguesias do País

Pedro Correia, 13.06.24

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André Ventura não fazia a coisa por menos: anunciou aos quatro ventos que queria vencer as eleições europeias.

Inchou de tal maneira, tal como sucedeu à rã na fábula, que confundiu desejos com realidades. Sem perceber a diferença.

O tira-teimas aconteceu a 9 de Junho: fracassou em toda a linha. No país inteiro, ninguém apostou no Chega em lugar algum.

Perdão: Ventura conseguiu ser primeiro numa freguesia portuguesa. Gondoriz, no concelho de Arcos de Valdevez. Por apenas quatro votos.

Nas restantes 3091 freguesias só registou derrotas. 

Uma enorme e rematada estupidez

Pedro Correia, 18.05.24

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A acusação de "traição à pátria" ao Presidente da República era tão delirante que nem pode ser classificada de populista.

Tratou-se de uma enorme e rematada estupidez.

Marcelo Rebelo de Sousa talvez até deva agradecer o dislate de André Ventura, que nenhum jurista digno desse nome se atreveu a validar. E que cobriu de ridículo o líder do Chega perante a larga maioria dos portugueses.

 

As declarações do Presidente, mais papista do que o papa, a propósito das supostas "reparações" às antigas parcelas do nosso território ultra-periférico (como se diz em jargão eurocrático) são mais do que criticáveis. Eu próprio o fiz aqui, em tom jocoso. Daí a considerá-lo "traidor à pátria" e mobilizar 50 deputados para tentarem cavalgar a desbragada onda com horas extra de espaço noticioso é patetice tão grande que quase tresanda a desespero.

Não devia valer tudo para garantir lugar cativo nos telediários que adoram circo em sessões contínuas. Mas pelos vistos vale.

Quem vive na política assim, morre na política também assim. Porque há sempre outro demagogo ainda mais alucinado ao virar de uma esquina. Estes tiros acabam por fazer ricochete, como na velha história do aprendiz de feiticeiro, obviamente sem final feliz.

Não vai nem racha*

José Meireles Graça, 18.05.24

Diz-se que a fragmentação política implica a recomendação para entendimentos que os eleitorados, na sua superior sapiência, fazem; e que na Europa são cada vez mais os governos de coligação.

Cada caso é um caso mas se a tendência é generalizada (naqueles países em que os sistemas eleitorais não são da variedade que afunila os resultados por as circunscrições serem do tipo quem ganha ganha tudo, como no Reino Unido, ou outra combinação que remeta partidos pequenos para as franjas da opinião) isso carece de interpretação. A qual consiste num crescente mal-estar num continente a envelhecer, invadido por hordas de jovens e famílias que vão constituir guetos por vezes de difícil, ou impossível, integração, com o pano de fundo difuso de a Ásia e os EUA (estes desmentindo a decadência que vozes sábias periodicamente lhes anunciam) a crescerem como há muito por cá não se vê e a ameaça, para a qual a UE não está (nem poderia estar) preparada, mas os países que a constituem também não, viciados no tradicional chapéu americano da OTAN, de uma guerra generalizada.

Chegam também modas de pensamento, quase todas sob a égide do pujante marxismo do séc. XXI: onde dantes havia o proletariado explorado há agora uma minoria qualquer (ou maioria, se forem mulheres) alegadamente oprimida cuja vanguarda mora nas universidades e nos partidos da extrema-esquerda, a qual se veio associar, e em parte substituir, à tradicional.

Sucede que o caso português tem, como não podia deixar de ser, particularidades: a Europa em retrocesso relativo no plano mundial é o Eldorado dos empregos bem remunerados que cá não há; os que se criam, sobretudo na estância turística que hoje o país é, são crescentemente preenchidos por imigrantes com menos formação do que os emigrantes; e uma grande fatia do eleitorado é hoje uma massa de velhos sentados à mesa da Segurança Social para a sua sobrevivência, enquanto jogam sueca no café, ou no jardim quando o tempo está bom.

Este é o resultado de mais de 20 anos de doutrina socialista, em que pese o PSD ter tibiamente, quando a oportunidade surgiu, tentado reverter o processo. Que processo é esse? O da dependência da esmola europeia para um módico de investimento e funcionamento de uma administração aliás pletórica; a cativação para a dependência do Estado de uma mole de eleitores; uma comunicação social falida repetindo os puídos motes da gesta de Abril como se esta, depois de um parto difícil, pudesse dar por si, além da democracia razoavelmente consolidada, desenvolvimento; e uma classe política cansada repetindo o mesmo jogo, que é o único que o eleitorado consente, com novos actores porque os outros se reformaram, foram reformados ou morreram.

O problema de atraso relativo que nos acompanha há mais de 200 anos (e que foi interrompido durante o Estado Novo, sobretudo na sua última década, mas cujo preço alto, sob a forma de autoritarismo e atropelo de direitos, é hoje impensável) não está em vias de solução prospectiva; e a propaganda da magra convergência com a média europeia resulta apenas das dificuldades da RFA e da Itália, que puxam a média para baixo.

Tudo isto, e mais, é sabido. A AD ganhou as eleições porque, sem ofender nenhum benefício dos que o Estado outorga a quem outorga (pelo contrário, prometendo reforçá-los modestamente) pareceu mais capaz de oferecer algum crescimento e a eficácia dos SNS e outros serviços na qual o PS, para lá da barragem da sua eficaz propaganda, falhou. O PS perdeu porque não se pode enganar toda a gente o tempo todo; e aquela vitória da AD, por previsivelmente exígua, criou um problema inteiramente novo, que é o da ingovernabilidade.

Disse antes das eleições, aqui e aqui, que as linhas vermelhas em torno do Chega eram um erro estratégico; e, depois das eleições, que com o PS não se podem fazer as reformas que este nunca fez, nem sabe ou quer fazer.

Sucede que no tempo já decorrido o Chega, livre de peias, tem asneirado com abundância: a acusação de traição à Pátria contra Marcelo, além de uma aberração jurídica (o Presidente é apenas réu do crime de querer agradar a qualquer plateia que tenha pela frente e ser um depositário acrítico, como sempre foi, de patetices que imagine consensuais), é uma oportunista confusão entre assuntos de natureza política e criminal; a aliança com o PS na abolição de portagens nas SCUTs é, objectivamente, uma participação num conluio perigoso para pendurar ao pescoço da AD a derrapagem nas contas públicas; e a inacreditável entrevista do putativo conspiracionista e anti-Judeu cabeça de lista às Europeias, o embaixador Tânger Correia, é uma ilustração penosa da falta de quadros do partido. É certo que aquele tentou, e em parte conseguiu, em nova entrevista, desta vez à TVI, corrigir o tiro. E no debate de quarta-feira passada na RTP3 pareceu um modelo de sensatez e equilíbrio. Mas no resto da mesa estavam Paupério e Fidalgo, respectivamente do Livre e do PAN, que têm opiniões com acne e toilettes retóricas de arco-íris; e Catarina Martins, mais polida nos delírios sobre uma Europa na versão do capitalismo anticapitalista que o BE defende, e que todavia não conseguiu (nem sequer se esforçou) disfarçar o genuíno ódio que nutre pelo que considera ser o partido que o promove contra os imigrantes.

Se acordos discretos com o Chega já eram difíceis agora ficaram-no mais. De modo que de reformas (as quais, por definição, desagradam sempre a uma parte do eleitorado) estamos conversados. Resta esperar que o Governo não caia na esparrela de ficar mal na fotografia da comparação com o PS, que com algumas moscambilhas de permeio, as cativações à sorrelfa e a ajuda da inflação, se apresentou como o campeão da redução da dívida pública. E se o preço dessa defesa de um módico de racionalidade tiver de ser entregar as chaves de S. Bento a Belém, que Montenegro não hesite, informando o senhor Presidente: Não fui eleito para desgovernar.

* Publicado no Observador

Os energúmenos

jpt, 18.05.24